segunda-feira, 19 de novembro de 2012

'Mundo descobriu a força da mídia digital' - Rodolfo Lucena


'Mundo descobriu a força da mídia digital'
Bill Wasik, inventor das 'flash mobs', relaciona as ações-relâmpago que criou em 2003 aos grandes protestos políticos atuais
Para o editor da 'Wired', ativistas usam os mesmos recursos de mobilização que ele usava, mas agora para 'coisas sérias'
Shannon Stapleton - 7.ago.2003/Reuters
Ativistas urram diante de réplica de dinossauro na loja Toys"R"Us, em Nova York, na sexta e mais bem-sucedida 'flashmob' criada por Bill Wasik
Ativistas urram diante de réplica de dinossauro na loja Toys"R"Us, em Nova York, na sexta e mais bem-sucedida 'flashmob' criada por Bill Wasik

RODOLFO LUCENADE SÃO PAULO"'Flash mobs' viraram coisa séria, agora são para valer", constata o jornalista norte-americano Bill Wasik, o criador das manifestações-relâmpago convocadas por
e-mail e mensagens de texto por celular, realizadas no início da década passada.
"As pessoas descobriram o poder das ferramentas digitais", avalia ele, comentando o uso das redes sociais na organização de protestos -das grandes manifestações da Primavera Árabe às concentrações dos "indignados" na Espanha e às ações de adolescentes nos EUA.
Em entrevista à Folha por e-mail, Wasik, hoje editor da revista "Wired", lembra como lhe veio a inspiração, em 2003, para montar uma manifestação de curtíssima duração, parecendo surgir do nada e esfumaçando-se tal como havia começado.
"Estava tomando banho quando surgiu a ideia. Simplesmente queria ver o que poderia acontecer, então tentei levar o projeto adiante."
Foi por e-mail que Wasik, então editor na revista "Harper's Magazine", convocou a primeira "flash mob". Tomou providências para ocultar sua identidade e, no dia 27 de maio, mandou mensagens a pouco mais de 60 amigos e conhecidos.
O texto começava assim: "Você está convidado para participar da Mob, um projeto que cria uma inexplicável multidão de pessoas por dez minutos ou menos". E pedia para que o sujeito retransmitisse a convocação.
Não deu em nada. A polícia ficou sabendo e bloqueou a entrada da loja de Nova York onde seria realizada a manifestação. O jornalista insistiu no projeto: "Como a primeira tentativa foi frustrada pela polícia, decidi tentar novamente. Acabei realizando sete 'flash mobs' no total, de junho a setembro de 2003".
Wasik diz que era "semianônimo": assinava as convocações só como Bill. Ele assumiu a criação dos eventos em 2006, em artigo na "Harper's". "A experiência de ver a ideia se tornar viral é uma das razões que me fizeram escrever sobre a internet e que me trouxeram para a 'Wired'."
TAPETE DO AMOR
As manifestações eram bem-humoradas e rápidas. Na primeira que deu certo, cerca de 200 pessoas entraram na seção de tapetes da loja Macy's, pararam em um ponto e disseram aos funcionários que procuravam por um "tapete do amor".
Na de maior sucesso, na loja de brinquedos Toys"R"Us, cerca de 400 pessoas se concentraram diante de um gigantesco dinossauro de brinquedo, "interagindo" com a fera com urros e gemidos.
"Àquela altura, as pessoas já tinham compreendido a ideia, e as 'flash mobs' se disseminaram pelo mundo", diz Wasik. Com o tempo, o caráter das manifestações mudou, havendo desde campanhas publicitárias até grandes movimentos sociais.
"As pessoas descobriram o poder das ferramentas digitais -quão rapidamente podem convocar grupos e quão facilmente podem ficar conectadas em redes via aparelhos móveis", diz Wasik.
E conclui: "As 'flash mobs' foram um experimento meio bobo, mas serviram para demonstrar o poder dessa mídia digital. Hoje, em alguns desses movimentos sociais, eles usam as mesmas ferramentas digitais, mas agora em coisas sérias, para valer".

    Geração sinopse - Luli Radfahrer


    Com a abundância de conteúdo, vivemos um paradoxo de eficiência: há respostas demais
    Em teoria não faz sentido. Ao disponibilizar instantaneamente dados até há pouco inacessíveis, a rede mundial de informação deveria ter como finalidades únicas o estímulo à reflexão e o aumento do intelecto, não a propagação de boatos e a superficialidade generalizada. Bem se vê que, projetada por engenheiros, a internet parece não ter levado em conta o componente social das relações humanas.
    Ao contrário do que sugere nossa bandeira, ordem não leva necessariamente ao progresso. A ideia de velocidade e volume para redução de erros é característica dos avanços tecnológicos do século 20, em que o vagar de processos e o limite na oferta eram grandes problemas.
    Com a abundância de conteúdo, passamos a viver um paradoxo de eficiência: há respostas demais para que se possa fazer bom uso delas. Por mais que um passeio nas paisagens informativas digitais dê a impressão de que a cultura se enriquece, o que acontece muitas vezes é o contrário: nos tornamos depósitos de dados e citações impensadas.
    Antes do surgimento de YouTube, blogs e Wikipédia, dizia-se que informação era poder. A hierarquia, antes baseada em sigilo, não desapareceu. Foi transferida para a administração da complexidade das bases de dados. O livre acesso levou à sobrecarga de informação sem precedentes, em que são imprescindíveis filtros e intérpretes para dar sentido a tudo que se acumula.
    Esses filtros não são neutros. É possível que nunca sejam. Isso se deve em boa parte à ganância de muitos que, apoiados na facilidade de acesso à rede, passaram a demandar mais tarefas do que seriam necessárias, eliminando o tempo necessário para a reflexão e a assimilação de informações.
    Situações que até recentemente eram consideradas desconhecidas ou imprevisíveis hoje demandam respostas, ainda que imprecisas, inadequadas ou mesmo incorretas. Basta que sejam apresentadas em PowerPoint com vídeos e recitadas por alguém com assertividade que podem ser aceitas como verdade.
    Como não é possível ser especialista em tudo nem estar presente em todos os lugares, são comuns ambientes de aparências, em que cada um busca saber o mínimo para não desmontar sua argumentação.
    Dessa forma se constrói uma cadeia de falsas informações, citações e referências que não levam a lugar algum. Quando boa parte da fundamentação vem da primeira página de resultados do Google, fica fácil criar uma confusão superficial.
    O conteúdo raso fica evidente na grande quantidade de livros de negócios que dizem quase nada, simplificam o não dito em "resumos executivos" e exploram argumentos rasos em mais de 300 páginas.
    Para simplificar o trabalho de leitura do não escrito, serviços como GetAbstract e BizSum vendem resumos de seu conteúdo em páginas na internet, audiobooks e slides, facilitando o consumo em trânsito e sua replicação em reuniões. Se tudo isso ainda der muito trabalho, uma sinopse resume a ideia central e destaca os principais conteúdos em cem palavras ou menos.
    Por mais que muitos executivos tenham boas intenções, não há como negar que esse terreno é extremamente fértil para a picaretagem. A pressa, já diziam nossas avós, é inimiga da perfeição. E da reflexão.

    Com o Twitter, ajudo pessoas a doar sangue


    Depoimento
    Com o Twitter, ajudo pessoas a doar sangue
    DE SÃO PAULOA analista de mídias sociais Carolina Rocha, 24, se recuperou de um acidente com a ajuda do Twitter.
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    Era dia de semana, chovia muito, e eu estava atrasada para o trabalho. Morava na rua Domingos de Moraes, na Vila Mariana (zona sul de São Paulo). Lá, pegava a linha Terminal Santo Amaro até o Itaim Bibi.
    Estava atravessando a rua na faixa, com o sinal fechado. O motorista achou que ficaria verde até ele passar e não freou -o ônibus me acertou em cheio, apesar do sinal fechado. Fraturei oito ossos e perdi muito sangue, mas só desmaiei quando cheguei ao hospital.
    Nessa época, por trabalhar em agência de publicidade, eu já tinha uns 10 mil seguidores no meu Twitter (@tchulimtchulim).
    Quando o médico disse que, na medida do possível, eu deveria repor as bolsas de sangue que usei, lancei uma campanha on-line com a ajuda de alguns amigos.
    Assim surgiu o Vai, Doa! (vaidoa.tumblr.com), site de que cuido até hoje. A gente fornece informações sobre o que é preciso para doar sangue e divulga campanhas no país todo.
    Também publicamos fotos enviadas para nós de pessoas doando sangue. Tudo isso para incentivar a doação. Todo mundo pode precisar de sangue um dia.
    Não tenho dúvida de que a internet -principalmente as redes sociais- une as pessoas. Conheci meus dois últimos namorados on-line. E o amigo que é dono do apartamento que alugo conheci pelo Twitter.
    (AA)
    Depoimento
    Prefiro ver meus amigos pessoalmente
    DE SÃO PAULOA estudante de psicologia Elis Costa Moralli, 22, saiu das redes sociais e só se encontra com os amigos pessoalmente.
    -
    Nunca fui uma grande fã de redes sociais. Quando comecei a gostar do Orkut, já estava decadente. A maioria das pessoas estava indo para o Facebook, e isso me deixou um pouco desanimada. Logo quando eu entro, todo o mundo decide sair?
    Uma vez, estava em um churrasco com o meu namorado e todos estavam curtindo o encontro. Pelo Facebook. Em vez de aproveitar o momento ali, pessoalmente, ficavam postando fotos e comentando pela rede social. Era uma reunião virtual de pessoas que estavam juntas.
    Às vezes entro no Facebook do meu namorado só para dar uma olhada. Vejo as coisas que postam, e nada me atrai, tem muita bobagem. Não sinto falta nenhuma de estar ali.
    Quando quero encontrar alguém que não vejo há muito tempo, prefiro ligar e combinar de sair. É bem melhor se encontrar pessoalmente. No Facebook, sempre rola aquela situação: a gente marca de se ver "algum dia", mas o encontro nunca acontece.
    Pra não dizer que eu não gosto de nenhuma rede social, acho o Instagram bem legal. Mesmo assim, ela não é como as outras. É mais visual, artística. Eu até faria um perfil lá.

      Para Lee Rainie e Barry Wellman, vigilância na web ameaça internautas


      Estudiosos alertam para uso de dados de usuários por governos
      Venda de informações em redes sociais por grandes companhias também preocupa pesquisadores
      DE SÃO PAULOO único ponto em que os autores de "Networked" e "Vertigem Digital" concordam diz respeito à vigilância por governos e grandes empresas. A questão decorre principalmente da quantidade de informação disponível.
      Lee Rainie e Barry Wellman escrevem que informações digitais têm "vida social", o que "abriu portas para novos meios de vigilância de governos e organizações". Isso independe de ser ou não de uma democracia, dizem.
      "Antes, a vigilância era tecnicamente mais difícil", diz Wellman. "Devemos nos preocupar em relação a governos e a grandes companhias que trabalham para juntar nossas informações."
      Andrew Keen defende ideia semelhante contra as redes sociais. "A realidade é que, para o bem ou para o mal, assim que uma foto, uma atualização ou um tuíte são publicados, eles se tornam propriedade pública", escreve, sobre privacidade.
      Pesquisa realizada pelo instituto Pew nos EUA, citada no livro de Rainie e Wellman, mostra que, quanto mais crucial a informação, menos pessoas a compartilham de modo consciente.
      Entre todos os usuários da web, 42% sabem ter ao menos uma foto on-line. Em relação às pessoas que sabem ter o endereço de suas casas na rede, cai para 26%.
      ADMINISTRAR PERFIS
      Para usuários, o desafio se torna administrar perfis em diversas redes sociais. As decisões passam tanto por quais informações compartilhar (ou não) como por deletar perfis em determinados sites.
      Apesar de ser entusiasta das redes sociais, Barry Wellman não está presente na principal delas, o Facebook. "Mas estou no Twitter", faz a ressalva, sorrindo. "Porém, trato como uma ferramenta de trabalho e não compartilho questões pessoais." O perfil dele é @barrywellman.
      Mesmo vestindo a carapuça de "hater" das redes sociais, Andrew Keen também prova desse veneno: tem pouco mais de 20 mil seguidores em seu perfil (@ajkeen). Em sua descrição, tenta manter a fama de mau: define-se como "o Anticristo do Vale do Silício".

        Estudos reabrem debate sobre o impacto de redes sociais na vida das pessoas


        Estudos reabrem debate sobre o impacto de redes sociais na vida das pessoas

        ALEXANDRE ARAGÃO
        DE SÃO PAULO
        Qual o impacto das redes sociais na vida das pessoas? Elas nos aproximam ou nos afastam?
        A discussão, que mobiliza acadêmicos desde que Orkut e Facebook se tornaram populares, ganhou novos capítulos recentemente, com o lançamento de dois livros de teorias opostas.
        SOCIAL OU ANTISSOCIAL?
        Ilustração Pablo Mayer
        De um lado estão o sociólogo Barry Wellman, da Universidade de Toronto, e Lee Rainie, diretor do instituto Pew. Eles são autores de "Networked: The New Social Operating System" ("Em Rede: O Novo Sistema Social", sem edição em português), no qual defendem que esses sites são elementos de união.
        Do outro lado, Andrew Keen, historiador, empreendedor pioneiro do Vale do Silício e autor de "Vertigem Digital" (Zahar, R$ 44,90), no qual procura explicar por que as redes sociais estão "dividindo, diminuindo e desorientando" seus usuários.
        "REVOLUÇÃO TRIPLA"
        Wellman e Rainie recorrem a pesquisas sobre o uso de tecnologia nos EUA, produzidas pelo instituto Pew, para argumentar que a sociedade está ficando mais integrada por três fatores, que eles definem como "revolução tripla".
        Divulgação
        O sociólogo Barry Wellman, professor da Universidade de Toronto e coautor de "Networked" ao lado de Lee Rainie
        O sociólogo Barry Wellman, professor da Universidade de Toronto e coautor de "Networked" ao lado de Lee Rainie
        O primeiro, do qual a web é peça-chave, é a substituição de grupos sociais coesos por redes interligadas entre si por vários indivíduos.
        "No passado, as pessoas tinham círculos sociais pequenos, fechados, nos quais familiares, amigos próximos, vizinhos e líderes comunitários formavam uma rede de proteção e ajuda", escrevem os autores. "Este novo mundo de individualismo conectado gira em torno de grupos mais soltos e fragmentados que oferecem auxílio."
        Segundo eles, completam essa "revolução" o aumento do acesso à banda larga e o uso disseminado de smartphones e tablets.
        "Dizem que as redes sociais desagregam, mas não há nenhuma evidência sistemática de que isso esteja, de fato, ocorrendo", afirma Wellman, em videoconferência com a Folha.
        Divulgação
        O historiador Andrew Keen, autor de "Vertigem Digital"
        O historiador Andrew Keen, autor de "Vertigem Digital"
        PRISÕES DE LUXO
        Já Andrew Keen utiliza como alegoria de sua tese uma prisão do castelo de Oxford que foi transformada em hotel cinco estrelas. Nela, um átrio central permitia que todos os prisioneiros fossem vigiados --hoje, as antigas celas viraram quartos luxuosos.
        Para ele, assim são as redes sociais: parecem hotéis cinco estrelas, mas não passam de cadeias em que um preso vigia o outro constantemente. "Muito da minha conclusão foi derivado do meu próprio uso de redes sociais", afirma, por e-mail.
        O uso que fazemos das redes sociais, diz, serve para nos manter ligados a nossas identidades virtuais, o que nos faz deixar de lado as reais.
        Para Keen, uma frase de Sherry Turkle, professora do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), resume sua opinião: "Entramos em rede porque estamos ocupados, mas acabamos passando mais tempo com a tecnologia e menos uns com os outros".
        *
        AS REDES EM USO
        273
        é o número médio de amigos que os brasileiros têm em redes sociais
        91%
        dos brasileiros com acesso à internet têm perfis em alguma rede social
        69%
        dos adultos que usam internet nos EUA têm perfis em redes sociais
        92%
        é para quanto sobe a porcentagem entre a população de 18 a 29 anos
        Fontes: comScore, Ibope Mídia e Pew Research Center

        Democracia na China? - Luiz Carlos Bresser-Pereira


        LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
        Desenvolvimento econômico está criando uma imensa classe média que demanda ser ouvida
        Na última semana, a China escolheu seus novos dirigentes de forma meritocrática e autoritária, não obstante o incrível desenvolvimento econômico por que passou nos últimos 30 anos.
        Tenderá a China a se transformar em uma democracia? Minha resposta é afirmativa, mas o processo de democratização deverá ser lento.
        A democracia seria impossível se o país continuasse uma sociedade estatista. Mas o estatismo de Mao Tse-Tung foi, afinal, a primeira fase da revolução capitalista chinesa; foi a fase da revolução nacional, que transformou o país em uma verdadeira nação, e foi a fase de sua industrialização pesada.
        Depois veio a extraordinária fase da abertura econômica. Hoje a China é um país tecnoburocrático-capitalista, como são todos os países ricos e de renda média do mundo. Por enquanto, é uma sociedade mais tecnoburocrática do que capitalista, mas está em plena mudança.
        Nenhuma revolução nacional e industrial aconteceu em país algum no quadro de uma verdadeira democracia, mas depois que a revolução capitalista se completa em cada país, seu Estado tende necessariamente a se tornar democrático.
        A principal exceção a essa regra é Cingapura, mas a transição democrática lá deverá ocorrer em breve.
        A China está longe do nível de desenvolvimento de Cingapura, mas as modificações que já aconteceram na sua sociedade e na política vêm sendo muito grandes e apontam no sentido da liberalização do regime.
        O Partido Comunista continua a ser partido único, e seu poder está colocado fora de discussão, mas isto não significa que exista lá um sistema político monolítico.
        Conforme assinalou Jamil Anderlini em um excelente artigo no "Financial Times", as elites dentro e fora do Partido Comunista podem ser divididas entre as "reformistas" e as "autoritárias" -e as primeiras estão avançando.
        Mesmo o jornal "Diário do Povo" -porta-voz oficial do Partido Comunista- disse em um editorial há duas semanas que "a sociedade vem tomando consciência do seu direito de saber e participar e a garantia dos direitos civis avança, mas a democracia na China não alcançou o nível que muita gente espera".
        Este debate não terá solução a curto prazo. A China continua voltada para sua própria estratégia nacional de desenvolvimento, em que o Estado mantém o controle dos setores monopolistas e das finanças administrando ou planejando suas atividades, ao mesmo tempo em que atribui a um mercado livre o setor competitivo da economia.
        Entretanto, esse desenvolvimento está criando uma imensa classe média que demanda ser ouvida.
        As manifestações nesse sentido estão se multiplicando. Essa nova classe média e mesmo as classes populares já estão sendo ouvidas a nível local, mas nas grandes cidades o nível local perde identidade, e é preciso pensar em uma participação política mais ampla.
        Conseguirão os chineses realizar essa transição sem uma crise maior?
        Não é possível assegurar nada a respeito, mas o pragmatismo e a busca de "harmonia social" (expressão chave para os chineses) que têm caracterizado a política chinesa sugerem que sim. Há um objetivo maior, o desenvolvimento econômico, mas o avanço político, o social, e mesmo ambiental não estão sendo nem serão desconsiderados, porque a sociedade assim exige.

          Bytes de memória - Gus Morais


          BYTES DE MEMÓRIA      GUS MORAIS
          GUS MORAIS

          Quadrinhos


          CHICLETE COM BANANA      ANGELI

          ANGELI
          CHICLETE COM BANANA      ANGELI

          ANGELI
          PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

          LAERTE
          NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

          FERNANDO GONSALES
          MUNDO MONSTRO      ADÃO

          ADÃO
          BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
          ALLAN SIEBER
          MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

          ANDRÉ DAHMER
          GARFIELD      JIM DAVIS

          O PSDB pode ter uma utopia? - RENATO JANINE RIBEIRO

          Tudo de bom nos últimos séculos nasceu como utopia

          Valor Econômico - 19/11/2012


          Daqui a menos de um mês, completará quinze anos o discurso mais ambicioso de Fernando Henrique Cardoso, em que ele disse que o mundo vivia "um novo Renascimento, um novo Humanismo". E que essa novidade, em vez de beneficiar só as elites, engendraria um cidadão globalizado, um cidadão do mundo. (Valeria a pena o Instituto FHC comemorar a data com um debate).

          Dá então para dizer que o ex-presidente propôs uma utopia, mesmo sem usar esta palavra? O termo "utopia" nunca foi bem-visto nos círculos conservadores, para onde tem rumado o público do PSDB. E "utopia" em mesmo um sentido negativo, porque se ligou, sobretudo com o comunismo, a uma mudança imposta de cima para baixo. Um único princípio, a abolição da propriedade privada, serviu para mudar todos os aspectos da vida humana, inclusive a mais pessoal. Mesmo com boas intenções, o resultado foi lastimável. Daí que, hoje, muitos receiem mudanças radicais, planejadas, efetuadas a frio.

          Mas há outro lado na palavra "utopia": quase tudo o que surgiu de bom nos dois últimos séculos foi, antes, concebido como utópico. Ou que nome dar aos malucos que defendiam a igualdade dos seres humanos, quando era dogma a desigualdade entre plebeus e nobres? Só um louco proporia para as mulheres os mesmos direitos dos homens; por defender isso, Olympe de Gouges foi guilhotinada. Ou alguém sensato acharia que negros, índios e não-ocidentais poderiam se igualar aos brancos? Não. Tudo o que é igualdade soava a delírio - a "utopia". O quase centenário Albert Hirschman, amigo por sinal de FHC, dedica um belo livro à "retórica reacionária", segundo a qual toda proposta de melhorar o mundo, na verdade, o piora. Pois é: se déssemos ouvidos aos anti-utopistas, nada faríamos para melhorar as coisas, porque todo esforço consciente nessa direção só as piora; só que, assim, não teria acabado a escravidão nem o colonialismo.

          Em suma, nem toda utopia resulta em coisa que preste. Mas nada surge de bom que não tenha passado pela utopia.

          É claro que o Renascimento - o dos séculos XV e XVI - não foi só a utopia. Foi também Maquiavel, com o advento da ciência política, o filósofo cujo "Príncipe" o ex-presidente prefaciou há dois anos. Mas o espírito do discurso de FHC está na ideia, não de um conhecimento cético e sem ilusões sobre o que o homem faz (a descoberta de Maquiavel), mas na proposta de um mundo justo e feliz (a invenção de Thomas More). Daí, a pergunta: podemos ter uma utopia tucana? Pode um partido que almeja mobilizar a sociedade, empolgar o poder, mudar o País, conseguir isso sem algum sonho, alguma utopia?

          Em 2010, quando Fernando Henrique lançou seu livro "Relembrando o que Escrevi: da Reconquista da Democracia aos Desafios Globais", participei do debate de lançamento. Discutimos como um presidente "acidental", para usar a expressão dele próprio, conseguiu firmar sua autoridade e ser um dos chefes de Estado mais bem sucedidos de nossa história. Quando ele foi eleito, Conceição Tavares disse que certamente seria "enrolado" por Antonio Carlos Magalhães. Pois é, aconteceu o contrário... Agraciado pelo dedaço de Itamar Franco, tendo a seu favor basicamente a retórica, a persuasão, a capacidade de falar e articular, Fernando Henrique conseguiu alçar-se a um nível inigualado por seus companheiros de partido. Da fortuna, ou da sorte, fez virtude, ou competência pessoal. Mas, nos seus herdeiros de partido, sinto falta do elemento renascentista, da utopia, do projeto. Nesse debate de 2010, depois de se discutir o futuro da sociedade, um ex-colaborador seu que estava na plateia perguntou se não deveríamos rever os benefícios da Previdência para caberem no respectivo orçamento. Fiquei espantado, não porque a pergunta fosse errada, mas porque aparentemente o ex-ministro não tinha noção do que são fins, o que são meios. Os fins estão no projeto de sociedade que tenhamos. Os meios são as contas para chegar lá. Ele dava mais importância às contas.

          O que pode estar na utopia tucana? Não é fortuito que Fernando e Ruth Cardoso fossem tão próximos de Manuel Castells, que teorizou os potenciais de conhecimento e transformação social da Internet. Não é fortuito que, nos últimos anos, revoluções tenham sido potencializadas pelas redes sociais. A difusão de conhecimento pela Web e, mais que isso, a produção de conhecimento novo se tornaram fatores essenciais no mundo que desponta. A globalização de que FHC fala é, mais que dos mercados, a da rede. Aí entra a educação, assunto sobre o qual pensadores tucanos ou próximos do PSDB se destacam no País. Considero que a prática do governo petista na educação - mais precisamente, a ênfase nos indicadores de avaliação - está mais perto da teoria tucana do que daquilo que dizem os próprios petistas. Há um vasto manancial de ideias à espera de uma política. Em seu favor, têm os educadores tucanos um senso da realidade e da relação custo-benefício que nem sempre vemos no PT; por exemplo, enfatizam o papel do ensino técnico e, sobretudo, pensam em como ter o maior rendimento possível pelo dinheiro investido. Embora qualquer governo, inclusive os petistas, tenha de procurar o máximo rendimento, o fato é que a doutrina petista não aprofunda essa direção. Resumindo, na educação, a prática do PT é melhor que a teoria dele (ou do que a prática tucana), enquanto a teoria peessedebista é superior à prática do seu partido. Quem souber desatar esse nó tem forte chance de ganhar a parada. E, como a educação é hoje a maior chave para a emancipação social, saber tratar dela pode ser um trunfo. Uma utopia, em suma, realizável, ainda que difícil.

          Escola que cobra mensalidade de até R$ 500 é a que mais cresce em SP


          Matrículas nessas instituições aumentaram 147% desde 2001; nas demais, alta foi de apenas 15% 
          Expansão de colégios de baixo custo na cidade confirma a crescente demanda da nova classe média por educação

          lalo de almeida/folha imagem
          Evelyn Zanni, com suas filhas júlia (à esq.) e Bianca, na escola onde as meninas estudam
          Evelyn Zanni, com suas filhas júlia (à esq.) e Bianca, na escola onde as meninas estudam


          DANIELA ARAI COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

          Quando Juraci e Nelson Silva vieram morar em São Paulo, há 40 anos, não tinham trabalho registrado, moravam de aluguel e ganhavam "bem pouquinho". Como a maioria dos vizinhos no Grajaú, zona sul, não tinha condições de pagar um colégio particular para as duas filhas.


          Hoje, eles têm casa própria, carro, televisão e uma neta matriculada em escola privada. A renda mensal familiar é de R$ 3.000. "Não somos ricos, mas temos condições."


          Essa é a história de muitas famílias que ascenderam à classe média e passaram a matricular seus filhos em escolas particulares.
          Segundo pesquisa Datafolha de janeiro deste ano, a classe média cresceu de 57% para 63% do total da população do país, entre 2001 e 2011, enquanto a porcentagem dos excluídos caiu de 33% para 28%.


          Levantamento em 962 escolas da capital, por meio do guia "Escolha a escola", da Folha(www.folha.com.br/educacao), revela que as instituições que mais cresceram nos últimos dez anos foram aquelas que cobram mensalidades de até R$ 500.
          Elas tiveram um aumento de 147% nas matrículas desde 2001. Nos colégios que cobram mais que isso em pelo menos uma das suas etapas, a alta foi de apenas 15%.


          Nesse período, as matrículas na rede pública caíram 14%. Segundo a amostra, 38% dos alunos da rede privada estão em escolas que custam até R$ 500 por mês.


          A análise também revelou que 47% dos colégios com mensalidade nessa faixa de preço foram abertos nos últimos dez anos, sendo que, entre os que cobram mais de R$ 500, a proporção é de 23%.


          ESCOLA DO BAIRRO


          O Instituto Nossa Senhora das Graças, no Parque Edu Chaves, zona norte, é um exemplo dessa expansão. Com mensalidades entre R$ 258 e R$ 492, o colégio veio atender "a uma necessidade do bairro", segundo a proprietária, Darléia dos Santos.
          Criado em 2000, o Ingra tinha 85 matrículas. Hoje, são 750, um aumento de 782%. Segundo ela, a maioria dos alunos até o quinto ano está no colégio desde o infantil. A partir do sexto ano, 40% das novas matrículas são de alunos vindos da rede pública.
          Foi o caso da filha mais velha da professora Evelyn Zanni. Júlia, 13, estudou na rede pública até o 4º ano, quando foi para colégio particular.


          Sua irmã, Bianca, 8, já começou na rede privada. Achei que as oportunidades seriam melhores. Quero que elas façam faculdade e intercâmbio no exterior", planeja Evelyn.


           Para educadores, rede privada não garante qualidade

          COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


          Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que rede privada não é sinônimo de uma educação de qualidade.
          Álvaro Chrispino, professor da Federal do Rio, diz que o desejo pelo ensino privado está associado a um "imaginário em que é mais bem visto quem tem filho na escola privada e plano de saúde".


          Ele esclarece, porém, que a migração para o setor privado não significa necessariamente um salto qualitativo. "Nós temos escolas públicas de qualidade, assim como privadas de má qualidade."


          Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, defende que trocar a escola pública pela privada de baixo custo pode ser um mau negócio. "Além de não significar qualidade, implica em um grande esforço orçamentário para as famílias", afirma.
          Para Priscila Cruz, da ONG Todos pela Educação, outros fatores interferem nessa decisão. "As famílias entendem que os seus filhos vão estar menos expostos à violência."


          Mas ela também adverte: "Não é o fato de uma escola ser particular que define a sua qualidade. Há excelentes professores em ambas as redes. Muitas vezes, são os mesmos professores da rede pública que atuam nas privadas mais baratas", explica.

          Na 10ª edição, Troféu Raça Negra acontece hoje na Sala São Paulo


          EVENTO
          DE SÃO PAULO - Acontece hoje, às 20h, na Sala São Paulo, na região central da capital paulista, a cerimônia do Troféu Raça Negra, espécie de "Oscar" da comunidade negra.
          Na décima edição, o evento abordará em retrospectiva os avanços que a comunidade negra obteve. Tratará ainda dos principais momentos nos dez anos de prêmio.
          Neste ano houve uma mudança no formato: um troféu será entregue a personalidades e artistas importantes para a comunidade negra ao longo da história. Nas edições anteriores, eram premiados os que haviam se destacado no último ano.
          O nome da premiação é "I Have a Dream" ("Eu Tenho um Sonho"), alusão ao famoso discurso de Martin Luther King, feito em 1963, em defesa dos direitos civis dos negros.
          O norte-americano King, assassinado em 1968, é um dos homenageados da noite. Quem receberá o prêmio será a filha caçula dele, Bernice King, em sua primeira visita ao Brasil.
          A cerimônia terá shows de Sandra de Sá, Paula Lima e Luiz Melodia, entre outros.
          O evento na Sala São Paulo é aberto para convidados.

            ALCIONE ARAÚJO » A verdade das mentiras‏

            "Os homens não se satisfazem na moldura de sua curta e única vida pessoal" 
            ALCIONE ARAÚJO
            Estado de Minas: 19/11/2012 
            Leitores de crônica indagam: “Verdade? Aconteceu com você?”. Entendo, leram-na entre notícias do dia anterior – mas minhas crônicas aconteceram comigo ou com amigos confiáveis! Faço ficção em outros gêneros. Fazem mais perguntas. Não os convenci. Noto o mesmo em outros gêneros: dizem que peças, filmes, romances são bem urdidos, divertidos, mas sempre mentem. Que percepção mais confusa!

            É verdade. Romances, peças e filmes mentem. E porque mentem revelam uma delicada verdade, que, para ser entendida, deve ser dita de forma oblíqua: os homens não se satisfazem na moldura de sua curta e única vida pessoal. Não estão contentes com seus destinos. Gostariam de ter uma vida diferente da que vivem, de ser mais, de ser vários. A mentira do romance, do palco e do filme oferece vidas inventadas para preencher as lacunas e insuficiências da vida real.

            Ao ler o romance, ver o filme ou peça, assimilam-se as façanhas das personagens: vitórias, tristezas, medo, alegria, paixão, que são agregadas à vida curta e única. A identificação amplia a experiência de estar no mundo e agrega, pela emoção, vivências do que não se viveu, nem se vai viver. O leitor/espectador torna-se mais e muitos. Daí dizer-se que a arte possibilita a completude que não temos. 

            Para Vargas Llosa, de quem roubei o título acima, não se escrevem romances para contar a vida, senão para transformá-la acrescentando-lhe algo. O romance conta uma história que a História não sabe nem pode contar. Em vez do suposto vício que a depreciaria, a mentira é a grande virtude que enobrece e dá sentido ao romance, à peça e ao filme. Só que essa mentira precisa ser apresentada de forma convincente, verdadeira, embora não seja real. Tramas e personagens são mentiras plausíveis e verossímeis, ajustadas à nossa fantasia. É a magia da arte! 

            Se a condição para convencer fosse o aval de fato real, não haveria lugar para a invenção e a criação, e a arte literária finaria. Por mais que o autor tentasse escrever com obsessiva e escrupulosa fidelidade, não estaria reproduzindo fatos concretos e vidas reais, mas apenas reunindo letras e palavras sobre o papel. Ao serem escritos, os fatos sofrem transformação alquímica, passam a ser um texto, nada mais que texto. A verdade, ou a mentira, é o texto, não o fato nem a vida.

            Escrevo sobre fatos reais, não pelo plausível e verossímil – e sim pela poesia ou a ideia que se oculta no cotidiano. Gosto de pinçá-las e trazê-las à luz desta janela! Mas a crônica dispensa o aval da realidade, pode ser obra de imaginação. Afinal, tudo se resume a um texto, onde se oculta a verdade das mentiras.

            Com este texto sobre seu ofício, publicado em 9 de maio de 2011, o cronista Alcione Araújo dá adeus a seus leitores. Ele morreu na quinta-feira passada, em Belo Horizonte.

            A luz da estrela (Elis Regina) - Sérgio Rodrigo Reis‏

            Exposição Viva Elis, que será aberta amanhã em duas galerias do Palácio das Artes, reúne 200 fotografias históricas da Pimentinha, inclusive a última imagem da cantora em BH 

            Sérgio Rodrigo Reis
            Estado de Minas: 19/11/2012 
            Esfuziante, Elis Regina parecia em transe ao interpretar uma das canções do show Trem azul, no palco do Grande Teatro do Palácio das Artes. Era novembro de 1981. Diante da cena, o fotógrafo Arnaldo Barreto não se conteve: entusiasmado, mirou as lentes na cantora e registrou uma das últimas imagens dela em vida.

            Essa fotografia emblemática é uma das preciosidades da exposição Viva Elis, que será aberta ao público amanhã, nas galerias Genesco Murta e Arlinda Corrêa Lima do Palácio das Artes. Depois de atrair cerca de 200 mil visitantes em São Paulo, Porto Alegre e no Rio de Janeiro, a mostra chega a BH disposta a encantar a legião de admiradores da artista, que veio à cidade várias vezes – e por aqui encontrou porto seguro e inspiração.

            Além de grandes amigos na capital, como o comunicador Tutti Maravilha, a família Borges e Milton Nascimento, Elis foi intérprete constante de composições dos mineiros. As cerca de 200 fotos da exposição deixam clara essa proximidade. O músico Telo Borges guarda na memória a emoção de ter tido uma de suas canções imortalizada pela voz da estrela.

            Em 1980, Telo e sua família foram à sede da gravadora Odeon, no Rio de Janeiro, para gravar o LP coletivo dos irmãos Borges. Havia lá um pequeno estúdio destinado aos “emergentes” – onde ficaram os mineiros – e outro, bem maior, para as estrelas. Numa tarde, Elis Regina entrou no estúdio, pegou Telo Borges pelo braço e o levou à sala ao lado. O rapaz de 19 anos ouviu, em primeira mão, a versão dela para Vento de maio, canção composta por ele em parceria com os irmãos Márcio e Lô. “Chorei pra caramba. Elis era das poucas intérpretes que colocam alma quando canta”, diz Telo. 

            Viva Elis recupera momentos inesquecíveis da diva da MPB. Dividida cronologicamente em núcleos temáticos, a exposição permite ao visitante encontrar a garotinha que começou a cantar na Rádio Farroupilha, em Porto Alegre, e logo depois foi contratada pela concorrente, a Rádio Gaúcha. Ali ela trabalhou até 1964. Aos 19 anos, concluiu que seu espaço havia se esgotado na terra natal.

            Em seguida, o público vai se deparar com a fase carioca da cantora. “É quando fazemos referência ao Beco das Garrafas, onde ela passou a se apresentar; ao programa Fino da bossa, na TV Record; e aos momentos de fama, em que Elis aparece na mídia ao participar de festivais nacionais e turnês europeias”, conta o curador Allen Guimarães. 

            A consagração profissional de Elis Regina inspirou a sala Em pleno verão, referência ao disco de 1970, grande sucesso popular. Esse eixo temático tenta desmitificar a aura de cantora conturbada, enfatizando o forte lado familiar da artista: mulher intensa, mãe de três filhos e defensora dos amigos. A sala termina com a última performance dela no palco, em dezembro de 1981. No mês anterior, havia apresentado o show Trem azul no Grande Teatro do Palácio das Artes.

            Filmes acompanham todo o percurso do espectador de Viva Elis, culminando na instalação em que é exibido, em 180 graus, documentário sobre a artista, a mulher, a mãe e a ativista. Também há curiosidades, como o espaço dedicado aos discos. “Optamos por apresentar apenas os álbuns que ela escolheu gravar”, explica o curador.

            A exposição faz parte de amplo projeto iniciado em março, no Rio de Janeiro, com show da cantora Maria Rita. Pela primeira vez, ela interpretou o repertório da mãe. Esse espetáculo fez turnê por várias capitais, inclusive BH. No ano que vem, a homenagem vai se desdobrar na publicação do livro escrito pelo curador Allen Guimarães, fã e especialista no legado de Elis.

            Depois de passar anos pesquisando, Ellen se surpreendeu com o que descobriu. “Elis era mãe fervorosa, acordava a qualquer momento para tomar café com os filhos, além de ser companheira de verdade dos amigos e artista brava à beça. A Pimentinha só aparecia quando pisavam em seu calo. Ela nunca estourava quando não tinha razão”, garante ele. 


            DEPOIMENTO
            "Era novembro de 1981. Tinha o hábito de ir a shows tirar fotos e, como fã, resolvi fazer o mesmo com a Elis Regina, no show Trem azul. Gostei da música e do repertório, foi grandioso. Mas a achei muito seca. Ela entrou, cantou e não falou mais nada. No fim, agradeceu. E pronto, acabou. Lembro-me de que fui embora do Palácio da Artes invocado. Ela já devia não estar bem, pois pouco depois, em janeiro de 1982, aconteceu tudo aquilo. Mas o ocorrido não diminuiu a minha admiração. Até hoje sou fã da Elis, guardo várias fotos daquele dia"
            . Arnaldo Barreto, engenheiro


            VIVA ELIS
            De amanhã a 6 de janeiro. Galerias Genesco Murta e Arlinda Corrêa Lima do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). De terça-feira a sábado, das 9h30 às 21h; domingo, das 16h às 21h. Entrada franca. Informações: (031) 3236-7400.

            Nova biografia enfrenta polêmica 


            A exposição Viva Elis opta por destacar aspectos positivos da trajetória da estrela da MPB. Mas há o outro lado da história, marcado pela polêmica. De acordo com laudos divulgados na época da morte da cantora, ela perdeu a vida por ingerir drogas misturadas a bebida alcoólica.
             

            Essa tese é contestada por Allen Guimarães, curador da exposição e autor do livro Viva Elis (Master Book), que chegará ao mercado no ano que vem.

            Segundo o biógrafo, Elis Regina (1945–1982) havia passado a noite em claro, na véspera de sua morte, preocupada com a escolha do repertório do novo disco. O prazo escasseava e nem todas as faixas estavam definidas. “Cansada, ela tomou remédio para dormir, ingeriu bebida alcoólica e pode ter tido um colapso. Não afirmo, mas mostro que há falhas no processo. O laudo diz que não há vestígio de drogas nas vísceras. Por que o legista Harry Shibata assinou documento defendendo o contrário?”, questiona. 

            De acordo com Allen Guimarães, o mesmo legista foi responsável pelo laudo que concluiu pelo suicídio do jornalista Vladimir Herzog, em 1975. Na verdade, ele foi torturado e morto nos porões paulistanos da ditadura civil-militar.

            “Quem desmontou a tese de Shibata foi o advogado Samuel McDowell, especializado em direitos humanos, que namorou Elis. Quando ela passou mal, Samuel a socorreu. Não tenho a menor dúvida: usaram a situação para divulgar a tese da overdose. Quiseram prejudicar a artista, contrária à ditadura. Não conseguiram, mas a família dela passou a experimentar um sofrimento incrível”, conclui Allen.

            Ciência - Acesso emperrado - Carolina Mansur‏

            A burocracia ainda trava o desenvolvimento na ciência brasileira. Uma delas diz respeito ao patrimônio genético, que inclui informações sobre moléculas, extratos de plantas e animais 

            Carolina Mansur
            Estado de Minas: 19/11/2012 
            A burocracia ainda é entrave para que o Brasil desponte no cenário científico mundial. Isso porque quando se fala em acessibilidade ao patrimônio genético – que são todas as informações apresentadas em forma de moléculas, substâncias metabólicas e extratos retirados de organismos com ou sem vida –, os pesquisadores ainda encontram impedimentos. A justificativa, segundo eles, é que hoje as discussões giram mais em torno da repartição de benefícios, que é a regularização do ganho de capital sobre cada uma dessas informações, do que dos incentivos às descobertas. “Na comparação com outros países, o Brasil encara o excesso de burocracia como fator que atrasa a pesquisa e desenvolvimento da ciência”, defende o professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais, Adriano Pimenta, que utiliza as informações para pesquisas feitas pela instituição.

            De acordo com o professor, hoje toma-se por base a ideia de que há um "tesouro" escondido na biodiversidade brasileira que pode ser descoberto e resultar em ganhos financeiros. Entretanto, ele garante que 99% das moléculas estudadas nunca chegarão a ser comercializadas e, consequentemente, nunca resultarão em dividendos. Portanto, o ideal seria deixar de lado as preocupações com a repartição de benefícios e focar a discussão na obtenção de mais exemplos de transformação biotecnológica como ocorreu com a cana-de-açúcar, proveniente da Ásia, que foi transformada no Brasil em etanol e cachaça. “Devemos tirar proveito de maneira sustentada da nossa capacidade de cultivar esses alimentos ou outros insumos, assim como melhoramos o café e a soja ou produzimos a cachaça e o etanol a partir da cana”, exemplifica.

            Segundo Pimenta, o marco legislativo brasileiro que diz respeito ao patrimônio genético é a Medida Provisória (MP) 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que prevê a necessidade de autorização para o acesso a essas informações a ser concedida pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, mas por ser mal articulada é apontada como um dos principias entraves da ciência nacional. “Tamanha é a confusão resultante dessa MP, feita às pressas, que há vários outros instrumentos de legislação pendurados e amontoados na medida inicial. Muitas vezes, eles pioram o entendimento do texto original, que não é dos mais corretos do ponto de vista técnico e científico”, afirma o professor.

            Uma das críticas da comunidade científica é justamente não ter sido ouvida ou consultada durante as discussões de criação da MP. “Não houve inicialmente um cuidado em escutar a comunidade acadêmica, e as discussões, essencialmente políticas, resultaram em uma legislação caótica, que cerceia absurdamente a ciência e o desenvolvimento biotecnológico no Brasil”, acrescenta Adriano Pimenta. Uma das sugestões dos pesquisadores brasileiros é transformar o termo “patrimônio genético” para “recursos genéticos”, já que patrimônio dá ideia de posse de bens e o conceito é errado do ponto de vista científico, já que as fronteiras políticas de um território não são coincidentes com as fronteiras populacionais de uma determinada espécie biológica. “Passa-se a impressão de que o Brasil, como nação, é o dono de uma espécie de micro-organismo, planta ou animal. O termo "recurso" seria mais bem empregado, pois dá a ideia de que o recurso existe, pode e deve ser aproveitado em nosso território”, defende Pimenta.

            IMPACTOS Ainda de acordo com o professor da UFMG, os reflexos de uma MP mal articulada vêm no desempenho do próprio CGen, que deveria agilizar o acesso às informações e em 10 anos de funcionamento concedeu menos de 90 autorizações de acesso ao patrimônio genético. “Embora apenas neste ano cerca de 30 autorizações tenham sido concedidas, as instituições de pesquisa ou empresas que pedem o acesso são bombardeadas com uma avalanche burocrática, com a exigência de uma série de documentações, muitas vezes incoerente”, comenta.

            Como resultado ele diz que a ciência brasileira perde em competitividade, na comparação com outros países. Pimenta lembra, por exemplo, que para ele desenvolver um medicamento erétil e poder usar as informações genéticas de uma molécula já publicada no meio científico há um grande esforço junto ao CGen. “Estou preparando as documentações para ter acesso às informações dessa molécula há muito tempo e, enquanto isso, pesquisadores australianos e suíços também estão de olho na mesma molécula”, diz. “Como eles não sofrem com a burocracia em seus países de origem, podem dar o primeiro passo antes de nós. Eu poderia tentar protegê-la em forma de patente, mas isso só é possível se tiver a documentação no CGen”, acrescenta. Segundo o professor, no mundo inteiro as moléculas são de domínio público, mas no Brasil isso ainda é feito de maneira incoerente, atrasando o desenvolvimento.

            O que é patrimônio genético?

            São informações genéticas apresentadas em forma de moléculas, substâncias metabólicas e extratos retirados de organismos com ou sem vida que têm amostras de materiais de que foram coletados em um território. Por essa razão, órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) são parceiros do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen). Cabe a eles avaliar se determinado objeto é patrimônio nacional e como deve ser o procedimento diante dele, seja uma árvore, 
            um animal, uma molécula, um óleo ou determinada rocha. 


            z PASSO A PASSO 
            Veja como é o procedimento para se chegar ao patrimônio genético de espécies 
            vegetais, fúngicos, microbianos ou animais

            Exemplo 1: Ciclo vegetal
             
            1º - Coleta de cupuaçu ou cacau
            2º - Extração da manteiga de um deles
            3º- Identificação e seleção do grupo de moléculas ou substâncias com potencial de conferir emoliência, hidratação da pele. Por exemplo, os ácidos graxos
            4º - Utilização dos ácidos graxos na formulação de hidratantes para o corpo
             Exemplo 2: Ciclo animal
             
            1º - Coleta da cobra jararaca
            2º - Extração do veneno da cobra
            3º - Identificação e seleção das substâncias com potencial de redução da pressão arterial
            4º - Utilização da substância selecionada na formulação de medicamentos para a hipertensão

            Fonte: Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) 

            Novo cenário internacional pode reformular lei brasileira 
            Estado de Minas: 19/11/2012 
            Com a aprovação do Protocolo de Nagoya, durante a Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica, em 2010, inaugura-se um novo cenário internacional com boas perspectivas para a reformulação da legislação nacional e, por consequência, desenvolvimento da ciência, conforme explica a gerente de Assuntos Regulatórios e Repartição de Benefícios do Departamento do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, que exerce a função de secretaria executiva do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), Francine Soares da Cunha. O protocolo foi encaminhado pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso Nacional durante a Rio +20, evento ocorrido em junho no Rio de Janeiro, e aguarda sua ratificação pelo Legislativo.

            “A ideia é que ele concilie os interesses da pesquisa, inovação, desenvolvimento de produtos, academia, e povos e comunidades tradicionais, reconhecendo que esses são atores importantes para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade”, diz Francine. De acordo com ela, para garantir melhor aplicação da legislação, CGen tem investido em medidas internas que aceleram os processos para o acesso ao patrimônio genético utilizado na bioprospecção, pesquisa ou desenvolvimento tecnológico. Além do credenciamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que autoriza o acesso ao patrimônio genético para qualquer finalidade a partir de uma plataforma informatizada mais rápida, há parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para emitirem as autorizações.

            “Com essas parcerias estamos imprimindo velocidade nas autorizações e promovendo um diálogo mais eficiente”, garante Francine da Cunha. Ela confirma que entre 2001 e 2011 o dado acumulado de contratos de repartição de benefícios do patrimônio genético, que facilitam o acesso dos pesquisadores às informações, anuídos pelo CGEN era de 29, mas assegura que até setembro deste ano foram anuídos 39 contratos. Além disso, neste ano o CGEN e suas credenciadas (Ibama, CNPq e Iphan) emitiram mais de 600 autorizações de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados para fins de pesquisa científica, bioprospecção e desenvolvimento tecnológico. “A reformulação da legislação é o que se espera de forma mais estratégica, mas, concomitantemente, medidas de gestão já estão sendo implementadas com resultados bastante positivos”, reforça Francine.