Estado de Minas: 22/01/2014
FERNANDO BRANT »
O poeta e sua dor
Exilado de seu país, trazia na alma a angústia do sequestro e morte de seu filho e de sua nora
Exilado de seu país, trazia na alma a angústia do sequestro e morte de seu filho e de sua nora
Meu aniversário
naquele ano eu passei dentro de um avião, indo de Belo Horizonte para a
Cidade do México. Ia para um encontro de poetas, Poetas do Mundo Latino.
Tenho uma desconfiança boa de que, no convite que recebi de Eduardo
Langagne para participar do evento, houve um empurrãozinho de Affonso
Romano de Sant’Anna. O fato é que desci na capital mexicana no dia em
que Octavio Paz ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Alguns
latino-americanos se insurgiram contra a escolha, atacando as ideias
políticas do vencedor. Mas, pensei ali nas alturas, a premiação é
literária.
Foram alguns dias de muita poesia e cerveja. Todos diziam seus versos em Guadalajara, onde a Seleção de 70 brilhou, e em Guanajuato, cidade colonial de grande beleza. Conheci muita gente sensível e inteligente e meus dias foram de alegria, sem os percalços da vingança de Montezuma. Fui comedido na comida, o que não aconteceu com o português Eduardo Guerra Carneiro, que, de tempos em tempos, tinha que correr aos banheiros. Este se foi em 2004, como agora nos deixou o poeta que mais me marcou naquela viagem, o argentino Juan Gelman.
Figura tranquila, exilado de seu país, trazia na alma a angústia do sequestro e morte de seu filho e de sua nora. Um ano antes, o corpo de Marcelo foi encontrado. Seu corpo foi misturado a cimento e areia, colocado dentro de um tambor metálico e jogado no Rio San Fernando. O corpo de sua nora, mais uma vítima da Operação Condor, ação conjunta dos governos militares do Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, ele não conseguiu reaver. Quando presa, estava no sétimo mês de gravidez.
Quando o conheci, no México, ele ainda não tinha noção do paradeiro da neta. Ele moveu o mundo para ter notícias dela e conseguiu, depois de muita busca e pressões internacionais, descobri-la, adotada por um militar uruguaio.
Pôde, enfim, o poeta, ter 13 anos de conforto e alívio ao lado dela, Macarena. Juan Gelman escreveu poemas sobre o amor e a dor. “As feridas ainda não estão fechadas. Seu único tratamento é a verdade e a Justiça. Somente assim é possível o esquecimento verdadeiro.” Dizia que não escrevia desde o ódio, que nos causa danos, mas sim desde a perda de um filho.
Tinha todos os motivos para ser um revoltado, uma pessoa de mal com a vida. Não caiu nas armadilhas da poesia panfletária. Era superior e dono de uma poesia superior. O mais admirável em sua poesia, disse Julio Cortázar, “é sua quase impensável ternura ali onde mais se justificaria o paroxismo da rejeição e a denúncia, sua invocação de tantas sombras com uma voz que sossega e acalenta, uma permanente carícia de palavras sobre tumbas ignotas”.
O tempo é de ler Juan Gelman, poeta da dor, do amor e da memória.
Foram alguns dias de muita poesia e cerveja. Todos diziam seus versos em Guadalajara, onde a Seleção de 70 brilhou, e em Guanajuato, cidade colonial de grande beleza. Conheci muita gente sensível e inteligente e meus dias foram de alegria, sem os percalços da vingança de Montezuma. Fui comedido na comida, o que não aconteceu com o português Eduardo Guerra Carneiro, que, de tempos em tempos, tinha que correr aos banheiros. Este se foi em 2004, como agora nos deixou o poeta que mais me marcou naquela viagem, o argentino Juan Gelman.
Figura tranquila, exilado de seu país, trazia na alma a angústia do sequestro e morte de seu filho e de sua nora. Um ano antes, o corpo de Marcelo foi encontrado. Seu corpo foi misturado a cimento e areia, colocado dentro de um tambor metálico e jogado no Rio San Fernando. O corpo de sua nora, mais uma vítima da Operação Condor, ação conjunta dos governos militares do Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, ele não conseguiu reaver. Quando presa, estava no sétimo mês de gravidez.
Quando o conheci, no México, ele ainda não tinha noção do paradeiro da neta. Ele moveu o mundo para ter notícias dela e conseguiu, depois de muita busca e pressões internacionais, descobri-la, adotada por um militar uruguaio.
Pôde, enfim, o poeta, ter 13 anos de conforto e alívio ao lado dela, Macarena. Juan Gelman escreveu poemas sobre o amor e a dor. “As feridas ainda não estão fechadas. Seu único tratamento é a verdade e a Justiça. Somente assim é possível o esquecimento verdadeiro.” Dizia que não escrevia desde o ódio, que nos causa danos, mas sim desde a perda de um filho.
Tinha todos os motivos para ser um revoltado, uma pessoa de mal com a vida. Não caiu nas armadilhas da poesia panfletária. Era superior e dono de uma poesia superior. O mais admirável em sua poesia, disse Julio Cortázar, “é sua quase impensável ternura ali onde mais se justificaria o paroxismo da rejeição e a denúncia, sua invocação de tantas sombras com uma voz que sossega e acalenta, uma permanente carícia de palavras sobre tumbas ignotas”.
O tempo é de ler Juan Gelman, poeta da dor, do amor e da memória.