quinta-feira, 14 de março de 2013

Quadrinhos

folha de são paulo

CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI

ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS

JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      LÉZIO JUNIOR

Lézio Junior

Fiéis recebem papa jesuíta e sul-americano com surpresa

folha de são paulo

O NOVO PAPA
Francisco terá de lidar com perda de católicos e escândalos de pedofilia
Discreto, Bergoglio sempre recusou cargos na Cúria; ele deve se encontrar em breve com antecessor, Bento 16
BERNARDO MELLO FRANCOFELIPE SELIGMANFABIANO MAISONNAVEENVIADOS ESPECIAIS A ROMANum conclave que durou menos de 26 horas e surpreendeu todo o mundo, a Igreja Católica elegeu ontem o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, 76, para ser o seu 266º papa.
Arcebispo de Buenos Aires, ele adotou o nome inédito de Francisco, mas sem um numeral -ele só será "Francisco 1º" se houver um segundo.
Será o primeiro latino-americano e o primeiro jesuíta a liderar os católicos em mais de 2.000 anos de história.
Em suas primeiras palavras, no balcão da Basílica de São Pedro, o novo papa pediu que os fiéis rezem por ele e disse que os cardeais foram buscá-lo quase no "fim do mundo" para comandar a igreja.
"Vós sabeis que o dever do conclave era dar um bispo a Roma. Parece que os meus irmãos cardeais foram quase ao fim do mundo buscá-lo." Durante o discurso, ficou a seu lado o brasileiro Cláudio Hummes, o que sugere proximidade com o novo papa.
O novo pontífice pediu orações pelo papa emérito Bento 16, que anunciou sua renúncia em 11 de fevereiro. Os dois conversaram por telefone ontem à noite.
Bergoglio não aparecia nas listas de favoritos para a sucessão papal. Depois de cinco votações, ultrapassou os 77 votos, ou seja, ganhou apoio de ao menos dois terços dos 115 cardeais que participaram da eleição secreta.
Ele teria sido o segundo colocado no último conclave, de 2005. No fim dessa disputa, teria dito aos colegas que não se sentia pronto para o pontificado, abrindo caminho para a escolha do cardeal alemão Joseph Ratzinger.
O papa Francisco assumirá uma igreja em crise, que sofre com a perda de fiéis e tenta recuperar sua imagem, manchada por disputas de poder e escândalos de pedofilia e corrupção.
Discreto, ele sempre recusou cargos na Cúria Romana e só ia ao Vaticano quando necessário. Essas características o credenciam como um possível reformador, que poderá mudar os rumos da igreja e desalojar seu status quo.
O porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, classificou a escolha como uma resposta "radical" a "especulações" sobre a guerra entre alas da igreja.
Segundo um porta-voz do Vaticano, ele homenageou são Francisco de Assis com a escolha, mas pode ter sido também referência a são Francisco Xavier, um dos fundadores da ordem jesuíta.
Até ontem, os mais cotados para a eleição eram o italiano Angelo Scola, visto como reformador, e o brasileiro Odilo Scherer, apontado como o candidato da Cúria. A notícia frustrou a torcida por d. Odilo entre os brasileiros na praça de São Pedro.
Hoje, Bergoglio reza missa com os cardeais na Capela Sistina. No sábado, dará uma entrevista coletiva e no dia seguinte, a primeira bênção dominical, o "Angelus".
Na terça-feira haverá a missa inaugural do papado.
FUMAÇA BRANCA
Quando a fumaça branca começou a sair da chaminé da Capela Sistina, às 19h06 (15h06 em Brasília), a praça de São Pedro parecia um mar de guarda-chuvas.
Os fiéis enfrentavam mau tempo desde o início da manhã e já haviam visto a fumaça preta às 11h38.
Quando a fumaça clara foi avistada, a alegria tomou o ambiente. Fiéis e curiosos se abraçavam e gritavam, em italiano: "Viva il papa!". Uma correria começou em direção à basílica. O povo queria chegar o mais perto possível para ver o cardeal, ainda desconhecido, que em minutos passaria a chefiar a igreja.
Por volta das 20h10, o cardeal francês Jean-Louis Tauran apareceu no balcão e pronunciou as duas palavras mágicas: "Habemus papam!" (temos um papa, em latim).
Bandeiras de todos os países tremulavam. Dezenas de brasileiras, pouquíssimas argentinas. Quando o nome de Bergoglio foi anunciado, muitos fiéis silenciaram.
Uma exceção foi o padre argentino Sebastián Vivas, 31, que esperava o anúncio a poucos metros da grade. "No lo creo, no lo creo!", repetia, atônito. "Bergoglio fez muitas reformas, levou a igreja para a favela. Mas é ele mesmo? Ai, meu Deus!", disse à reportagem, emocionado.
Era ele mesmo. E os fiéis argentinos, pouco a pouco, apareceram.
"Moro em Roma há 20 anos e só vim por casualidade, nunca imaginei que seria um argentino", disse o arquiteto Marcelo Rossi, 47, com bandeirinha do país.
"Ele é muito sério, humilde, pacificador. Tudo o que a igreja precisa", emendou Juliana Gargiulo, estudante de relações internacionais.
Um grupo em volta dela começou a gritar: "Argentina, Argentina!". Rapidamente, brasileiros se uniram à festa.
"Somos todos latino-americanos", disse o padre Wagner de Souza, abraçando os vizinhos.
"Não estou frustrado, estou feliz. O Brasil terá uma grande importância."


SAIBA MAIS
Nome pode ser referência a dois santos
COLABORAÇÃO PARA A FOLHABoas razões não faltam para que o novo papa tenha sido o primeiro a escolher o nome de Francisco.
Segundo o Vaticano, é uma referência a são Francisco de Assis, mas provavelmente não é a única.
"A grande maioria dos católicos vai pensar imediatamente em são Francisco de Assis", diz Rodrigo Coppe Caldeira, historiador do catolicismo da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais).
Algumas pistas explicam a razão da predileção pelo santo fundador dos franciscanos, morto no ano 1226.
Como arcebispo, Jorge Bergoglio tentou se mostrar próximo dos pobres e adotou um estilo de vida modesto, em linha com o jovem medieval que buscou a santidade na pobreza. São Francisco de Assis também é o padroeiro da Itália, o que ajudaria o papa a indicar que ele não descuidará de seu rebanho italiano.
Como se trata do primeiro papa vindo da Companhia de Jesus, no entanto, é impossível não pensar em são Francisco Xavier (1506-1552), membro do núcleo dos primeiros jesuítas e missionário intrépido que pregou na Índia, em Bornéu e no Japão.
"Ambos os nomes são muito ricos de significado. Se houver referência a são Francisco Xavier, há um grande sentido de missão, de uma igreja missionária", afirma Moisés Sbardelotto, pesquisador da Unisinos (RS) que estuda a inserção do catolicismo nas mídias digitais.
Nesse caso, um papa de ascendência europeia, mas nascido fora dos centros históricos de poder da Igreja Católica, estaria sinalizando sua disposição para enfrentar a "conquista espiritual" do Oriente, como tentaram fazer seus predecessores jesuítas.
É claro que a referência pode ser dupla (ou até tripla; Rodrigo Caldeira lembra outro jesuíta famoso, são Francisco de Borja, também do século 16).
A ambiguidade também estava presente no nome escolhido por Bento 16, referência a são Bento, monge do século 6 que criou a regra dos beneditinos, e ao papa Bento 15 (1854-1922), que tentou fomentar a paz na Primeira Guerra Mundial.

    O papa e o pecado da omissão - Clovis Rossi

    folha de são paulo

    Bergoglio e sua igreja passaram em silêncio pelo genocídio que devastou a Argentina na ditadura
    JORGE MARIO Bergoglio leva ao Vaticano um pecado imperdoável: foi no mínimo omisso durante o genocídio que a ditadura militar argentina praticou entre 1976 e 1983.
    Nem é possível alegar que não era, então, uma figura destacada na hierarquia eclesiástica: foi provincial dos jesuítas entre 1973 e 1979. A parte mais selvagem da repressão se deu precisamente entre o golpe de 1976 e 1978, quando, a rigor, a esquerda armada já havia sido esmagada, junto com milhares de civis desarmados.
    Há na Argentina quem acuse Bergoglio de ter sido pior do que omisso: o jornalista Horácio Verbitsky, autor de um punhado de livros sobre a ditadura, acusa o agora papa de ter sido cúmplice da repressão ao denunciar aos militares, como subversivos, sacerdotes que desempenhavam forte ação social.
    Verbitsky diz possuir documentos obtidos na Chancelaria argentina que demonstram a veracidade de sua acusação.
    Antes do conclave anterior (2005), um advogado da área de direitos humanos chegou a propor uma ação contra Bergoglio, acusando-o de ter sido cúmplice no sequestro de dois padres jesuítas em 1976.
    Bergoglio sempre negou as acusações. Disse que, ao contrário, tentou proteger os jesuítas perseguidos.
    O que não dá para negar é que Bergoglio passou em silêncio por um período negro da história argentina, em que o comportamento de sua igreja foi obsceno.
    Não é, portanto, um cartão de visitas auspicioso para um papa condenado a enfrentar uma evidente crise de credibilidade, se não da igreja, pelo menos de sua cúpula.
    A igreja argentina também perdeu credibilidade por sua pusilanimidade, para dizer o mínimo, durante a ditadura militar. Como correspondente da Folha em Buenos Aires de 1980 a 1983, fui testemunha ocular das intoleráveis omissões da hierarquia ante a violência do Estado.
    Conto apenas um episódio menor para mostrar a covardia.
    Um dado dia, as Madres de Plaza de Mayo pediram uma audiência aos bispos. Um grupo delas, todas senhoras de idade, rostos vincados pelo tempo e pela dor, foi até a sede da Conferência Episcopal Argentina para entregar uma petição, obviamente relacionada à violação dos direitos humanos.
    Chovia, fazia frio, o vento era cortante. Pois os responsáveis pela igreja argentina não tiveram nem sequer a piedade de permitir que as senhoras esperassem no interior do imóvel. Ficaram mesmo ao relento, como a sociedade argentina ficou desprotegida pelos seus pastores durante toda a ditadura.
    É dessa igreja que vem Bergoglio. Uma igreja que jamais pediu perdão por esse insuportável comportamento.
    É possível que, tendo a Argentina da democracia passado a limpo o período do terror, a questão dos direitos humanos no passado seja deixada de lado ou vá para um pé de página no perfil do novo papa.
    Entendo. Os homens passam a ser santos, ou quando morrem ou quando assumem o papado.
    A ver se o papa Francisco corrigirá no Vaticano o pecado de omissão de Bergoglio.

    Sylvia Colombo - Metódico, pontífice prefere terno à batina

    folha de são paulo

    O NOVO PAPA
    De família de imigrantes, Jorge Mario Bergoglio estudou literatura e psicologia e foi indicado cardeal em 2001
    Ele é acusado por intelectuais de esquerda por ter encoberto crimes e apoiado os militares
    SYLVIA COLOMBONAS ILHAS MALVINAS
    Todos os dias, Jorge Mario Bergoglio abre o portão da sede do Arcebispado de Buenos Aires, onde vive, às 5h30 da manhã. Atravessa a via do centro da capital argentina, compra jornais e os lê tomando mate. Normalmente, não usa batina. Se tem uma reunião, prefere o terno.
    E se tem de deslocar-se para um local mais distante, como os bairros de Flores, Barracas e Almagro, onde estão paróquias que acompanha de perto, vai de metrô e ônibus.
    Assim é a vida do novo papa, um jesuíta que prega a humildade e que, quando foi indicado cardeal, impediu conhecidos de irem a Roma acompanhar a cerimônia, pedindo-lhes que preferissem usar o dinheiro de suas passagens para ajudar os pobres.
    É conhecido por seu trabalho nas "villas" (favelas argentinas) e por apoiar os chamados "curas villeros", padres que se dedicam aos pobres dessas áreas.
    Bergoglio recusou-se a receber a casa a que teria direito, preferindo viver no arcebispado, e dispensou também o carro e o chofer.
    De família de imigrantes, é um dos cinco filhos de um operário de ferrovia. Pouco depois de ser ordenado padre, em 1969, teve uma grave infecção e tirou um pulmão.
    Estudou literatura e psicologia, fez escola técnica de química e foi indicado cardeal em 2001, pelo papa João Paulo 2º.
    Assumiu pouco antes da grande crise argentina daquele ano e, por causa dela, deu a bênção a cinco presidentes em uma semana.
    A pobreza sempre esteve no foco de suas preocupações. E, durante a gestão Néstor Kirchner (2003-2007), enfrentou o então presidente afirmando que era "imoral, ilegítimo e injusto" permitir que a desigualdade continuasse crescendo no país.
    "Direitos humanos não são violados apenas por conta do terrorismo, repressão ou assassinatos, mas também por injustas estruturas econômicas que criam grandes desigualdades", afirmou.
    REGIME MILITAR
    A parte mais obscura da trajetória de Bergoglio, porém, tem a ver com sua atuação durante a ditadura militar (1976-1983). Ele é acusado por ativistas de direitos humanos de encobrir crimes, apoiar o regime e entregar dois sacerdotes à repressão. Foram eles Francisco Jalics e Orlando Yorio.
    O principal denunciador do comportamento de Bergoglio é o jornalista e hoje assessor informal de Cristina, Horacio Verbitsky. Em seu livro "El Silencio", lançado em 2005, Verbistky diz que ambos foram sequestrados pelo Grupo de Tarefas da Marinha em 26 de maio de 1976 e levados à ESMA (Escola Mecanica da Armada), onde foram interrogados, torturados e passaram seis meses em cativeiro. Eles teriam ligação com grupos de resistência à ditadura.
    Bergoglio sempre negou qualquer tipo de colaboração com a ditadura e que tenha entregue os dois sacerdotes à repressão. Disse que, ao contrário, tentou ajudá-los.
    Verbitsky ainda o acusa de saber sobre o sequestro de bebês por parte dos militares, prática comum no período.
    Recentemente, Bergoglio teve um enfrentamento com a presidente Cristina Kirchner por causa da aprovação do casamento gay, afirmando que as crianças argentinas devem ser criadas por mães e pais.

    Argentino é rebaixado de Deus a papa - José Simão

    folha de são paulo

    OPINIÃO
    Agora teremos de aguentar o Maradona, o Messi e o papa
    JOSÉ SIMÃOCOLUNISTA DA FOLHA
    Ueba! Habemus Tango!
    O quê? Papa argentino? Isso é pessoal contra os brasileiros! Resultado do conclave: Argentina 1 X 0 Brasil. Dom Odilo amarelou!
    Agora temos de aguentar o Maradona, o Messi e o papa! E repeti inúmeras vezes que papa argentino não pode, porque argentino pensa que é Deus. Acúmulo de funções!
    Aliás, argentino foi rebaixado: de Deus para papa! E diz que a escolha demorou porque era papa argentino. Tava catimbando! Rarara! E ele escolheu Francisco porque sabia que ia ser o primeiro. Porque não escolheu Diego 1º!
    É bom papa argentino, porque vai conversar com Deus de igual para igual! E corre uma fotomontagem na internet com o Maradona segurando um cartaz: "Eu já sabia". E na praça de São Pedro só se via gente recolhendo a bandeira brasileira!
    E eu acho que o Espírito Santo sussurrava Odilo, mas, como os veinhos são surdos, entenderam Bergoglio!
    Mas tudo bem. A Argentina pode ter um papa, mas nós temos o Inri Cristo e o Edir Macedo.

    Atônito, ele pediu a bênção dos fiéis antes de abençoar a multidão - Marcelo Coelho

    folha de são paulo

    ANÁLISE
    Fofura interiorana se mistura à intolerância ao casamento gay
    MARCELO COELHOCOLUNISTA DA FOLHAPara avaliar melhor as reais chances de dom Odilo Scherer, eu tinha dado uma olhada nos jornais argentinos destes últimos dias. Até eles, pelo que pude ver, colocavam o brasileiro como favorito.
    A surpresa, portanto, não poderia ser maior. O próprio Jorge Mario Bergoglio, ao surgir na janela e dizer suas primeiras palavras, parecia completamente atônito.
    Tanto que sua primeira frase foi a menos papal, e a menos preparada que se pudesse imaginar: "Boa noite".
    Como assim, "boa noite"? Ao fundo, uma bandinha tocava. No final do discurso, Bergoglio se referiu a ter sido eleito bispo "desta bela cidade".
    O papa, como se sabe, é o bispo de Roma. Mas dizer, naquela praça onde se reuniam pessoas de todas as partes do mundo, que Roma "é uma bela cidade" intensificou a nota interiorana da ocasião.
    O Vaticano se tornou, de repente, muito simples. O nome escolhido por Bergoglio, o de Francisco, também contribui para essa imagem de modéstia e de pobreza, ao lembrar o santo de Assis.
    É sabido que, em Buenos Aires, ele prefere morar num apartamento pequeno a ocupar o palácio arquidiocesano; que anda de ônibus e cozinha as próprias refeições.
    Apareceu na sacada (eu ia dizendo "janelinha", mas é bem grande) só com as roupas brancas, sem a estola vermelha -que só apareceu depois.
    Mais significativo do que tudo isso foi o fato de que Bergoglio, em vez de sair abençoando a multidão, pediu primeiro uma bênção dos fiéis para ele próprio.
    Nomes próprios têm certa mágica. Sem dúvida, Bergoglio não rima, neste momento, com "orgoglio", orgulho.
    Inevitável a multiplicação de piadinhas sobre o fato de termos um papa argentino. Detestando os preconceitos com nossos vizinhos, fico feliz de registrar uma primeira impressão auspiciosa: temos um argentino humilde no papado.
    Reformador? "Progressista"? Midiático? Burocrata? Talvez a tentativa, ou o mistério, da escolha tenha sido buscar uma figura que transcendesse as divisões e impasses reais do Vaticano, alçando a figura papal a uma espécie de nuvem de fofura, branquinha como a fumaça que saiu da chaminé nesta tarde -e como a lã que cobre o cordeiro de Deus.
    Não se trata daqueles prodígios de simpatia pelos quais eu estava torcendo.
    O americano Dolan, de proporções pantagruélicas, aparecia num vídeo às gargalhadas, com uma tremenda marreta nas mãos, para inaugurar não sei que reforma nas paredes de um edifício. O filipino Luis Tagle chora como um menino ao ser nomeado cardeal, e ri como num desenho animado durante uma homilia.
    Ainda assim, Bergoglio rompe com a antipatia e o aspecto robótico que, tanto quanto a sofisticação intelectual, têm sido a tônica dos anos Ratzinger.
    Será suficiente a cordura do novo papa? Cito suas palavras a respeito do casamento gay, aprovado há pouco tempo na Argentina.
    O debate não era apenas "uma luta política", disse ele, mas "uma pretensão destrutiva aos planos de Deus". Mais do que isso, é um lance do "pai da mentira".
    O casamento gay, trovejava Bergoglio, é fruto da "inveja do demônio, pela qual o pecado entrou no mundo, e cuja artimanha pretende destruir a imagem de Deus".
    Santo homem.
    Mas o Brasil não aguenta ficar para trás. Tem o seu primeiro clérigo xiita, o paulistano Rodrigo Jalloul, no caminho de uma escalada ao posto de aiatolá.

      Luiz Felipe Pondé

      folha de são paulo

      ANÁLISE
      Segue a recusa à contaminação marxista e à secularização
      LUIZ FELIPE PONDÉCOLUNISTA DA FOLHA
      A IGREJA PISA FORA DA EUROPA, MAS MANTÉM A RECUSA À TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO, À ESQUERDA PASTORAL LATINO-AMERICANA
      A igreja deu mais uma prova de sua sabedoria histórica ao escolher Jorge Mario Bergoglio para ser o papa. Ela diz sim aos anseios de um papado não alienado dentro dos muros de uma Europa voltada para si, mas ao mesmo tempo manteve o curso da revolução conservadora de Ratzinger.
      Ela significa a recusa à contaminação marxista e o expurgo de um clero mais afeito às demandas de uma sociedade secularizada.
      Já na escolha do seu nome, o novo papa indica sua aproximação com um personagem dentro da história da Igreja. São Francisco (séculos 12 e 13) é conhecido como sendo um "consenso" como santo e como pessoa.
      Doce e carismático, mas forte em suas convicções, são Francisco surgiu quando a sociedade medieval marchava para a urbanização e, portanto, precisava de ordens menos rurais, mais abertas ao movimento social das cidades emergentes.
      Homem egresso da burguesia italiana medieval, são Francisco recusa a riqueza de seu pai e será identificado como um duro adversário das impurezas da Igreja em sua época (vida sexual indevida e intrigas palacianas). Ele também é lembrado como um defensor da pobreza da igreja (o próprio Bergoglio é conhecido por recusar luxos materiais dispensados aos arcebispos e cardeais) e do respeito a toda forma de vida.
      Com Bergoglio, a igreja dá um passo fora do mundo europeu rico, mas ao mesmo tempo se mantém fiel à recusa da Teologia da Libertação, à esquerda da pastoral católica latino-americana. A igreja argentina foi bem impermeável à contaminação política marxista, algo que não aconteceu no Brasil, na Colômbia ou América Central.
      Durante a ditadura argentina, Bergoglio nunca foi visto como simpático aos grupos de esquerda, o que lhe custou algumas antipatias.
      A ordem jesuíta, da qual ele faz parte, sempre foi identificada com modos "agressivos" de aprendizagem da cultura do "outro" para fins catequéticos. Jesuítas são vistos por muitos como os "modernos da igreja". No Oriente, chegaram a pintar Jesus com feições orientais. Ao mesmo tempo, juram fidelidade absoluta ao magistério católico e ao papa. Uma imagem de equilíbrio entre o novo e a tradição.
      Outra referencia a um santo de nome Francisco importante é vista justamente em são Francisco Xavier (século 16), grande catequizador do Oriente, conhecido como o jesuíta que teria convertido mais não cristãos ao cristianismo.
      O novo papa é um homem identificado com o combate aos excessos da sociedade de mercado, ao lucro desmesurado. Advoga a defesa dos pobres, mas em um espírito bíblico e não político-partidário, opção metodológica cara ao teólogo Ratzinger desde os anos 1980. E o que significa isso?
      O cristianismo nasce da corrente profética hebraica marcada pela "crítica social" ao mundo do poder na antiguidade semítica.
      Assim, os profetas denunciaram o acúmulo de riquezas e a indiferença dos poderosos com o sofrimento do mais pobres, dizendo que o Deus de Israel quer que as pessoas se ocupem das viúvas, dos órfãos e dos pobres, em vez de tentarem "comprar" favores de Deus via sacrifícios no templo.
      Na figura carismática de Bergoglio, a igreja marca mais um ponto no combate à teologia da libertação, ao mesmo tempo em que se mostra sensível ao apelo da maioria não europeia de seus fiéis -e também permanece fiel à imagem de um cristianismo ao lado dos que sofrem.

        Atropelamento na Paulista uniu os destinos de dois jovens que têm a mesma idade, mas trajetórias de vida diferentes

        folha de são paulo

        Vidas cruzadas
        ROGÉRIO PAGNANANDRÉ MONTEIRODE SÃO PAULOFoi no coração da cidade, no encontro entre noite e dia, que as vidas de Alex Siwek e David Santos Sousa se cruzaram. Um seguia para dormir. O outro, para trabalhar.
        O incidente, que ocorreu na manhã de domingo e não deixou indiferente nenhum morador de São Paulo, envolveu dois jovens paulistanos da mesma idade, 21, mas com trajetórias de vida diferentes.
        Alex é filho de um empresário uruguaio com uma brasileira. Mora em um confortável apartamento no Jardim da Saúde, na zona sul da capital, região de alto padrão.
        Atualmente não trabalha. Seus estudos são financiados pela família -ele cursa o segundo semestre de psicologia na faculdade Anhembi Morumbi, na Mooca.
        Também estudou marketing, mas desistiu da carreira.
        Alex, ao lado dos amigos, é frequentador assíduo da noite paulistana. É apaixonado por música eletrônica e faz suas próprias mixagens.
        Poucas horas antes do episódio que mudaria sua vida, gastou R$ 96 com três doses de vodca e um enérgico num clube do Itaim Bibi -ele recebe mesada dos pais.
        Já David usa a bicicleta para trabalhar para poupar o dinheiro do ônibus, pago pela empresa, o que gera uma economia de R$ 150 por mês.
        Entre sua casa e o Hospital das Clínicas, onde limpava vidros fazendo rapel, são quase de 50 km, ida e volta.
        Ele também mora na zona sul, mas no bairro Novo Pantanal, numa região pobre na divisa com Diadema.
        Filho de um pintor e uma empregada doméstica cearenses, ele ainda não conseguiu concluir o ensino médio.
        MCDONALD'S
        Segundo a família, David, caçula de cinco filhos, teve dificuldades para frequentar a escola porque começou a trabalhar aos 15 anos.
        Já teve vários empregos, entre eles os de atendente do McDonald's e ajudante do Pão de Açúcar.
        Seu sonho, segundo a mãe, Antonia Ferreira dos Santos, era se formar técnico de segurança e trabalhar na Petrobras. A ideia surgiu após uma viagem a Macaé, no norte do Rio, onde ficou sabendo que havia muita demanda pela carreira na estatal.
        "Ele não desistiu do sonho. Vai terminar o ensino médio e no meio do ano quer começar o curso", disse ela.
        Alex é filho único. Numa das poucas vezes em que foi a uma delegacia, segundo seu advogado, esteve lá como vítima de sequestro relâmpago.
        Até a noite de ontem, ele permanecia no CDP (Centro de Detenção Provisória) do Belém, na zona leste. Hoje de manhã, completará três dias em uma cela isolada.
        De acordo com sua defesa, ele pode ser solto pela Justiça ainda hoje, por não ter antecedentes criminais.
        BALADAS
        A boate Josephine, onde Alex esteve na noite fatídica, é frequentada pela alta sociedade paulistana. A entrada no lugar chega a custar R$ 300 por pessoa.
        David, segundo a família, é torcedor fanático do São Paulo, mas não frequenta os jogos do time por causa do preço dos ingressos.
        O destino dos dois se cruzou na Paulista pouco antes das 6h de domingo, quase em frente ao edifício Patrimônio, entre a Brigadeiro e a rua Maria Figueiredo.
        Alex pegou a avenida para deixar um amigo em casa.
        Segundo a polícia e a Promotoria, sob o "efeito do álcool", ele dirigia de "forma tresloucada" e fazia zigue-zague entre os cones recém-colocados para demarcar o espaço da ciclofaixa de lazer.
        David pedalava na pista contrária, sentido Consolação, mas decidiu trocar de lado para ficar protegido na faixa reservada aos ciclistas, mesmo na contramão.
        Disse à polícia que viu o carro se aproximar em alta velocidade e derrubar três cones e que tentou, em vão, se atirar no canteiro central.
        Com o impacto, teve o braço direito arrancado. O membro acabou lançado para dentro do carro de Alex, que fugiu do local do acidente sem prestar socorro e depois atirou o braço em um córrego.
        O estudante, segundo seu advogado, pergunta por David na prisão e diz querer conhecê-lo para pedir perdão.
        A mãe de David diz que aceitaria um encontro. "Mas quem tem que perdoar ele é Deus, não a gente."

          Raiva não vai trazer braço de volta, diz mãe
          DE SÃO PAULO"Não posso dizer que vou ter raiva porque não vai trazer o braço dele de volta", disse ontem Antonia Ferreira dos Santos, 51, mãe do ciclista atropelado.
          Ela disse que desde o acidente tem crises de hipertensão e que não consegue dormir mais de quatro horas por noite.
          Antonia falou à imprensa no escritório do advogado Ademar Gomes, contratado pela família. Ele informou que vai pedir indenização por danos morais e materiais contra Alex Siwek e que vai recorrer para que o caso seja julgado no tribunal do júri.
          "Tem que ser feita justiça para que amanhã ou depois ele não volte a beber e faça isso com outra pessoa", disse a mãe.

            Pasquale Cipro Neto

            folha de são paulo

            "O Estado fale"
            E como é que se chega à conclusão de que um verbo é defectivo? Muita gente acha que a coisa já vem pronta
            NA SEMANA passada, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, disse algo como "O Estado fale", referindo-se à diminuição da fatia de tributos que o Estado por ele comandado receberá com a nova lei dos royalties da produção do petróleo.
            Não foram poucos os leitores que me escreveram para perguntar se é o Estado "fale" mesmo. Como parece óbvio, o governador conjugou ou tentou conjugar o verbo "falir" na terceira pessoa do singular do presente do indicativo. Entramos num território delicadíssimo, caro leitor, o dos verbos defectivos.
            É defectivo o verbo que não apresenta todas as formas. Como é a primeira pessoa do singular do presente do indicativo de "abolir"? Será "eu abolo"? Ou será "eu abulo"?
            Nem "abolo" nem "abulo". O presente do indicativo desse verbo começa na segunda pessoa do singular: "tu aboles, ele abole, nós abolimos, vós abolis, eles abolem". Como lhe falta a primeira pessoa do singular do presente do indicativo, falta-lhe todo o presente do subjuntivo, que, como se sabe, vem justamente da primeira do singular do presente do indicativo.
            Moral da história: se você tivesse de preencher com uma forma do verbo "abolir" a lacuna de "Eles querem que a presidente ___ essa exigência", o que você faria? Não faria. A solução é recorrer a um verbo do mesmo campo semântico ("extinguir", "revogar", "eliminar", "anular"): "Eles querem que a presidente extinga (ou 'revogue', 'elimine', 'anule') essa exigência".
            E como é que se chega à conclusão de que um verbo é defectivo? Eis o grande nó. Muita gente (a maioria, suponho) acha que a coisa já vem pronta, como se um general da língua dissesse o que "pode" e o que "não pode", o que se conjuga e o que não se conjuga. Não é assim. Como bem se sabe, língua é essencialmente uma questão de uso. Quando se trata do registro culto da língua, por exemplo, o que se faz é verificar a incidência nesse registro de determinados termos, flexões etc.
            É incontestável, por exemplo, a incidência zero de formas como "abulo" ou "abolo", o que nos permite afirmar com total tranquilidade que no atual estágio da língua culta o verbo "abolir" é defectivo. Talvez não se possa dizer o mesmo (incidência zero) de "falir", já que em alguns pronunciamentos orais volta e meia se empregam formas como "eu falo" e "ele/a fale", por exemplo, que não se registram na língua escrita formal culta.
            Moral da história: formas como "O Estado fale" ainda estão longe do registro formal culto da língua.
            Aproveito para lembrar que verbos como "explodir" e "adequar", entre outros, que tradicionalmente são dados como defectivos pelos dicionários e gramáticas, modernamente vêm apresentando conjugação completa, muitas vezes marcada por instabilidade de formas. Na sua tabela de conjugação, o "Houaiss" dá "explodir" como completo e ainda registra a sua abundância na primeira do singular do presente do indicativo ("expludo" e "explodo") e do presente do subjuntivo ("expluda" e "exploda").
            No verbete em si, no entanto, o dicionário faz esta observação: "Geralmente considerado defectivo, não teria as formas...". Esse "não teria" mostra bem como a questão é delicada. No verbete "verbo", ao explicar a expressão "verbo defectivo", o mesmo dicionário dá como exemplo justamente o verbo "explodir"...
            Difícil, não? Bem, cabe-me informar aos que vão prestar concursos públicos que as bancas que elaboram as provas costumam ser tradicionalistas. Para elas, "explodir", entre outros, é defectivo e pronto. É isso.

            Biblioteca Nacional divulga 70 autores que representarão o Brasil em Frankfurt


            Folha de São Paulo

            DE SÃO PAULO
            Os nomes dos 70 escritores brasileiros que o governo federal levará em outubro para a Feira do Livro de Frankfurt foram divulgados na manhã desta quinta-feira (14) pela Fundação Biblioteca Nacional. Neste ano, o Brasil será o convidado de honra da feira, o maior evento editorial do mundo.
            Entre os selecionados, estão veteranos, como Adélia Prado, Ana Maria Machado, João Ubaldo Ribeiro, Carlos Heitor Cony e Ziraldo, além de representantes da nova geração, como Daniel Galera, Michel Laub, Carola Saavedra e Ferrez. Foram selecionados autores de prosa, poesia, ensaio, biografia, crítica, obras técnicas e científicas, quadrinhos e infanto-juvenis.
            A seleção foi feita pelos curadores Manuel da Costa Pinto, colunista da Folha, Antonio Martinelli, do Sesc-SP, e Maria Antonieta Cunha, da Biblioteca Nacional. Além dos 70 nomes, que integrarão atividades da participação brasileira no evento, o Brasil terá programação cultural de agosto a outubro em Frankfurt --a programação completa será anunciada em junho.
            Daniel Marenco/Folhapress
            A escritora Ana Maria Machado, uma das selecionadas
            A escritora Ana Maria Machado, uma das selecionadas
            Segundo Manuel da Costa Pinto, a intenção foi fazer um "instantâneo da variedade literária, estética e ensaística" do país, além de reunir escritores que "sintetizam suas transições culturais mais recentes".
            CRITÉRIOS
            Os critérios da curadoria foram a diversidade e a pluralidade, o equilíbrio entre escritores consagrados e a nova geração, a variedade de gêneros e a qualidade estética.
            Além disso, foram privilegiados autores publicados ou em vias de publicação na Alemanha e em outros idiomas estrangeiros, bem como os agraciados pelos principais prêmios literários do Brasil, de 1994 até hoje.
            O anúncio foi feito hoje por Galeno Amorim, presidente da Fundação Biblioteca Nacional, em feira literária na cidade alemã de Leipzig, que marca o início das comemorações do país na Alemanha. A feira em Leipzig já conta com a participação de nove brasileiros --João Almino, Carola Saavedra, Age de Carvalho, Luis S. Krausz, Rafael Cardoso, Tatiana Salem Levy, Ronaldo Wrobel, Ronaldo Correia de Brito e Ricardo Domeneck.
            *
            Veja, a seguir, a lista completa de autores:
            Adélia Prado (MG)
            Adriana Lisboa (RJ)
            Affonso Romano de Sant'Anna (MG)
            Age de Carvalho (PA)
            Alice Ruiz (PR)
            Ana Maria Machado (RJ)
            Ana Miranda (CE)
            André Sant'Anna (MG)
            Andrea del Fuego (SP)
            Angela-Lago (MG)
            Antonio Carlos Viana (SE)
            Beatriz Bracher (SP)
            Bernardo Ajzenberg (SP)
            Bernardo Carvalho (RJ)
            Carlos Heitor Cony (RJ)
            Carola Saavedra (Chile - RJ)
            Chacal (RJ)
            Cíntia Moscovich (RS)
            Cristovão Tezza (SC)
            Daniel Galera (SP)
            Daniel Munduruku (PA)
            Eva Furnari (SP)
            Fábio Moon e Gabriel Bá (SP)
            Fernando Gonsales (SP)
            Fernando Morais (MG)
            Fernando Vilela (SP)
            Ferréz (SP)
            Flora Süssekind (RJ)
            Francisco Alvim (MG)
            Ignácio de Loyola Brandão (SP)
            João Almino (RN)
            João Gilberto Noll (RS)
            João Ubaldo Ribeiro (BA)
            Joca Reiners Terron (MT)
            José Miguel Wisnik (SP)
            José Murilo de Carvalho (MG)
            Lelis (MG)
            Lilia Moritz Schwarcz (SP)
            Lourenço Mutarelli (SP)
            Luiz Costa Lima (MA)
            Luiz Ruffato (MG)
            Manuela Carneiro da Cunha (Portugal - SP)
            Marçal Aquino (SP)
            Marcelino Freire (PE)
            Maria Esther Maciel (MG)
            Maria Rita Kehl (SP)
            Marina Colasanti (RJ)
            Mary del Priore (RJ)
            Mauricio de Sousa (SP)
            Michel Laub (RS)
            Miguel Nicolelis (SP)
            Nélida Piñón (RJ)
            Nicolas Behr (MT)
            Nuno Ramos (SP)
            Patricia Melo (SP)
            Paulo Coelho (RJ)
            Paulo Henriques Britto (RJ)
            Paulo Lins (RJ)
            Pedro Bandeira (SP)
            Roger Mello (DF)
            Ronaldo Correia de Brito (CE)
            Ruth Rocha (SP)
            Ruy Castro (MG)
            Sérgio Sant'Anna (RJ)
            Silviano Santiago (MG)
            Teixeira Coelho (SP)
            Veronica Stigger (RS)
            Walnice Nogueira Galvão (SP)
            Ziraldo (MG)

            Marina Colasanti - Reunidos ao redor do livro‏


            marinacolasanti.s@gmail.com

            Estado de Minas: 14/03/2013 


            Escrevo de Bogotá, meu avião sai daqui a poucas horas, o Cilelij acabou, volto para casa. A sigla significa Congresso Ibero-americano de Língua e Literatura Infantil e Juvenil. Este é o segundo. O primeiro, em Santiago, em 2010, foi finalizado de forma dramática pelo terremoto. O terceiro acaba de ser anunciado, será em 2016, no México.

            Quando se fala em literatura infantil, quem não é da área pensa logo em livrinhos coloridos, Disney, histórias de bichos meigos e crianças bochechudas. Pensa um pouco em chatice, um pouco em gracinha, miudezas. Mas não foi de miudezas que tratamos ao longo desses três dias de trabalho.

            Especialistas, autores, editores e ilustradores se reuniram para avaliar a produção e traçar rumos daquela que é a literatura formadora por excelência. Tratava-se de analisar o futuro e o presente do livro, os novos formatos. Três eixos conduziram os trabalhos: a vida privada (família, amor, amizade, corpo e sexualidade, etc...), a vida pública (escola, cidadania, dimensão política, emigração, violência, etc...), e a transcendência (fé, morte, esperança, religião criatividade, utopias, etc...).

            Foi um belo congresso, de nível acadêmico muito alto. Coisa rara nessas ocasiões, saímos todos contentes. E, coisa mais rara ainda, como foi dito na cerimônia de encerramento, “não houve passeios de ego”.

            Desses três dias em que tanto ouvi, destaco o mais jovem dos autores, uma espécie de mascote do time espanhol, Javier Ruescas, não por ter tido importância maior, mas por ser o mais próximo daqueles novos formatos que queríamos discutir.

            Com seus 25 anos, Javier não é nem tão jovem, mas é autor de romances juvenis, diretor de sites, diretor de uma revista digital dirigida aos jovens. Seu público principal se conta em acessos. “O livro de papel não vai desaparecer, permanece nas mãos dos jovens, como permanecem os pôsteres dos ídolos nas paredes dos seus quartos. É parte do seu mundo”, disse. Podemos crer – porque ele não chegou a explicitá-lo – que o objeto livro se torne então uma espécie de fetiche, transmissor da presença ilusória do autor.

            Os leitores de Javier não precisam de ilusão, estão com ele quando querem, através da internet, são íntimos. Não só pela facilidade do contato, mas porque têm aproximadamente sua mesma idade e seus mesmos interesses, a conversa acontece de igual para igual, ele dá dicas – de criação e de mercado editorial. Eles fazem críticas e imitações, elaboram variantes nos fan fiction. Tudo são vasos comunicantes. “Se preferem outro final, é justo que mudem, que inventem outro”. Ouvindo o jovem autor, tem-se a impressão de uma geração “vampiros” muito solar.

             E os emoticons, perguntou alguém do público, servem como recurso literário? Não para ele. Muito práticos para a comunicação corrente, muito divertidos. Mas, na hora de ler e na hora de escrever, não vale tomar atalhos, a força dos sentimentos só acontece através da descrição em palavras.

             Declarou-se um clássico filho de Harry Potter: “Cresci com ele, lendo toda a série desde menino. Me ensinou ‘muita coisa sobre a amizade, sobre mim mesmo.” Pouco antes, com boa dose de coragem, havia dito: ‘Não sei o que é literatura. Não sei o que não é literatura. Mas sei que escrever e ler me faz bem’”. 

            Entrevista Sheryl Sandberg - Fernanda Ezabella

            folha de são paulo

            Não nos sentimos confortáveis quando mulheres estão no poder
            PARA DIRETORA DO FACEBOOK, ESTEREÓTIPO É QUE SÓ HOMENS DEVEM SER PODEROSOS
            FERNANDA EZABELLAENVIADA ESPECIAL A MOUNTAIN VIEW, CALIFÓRNIA
            Ela já foi professora de aeróbica, casou aos 24 e divorciou-se aos 25, já chorou na frente dos chefes e levou quase um ano para arranjar emprego no Vale do Silício.
            Hoje, aos 43 anos, Sheryl Sandberg é a executiva mais poderosa do setor de tecnologia, no cargo de diretora de operações do Facebook.
            Ela conta detalhes de seu passado pouco glorioso, assim como situações embaraçosas no mercado de trabalho, no livro "Faça Acontecer" (Cia das Letras), uma mistura de biografia com autoajuda, ou, como ela mesma descreve: "Uma espécie de manifesto feminista".
            Leia trechos da entrevista concedida na sede do Facebook no Vale do Silício.
            Folha - Tenho a impressão de que há mais mulheres no Facebook do que quando visito a Apple ou o Google. Isso tem a ver com a sua gerência?
            Sheryl Sandberg - Antes de eu chegar ao Facebook já havia aqui políticas ótimas para as mulheres. O que fiz foi abrir o debate sobre gêneros. Quando nos dão retorno sobre o trabalho de outras mulheres, é comum ouvir que são agressivas. E nós perguntamos: por quê? Geralmente, quando um homem faz as mesmas coisas, ele não é considerado assim. Todo mundo quer um líder que as pessoas gostem e respeitem. E as mulheres têm mais dificuldade em ser ambos.
            Por quê?
            Nós não nos sentimos confortáveis com mulheres no poder. Nosso estereótipo diz que mulheres devem nutrir, ajudar, cuidar dos outros, enquanto os homens devem ser poderosos.
            A sra. não tem receio de que, com o livro, suas decisões sejam vistas como interesse de beneficiar outras mulheres?
            Não, imagine. A maioria das pessoas que trabalha para mim é homem, ainda hoje. A maioria da equipe sênior do Facebook é de homens, a maioria das equipes seniores em todos os lugares é de homens. Meu sucesso nos negócios sempre dependeu da minha habilidade de trabalhar bem com homens e mulheres.
            Em qual momento a sra. passou a se identificar como feminista?
            Foi quando passei a reconhecer essas questões e a perceber o quão grande é o papel do gênero. Foi apenas observando homens e mulheres que administrei ao longo de 15 anos. Não importa o que eu fizesse, os homens sempre saíam na frente.
            No livro, a sra. diz que "ter tudo" é "talvez a maior armadilha de todos os tempos para as mulheres". Mas a sra. tem tudo e é uma das mulheres mais poderosas do mundo.
            Eu sou muito sortuda. E sou bem clara quando digo que "ter tudo" é apenas uma linguagem ruim e apenas aplicada a mulheres. Nunca ninguém diz "ele tem tudo". Homens e mulheres deveriam ter chances iguais. Não estou dizendo que tudo deve ser feito ao mesmo tempo. As mulheres saem do campo de trabalho anos antes de ter filhos. Se você planeja ter um bebê em três anos, não deveria desistir das coisas agora. Se seguir na carreira, quando tiver um bebê, terá um salário melhor e provavelmente mais opções, flexibilidade.
            Quando os EUA estarão prontos para uma presidente?
            Espero que na próxima eleição. Espero que Hillary Clinton seja candidata.
            A sra. não se sente às vezes frustrada por querer ter propósitos maiores e profundos e trabalhar numa empresa conhecida pelo fato de as pessoas trocarem vídeos de gatos?
            O profundo pode ser encontrado no mundano, não é? Você pode dividir fotos bobinhas de gatos e se sentir realmente próximo de alguém. As pessoas precisam usar essas habilidades para se comunicar de todas as formas. E acho que é ok, é bom.
            Como foi ser contratada pelo Facebook? Quais qualidades Mark Zuckerberg estava procurando que a sra. tinha?
            Acho que nós dois tínhamos visões compatíveis sobre o que o Facebook deveria ser. Acho que tinha um monte de experiências e habilidades em áreas com as quais Mark não queria passar seu tempo lidando.
            Por que decidiu falar sobre momentos embaraçosos da sua carreira? A sra. agradece a apresentadora Oprah Winfrey ao final do livro. Ela ajudou?
            Foi bem difícil me abrir. Quando decidi escrever o livro, foi na época em que conheci a Oprah. E ela me disse para nem começar a escrever se não fosse compartilhar coisas pessoais. Amo dados e estatísticas, mas as pessoas não se interessam. Elas se vêem no que aconteceu comigo e que pode acontecer com elas.
            Que dicas daria às mulheres na hora de pedir um aumento?
            É importante entender que você se dará melhor se justificar o seu pedido. Dizer apenas que você merece ganhar mais pode ser a verdade, mas não funciona tão bem como funciona para os homens. Você se dará melhor se explicar o porquê. Você merece um aumento porque vai ajudar a empresa a crescer ou porque é importante para sua equipe. Não é ser agressiva, é entender o que o mundo espera de uma mulher


            RAIO-X - SHERYL SANDBERG
            IDADE
            43 anos
            CARGO ATUAL
            diretor de operações do Facebook
            ONDE JÁ TRABALHOU
            Google e Departamento do Tesouro dos EUA
            OBRA
            "Faça Acontecer" (Cia das Letras)

            Livro empilha dados, mas não aponta soluções
            ANDRÉ BARCINSKICRÍTICO DA FOLHAO livro de Sheryl Sandberg, "Faça Acontecer -Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar", está causando polêmica nos EUA. A crítica mais comum é que o livro representa a visão de uma multimilionária cercada de regalias e que não fala pela mulher norte-americana média.
            Parece uma visão preconceituosa, como se mulheres ricas e bem-sucedidas não pudessem ser feministas atuantes.
            O livro é uma mistura de autobiografia, manual de autoajuda e manifesto feminista.
            Tenta balancear um texto leve e divertido com dados que mostram o longo caminho que as mulheres ainda têm de percorrer para obter igualdade no mercado de trabalho.
            Sandberg cita pesquisas para provar que mulheres ainda ganham menos que os homens e têm mais dificuldade de subir na hierarquia das empresas. A edição brasileira traz dados relativos ao país.
            Infelizmente, nada disso é novidade. O que se esperava de Sandberg eram sugestões para acabar com essa disparidade. Mas o livro não se aprofunda nessa questão e acaba parecendo mais um guia de como uma mulher deve se comportar para triunfar no mundo corporativo.
            FAÇA ACONTECER - MULHERES, TRABALHO E A VONTADE DE LIDERAR
            AUTOR Sheryl Sandberg
            EDITORA Cia das Letras
            QUANTO R$ 34,50 (288 págs.)
            TRADUÇÃO Denise Bottmann
            LANÇAMENTO 8 de abril

              Tereza Cruvinel - Flanco na agenda‏

              O governo Dilma subestimou as tensões federativas. Agora, terá que enfrentá-las, se quiser tirar da agenda o assunto que evitou. Aparentemente ele não dá nem tira voto mas pode afetar as alianças 


              Tereza Cruvinel

              Estado de Minas: 14/03/2013 

              Toda eleição presidencial tem seu tema dominante. A presidente Dilma Rousseff elegeu a questão social e seu foco, neste momento, está nos pobres e nas mulheres. O tema do pacto federativo, entretanto, conseguiu impor-se na agenda, brandido por concorrentes como o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e também por governadores aliados, como se viu ontem, na reunião promovida pelos presidentes da Câmara e do Senado. O assunto, aparentemente, não dá voto nem comove eleitores, mas, embora sensibilize apenas o empresariado e a elite política, pode afetar as alianças e alinhamentos partidários. Dilma agora terá de enfrentá-lo.

              O Congresso lavrou um tento com a iniciativa de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e Renan Calheiros (PMDB-AL), fortalecendo-se como arena da pactuação federativa. O encontro permitiu que governadores dos mais diferentes partidos explicitassem o descontentamento com o centralismo financeiro da União. O governo federal tem feito grandes investimentos nos estados, é verdade, mas eles reclamam da falta de dinheiro para o custeio: pessoal, máquina, despesas gerais. Denunciam a partilha desigual dos recursos arrecadados. O Executivo, que em fevereiro ignorou o tema no encontro de prefeitos que realizou, ficou a reboque e agora tenta tomar a dianteira. Mas a pauta que a ministra Ideli Salvatti discutiu com os líderes está longe de atender. Ela acenou com a regulamentação da cobrança de ICMS no comércio eletrônico, a unificação das alíquotas desste imposto, criação do fundo de compensação para os que perderam com a unificação e com mudança no indicador que corrige as dívidas dos estados.

              O que eles propuseram ontem vai muito além. Como demonstrou o governador Cid Gomes, do Ceará, em 1990 o ICMS e o Imposto de Renda, que são repartidos através dos fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM), representavam 77% da arrecadação federal. Contribuições como PIS, Cofins e CSLL, não compartilhados, respondiam por 23%. Hoje a situação é inversa. A parte dividida caiu para 45% e o bolo exclusivo da União subiu para 55%. Obra da criação de novas contribuições e das elevações de alíquotas. O que eles querem é destinar também aos dois fundos 13% da Cofins e 13,5% da CSLL, de forma gradual, sem tomar nada da União este ano. Parece razoável.

              Em paralelo, trafega a crise dos royalties do pré-sal, para a qual Eduardo Campos (olha ele aí se afirmando como conciliador!) está propondo um acordo entre produtores e não produtores. Melhor teria feito Dilma se, em vez de vetar a lei de royalties, tivesse chamado os governadores para uma ampla repactuação envolvendo tudo isso: fundos, royalties, unificação do ICMS etc. Mas seu governo, como esta coluna vem dizendo desde o ano passado, subestimou as tensões federativas. Agora, terá que enfrentá-las, se quiser tirar da agenda o assunto que tentou contornar.

              PTB na mira

              Uma evidência de que o tema federativo contamina as alianças está na reunião que haverá na terça-feira, um almoço, entre o governador Eduardo Campos e o bloco liderado pelo PTB no Senado, composto ainda por PR e PPL. Tema oficial do encontro, unificação do ICMS. Mas Eduardo, como ele mesmo já disse, conversa sobre tudo e com todos. Seu negócio é se apresentar, angariar simpatias que poderão se transformar em apoios eleitorais. O líder do bloco no Senado é Gim Argello, um dilmista que trabalha para manter o partido na coalizão governista. “Inicialmente fui contra mas cedi à maioria da bancada”, diz ele. O porta-voz do convite, aprovado anteontem, será o senador Armando Monteiro, pernambucano que deve disputar o governo do estado com o apoio de Campos. Trabalha para levar o PTB a apoiá-lo.

              Dedo de Cachoeira (II)
              A revelação da coluna de terça-feira de que o esquema Cachoeira-Demóstenes armou a denúncia de que Renan Calheiros havia montado esquema de “arapongagem” contra colegas, foi recebida pelas vítimas como redenção. Renan foi contido: “A verdade, ainda que tarde, sempre prevalecerá. Nunca duvidei disso”. O deputado Francisco Escórcio, que na época foi demitido, depois de apontado como chefe do esquema, abriu o baú da mágoa: “Fui demitido injustamente, fui humilhado e caluniado e agora se vê que eu sempre disse a verdade. Eles sim, espionaram meus passos e a partir de um encontro banal criaram uma ficção monstruosa. O crimes mais grave, entretanto, foi contra as instituições democráticas, a tentativa de desestabilizar o Senado”. Este episódio deixa uma pergunta inquietante. Quantas e quais outros escândalos dos tempos recentes tiveram o dedo de Cachoeira?

              As crianças e a TV

              A classificação indicativa de programas de televisão foi adotada em 2007 para proteger crianças e adolescentes da exposição a conteúdos que veiculam mensagens e valores inadequados a cada faixa etária. Em 2011, o STF começou a julgar uma ação de inconstitucionalidade apoiada pelas emissoras através da Abert. O julgamento parou com quatro votos a favor do fim da classificação. Sua manutenção é defendida pela AGU, PGR, instituições da sociedade civil, como Andi, Inesc e organizações internacionais. O tema dominou o seminário Infância e Domunicação: Direitos, Democracia e Desenvolvimento, ocorrido aqui em Brasília na semana passada. Um de seus participantes, o relator da ONU para a liberdade de expressão, Frank de la Rue, visitou o presidente do STF, Joaquim Barbosa, tentando sensibilizá-lo para a importância da classificação. O STF não tem data para voltar ao assunto. E todos nós, que temos filhos, o que desejamos que eles vejam nas telinhas?

              Tentação

              O mundo se move. Afinal, temos o primeiro papa não europeu. Ele é da Companhia de Jesus, que nos colonizou, para o bem e para o mal. Mas para não perder o costume de implicar com os “hermanos”, a autoestima deles agora subirá às alturas.

              O mestre entre nós -Carolina Braga

              Lenda do butô, o japonês Yoshito Ohno encanta estudantes em Ouro Preto 


              Carolina Braga

              Estado de Minas: 14/03/2013 

              Nas imediações do Cine Teatro Vila Rica, em Ouro Preto, um grupo de curiosos moradores acompanha a movimentação dentro do prédio histórico. Para tirar logo a dúvida, um deles procura saber: o que, afinal de contas, está acontecendo ali?. “É uma dança japonesa”, constata. Mas o agito na Rua São José, importante acesso ao Centro Histórico, tem outro motivo. Discretamente, lá está o único representante vivo da primeira geração do butô: Yoshito Ohno, filho de Kazuo Ohno (1906-2010) – o mestre do teatro-dança surgido no Japão.

              Certas manifestações artísticas extrapolam limites de estilo e de gênero e até mesmo seus próprios métodos. Viram filosofia. O butô é exemplo disso: a prática japonesa que mescla teatro e dança surgiu em 1959, período do pós-guerra, como resposta dos derrotados orientais à dominação ocidental. Aos 21 anos, Yoshito Ohno era um dos intérpretes de Kinjiki – a coreografia de Tatsumi Hijikata considerada a origem do butô. Aos 75 anos, ele percorre o mundo compartilhando seus saberes.

              Simplicidade e tranquilidade são palavras-chave para descrever o mestre japonês. A vinda a Minas Gerais – a convite do grupo de pesquisas Híbrida, ligado à Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) – deve-se à parceria com produtores de São Paulo, onde Ohno se apresentará. Hoje, ele faz performance na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Tiradentes.

              Em Ouro Preto, Yoshito ministrou oficina para alunos de artes cênicas da Ufop, participou de debate e encenou Ventos do tempo. Nada é grandiloquente perto dele. A delicadeza impera, seja na maneira como fala, no jeito de andar e, principalmente, no modo como ensina. Nada indica que ali está uma figura mundialmente aclamada. Em seu primeiro encontro com os jovens brasileiros, o filho de Kazuo Ohno conta de onde veio. Sabe aquela coisa básica de passar o currículo? Pois é. Detalhe curioso: entre suas paixões relacionadas aos movimentos do corpo, a dança expressionista divide espaço com o futebol.

              O mestre parece contar histórias para crianças ao iniciar sua palestra. “Vamos dançar a beleza de uma flor”, convida. Todos embarcam. Porém, a rosa não é simplesmente uma rosa. É corpo e, sobretudo, expressão de equilíbrio. Do mesmo modo que precisa da luz do sol para crescer, a raiz caminha para a escuridão. Com o corpo não é diferente. “Temos de sentir o conflito de duas forças e andar”, ensina Ohno.

              Usando referências que vão do surrealismo de Salvador Dali à prática japonesa do origami, passando pela natureza e por muitas histórias sobre o pai, Yoshito Ohno mostra o quanto o corpo é maleável. E ressalta a importância de estarmos atentos aos distintos modos de ver. “Preste atenção nos pontos de vida. Precisamos ter olhos diferentes todos os dias”, recomenda.

              Cerca de 100 estudantes da Ufop se inscreveram para a oficina de três horas ministrada por Yoshito Ohno. Apenas 25 puderam efetivamente desfrutar da prática, mas o auditório foi aberto para o público acompanhar as atividades. Para a estudante de artes cênicas Adriana Maciel, de 23 anos, a experiência foi extremamente leve. “Ele passou uma técnica, mas me pareceu muito mais do que isso. É algo que vem do interior, está ligado aos sentimentos do ser humano. Isso me tocou muito”, conta.

              Terapeuta ocupacional e estudante de dança contemporânea, Carolina de Pinho Barroso Magalhães, de 28, teve a mesma impressão. “Já era encantada pelo butô, pesquisava muito em livros, raros por aqui. Então, na hora em que você ‘fisicaliza’, entende a potência dos opostos, do escuro e do claro, por meio das sutilezas dos objetos que ele trouxe. É o máximo no mínimo”, explica.

              Vinda de São Paulo especialmente para o workshop, a criadora e intérprete em dança Luciana Bortoletto se encantou especialmente com a presença de Yoshito Ohno. “A relação do respeito pelo mestre faz com que entendamos a história desse homem, a sua forma de compartilhar conhecimento. Há generosidade nisso”, diz. Para ela, o butô de Yoshito Ohno extrapola técnicas. “O fundamento de tudo é não separar dança e vida”, conclui Luciana Bortoletto.

              VENTOS DO TEMPO

              Com Yoshito Ohno. Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Centro Histórico de Tiradentes. Amanhã, às 18h. Entrada franca mediante retirada antecipada de ingressos.


              Saiba mais
              Dança e teatro



              Em japonês, bu significa dança; toh, passo. Butô combina dança e teatro. Frequentemente, seus intérpretes pintam o corpo de branco – símbolo do esvaziamento de referências culturais e de entrega a todos os tipos de metamorfose. O dançarino e coreógrafo Kazuo Ohno (1906-2010), mestre dessa arte (foto), visitou o Brasil várias vezes.

              Quatro perguntas para...


              Yoshito Ohno
              Bailarino e coreógrafo

              O que é dança?

              É se libertar. Nada especial, a dança sou eu.

              Como o butô tem se transformado ao longo dos anos?

              Ele está mudando, pois butô é a conexão do que muda com o que não muda. E as coisas estão mudando muito rapidamente. Já vivi muito, experimentei a dança em suas formas tradicionais e consigo lidar melhor com a mudança. Isso é muito mais difícil para as pessoas mais novas. Gosto de transformar minha experiência. Quando éramos jovens, havia uma guerra estabelecida do lado de fora e, no teatro, havia uma espécie de caos. Agora, a guerra externa é mais teatral e estamos totalmente perdidos. Inclusive eu. Temos que pensar: o que é importante agora?

              Se a sociedade se encontra tão perdida, a dança seria um caminho para ela se reencontrar?

              Primeiro, temos que transformar os sentimentos, como fizemos hoje. Aprendemos sobre os olhos. Podemos encontrar olhares muito diferentes no teatro e temos também o corpo físico. A união disso será um poder para a vida.

              Qual é o grande desafio para a nova geração de dançarinos?

              A rápida mudança da vida é uma situação incontrolável. Não há como evitar. Precisamos encorajá-los a se recriar. Essa é a esperança de nosso futuro.

              Estudo relaciona o sal a doenças autoimunes-Bruna Sensêve‏

              Composto pode facilitar produção de células ligadas a males como a psoríase e a esclerose múltipla. Apesar de em excesso ser prejudicial, produto é essencial para o organismo 


              Bruna Sensêve

              Estado de Minas: 14/03/2013 

              O sistema imune tem o papel de proteger o organismo e combater a invasão de vírus, bactérias, fungos e parasitas. Seu equilíbrio, no entanto, pode ser quebrado e levar à autoimunidade – conjunto de desordens em que o sistema de defesa se volta contra o próprio organismo. Tudo o que está por trás desse processo ainda é um mistério para a ciência. Agora, cientistas de algumas das instituições acadêmicas mais respeitadas do mundo apontam um novo suspeito: o sal. Em três artigos publicados na revista Nature, o grupo mostra indícios de que a ingestão do componente pode induzir a produção de um conjunto de células ligadas ao desenvolvimento e ao agravamento de doenças autoimunes, como a esclerose múltipla e a psoríase.
              O objetivo da investigação inicial não era exatamente descobrir o efeito da ingestão do sal de cozinha no organismo nem entender a relação entre a alimentação e a autoimunidade. A equipe dos pesquisadores Vijay Kuchroo e Aviv Regev – que reúne o Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), a Universidade de Harvard (ambas nos EUA) e a Universidade de Oxford (Reino Unido) – buscava entender como as células T, presentes no sistema imunológico, se desenvolvem e influenciam as ferramentas de defesa do corpo. O interesse se justifica na ação ambígua dessas moléculas, que, em algumas ocasiões, protegem o organismo e, em outras, desencadeiam doenças.
              “Queríamos entender como o corpo obtém os tipos e as quantidades certas de células do sistema imunológico e como ele mantém as células no nível exato de atividade”, conta Aviv Regev, membro do Instituto Broad e professor do MIT. O universo estudado também foi reduzido a um tipo específico de células T, as TH17, que a ciência já relacionou a males como a esclerose múltipla, a psoríase e a artrite reumatoide. Para os pesquisadores, a compreensão do desenvolvimento dessas células poderia ajudar a regular sua produção, levando ao desenvolvimento de terapias contra esses males.

              Enzima Munidos de modernas ferramentas tecnológicas, os pesquisadores desativaram alguns genes-chave necessários para a produção de células TH17 e, assim, observaram a ação de proteínas e enzimas transcritas por eles. Foi nessa análise que uma importante personagem foi descoberta: a enzima SGK1. Quando os genes que transcrevem essa substância são desligados em camundongos, a produção de TH17 é interrompida. Essa enzima ainda não havia sido associada às células T, mas estudos anteriores mostraram que ela pode ser encontrada principalmente no intestino e nos rins, onde participa da absorção de sal. A informação intrigou os pesquisadores, que decidiram investigar a ligação entre doenças autoimunes e uma maior ingestão e absorção de sal pelo intestino e pelos rins.
              A hipótese foi então testada de duas formas. Enquanto o grupo de Kuchroo e Regev estudou camundongos, um novo time, liderado por David Hafler, da Universidade de Yale, trabalhou com células humanas no laboratório. Os ratos receberam injeções de substâncias que levaram à encefalomielite, uma inflamação no cérebro que se assemelha à condição de esclerose múltipla. Aqueles alimentados com uma dieta rica em sal apresentaram formas mais graves da doença que as cobaias que receberam uma dieta normal. Já o outro time observou que as células humanas expostas a uma solução com grande concentração de cloreto de sódio produziam mais células TH17.
              “Não é só o sal, claro. Há também uma arquitetura genética associada a várias formas de doenças autoimunes que predispõe uma pessoa a desenvolver essas doenças”, alerta Kuchroo. Ele acrescenta que outros fatores ambientais devem ser levados em conta, como infecções, tabagismo e falta de luz solar e vitamina D. O pesquisador brasileiro Rafael Franca, que faz pós-doutorado na Universidade de Harvard com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e trabalha com o grupo de Kuchroo, explica que ainda não é possível dizer qual o tamanho do perigo de uma dieta rica em sal, pois os dados são iniciais e obtidos em camundongos.
              Porém, é certo que a ingestão do produto sozinha – sem a ação dos outros fatores – não provoca o surgimento de doenças autoimunes. “Ainda não sabemos quais indivíduos são suscetíveis ao processo. Pode ser que apenas alguns com mutações em genes que regulam as quantidades de sal nas células sejam vulneráveis. Assim, uma dieta rica em sal, para eles, poderia ser o fator que induziria ao surgimento de doenças autoimunes”, avalia.

              Necessário É importante salientar que, apesar de o sal em excesso ser prejudicial, o produto é necessário para o organismo. João Santana da Silva, professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP), lembra que a baixa ingestão do alimento pode deixar o organismo mais vulnerável ao ataque de agentes patológicos, como os causadores da doença de Chagas e da leishmaniose. Ele ressalta ainda que outros pesquisadores já haviam apontado que, nos países desenvolvidos, onde o consumo de sal é mais alto, há uma maior incidência de doenças autoimunes.
              Segundo Ana Maria Caetano de Faria, professora do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), investigações  indicavam que o aumento dos índices de doenças autoimunes nesses países não poderia ser justificado apenas pela predisposição genética. Fatores ambientais começaram a figurar entre os possíveis indutores desses males. “Chegaram à conclusão que o aumento provavelmente se deveria a mudanças no ambiente e nos hábitos das pessoas. Por outro lado, o aumento do consumo de sal não explica sozinho o crescimento dessa incidência, que, com certeza, é multifatorial.”

              Deputado Feliciano é apenas o sintoma, não a causa, da crise

              folha de são paulo

              ANÁLISE
              FERNANDO RODRIGUESDE BRASÍLIAMarco Feliciano é apenas o sintoma, não a causa, do sistema de governança legislativa que permitiu sua eleição à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara.
              Ainda que Feliciano venha a renunciar ou ser destituído, só o sintoma estará sendo tratado: as deformações do modelo continuarão intactas.
              Um eventual sucessor de Feliciano, mesmo que seja um liberal, também terá pouca ou nenhuma margem de manobra para avançar com propostas de leis mais flexíveis sobre aborto ou casamento gay. Essa conjuntura se forma por duas razões, uma estrutural e outra política.
              No campo da política, a presidente Dilma Rousseff está em fase de recompor sua aliança eleitoral. O Planalto não deseja se indispor com os partidos que deram apoio ao PT em 2010 -como o PSC.
              O governo jamais estimulará a destituição de Marco Feliciano, pois a reeleição de Dilma é considerada mais relevante. E mesmo que o deputado e pastor caia sozinho, seu sucessor não terá o apoio do Planalto para propor leis mais liberais sobre costumes.
              O aspecto estrutural do caso Feliciano tem a ver com o aumento do número de partidos no Congresso. Há dez anos, havia 16 siglas no Congresso. Hoje são 24 legendas.
              Cada partido quer destaque nas comissões permanentes. Essas instâncias servem para debater os projetos de lei antes da votação no plenário. Com raras exceções, trata-se de uma pantomima: a tramitação de uma lei só prospera com a anuência do governo e das maiores bancadas. Ainda assim, presidir uma comissão é uma chance de deputados aparecerem de vez em quando na mídia.
              Em 1988 havia 16 comissões permanentes. O número de partidos cresceu, e agora há 21 comissões permanentes. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias foi criada há cerca de 20 anos e sempre foi ocupada por integrantes do PT ou de partidos do bloco mais à esquerda.
              Agora os petistas se desinteressaram. Como a CDHM não movimenta interesses financeiros relevantes, caiu no colo do nanico PSC.

                Estreia de pastor tem tumulto e bate-boca
                Feliciano é recebido com acusações de 'estelionatário' e aplausos de evangélicos; bancada do PT se retira da sessão
                Pastor pede 'desculpas' e 'voto de confiança'; comissão aprova seis requerimentos de menor importância
                DE BRASÍLIA
                A primeira sessão da Comissão de Direitos Humanos presidida pelo deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) foi marcada por protestos de movimentos sociais e de evangélicos e troca de ofensas entre os políticos.
                O pastor leu carta em que pediu "humildes desculpas" e um "voto de confiança", aprovou requerimentos sem maior impacto e encerrou a reunião, que durou quase duas horas, por falta de quórum.
                "Peço a todos que, se alguém se sentiu ofendido por alguma colocação minha, em qualquer época, peço as mais humildes desculpas", disse.
                "Orientei minha assessoria a pautar assuntos que já vinham sendo matéria de debates nesta comissão, e que incluísse alguns temas que vejo como importantes para a defesa das minorias."
                Acusado de ser homofóbico e racista, Feliciano tem sido pressionado por líderes de partidos e movimentos sociais a renunciar ao cargo.
                Ontem, a Folha mostrou que o deputado emprega no gabinete cinco pastores de sua igreja evangélica que recebem salários da Câmara sem cumprir expediente em Brasília nem em seu escritório político em Orlândia (SP).
                Feliciano chegou meia hora atrasado. Foi recebido com aplausos de evangélicos e a-cusações de "estelionatário".
                Deputados trocaram acusações de mau comportamento em plenário. Uma confusão entre Jair Bolsonaro (PP-RJ), Domingos Dutra (PT-MA) e Nilmário Miranda (PT-MG), em que cada um acusava o outro de tomar a palavra, teve de ser apartada por colegas.
                Os deputados Dutra, Miranda e Érika Kokay (PT-DF) saíram da reunião sob o argumento de que não estavam sendo ouvidos. A petista se negou a chamar o pastor de presidente e pediu a anulação da sessão que o elegeu.
                Na reunião, seis requerimentos, entre pedidos de audiência pública e envio de missões, foram aprovados.
                Um requerimento que não estava previsto na pauta, do deputado João Campos (PSDB-GO), contestava falas consideradas homofóbicas do candidato à Presidência da Venezuela Nicolás Maduro.
                A nota não foi aprovada por falta de quórum. "Graças a Deus conseguimos votar todos os itens que falam sobre o direito do povo, das crianças. Estou muito satisfeito", afirmou Feliciano.