terça-feira, 30 de outubro de 2012

ANDRÉ CONTI


Tente outra vez


É o problema que começa como uma goteira: de caso pequeno, vira um desacordo. É uma batalha de nervos


Estes dias, enquanto travava uma guerra com meu roteador, lembrei de uma história que ouvi sobre um colecionador de livros e a natureza da obsessão. Aparentemente, um dos itens mais cobiçados pelos bibliófilos brasileiros é a primeira edição de "O Guarani", de José de Alencar. Esse colecionador descobrira que um armador grego estava vendendo um exemplar.
Foi até Paris encontrá-lo e passou uma semana negociando, num hotel. Quando enfim conseguiu o livro, embarcou para o Brasil. A edição lendária de "O Guarani" acabou ficando no avião, naquela bolsa com as instruções de segurança e o saquinho para "imprevistos".
Minha edição do livro é mais modesta (e talvez menos manuseada), mas acho que consigo entender a motivação. Ou pelo menos me pareceu, depois de uma semana tentando fazer com que a rede interna de casa funcionasse.
É o tipo de problema que começa com uma pequena goteira. No caso, um documento que a impressora se recusava a imprimir. Mesmo não estando diretamente ligada no PC, ela aparecia ali, "pronta para uso".
O que era um simples caso de imprimir o documento no outro PC logo escalonou para um desentendimento entre as duas máquinas do escritório. Arquivos que deviam estar indo de um computador para o outro permaneciam teimosamente em suas pastas. O Macintosh, num momento Camp David, tentou interceder e foi barrado da internet.
É uma batalha de nervos. Conforme nada conectava a lugar nenhum, o computador seguia dizendo que não havia problemas. Sem janelas de erro ou qualquer outro indício, acabei culpando o roteador, já não lembro bem por quê.
Era uma oportunidade de ouro para implementar um projeto antigo, de instalar uma VPN ("virtual private network", ou rede virtual privada) no roteador. As VPNs servem, entre outras coisas, para se conectar à internet com o endereço IP de outro país. É como os chineses furam o bloqueio do governo. É como eu assisto a séries.
A vantagem de se instalar a VPN num roteador é que todos os apetrechos podem usufruir da conexão. Já que eu ia reconfigurar o roteador, não custava, enfim, fazer o serviço.
O processo parecia relativamente simples. Depois de trocar o software interno do roteador, o próprio site da VPN se encarregaria da configuração. Caso isso não funcionasse, bastava seguir as instruções e acertar parâmetros manualmente.
Trocar o firmware foi trabalho para dois dias. Absolutamente nada do que as instruções previam acontecia. Clique "ok" e uma janela vai aparecer. Onde? Aperte "seguir" e o modem vai piscar. Quando?
Acabei apelando ao suporte técnico, o que considero uma derrota pessoal. Por sorte, havia um ser humano do outro lado, e, depois de duas horas, conseguimos que o roteador aceitasse o novo programa. Bastava configurar a rede. "Clique aqui, senhor." Mais três dias.
Acabei conseguindo que a rede, a VPN, o roteador e a impressora se entendessem. Tal como livro esquecido no avião, o primeiro filme que assisti nas novas instalações foi devidamente alugado a duas quadras de casa. A graça está em negociar com armadores gregos e atendentes indianos. O resto não importa.
chorume.org
@andre_conti

Fósseis indicam que dinos ganharam penas para "paquerar"


DE SÃO PAULO

Pesquisadores da Universidade de Calgary, no Canadá, podem ter achado uma pista crucial para explicar como as penas evoluíram. São fósseis de filhotes e adultos do dinossauro Ornithomimus edmontonicus, que lembrava vagamente um avestruz.
A análise dos espécimes, publicada na edição desta semana da revista americana "Science", mostrou que tanto filhotes quanto adultos possuíam uma espécie de penugem pelo corpo. No entanto, só os bichos maduros também apresentavam penas compridas com hastes rígidas, tal como a das aves modernas.
Para os cientistas, liderados pela paleontóloga Darla Zelenitsky, isso sugere que as penas "completas" surgiram originalmente para funções ligadas à maturidade sexual, como a exibição de plumagem durante a "paquera" antes do acasalamento, por exemplo. A reconstrução abaixo mostra os animais nas duas fases da vida. Só depois as penas teriam sido cooptadas para funções como o voo.
Julius Csotonyi/Universidade de Calgary/AFP
Dinossauro adulto (no alto), com penas totalmente desenvolvidas, ao lado de filhote
Dinossauro adulto (no alto), com penas totalmente desenvolvidas, ao lado de filhote

Maria Esther Maciel - A arte da recusa‏

ESTADO DE MINAS - 30/10/2012

A recusa de prêmios literários inclui nomes relevantes 

Maria Esther Maciel

Há escritores que escrevem livros para ganhar prêmios. Há os que ganham prêmios sem que os mereçam de fato. Há os que, apesar de merecer todos os prêmios, nunca receberam nenhum. E há também, é claro, os que os ganham por merecimento. Uns poucos, porém, se recusam a receber os prêmios que lhe são dados, seja por achar que não os merecem, seja por princípio ético ou motivações de foro íntimo.

Na semana passada, houve a recusa de um prêmio importante por parte do escritor espanhol Javier Marías. Contemplado com o Prêmio Nacional de Narrativa 2012, concedido pelo Ministério da Cultura da Espanha, o autor do romance Os enamoramentos – recentemente publicado no Brasil – não demorou a anunciar sua decisão de não receber o prêmio no valor de 20 mil euros. O motivo? Ele não aceita prêmios institucionais que envolvam dinheiro público. Sem dúvida, um ato de ousadia e de coragem nestes tempos em que dinheiro e prestígio falam mais alto do que qualquer outra coisa. Além disso, pode ser interpretado como um gesto político de solidariedade ao povo espanhol, que tem vivido tempos difíceis por causa da grave crise econômica que assola o país.

Outro ato de recusa recente de um prêmio literário estatal ocorreu em setembro. Foi da escritora portuguesa Maria Teresa Horta, poeta e romancista já veterana nas letras lusófonas. Com seu alentado, e, dizem que maravilhoso, romance histórico As luzes de Leonor, que trata da vida da marquesa de Alorna, venceu o Prêmio D. Dinis 2012, mas se recusou a recebê-lo. Sua justificativa foi mais ou menos semelhante à de Javier Marías, ainda que mais direcionada: ela não aceitou receber o prêmio das mãos do primeiro-ministro português, Passos Coelho, por considerar que não podia ser premiada por “uma pessoa que está empenhada em destruir” Portugal. Isso, referindo-se às medidas de austeridade econômico-sociais que têm penalizado os portugueses nos últimos tempos para tentar salvar a economia europeia.

A recusa de prêmios literários inclui outros nomes relevantes, como o de Sartre, que, em 1964, não quis receber o Prêmio Nobel por rechaçar qualquer distinção em relação aos outros homens. O angolano Luandino Vieira, por sua vez, recusou um dos mais prestigiosos prêmios de língua portuguesa, o Prêmio Camões, por achar que não merecia tal honraria. Quem já leu seus romances, entretanto, nunca pôde entender esse gesto, ocorrido em 2006.

Em matéria de prêmios e premiados, outro caso interessante foi o de Fernando Vallejo, romancista colombiano radicado no México. Por duas vezes ele recebeu prêmios respeitados da literatura latino-americana. O primeiro foi o prêmio venezuelano Rómulo Gallegos, de 2003, no valor de 100 mil dólares. O segundo, o Prêmio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara 2011, de 150 mil dólares. Ele não recusou nenhum deles, mas resolveu doar os dois para as sociedades protetoras de animais da Venezuela e do México, respectivamente. Sua alegação: “Os animais são o amor de minha vida”. Sabe-se que ele sempre se preocupou com os cães de rua e outros animais maltratados.

Enquanto isso, no Brasil, um dos prêmios mais cobiçados do país, o Jabuti, anda desacreditado. E ninguém, até hoje, teve coragem de recusá-lo
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Nossa cara


BELEZA

Nossa cara

Pouca conhecida no Brasil, técnica de massagem facial japonesa promete levantar a expressão e amenizar as rugas sem agulhas nem milagres

IARA BIDERMAN

DE SÃO PAULO

Os movimentos são rápidos e leves. As sensações são diferentes das experimentadas em outras massagens. E o resultado final combina o relaxamento com uma aparência rejuvenescida da pele.
O "kobido" (termo que significa a busca pela beleza interior) é uma massagem japonesa feita nos ombros, no pescoço e, principalmente, no rosto. Diz a lenda que, no Japão imperial, era destinada apenas a membros da nobreza. Na década de 1980, o massoterapeuta japonês Shogo Mochizuki trouxe a técnica para o Ocidente e ensinou terapeutas de várias partes do mundo, tornando o método disponível aos plebeus.
A geóloga brasileira Daniela Garroux, 36, conheceu a técnica na Alemanha com um professor que estudou com Mochizuki. Apesar da formação em geologia, ela é versada em massagens e práticas meditativas, habilidades adquiridas nos oito anos em que morou na Índia.
"Resolvi fazer o curso quando vi uma amiga que fez a massagem e estava com o rosto rejuvenescido. O "kobido" tira rugas de expressão causadas por tensões. É um 'lifting' natural", diz.
Mas o que mais atrai a geóloga é a capacidade dessa massagem fazer com que a pessoa entre em estado meditativo. "A sessão leva a um relaxamento profundo, a maioria das pessoas 'viaja'."
O que surpreende é chegar a esse estado com massagens que se restringem a uma pequena parte do corpo. "É um trabalho diferente de outros que conheço. Os movimentos são únicos e não buscam a musculatura profunda. O estímulo é no sistema nervoso periférico", diz a terapeuta corporal Loua Unger, do WSpa, no Rio de Janeiro.
Só no rosto são feitos 53 movimentos. "São manobras precisas, tem que ter destreza para aplicá-las", afirma a psicóloga e consultora de spas Vania Emiliozzi, que deu um curso de "kobido" para profissionais de estética.
EFEITO CINDERELA
O uso estético é o maior chamariz da técnica. "O 'kobido' estimula a circulação do sangue e a oxigenação. Tem 'efeito Cinderela': deixa a pele mais lisa e brilhante na hora", diz Cristina Petersen, professora de estética no Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto.
A promessa de rejuvenescimento sem agulhas atrai clientes. "Tenho a pele madura, fico procurando novos tratamentos. Estou na terceira sessão e acho que meu rosto está mais nutrido, mais firme", diz a artista plástica Leda Rodrigues Ramos, 65.
A fisioterapeuta Eva Wilma Almeida, 30, nunca tinha feito massagem facial. "Quando a gente chega aos 30, passa a querer manter a pele jovem. É melhor começar com algo não invasivo", diz.
A massagem é feita com percussões de dedos e deslizamentos. "Também estimula pontos do rosto ligados a meridianos da acupuntura", diz a esteticista Blanch Marie.
Para o efeito lifting, Blanch recomenda que sejam feitas dez sessões, uma ou duas vezes por semana.
ONDE ENCONTRAR
BLANCH MARIE spa urbano 00/xx/11/3624-5888, São Paulo.www.blanchmarie.com.br. Sessão: R$ 350
WSPA 00/xx/21/3325-7240, Rio de Janeiro. www.wspa.com.br. Sessão: R$ 160
CRISTINA PETERSEN 00/xx/16/3632-5857, Ribeirão Preto.cristinapetersen@hotmail.com. Sessão: R$ 170

DENISE FRAGA


VIDA REAL




Vale trave

Intenção deveria contar pontos, mas futebol se mede pelos gols assim como audiência, pelo Ibope

Sou flamenguista de nascença, mas palmeirense pelo coração. Gosto de futebol. Meu marido é palmeirense roxo e meus filhos ainda ostentam com orgulho a camisa do Palestra. Não tivemos muitas alegrias na última década, mas, neste ano, nosso time nos deu a Copa do Brasil e garantiu nossa vaga na Libertadores.
Fazia tempo que não nos inflamávamos tanto na arquibancada nem víamos nosso time jogar bonito assim. Estava um ano quente.
Mas, por incrível que pareça, corremos o perigo de passar o Natal amargando 2013 na segunda divisão do Campeonato Brasileiro. O time até brilhou, mas a bola simplesmente não entrou.
Um poderoso sentimento de injustiça cresce em meu peito quando penso nas inúmeras bolas na trave que presenciei. Em minha relativista visão feminina do mundo pão, pão, queijo, queijo do futebol já tentei tecer várias teses a respeito da importância da bola na trave, mas sempre me olham como se eu fosse mulherzinha.
É óbvio que é muito mais difícil acertar nas traves e no travessão do que no vão de sete metros. Não valendo mais do que um gol, deveria, no mínimo, aumentar o número de pontos de times como o meu, à beira do precipício. Mas bola na trave não é gol. Bola na trave é intenção. E, como dizia minha avó, de boa intenção o inferno está cheio.
Futebol se mede por gols, audiência, pelo Ibope, o valor das coisas, por seu preço e meu filho, mesmo devorando livros, só passa de ano se tirar boas notas. São regras e parâmetros aos quais fomos nos acostumando para tentar ter a vida nos trilhos.
Da última vez, saí do estádio pensando em um texto que li de Maria Rita Kehl no qual ela dizia que nossa biografia não deveria se basear somente em nossos feitos. Às vezes, nossos desejos e intenções nos configuram de forma muito mais plena. Seria nossa "biografia em baixo-relevo". Mas como exigir desse mundo objetivo em que vivemos tamanha delicadeza?
Continuamos por aí nos afogando em números e perdendo nossos "quases" que tanto têm a dizer. Nosso time talvez caia para a segunda divisão pela segunda vez.
Na primeira vez, os meninos eram pequenos e se firmaram palmeirenses gritando muitos gols, sem saber que torciam para um time rebaixado. Agora não poderemos mais enganá-los: já sabem que a vida é feita de números. Mas, mesmo na segunda, continuaremos na arquibancada contando nossos gols, aos quais eu, eterna e secretamente, agregarei as bolas na trave e os passes perfeitos.
DENISE FRAGA é atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo)

ROSELY SAYÃO


Cada um com seus problemas

Enquanto a vida escolar da criança for questão vital para os pais, ela não assumirá sua responsabilidade

Muitos pais, com filhos de todas as idades, perguntam como fazer a criança ou o adolescente assumir suas responsabilidades. Os exemplos são os mais diferentes e a lição de casa -seja a cotidiana, seja o chamado trabalho- é a grande campeã.
A mãe de uma criança de cinco anos conta que já está desesperada porque a filha não quer saber de fazer sua lição de casa nem com ajuda. Ela já colocou a filha de castigo, já a premiou, já conversou, já fez tudo o que sabia, mas não conseguiu resultados. Vários outros pais contam situações semelhantes.
A grande pergunta de todos eles é: "O que eu posso fazer para resolver isso de vez?". Lição de casa nessa idade?! Creio não haver mesmo solução.
Outros exemplos muito citados são as pequenas tarefas domésticas que os filhos deveriam fazer, mas não fazem. Colocar a roupa suja no local adequado, arrumar a cama, guardar as roupas e os calçados que tiram e espalham pela casa, ajudar a arrumar a mesa para o jantar etc. A criançada não quer saber de trabalho. Muito menos de tarefas.
Uma mãe, muito bem-humorada, disse que ela proibiu o filho de dizer a frase "Já vou, mãe". É que sempre que ela cobrava o filho para que fizesse o combinado ela ouvia a tal frase, agora vetada.
Por fim, a escola e o resultado das avaliações. Todos os pais que me escreveram disseram que os filhos não gostam de estudar, que não se preocupam com as notas baixas, tampouco com o risco de retenção ou de mudança de escola. Nem as ameaças funcionam, contam os pais. Nem mesmo prêmio em dinheiro, que os mais novos gostam tanto de ter, dá resultado.
Vamos encarar o assunto começando pela responsabilidade escolar. Hoje, existem dois fatores que conspiram contra a possibilidade de crianças e adolescentes assumirem a vida escolar como uma batalha pessoal e intransferível: os pais e a própria escola.
Os pais decidiram que os filhos precisam, de qualquer maneira, ter uma vida escolar exitosa. Para tanto, procuram a melhor escola, contratam professores particulares, buscam profissionais para ajudar o filho a enfrentar as dificuldades que encontram, estão em contato constante com dirigentes da escola etc.
Já afirmei aqui e repito: parece que a vida escolar do filho se tornou uma espécie de avaliação de seus pais. Bons pais produzem alunos dedicados aos estudos e com bons resultados em qualquer tipo de avaliação. Essa parece ser a máxima em vigor.
Ocorre que, enquanto a vida escolar for uma questão vital para os pais, os filhos não a assumirão como sua.
A escola, por sua vez, continua a atuar como fazia séculos atrás: espera que os alunos deem conta das tarefas sem que sejam ensinados.
Tomemos a lição de casa como exemplo. Se o aluno não aprender que fazer a lição tem seus frutos e não fazer também, não terá motivo algum para assumir sua lição.
O que acontece com o aluno que não entrega a lição? Essa é uma boa pergunta que os pais deveriam fazer para a escola. Aí, quem sabe, poderiam ficar tranquilos deixando a lição de casa, feita ou não, com o filho.
Quanto às pequenas responsabilidades com os afazeres domésticos é preciso, em primeiro lugar, que a criança sinta que pertence àquele grupo familiar e que isso acarreta ônus e bônus.
Até os seis anos, mais ou menos, a criança aprende sempre que os pais lhe pedem para ajudar. Depois disso e até a adolescência, a criança aprende fazendo com a ajuda dos pais. Na adolescência, o filho precisará ser sempre lembrado de suas responsabilidades. Mas não vale fazer por ele, mesmo que isso custe não ter roupa limpa na hora que ele precisar.
Ensinar aos filhos que eles devem assumir suas próprias responsabilidades dá trabalho, exige paciência e persistência, porque é uma tarefa que dura mais ou menos uns 18 anos. Com sorte.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

Apego exagerado ao celular não é doença, criticam especialistas


Fernanda Nasser/Arquivo Pessoal
A blogueira mineira Viviane Gomide, viciada assumida
A blogueira mineira Viviane Gomide, viciada assumida

Que medo de te perder!

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Você sente o chão se abrir sob seus pés diante da suspeita de estar sem celular? Você e a maioria: 83% dos brasileiros usuários de smartphones disseram se sentir "perdidos", "nervosos" ou "ansiosos" ao perceber que saíram sem o aparelho.
Na pesquisa, feita em oito países pela revista "Time" e pela Qualcomm, 35% dos brasileiros disseram consultar o celular a cada dez minutos ou menos; e 74% afirmaram dormir com ele perto da cama.
Comportamentos do tipo vêm sendo grosseiramente enfeixados sob o termo "nomofobia" (derivado do inglês, "no mobile", medo da falta do celular). Mas especialistas pedem calma com isso.
"A nomofobia é uma dependência patológica do celular -diferente de uma dependência normal, associada ao uso intenso por conta do trabalho ou por necessidades reais de comunicação", diz Anna Lucia Spear King, doutora em saúde mental e pesquisadora do Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ.
"É como qualquer outra fobia, com sintomas típicos de um transtorno de ansiedade", diz ela, que investigou o tema em sua tese de doutorado, defendida em março.
King comparou pessoas consideradas sadias com pacientes de síndrome do pânico. Entre os "saudáveis", 34% afirmaram experimentar alto grau de ansiedade sem o telefone e 54% disseram ter "pavor" de passar mal na rua e não ter o celular.
"Os sintomas são alteração da respiração, angústia, ansiedade e nervosismo provocados pela falta do aparelho."
A pesquisa da "Time" ouviu 5.000 consumidores de tecnologias móveis no Brasil, nos EUA, na China, na Índia, na Indonésia, na Coreia do Sul, no Reino Unido e na África do Sul entre 29 de junho e 28 de julho. Do total de consultados, 79% afirmaram sentir-se incomodados sem o celular. Na China e na Indonésia, o índice chega a 90%.
O Brasil aparece como o país de pais mais liberais: 11 anos foi a idade mínima indicada aqui para que uma criança tenha seu primeiro celular. A média internacional foi de 13 anos. A margem de erro da pesquisa é de 2,5%.
PÂNICO
Outro estudo, encomendado pela empresa americana de tecnologia Lookout, confirma a escalada do apego ao celular. Questionários respondidos on-line por 2.097 pessoas de 18 anos ou mais mostraram que 73% dos usuários de smartphones nos EUA "entram em pânico" quando não acham o seu.
Na pesquisa, 58% disseram que não conseguem ficar mais de uma hora sem acessar seus telefones. E 54% declararam que continuam a consultar o aparelho depois de se deitar, antes de se levantar e na madrugada; 40% afirmaram não abandonar o celular nem para ir ao banheiro e 24% admitiram consultá-lo enquanto dirigem.
Os dados confirmam uma tendência já detectada no Reino Unido no início do ano, pela companhia de tecnologia SecurEnvoy. O estudo concluiu que 66% dos usuários de celular têm medo de ficar desconectados. Há quatro anos, pesquisa parecida registrara 53% de "nomofóbicos" entre os britânicos.
VÍCIO CONSCIENTE
No Brasil, onde o número de celulares ativos (quase 259 milhões até setembro) supera com folga a população total, estudos sobre o problema devem ser feitos no primeiro semestre de 2013 pelo Hospital das Clínicas de São Paulo, que também prevê a criação de um grupo de atendimento para quem sofre de apego exagerado ao celular.
A blogueira mineira Viviane Gomide, 28, por exemplo. Ela, que escreve sobre tecnologia, diz ter consciência do seu vício em smartphone. Mas conta que a experiência de passar um mês sem o telefone, por uma questão técnica, foi um tratamento de choque. "Achava que não conseguiria viver sem ele. Nos primeiros dias me sentia fora do mundo. Tinha tiques. Ia até a bolsa, procurava nos bolsos das roupas e depois me lembrava de que ele não estava lá. Mas superei. Sabia que o teria de volta", diz.
Dona de um smarthphone desde 2010, a blogueira tem mais de 200 aplicativos instalados nele, mas afirma que não usa todos. "Eu provo, vejo coisas. Não conheço ninguém mais viciado em celular do que eu."
Formada em relações internacionais, ela acorda com o "bip" do aparelho e, ainda na cama, começa a checar e-mails e redes sociais. É o "momento da preguiça". A caminho do trabalho, em transporte público, lê notícias, manda mensagens etc. "Sei que também existe vida sem um smartphone, mas essa vida eu não quero."

DEPOIMENTO

Não dá pra não ter

MARION STRECKER

COLUNISTA DA FOLHA

Claro que dá pra não ter. Mas não ter é só para radicais, libertários, desprendidos ou os que têm uma vida regrada junto a telefones fixos.
A maioria acha que não dá pra não ter um celular. Eu também, embora saiba que dá. Virou dependência. Nós achamos que precisamos e os outros também esperam isso de nós. "Como? Você não tem celular?", perguntam, como se a pessoa fosse um ET.
Uns têm um. Outros têm dois ou mais. Ainda mais no Brasil, com esses planos de telefonia complexos e incomparáveis. Para driblar os preços absurdos o consumidor é levado a ter linhas diferentes, de modo a só ligar do seu Tim para os amigos que usam Tim, do seu Vivo para os que usam Vivo e assim por diante. Parece loucura. Mas é uma tentativa de economizar.
Digo tentativa porque nunca gastamos tanto com telecomunicação quanto na atualidade. Virou item de primeira necessidade.
Quanto tempo, dinheiro e energia gastos com aparelhos que quebram, ligações interrompidas ou inaudíveis e contas difíceis de entender.
Lojas cheias. Filas e senhas para sermos atendidos, que aceitamos como cupons de comida em tempo de guerra.
Um amigo comparou a importância de seu celular à do maço de cigarro, quando fumava. Até o tamanho é parecido, observou. Checar o celular é a primeira e a última coisa que faz todos os dias. Como era com o cigarro.
O celular é uma das coisas mais íntimas que alguém pode ter, reunindo e revelando as relações pessoais, seus dias, suas horas, suas vozes, suas frases, seus conteúdos.
Perder ou achar um traz emoções e angústias. "Back-ups", para quem pode e consegue fazê-los, não resolvem. Perder o aparelho ou tê-lo roubado é como vestir uma saia que se levanta ao vento: vai bem para as Marilyns Monroes. Não para a maioria.
O aparelho está sempre fazendo volume no bolso, vibrando, emitindo sons, interrompendo a conversa, atrapalhando os outros.
O mito é ter o mundo nas mãos. A realidade é se tornar um escravo do aparelho.
Uma forma de mostrar quem manda nessa relação é manter o celular desligado. E só ligar quando quiser usá-lo. Mas os outros, as empresas, os aplicativos não deixam. Ficam com demandas e provocações, alertas e buzinaços.
Meu celular dito inteligente me causa alta ansiedade. Se está por perto, ligado e à vista, sinto toda hora a tentação de checar o que se passa ali. Então escondo, desligo e às vezes "esqueço" em casa.
Meu filho teve dois celulares roubados quando era adolescente: um na porta de casa, na mesma rua Sabará onde Caroline Silva Lee, 15, foi assassinada por um ladrão de celular semana passada. Outro roubo ele sofreu no banco de um ônibus, quando teve sangue frio para negociar com o ladrão que o deixasse com o chip. Conseguiu.
Minha filha de 14 anos é mais viciada do que eu. Brinco que a geração dela ficará com patolas enormes no lugar dos dedões, de tanto digitar. Ela também dorme e acorda com ele (o álibi é o despertador). Leva o fulano para a escola, o banheiro, a praia, a neve, onde for. Só não surfou com ele, ainda.
O aparelho dela faz movimentos e sons o tempo todo, o que acho infernal, mas ela, não. Teme ser roubada, mas não se preocupa com quebra de privacidade. Confia na senha que colocou ali e conta que seu aparelho promove apagão geral de conteúdo na décima vez que alguém tenta usar uma senha inválida.
Mas a história mais inusitada que ouvi foi a de uma amiga que levou o aparelho no bolsinho do avental para dentro da sala de parto. Seu primeiro filho nasceu. Enquanto ela era costurada, começou a digitar para contar as novidades aos familiares.
Ela já foi multada muitas vezes por usar o celular ao dirigir e teve muitas brigas com o marido por causa do aparelho, que considera uma espécie de amante. "Ou ele ou eu", o marido disse várias vezes em discussões. Hoje, ela acha que a pressão do marido a educou.
Mas, quando ele a flagrou com o aparelho na mão ao ser costurada, ela teve medo de perdê-lo justo no dia em que seu filho nascia. No entanto, o marido decidiu fotografar a cena para ficar na história.


Apego exagerado ao celular não é doença, criticam especialistas

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

DE SÃO PAULO

Cresce a popularidade do termo "nomofobia", mas o distúrbio não é catalogado.
Em geral, a dependência de celular é enquadrada como transtorno do controle dos impulsos, ao lado de outras patologias, como piromania ou tricotilomania (arrancar os próprios cabelos).
Essa classificação como transtorno do impulso é "um pouco forçada" na visão de Andrea Jotta, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP. "Há diferenças entre vícios em jogos, compras ou tecnologia. Não há como patologizar o vício em tecnologia só por conta do acesso", diz.
Essa pesquisadora não usa "vício", e sim "hard uso". E explica: "Não há como dizer que há vício puro em tecnologia no Brasil: ele aparece associado a outras doenças".
Jotta considera "precipitadíssimo" tratar alguém por esse vício. "É complicado falar que o vício em tecnologia é doença, nem sei quais características seriam citadas nesse diagnóstico", diz.
Segundo ela, até hoje não surgiu, no núcleo de pesquisas, uma só pessoa viciada em celular. "Em pelo menos cem casos, o uso exagerado da tecnologia surgiu como sintoma, não como causa. A pessoa tem depressão, dificuldade no trabalho e ocupa a lacuna com tecnologia."
No entanto, é possível que o transtorno apareça no próximo DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que deve ser publicado em maio de 2013), segundo Cristiano Nabuco, que coordena o Grupo de Dependência de Internet do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de SP.
"As pessoas ainda não se deram conta de que é problema de saúde pública", diz ele.
O psicólogo prepara, com a pesquisadora americana Kimberly Young, livro no qual revisam a literatura científica que trata da dependência de celular incluindo casos que, na maioria, aparecem ligados com depressão, fobia social ou transtorno bipolar.
"Dependente de celular sofre mais de ansiedade, frustração e irritação do que o de internet. Tem transtornos menos duradouros, mas impactantes", compara Nabuco.
COLA SOCIAL
Um fator-chave dessa dependência seria a sensação de conexão e proteção que o celular oferece. "Dá senso de pertencimento, funciona como cola social", diz Nabuco.
Já o psicanalista e pesquisador Roberto Calazans, da Universidade Federal de São João Del Rei (MG), critica a classificação do apego ao celular. "Antes de sair catalogando toda e qualquer manifestação de época como sintoma, doença ou transtorno é preciso avaliar que função esses novos eventos têm na vida de um sujeito", diz.
Ele questiona o fato de partidários da noção de transtorno mental o definirem mais como a perturbação de uma ordem sem se questionarem sobre o papel desse sintoma no funcionamento da pessoa. "Desse modo, vemos fenômenos como a timidez, o uso de celulares e o consumo de cafeína serem patologizados."
(DENISE MOTA E JULIANA vines)

TEste*

Veja se a sua relação com o celular é saudável; quanto mais respostas positivas você somar, mais vulnerável está
1. Já disseram que você passa tempo demais usando o celular?
2. Seus amigos e familiares se queixam da maneira como usa o aparelho?
3. Tenta esconder de conhecidos a quantidade de tempo que gasta acessando o celular?
4. Acaba usando o celular por um tempo maior do que gostaria?
5. Acredita que nunca passa tempo suficiente usando o seu celular?
6. Já tentou usar menos o telefone, mas não conseguiu?
7. Perde horas de sono por conta do tempo que passa usando o celular?
8. Quando você está longe do aparelho por algum tempo, fica preocupado com a possibilidade de haver perdido ligações?
9. Sente-se ansioso se não checou mensagens ou se o celular permaneceu desligado por algum tempo?
10. Acha difícil desligar seu celular?
11. Sente-se perdido sem seu celular?
12. Já usou o telefone celular para conversar com pessoas quando se sente isolado em algum lugar ou circunstância?
13. Já usou o aparelho para conversar com outras pessoas quando se sente sozinho?
14. Já usou seu celular para se sentir melhor quando está triste?
15. Você usa o telefone celular quando deveria estar fazendo outras coisas e isso lhe acarreta problemas?
16. Sua produtividade caiu como resultado direto do tempo que gasta no celular?
17. Acontece de você preferir usar o celular para não ter de lidar com questões mais urgentes?
RESULTADOS:
a) Até 7 respostas positivas: Cuidado. Você pode estar perdendo o controle do uso de seu aparelho;
b) De 8 a 11 respostas positivas: É possível que o uso do celular já esteja lhe causando problemas. Considere buscar ajuda profissional;
c) De 12 a 17 respostas positivas: Você perdeu o controle do uso do celular em sua vida. Busque ajuda imediatamente.
  • Esta é uma versão resumida e adaptada livremente da "Mobile Phone Problem Usage Scale", escala elaborada por Adriana Bianchi e James G. Phillips (Monash University, Austrália) e publicada no artigo científico "Psychological Predictors of Problem Mobile Phone Use", incluído no periódico "CyberPsychology & Behavior" em 2005; seu objetivo é identificar alguns comportamentos indicativos de uma possível dependência de celular; o "score" não possui validade de diagnóstico, algo que apenas pode ser aferido corretamente por um profissional de saúde.


COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

DE SÃO PAULO

Cresce a popularidade do termo "nomofobia", mas o distúrbio não é catalogado.
Em geral, a dependência de celular é enquadrada como transtorno do controle dos impulsos, ao lado de outras patologias, como piromania ou tricotilomania (arrancar os próprios cabelos).
Essa classificação como transtorno do impulso é "um pouco forçada" na visão de Andrea Jotta, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP. "Há diferenças entre vícios em jogos, compras ou tecnologia. Não há como patologizar o vício em tecnologia só por conta do acesso", diz.
Essa pesquisadora não usa "vício", e sim "hard uso". E explica: "Não há como dizer que há vício puro em tecnologia no Brasil: ele aparece associado a outras doenças".
Jotta considera "precipitadíssimo" tratar alguém por esse vício. "É complicado falar que o vício em tecnologia é doença, nem sei quais características seriam citadas nesse diagnóstico", diz.
Segundo ela, até hoje não surgiu, no núcleo de pesquisas, uma só pessoa viciada em celular. "Em pelo menos cem casos, o uso exagerado da tecnologia surgiu como sintoma, não como causa. A pessoa tem depressão, dificuldade no trabalho e ocupa a lacuna com tecnologia."
No entanto, é possível que o transtorno apareça no próximo DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que deve ser publicado em maio de 2013), segundo Cristiano Nabuco, que coordena o Grupo de Dependência de Internet do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de SP.
"As pessoas ainda não se deram conta de que é problema de saúde pública", diz ele.
O psicólogo prepara, com a pesquisadora americana Kimberly Young, livro no qual revisam a literatura científica que trata da dependência de celular incluindo casos que, na maioria, aparecem ligados com depressão, fobia social ou transtorno bipolar.
"Dependente de celular sofre mais de ansiedade, frustração e irritação do que o de internet. Tem transtornos menos duradouros, mas impactantes", compara Nabuco.
COLA SOCIAL
Um fator-chave dessa dependência seria a sensação de conexão e proteção que o celular oferece. "Dá senso de pertencimento, funciona como cola social", diz Nabuco.
Já o psicanalista e pesquisador Roberto Calazans, da Universidade Federal de São João Del Rei (MG), critica a classificação do apego ao celular. "Antes de sair catalogando toda e qualquer manifestação de época como sintoma, doença ou transtorno é preciso avaliar que função esses novos eventos têm na vida de um sujeito", diz.
Ele questiona o fato de partidários da noção de transtorno mental o definirem mais como a perturbação de uma ordem sem se questionarem sobre o papel desse sintoma no funcionamento da pessoa. "Desse modo, vemos fenômenos como a timidez, o uso de celulares e o consumo de cafeína serem patologizados."
(DENISE MOTA E JULIANA VINES)

O QUE É NOMOFOBIA

DEFINIÇÃO

O termo vem sendo usado por leigos, não pela literatura científica. Deriva do inglês "no mobile" e significa fobia de ficar sem o celular; a definição mais usada na literatura científica é "mobile phone addiction" (dependência ou vício em telefone celular)
CLASSIFICAÇÃO
Ainda não há consenso, mas vários especialistas acreditam que esse novo transtorno pode ser mais bem compreendido como pertencente a classificações ligadas ao transtorno do controle dos impulsos (jogo patológico, cleptomania etc.)
SINTOMAS
  • Necessidade de aumentar o tempo de uso do celular para ter a mesma satisfação
  • O celular interfere nas atividades do cotidiano (dormir, estudar, trabalhar etc.)
  • Exibir esforços repetidos para diminuir o tempo de uso do celular, mas não conseguir
  • Ficar irritado ou ansioso quando o uso do celular é restringido
  • Usar o celular mesmo em locais proibidos
  • Usar o celular por mais tempo do que o planejado
  • Ter a impressão de "ouvir" o celular tocar ("toque fantasma")
TESTE*

Veja se a sua relação com o celular é saudável; quanto mais respostas positivas você somar, mais vulnerável está

1. Já disseram que você passa tempo demais usando o celular?
2. Seus amigos e familiares se queixam da maneira como usa o aparelho?
3. Tenta esconder de conhecidos a quantidade de tempo que gasta acessando o celular?
4. Acaba usando o celular por um tempo maior do que gostaria?
5. Acredita que nunca passa tempo suficiente usando o seu celular?
6. Já tentou usar menos o telefone, mas não conseguiu?
7. Perde horas de sono por conta do tempo que passa usando o celular?
8. Quando você está longe do aparelho por algum tempo, fica preocupado com a possibilidade de haver perdido ligações?
9. Sente-se ansioso se não checou mensagens ou se o celular permaneceu desligado por algum tempo?
10. Acha difícil desligar seu celular?
11. Sente-se perdido sem seu celular?
12. Já usou o telefone celular para conversar com pessoas quando se sente isolado em algum lugar ou circunstância?
13. Já usou o aparelho para conversar com outras pessoas quando se sente sozinho?
14. Já usou seu celular para se sentir melhor quando está triste?
15. Você usa o telefone celular quando deveria estar fazendo outras coisas e isso lhe acarreta problemas?
16. Sua produtividade caiu como resultado direto do tempo que gasta no celular?
17. Acontece de você preferir usar o celular para não ter de lidar com questões mais urgentes?
RESULTADOS:
a) Até 7 respostas positivas: Cuidado. Você pode estar perdendo o controle do uso de seu aparelho;
b) De 8 a 11 respostas positivas: É possível que o uso do celular já esteja lhe causando problemas. Considere buscar ajuda profissional;
c) De 12 a 17 respostas positivas: Você perdeu o controle do uso do celular em sua vida. Busque ajuda imediatamente.
  • Esta é uma versão resumida e adaptada livremente da "Mobile Phone Problem Usage Scale", escala elaborada por Adriana Bianchi e James G. Phillips (Monash University, Austrália) e publicada no artigo científico "Psychological Predictors of Problem Mobile Phone Use", incluído no periódico "CyberPsychology & Behavior" em 2005; seu objetivo é identificar alguns comportamentos indicativos de uma possível dependência de celular; o "score" não possui validade de diagnóstico, algo que apenas pode ser aferido corretamente por um profissional de saúde.

Justiça de SP reconhece doadora de óvulos como segunda mãe


Decisão põe fim a quatro anos de disputa judicial de enfermeira com sua ex-companheira

Menino terá certidão de nascimento com sobrenome das duas mães e passará uma semana com cada uma
CLÁUDIA COLLUCCI

DE SÃO PAULO

Após quatro anos de briga judicial, a enfermeira Gisele, 46, foi reconhecida oficialmente como a segunda mãe do menino gerado com seus óvulos e gestado no útero da sua ex-companheira, Amanda, 42. Os nomes são fictícios para preservar a criança.
Folha divulgou o caso em fevereiro. As mulheres viveram quatro anos juntas, mas, após a nascimento, Amanda não aceitou que no registro constasse o nome de Gisele.
Também passou a impedir que a ex-companheira visse o garoto. Gisele ingressou com uma ação pedindo o reconhecimento da dupla maternidade, mas um juiz a considerou improcedente.
Na sexta-feira, em audiência com as duas mães, a juíza Helena Campos Refosco, da 7ª Vara da Família e Sucessões, conseguiu convencer Amanda a reconhecer a dupla maternidade, e o acordo foi selado.
"A juíza foi firme e fez cumprir o que diz a lei, ou seja, que famílias homoafetivas têm iguais direitos das relações heterossexuais", afirma a advogada Patrícia Paniza, que defendeu Gisele.
CERTIDÃO
A partir de agora, o menino passa a ter uma certidão de nascimento com o sobrenome das duas mães. Atualmente, no documento só consta o nome da mulher que o gestou. O sêmen usado no tratamento de fertilização veio de um doador anônimo.
"Nem acredito que esse pesadelo chegou ao fim", disse, com a voz embargada, Gisele. Ela integra a equipe de resgate do Corpo de Bombeiros.
Com a decisão, cada mãe ficará uma semana com a guarda da criança.
Segundo a advogada, a juíza também se baseou em um laudo psicológico do menino, em que uma perita atestou que a guarda compartilhada seria o melhor para ele.
BRIGA
O casal se separou em 2008. Segundo Gisele, a ex-companheira tornou-se evangélica e passou a negar a homossexualidade. Em dezembro, a relação "azedou" ainda mais.
"Ela passou a esconder meu filho de mim. Em uma ocasião, só consegui encontrá-lo com um mandado de busca e apreensão", diz ela.
A advogada de Gisele entrou então com um pedido de reversão de guarda, mas uma outra juíza o negou, alegando que ela não tinha parentesco com o garoto.
Na audiência de sexta, tentava novamente reverter a guarda do menino. Não foi preciso.
Folha tentou falar com Amanda em fevereiro e na sexta-feira, mas ela não retornou as ligações.

FRASES
"Nem acredito que esse pesadelo chegou ao fim"
GISELE, 46
enfermeira que foi reconhecida oficialmente como a segunda mãe do menino gerado com seus óvulos e gestado no útero da sua ex-companheira, Amanda, 42. Os nomes são fictícios
"Ela passou a esconder meu filho de mim. Em uma ocasião, só consegui encontrá-lo com um mandado de busca e apreensão"
GISELE
"A juíza foi firme e fez cumprir o que diz a lei, ou seja, que famílias homoafetivas têm iguais direitos das relações heterossexuais"
PATRÍCIA PANIZA, advogada que defendeu Gisele

Seca no Nordeste causa migração 'fora de hora' ao interior paulista

Edson Silva/Folhapress
Antonio Romárcio Pereira, 24, que deixou o Piauí para trabalhar em canaviais de Pontal (SP)
Antonio Romárcio Pereira, 24, que deixou o Piauí para trabalhar em canaviais de Pontal (SP)


Estiagem histórica leva 'fugitivos' às cidades canavieiras em plena safra; parte atua na construção civil

Prefeituras já sentem o impacto, causado pelo aumento da demanda nos sistemas de saúde e de assistência social
JULIANA COISSI

ENVIADA A GUARIBA E PONTAL (SP)

Os planos para 2012 já estavam traçados na cabeça de Antonio Romárcio Pereira, 24. Ele iria ajudar o pai e os quatro irmãos mais velhos na colheita do milho e do feijão na terra onde a família vive, em Ipiranga do Piauí (PI).
O caçula estava disposto a não tomar o caminho até o interior de São Paulo, como havia feito nos últimos quatro anos, para cortar cana.
Mas a chuva -na verdade, a completa falta dela- arruinou a colheita e o colocou na rota dos canaviais paulistas.
A seca histórica no Nordeste, a pior dos últimos 50 anos, tem empurrado Pereiras e outros "fugitivos" para diversas cidades paulistas, que estão em plena safra da cana-de-açúcar, e até para outros Estados.
"A seca está esparramando muita gente pelo Brasil afora", diz o padre Antonio Garcia Peres, coordenador nacional de temporários rurais da Pastoral do Migrante, ligado à Igreja Católica.
Atualmente, cerca de 60 mil nordestinos migram a cada ano para o norte e nordeste de São Paulo, segundo a pastoral. A maioria trabalha com a cana, mas a construção civil já atrai 20% dessa mão de obra.
Na região de Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo), o maior volume chega nos primeiros três meses do ano para garantir o emprego nas usinas de cana, cuja safra começa em abril. E a volta à terra natal só ocorre no fim do ano.
Neste ano, porém, segundo Peres, há migrantes "fora de hora", que chegaram em maio, junho, julho e até agosto. Boa parte, como o piauiense Pereira, foi forçada pela seca.
Não há contagem oficial de quantos são esses temporões.
Em Botuporã, cidade baiana de 11.154 habitantes, saíam no meio do ano passado de dois a três ônibus com migrantes toda segunda-feira. Nesta metade de ano, são cinco a sete ônibus, diz a irmã Lucia Antonia Bonk, da pastoral em Botuporã.

COBERTOR E ENXOVAL
Na ponta de chegada, cidades canavieiras de São Paulo, como Pontal (351 km de São Paulo), já sentem o impacto.
"Quando eles vêm na época de contratação, as usinas dão plano de saúde. Mas, depois, fica por conta da rede de saúde da prefeitura", afirma o prefeito Antonio Frederico Venturelli Junior (PSD).
Em meados deste ano, a prefeitura socorreu famílias carentes, muitas delas migrantes, com 300 cestas básicas por mês. Na mesma época, em 2011, as cestas eram metade.
E não só comida: em Pradópolis (315 km de São Paulo), a prefeitura tinha, até março, 2.300 cadastrados para receber cesta básica, cobertores, gás, remédios e até enxoval de bebês. Hoje, já são 3.000.
Cícera Gomes Siqueira, 30, de Timbiras (MA), chegou há dois meses a Guariba (337 km de São Paulo) com os quatro filhos. Todos já estão na escola da prefeitura.
O marido, Domingos Teixeira Lima, 45, veio na frente, no final de março. Adiou a decisão de deixar para trás a roça de arroz o quanto pode, mas, neste ano, nada colheu.
"É ruim, porque a gente fica pensando no futuro dos filhos. Trouxe eles porque não tinha como ficarem lá com a seca."

Mercado exigente exclui migrantes, afirma professor
DE RIBEIRÃO PRETO

As dificuldades enfrentadas pelos migrantes do Nordeste e do norte mineiro não terminam quando deixam a seca para trás e chegam às cidades canavieiras paulistas.
É comum para muitos deles a situação de não encontrarem emprego no campo ou na cidade pela falta de qualificação profissional, afirma o economista Francisco José da Costa Alves, professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e pesquisador de migração.
Essa capacitação maior do trabalhador tem sido exigida, por exemplo, na construção civil, afirma o economista.
Há mais demanda para funções como ladrilheiro e carpinteiro, que exigem mais especialização, e menos para ajudante de pedreiro, que é uma atividade para os iniciantes.
"Por conta dessa qualificação e da safra, que já está indo para o seu final, se não encontram emprego, eles sobrecarregam os parentes com quem estão hospedados."
A situação acaba por provocar, afirma Alves, uma segunda exclusão.
"A primeira foi provocada pela seca, e, aqui [no interior paulista], pela incapacidade do mercado de trabalho em absorvê-los", comenta.
Para as cidades que recebem os migrantes, um dos impactos na rede pública é o de sobrecarregar os serviços de saúde, de assistência social e de creches e escolas.
Por outro lado, afirma o docente, um aspecto positivo é que essa população flutuante acaba por movimentar a economia de mercados e de pequenos comércios das redondezas. (JC)


ANÁLISE

A natureza não é a responsável pela fuga dos nordestinos

MARIA APARECIDA DE MORAES SILVA

ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1977, ao prefaciar Elegia para uma re(li)gião, o professor Francisco de Oliveira, em sua arguta análise, utiliza o termo nordesterrados com o intuito de revelar não apenas as circunstâncias históricas, geográficas, políticas e sociais da "região" Nordeste, como também para (re)significar a vida cigana de vaivéns constantes de milhares de pessoas que se deslocam, sobretudo, para a "região" Sudeste do país.
Acompanhando a história do desenvolvimento do capitalismo em São Paulo, observa-se que, desde o final da escravidão, houve a presença de trabalhadores migrantes do Nordeste, chamados nacionais, para diferenciá-los dos estrangeiros - italianos, espanhóis, alemães, japoneses, dentre outros.
Enquanto estes últimos eram empregados como colonos nas fazendas cafeeiras, os primeiros desempenhavam as perigosas tarefas de "limpeza" do terreno, isto é, derrubada das matas naturais e matança dos povos indígenas, primeiros habitantes do território paulista.
Assim, se consubstanciou o processo de formação das fazendas cafeeiras nas primeiras décadas do século 20. Na sequência, os nacionais foram contratados como camaradas -trabalhadores avulsos -que realizavam outros serviços, como roçada de mato, construção de cercas etc.
Com o surgimento das grandes usinas sucroalcooleiras, nos finais de 1950, em virtude do declínio sucessivo das fazendas de café e do colonato, intensifica-se a demanda de força de trabalho, principalmente, para o corte manual da cana de açúcar.
A partir de então, milhares de nordestinos, além dos mineiros do Vale do Jequitinhonha, aportam-se aos canaviais paulistas, na condição de migrantes temporários. Após o final da safra, regressam aos seus lugares de origem, para, no ano seguinte, reiniciarem a mesma caminhada.
Esse vaivém de centenas de milhares de pessoas, durante mais de 60 anos, caracteriza-se pelo processo de migrações permanentemente temporárias. São eternos migrantes, ciganos e desterrados.
Nos últimos anos, em razão da intensificação da mecanização do corte da cana, tem havido mudanças dessas rotas migratórias. Quem não consegue trabalho nas usinas paulistas dirige-se a outros Estados ou à construção civil.
Sem sombra de dúvidas, nos períodos de seca agrava-se a situação econômica, mormente, dos camponeses que ainda possuem pequenos lotes de terra no semiárido nordestino. A saída é um verdadeiro êxodo em busca da sobrevivência. No entanto, não é a natureza a responsável pela partida/fuga, e sim as condições históricas e estruturais dessa "região" pobre que alimenta a riqueza da outra "região". Por mais de um século, os severinos aqui chegam e daqui partem.
MARIA APARECIDA DE MORAES SILVA é socióloga, professora livre docente da Unesp de Araraquara e do curso de pós-gradução em sociologia da UFSCar; pesquisa sociologia rural e migração



FRANCISCO DAUDT


Tiro os outros

É da natureza humana tirar os outros por si; todos os deuses, por exemplo, tiveram formas humanas

"Você vai deixar os arrozinhos e feijõezinhos aí no prato, separados dos irmãos deles que já estão na sua barriga?", disse a minha babá. Chantageado pela culpa, raspei o prato. Naquela época os adultos faziam seu prato e você era obrigado a limpá-lo. Será que isto tem alguma relação com meu combate à obesidade pelo resto da vida? O que sei é que nenhuma dúvida tive sobre a antropomorfização da comida. (Sinto pelo nome, mas significa atribuir humanidade a coisas e animais). Eu tirava o arroz e feijão por mim. Se fosse separado de meus seis irmãos, ficaria muito triste, logo...
Achamos perfeitamente natural que os personagens da Disney ajam como humanos. Nunca nos ocorre que Mickey é um rato, Pateta um cachorro, Clarabela uma vaca, Horácio um jumento, Donald um pato (vocês já viram o Donald nu? Ele só usa um colete, mas quando o tira para o banho, cobre com as "mãos" as partes baixas por pudor!). O próprio Pluto, apesar de ser o mais bicho de todos, exibe uma bela dentadura humana, sem um único "canino".
É da natureza humana tirar os outros por si. Pense nos vários E. T. São homenzinhos levemente diferentes sempre. Os psicólogos evolucionistas sugerem que nossa consciência nasceu com este tosco ato de reflexão: "Ele está fazendo aquela cara que eu faço quando quero trapacear alguém, logo, deve ser um trapaceiro". Não pense que nossos ancestrais formulavam com tal complexidade, senão estaríamos tirando eles por nós. Era, a princípio, apenas uma sensação. Foi a aquisição da palavra que produziu o pensamento complexo.
Mas continuamos a tirar os outros por nós. Rigorosamente todos os deuses inventados pelo homem tiveram formas humanas, inclusive Iavé (o deus-pai judaico-cristão), de barbas brancas, sentado na nuvem.
Mas é no terreno da compreensão do outro que a coisa pega. "Honi soit qui mal y pense" (amaldiçoado seja quem pensar mal disto), disse o rei inglês Eduardo 3º nos anos 1300, sugerindo que a maldade estava na cabeça de quem julgava seu gesto cavalheiro de pegar a liga que caíra da perna da moça no baile. Aliás, falando na riqueza que a palavra traz ao pensamento, que sorte deram os ingleses pela invasão normanda. O anglo-saxão que falavam era tosco. O latim dos franceses abriu-lhes as mentes para sempre. Por isto as armas britânicas trazem duas frases em francês. "Dieu et mon droit" é a outra.
Sim, a maldade pode estar na cabeça de quem julga. O problema é que a bondade também. O Tufão não era burro, só era muito bom, incapaz de conceber que alguém pudesse ser tão mau. Precisou de muitos dados para se convencer que não podia tirar sua mulher por ele.
É, os outros podem ser diferentes de nós! Anos de prática psicanalítica me ensinaram isto. Sempre aparece o velho cacoete natural, só que hoje ele conversa com o aprendizado.
Este é meu ponto: quem for rápido no julgamento deixará de contemplar a imensa complexidade humana, tirará o outro por si, será rasteiro. Por isto um tribunal ouve a defesa do mais escancarado malfeitor, como temos assistido.

Brasileiro descobre "superestrela" rara


Objeto recém-identificado tem mais de cem vezes a massa do nosso Sol e está localizado do outro lado da galáxia


Astros tão maciços são incomuns e têm vida efêmera; a descoberta pode ajudar a entender a evolução das estrelas

GIULIANA MIRANDA

DE SÃO PAULO

Um astrônomo brasileiro conseguiu encontrar, no meio das mais de 200 bilhões de estrelas da Via Láctea, um astro que é particularmente especial: uma grandalhona com pelo menos cem vezes a massa do nosso Sol.
E mais: a estrela parece ter sido "expulsa" da região em que se formou, estando agora isolada a cerca de 25 mil anos-luz daqui.
Astros tão maciços são difíceis de encontrar, pois são muito raros e têm vida relativamente curta.
"É como encontrar um grão de areia especial no meio de uma praia inteira", explica Alexandre Roman Lopes, autor da descoberta e pesquisador da Universidade de La Serena, no Chile. Ele é especialista em encontrar esses monstrengos espaciais.
A estrela descoberta, batizada de WR42e, provavelmente tem elementos químicos essenciais à formação e desenvolvimento da vida como a conhecemos. E, na explosão que marca a morte das grandes estrelas, eles deverão se espalhar pelo espaço.
Por isso, explica o astrônomo, a descoberta poderá ajudar no "entendimento de como os elementos químicos se formam, e até a evolução da nossa própria galáxia".
Apesar de grandalhona, ela é novinha em termos galácticos: tem apenas 1 milhão de anos. Com 4,6 bilhões de anos, nosso Sol, por outro lado, já é um veterano.
A vida, no entanto, será bem mais curta para o astro.
Quanto maior uma estrela é, mais rápido ela consome o combustível de seu núcleo. Acredita-se que o fim da linha para esse parrudo objeto seja, na melhor das hipóteses, daqui a 1 milhão de anos. Praticamente amanhã quando se trata de astronomia.

FRASE:
"É como encontrar um grão de areia especial no meio de uma praia inteira", explica Alexandre Roman Lopes
Editoria de Arte/Folhapress


DESPEJADO
A superestrela se formou no aglomerado NGC3603, localizado mais ou menos do outro lado da galáxia. A região é uma espécie de berçário estelar, onde vários astros se concentram em um espaço reduzido.
Tanta proximidade causa interações gravitacionais poderosas e, para o astrônomo brasileiro, foi numa dessas que a grandalhona acabou "chutada" para a periferia desse sistema.
Essa proposição foi publicada agora no "Monthly Notices of the Royal Astronomical Society", baseada em observações do telescópio Soar, também no Chile.
Na opinião de Claudio Bastos, astrônomo do ON (Observatório Nacional) que não está envolvido com o estudo, a descoberta dessa gigante pode ajudar a revisar as teorias de formação estelar.
"É uma descoberta interessante, pois se trata de um objeto extremamente raro. A observação sempre coloca em xeque as teorias. Vamos ver até onde os modelos conseguem se encaixar", explica.

JANIO DE FREITAS


Partidos municipais

Pode-se dizer que estas foram as eleições mais fisiológicas, ao menos no pós-ditadura

O agravamento extremado da perda de identidade e sentido dos partidos é, provavelmente, a característica destas eleições municipais.
Já se tornara comum a deformação expressa nas alianças estaduais de partidos que se contrapunham em outros Estados. A deformação mais do que se ampliou nos municípios: foi agora a conduta partidária marcante no país todo. Conduta levada até ao cúmulo de partidos se combatendo com ferocidade em municípios vizinhos de onde mantinham alianças.
Ou seja, nenhum dos partidos, nos municípios, esteve sujeito a mais do que à sua política provincial, desconectado não só da linha partidária nacional, mas até da linha praticada no Estado.
A variedade de partidos vitoriosos nas capitais e grandes cidades chamou mais atenção. Sua influência para a nova distribuição das forças políticas é, de fato, muito importante. Mas, em pista paralela, a barafunda das parcerias municipais estará produzindo reflexos nas assembleias e governos estaduais, por certo com casos de emaranhados difíceis para os governadores. E ainda, dado serem os municípios as bases dos deputados federais, com reflexos nas bancadas mais numerosas da Câmara.
A ideia de fragmentação partidária, decorrente sobretudo das múltiplas siglas vitoriosas nas capitais, é generosa ou otimista. Com o PSB aliado nacional do PT e adversário naquele ou no outro Estado, e assim em numerosas e variadas combinações e descombinações, fazia-se a estadualização dos partidos. Uma volta à República Velha, com os partidos de âmbito estadual. As eleições de agora consagraram a municipalização dos partidos: mais do que fragmentá-los, é retirar-lhes a identidade e o sentido pretendido no sistema partidário brasileiro.
Pode-se dizer que estas foram as eleições mais fisiológicas, ao menos no pós-ditadura. O interesse grupal libertou-se das últimas restrições conceituais e convencionais.
Nessa terra desmatada emerge uma ressalva: a linha oficial do PSOL é não fazer acordos eleitorais. Há, porém, uma corrente discordante, desde a chegada ao segundo turno do seu candidato em Belém, o vencido ex-prefeito Edmilson Rodrigues.
OUTROS SINAIS
A vitória de ACM Neto em Salvador, que foi também a derrota do governador Jaques Wagner, é insuficiente para dar algum oxigênio ao DEM. Não chega a afligir a direita, porque o PSD entra no jogo: seu desempenho, ainda que não seja de impressionar, é bastante para atrair-lhe nova leva de trânsfugas. Seu líder enrustido, José Serra, vai precisar disso, seja qual for o significado do "vamos em frente" de sua fala de derrotado. Se bem que fala dotada de alto teor fantasioso.
A campanha "limpa" que Serra ali se atribuiu foi a responsável pela mediocrização da disputa paulistana. Campanha "propositiva", mas só apresentado o seu "programa" a meio já da disputa de segundo turno. E sem sequer uma linha que os meios de comunicação pudessem elevar a manchetes.
O desempenho geral do PSDB, talvez melhor do que o próprio partido esperasse, foi importante como advertência ao PT vitorioso a despeito do julgamento no STF, e da exploração eleitoral dessa desvantagem sua. Mas, contraditoriamente, o PSDB sai da eleição com o pior problema: a necessidade de refazer-se enquanto há tempo.

PAINEL


VERA MAGALHÃES - 

painel@uol.com.br

Companheiro Kassab
Em franca aproximação com o PT e comandando a formação de maioria na Câmara para seu sucessor, Gilberto Kassab deixará pacote de obras na educação para Fernando Haddad inaugurar na largada do novo mandato. Pelos cálculos do prefeito, pelo menos 130 escolas poderão ser entregues pelo petista no primeiro semestre, além do mobiliário urbano. Kassab também diz a interlocutores que Haddad assumirá o cargo com pelo menos R$ 2 bilhões em caixa para investimentos.

Papai Noel Ainda empenhado em diminuir sua rejeição na reta final de governo, o prefeito também pretende concluir 30 escolas, a reforma da marquise do Ibirapuera e o terminal intermodal de Pinheiros antes do Natal.
Teflon Petistas desconfiam do voluntarismo de Kassab e interpretam o gesto do prefeito como um pedido de proteção na transição que começa hoje. Em vão: contratos e pagamentos previstos para 2013 devem ser revisados.
Voo solo Auxiliares de Dilma Rousseff dizem que o PSD pode levar a nova pasta de Micro e Pequenas Empresas. Emissários do partido, no entanto, manifestam interesse na Aviação Civil.
13 ou 45? Piada entre petistas durante ligação do prefeito para parabenizar o petista eleito, ainda na noite de domingo: "Kassab está tão à vontade que só falta confessar que votou no Haddad".
Águas turvas A aproximação do PRB com Geraldo Alckmin deixou o ministro Marcelo Crivella (Pesca) na linha de tiro. O Planalto reprova o alinhamento do partido ligado à Igreja Universal com o PSDB, com vistas a 2014.
Bolsa de apostas O reitor da Unifesp, Walter Albertoni, está entre os cotados para assumir pasta no governo de Haddad. Petistas citam Saúde ou Educação como seu possível destino. Albertoni participou da propaganda de TV do ex-ministro.
Ou vai... Além de avaliar o resultado do PSDB no segundo turno, Lula combinou em conversa com Dilma Rousseff que procurará em breve o governador Eduardo Campos (PSB) para uma conversa, nas palavras de auxiliares, "de pai para filho''.
... ou racha Os petistas querem saber do governador qual o seu plano para 2014. Dilma está disposta a ampliar o espaço do PSB no governo. Só não negocia o posto de vice, que será de Michel Temer.
PSB do G Dilma telefonou para Cid Gomes para dar os parabéns pela vitória em Fortaleza. Com Campos ela só falou depois que ele ligou, e combinaram de se encontrar na semana que vem.
Bandeira branca Passada a beligerância da campanha, Rui Falcão (PT) e Roberto Amaral (PSB) trataram ontem da primeira agenda conjunta no pós-eleição: vão selar as pazes discutindo os pontos da reforma política.
Protesto Diante da indicação do secretário Sidney Beraldo (Casa Civil) para o TCE-SP, Campos Machado (PTB), mentor da candidatura de Jorge Caruso (PMDB) ao tribunal, entregou seu cargo ontem no Conselho de Defesa das Prerrogativas Parlamentares da Assembleia paulista.
Acima... Hostilizado por uma eleitora e um mesário na seção eleitoral onde vota, na zona sul de São Paulo, o revisor do mensalão, Ricardo Lewandowski, avalia que o episódio foi fruto de um julgamento marcado para coincidir com as eleições municipais e da insatisfação com o resultado das urnas.
... do tom "Fora da arena eleitoreira só tenho recebido elogios de juristas, cidadãos e estudantes de todo Brasil", assegura o ministro do STF.
COM FÁBIO ZAMBELI E ANDRÉIA SADI
TIROTEIO
É o preconceito e a visão totalitária do velho coronelismo, achar que o pobre só sabe pensar quando vota a seu favor.
DE JILMAR TATTO (SP), líder do PT na Câmara, sobre José Agripino (DEM) dizer que o povo pobre de Salvador mostrou que sabe pensar ao eleger ACM Neto.
CONTRAPONTO
Intriga da oposição
Durante a campanha eleitoral, Gustavo Fruet (PDT) foi diversas vezes questionado por jornalistas se não era constrangedora a aliança com o PT após ter sido algoz do partido no mensalão. Certa vez, o então candidato à Prefeitura de Curitiba respondeu que não, tanto é que contava com a "senadora" Gleisi Hoffmann ao seu lado.
Foi então que uma jornalista o corrigiu:
-Candidato, ela é ministra da Casa Civil!
Ao perceber a gafe, Fruet brincou:
-Esse pessoal da imprensa nacional vem aqui só para me confundir!

Charge


CHARGE

VLADIMIR SAFATLE


Um muro

Em seu discurso da vitória na eleição para prefeito de São Paulo, Fernando Haddad lembrou dos muros da desigualdade a que a cidade está submetida. Este tema dos "muros" merece, de fato, ser mais discutido, pois eles conseguem se perpetuar ao longo das sucessivas administrações que passam pela prefeitura.
Um dos muros mais impressionantes de São Paulo é aquele que isola seus intelectuais do debate sobre os rumos da maior megalópole do hemisfério Sul.
Na cidade de São Paulo encontra-se, por exemplo, a mais importante universidade da América Latina, responsável por algo em torno de 25% das pesquisas acadêmicas desenvolvidas no país. Só para se ter uma ideia desse peso proporcional, a mais importante universidade dos Estados Unidos (Harvard) responde por apenas 3% da pesquisa realizada nas universidades norte-americanas.
A cidade, no entanto, costuma não ouvir sua maior universidade quando procura por ideias e soluções para seus problemas. Ela despreza parte significativa de sua inteligência e não sabe utilizar a força crítica de seus acadêmicos a seu favor.
As inúmeras pesquisas desenvolvidas pela universidade sobre política cultural, planejamento urbano, impacto de medidas de segurança, problemas em práticas educacionais e políticas de direitos humanos são vistas pelos poderes públicos com desconfiança, já que nem sempre elas são laudatórias.
Um novo momento da política brasileira passa necessariamente pela definição de relações entre administradores que devem resolver problemas públicos complexos e intelectuais independentes que marcaram sua atuação profissional pela procura em aprimorar sua capacidade crítica.
Muitos temem que isso seja uma forma insidiosa de "cooptação". Melhor seria lembrar que todos os países que realizaram verdadeiro desenvolvimento social só o conseguiram quando tiveram figuras públicas dispostas a escutar o que seus intelectuais e artistas tinham a dizer -mesmo que essas falas nem sempre fossem música para os ouvidos dos que estão do outro lado. Há uma escuta do dissenso que deve ser aprendida.
No momento em que o poder público volta a enxergar os muros da cidade, a universidade pode ser um importante ator de transformação social.
Se parte significativa da inteligência nacional está em São Paulo, é burrice continuar ignorando-a a fim de repetir os erros de sempre.
Colocando-se para além dos partidos e das filiações partidárias, ela sempre teve um poder de transformação menosprezado. Não há por que dar sequência a esse menosprezo.
VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.