Cada vez mais estudos apontam que animais sentem emoções de forma parecida à dos humanos
Paloma Oliveto
Estado de Minas 15/04/2015
Mais
de 62 mil espécies de vertebrados já foram descritas pelos biólogos. O
homem é apenas uma delas. Ainda assim, muitos ainda pensam que a raça
humana é a única a ter sentimentos. Uma visão antropocêntrica que a
ciência tem ajudado a derrubar. Cada vez mais, estudos provam que, além
das reações instantâneas a estímulos — medo, dor, fome e sede, por
exemplo —, os animais exibem e reconhecem, nos outros, estados
emocionais complexos. “É, no mínimo, solitário pensar que, em um mundo
tão vasto, apenas nós seríamos capazes de sentir e todos os outros
estariam aqui apenas para nos servir”, resume Mark Bekoff, professor
emérito de biologia evolutiva da Universidade do Colorado, no livro Wild
justice: the moral lives of animals (Justiça selvagem: a vida moral dos
animais, sem edição no Brasil).
Eles não apenas têm emoções como
as identificam em humanos, segundo um estudo publicado recentemente na
revista Current Biology. Pesquisadores da Universidade de Medicina
Veterinária de Viena (Áustria) constataram, pela primeira vez, que cães
podem discriminar expressões emocionais exibidas por outra espécie — no
caso, o homem. Para Corsin Müller, investigador do Laboratório de
Inteligência Canina da instituição e um dos autores de estudo, essa é a
primeira “evidência científica sólida” de uma capacidade que os tutores
de animais de estimação estão cansados de reconhecer em seus bichos.
Müller
esclarece que estudos anteriores sobre o tema haviam chegado a
conclusões pouco convincentes. Para sanar a dúvida de vez, a equipe
austríaca desenvolveu um teste totalmente novo. Primeiro, eles treinaram
cães para diferenciar as imagens de uma pessoa,tanto com o rosto feliz
quanto com expressão raivosa. Em ambos os casos, os cachorros só viam a
metade superior ou inferior da face e, dependendo da expressão, os
pesquisadores diziam as palavras “feliz” ou “bravo”.
Depois do teste composto por 15 pares de figuras, as habilidades
discriminatórias dos animais eram examinadas em outros experimentos, nos
quais os cientistas misturavam a metade de um rosto familiar (visto no
teste anterior) ao de um estranho, ou mostravam apenas imagens que não
haviam sido usadas previamente. Os cães foram divididos em dois grupos: o
primeiro deveria reconhecer os rostos felizes, e o segundo identificar
as faces raivosas. Quem acertava ganhava recompensa.
Associações
“Descobrimos que os cachorros do primeiro grupo aprendiam mais
rapidamente a fazer a diferenciação. Isso indica que eles reconhecem a
expressão de raiva como um estímulo aversivo”, conta Müller. “Além
disso, eles se saíram muito bem nos testes em que mostramos rostos que
ainda não eram familiares. A conclusão é que eles usaram suas memórias
sobre emoções humanas para cumprir a tarefa, pois não foram
‘apresentados’ àqueles rostos antes e, ainda assim, sabiam indicar quais
estavam felizes e quais estavam bravos”, revela o pesquisador.
“Nosso
estudo demonstra que os cães podem distinguir raiva e alegria em
humanos, ou seja, eles sabem que essas duas expressões têm significados
diferentes. Eles podem fazer isso não apenas para pessoas que conhecem
bem, mas até para rostos que jamais viram antes”, acrescenta Ludwig
Huber, principal autor do estudo e chefe do grupo de pesquisadores do
Instituto de Pesquisa Messerli. “Não sabemos dizer o que as diferenças
significam para o cão, mas, aparentemente, eles associam um rosto
sorridente a um significado positivo e uma expressão raivosa a um
significado negativo. Parece-nos que, por experiências anteriores, eles
sabem que não é uma boa ideia ficar próximo de alguém que está com
raiva”, continua.
De acordo com os pesquisadores, o estudo
continuará para explorar o papel da habilidade de reconhecimento das
emoções humanas. Além disso, a equipe pretende estudar como os cachorros
expressam suas próprias emoções e como elas são influenciadas pelo
estado de ânimo de seus tutores ou de outros humanos. “Esperamos obter
importantes dicas sobre essa ligação extraordinária de humanos com seus
pets favoritos”, escreveram no artigo.
ratos riem Para a
pesquisadora Deborah Custance, que estuda esses laços, os cães não
apenas reconhecem as emoções humanas, mas são empáticos em relação a
elas. “Os donos de animais de estimação sempre falam que os cachorros
parecem bem afinados com as emoções humanas. Eles parecem celebrar nossa
alegria e ter comiseração por nossa tristeza”, observa a psicóloga da
Universidade de Londres. Custance lembra que, embora realizada com
pequena amostragem, uma pesquisa chegou a apontar que, quando os donos
fingiam chorar, seus cães rapidamente respondiam, exibindo um
comportamento mais submisso que o habitual. “Se os animais identificam
emoções e dão sinais claros de empatia, essa é uma forte evidência de
que eles próprios têm sentimentos mais complexos que normalmente se
atribui”, acredita.
Além dos experimentos de observação, exames
de imagem estão ajudando a desvendar as emoções dos animais.
Recentemente, pesquisadores húngaros fizeram ressonância magnética em
cachorros e descobriram que o cérebro canino reage de forma semelhante
ao de humanos quando exposto a sons com alta carga emotiva, como risadas
e choros. Estudo americano, também baseado em imagens cerebrais,
mostrou que o cheiro dos donos faz ativar, em cães, a rede de neurônios
associados ao prazer.
Esses estudos têm sido citados por um dos
mais ativos cientistas que investigam as emoções animais. Jaak Panksepp,
psicobiólogo e neurocientista americano, costuma usá-los em suas
populares palestras mundo afora para chancelar a ideia de que os bichos
não apenas têm sensações positivas, no sentido de uma reação fisiológica
a certos estímulos, mas, de fato, sentem. Uma das mais polêmicas
afirmações de Panksepp é que ratos podem, inclusive, rir. E
porquinhos-da-índia, chorar. Ele diz isso com base em estudos de imagem
que mostraram, nesses animais, a ativação dos mesmos circuitos que, em
humanos, entram em atividade durante riso e choro.
Promoção de bem-estar
Ao
demonstrar como os animais lidam com as emoções, estudos como o
conduzido no Laboratório de Inteligência Canina estão ajudando a
repensar o bem-estar deles, alega Mark Bekoff, professor emérito de
biologia evolutiva da Universidade do Colorado. “Esse é um campo de
pesquisa que está se tornando popular, não apenas pela relevância
científica, por nos levar a compreender o comportamento animal, mas
porque é importante para o bem-estar animal e, portanto, podem
direcionar as políticas públicas”, diz. De acordo com ele, agora é
amplamente aceito que mamíferos, outras espécies vertebradas e até
alguns invertebrados têm emoções muito semelhantes às dos humanos.
Na
Universidade Queen Mary, de Londres, os cães não são os únicos focos de
pesquisa sobre emoção e bem-estar. Alan McElligott e Elodie Briefer, da
Faculdade de Ciências Biológicas, estão estudando como as cabras
expressam sentimentos, principalmente os positivos, que, segundo eles,
são mais difíceis de detectar – diferentemente de cães, elas não “abanam
o rabinho” quando estão felizes. “No geral, é mais fácil reconhecer os
sinais associados a estresse e emoções negativas nos animais. Mas saber o
que os faz felizes é tão importante quanto, ao pensarmos que podemos
fazer para o seu bem-estar”, defende McElligott.
Ele analisou o
comportamento e a fisiologia de ovelhas que vivem em um santuário
inglês, incluindo sinais vitais, gestos e vocalizações, para entender
como elas expressam emoções em situações negativas e positivas. “Quando
estão satisfeitas, elas apontam suas orelhas para a frente e mantêm o
rabo erguido, produzindo mais vocalizações”, ensina. “Saber dessas
coisas é importante porque, dessa forma, é possível adaptar o ambiente
para evitar as emoções negativas e promover as positivas”, diz o
pesquisador. Ele esclarece que, hoje, os consumidores estão mais
preocupados em saber como são tratados os animais que fornecem
matéria-prima para a indústria, como leite e lã, e mesmo aqueles que
serão abatidos. “Por isso, precisamos desses indicadores.” (PO)