O Globo 28/09/2014
“O mais velho cresce focado, maduro, bom exemplo, enquanto que o que veio atrás não se obriga a ser exemplo de coisa nenhuma”
Certamente há dúzias de estudos, ensaios, pesquisas e teses sobre as
características do primeiro filho da família, porém, nunca me aprofundei
a respeito. Ainda assim, sempre estico os ouvidos quando o assunto
entra na roda, só para ver se confirmo as conclusões que extraio da
minha simples observação.
Nós, os filhos mais velhos, somos os causadores de uma emoção colossal, já que a experiência inédita de tornar-se mãe e pai se dá através do nosso nascimento. Esse exagero de amor e de expectativa deles em relação a nós há de surtir algum efeito positivo em nossa formação. O primeiro parto, o primeiro choro, o primeiro sorriso, as primeiras mil fotos postadas no Instagram — não é possível que a gente não se sinta um astro de cinema. É muito fanatismo por uma criatura de cerca de 50cm e pouco mais de três quilos.
Dizem que a saúde emocional de cada ser humano é proporcional aos
cuidados que recebeu nos primeiros dois anos de vida. Sobre isso já li.
Então, se nesse curto período tudo transcorreu como nos comerciais da
Johnson & Johnson, o primogênito se tornará um cidadão seguro e
confiante. Pois é.
Só que logo depois vem outro filho. Os pais, já tarimbados, se permitem relaxar um pouco. Se antes a chupeta caía no chão e eles lavavam em água fervente, agora o bico cai, eles dão uma assoprada e recolocam na boca do segundinho, que sobrevive. Se foram quase xiitas com o primeiro filho, tal era o medo que ele quebrasse, com o tempo descobrem que existe algo chamado anticorpo, e, afinal, para que tanto estresse? Sem falar que o irmão mais velho já ajuda a cuidar do menorzinho. Pois é, pois é. Os pais ofertam ao primogênito um amor absoluto, o tratam como rei e têm medo que ele quebre: nada mais justo que a criança retribua, não quebrando mesmo. Nem fisicamente, nem moralmente. E assim o filho mais velho cresce focado, maduro, responsável, bom exemplo, enquanto que o que veio atrás não se obriga a ser exemplo de coisa nenhuma, faz o que bem entende e sente zero culpa — não raro dá problema de montão, mas acaba sempre perdoado. É o famoso “queridinho da mamãe”. Se não é sempre assim, é quase.
Só que logo depois vem outro filho. Os pais, já tarimbados, se permitem relaxar um pouco. Se antes a chupeta caía no chão e eles lavavam em água fervente, agora o bico cai, eles dão uma assoprada e recolocam na boca do segundinho, que sobrevive. Se foram quase xiitas com o primeiro filho, tal era o medo que ele quebrasse, com o tempo descobrem que existe algo chamado anticorpo, e, afinal, para que tanto estresse? Sem falar que o irmão mais velho já ajuda a cuidar do menorzinho. Pois é, pois é. Os pais ofertam ao primogênito um amor absoluto, o tratam como rei e têm medo que ele quebre: nada mais justo que a criança retribua, não quebrando mesmo. Nem fisicamente, nem moralmente. E assim o filho mais velho cresce focado, maduro, responsável, bom exemplo, enquanto que o que veio atrás não se obriga a ser exemplo de coisa nenhuma, faz o que bem entende e sente zero culpa — não raro dá problema de montão, mas acaba sempre perdoado. É o famoso “queridinho da mamãe”. Se não é sempre assim, é quase.
Muito já acusei minha mãe de proteger meu irmão caçula, e ela
sempre gargalha diante dessa queixa clássica — simplesmente diz que sou
louca. E como aqui se faz, aqui se paga, minha filha mais velha me acusa
da mesma coisa, diz que protejo sua irmã mais moça, e claro que me
defendo dizendo que ela está maluca, para manter o ciclo ativo. E assim a
vida se repete através das gerações, restando apenas nossa torcida para
que no final o amor justifique tudo, inclusive as consequências
emocionais das responsabilidades e mimos que impomos a cada filho.
Lembrando sempre que o primogênito cedo ou tarde também se dará o
direito de pirar. Com toda razão.