sábado, 22 de fevereiro de 2014

João Paulo - Sob o domínio do medo‏

Sob o domínio do medo

João Paulo
Estado de Minas: 22/02/2014



Polícia revista suspeitos na região da Lagoinha, em Belo Horizonte, em busca de armas e drogas   (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Polícia revista suspeitos na região da Lagoinha, em Belo Horizonte, em busca de armas e drogas



As pessoas estão com medo. A segurança, mais uma vez, está entre as principais preocupações do cidadão. Todos têm uma história para contar, conhecem alguém que passou por uma situação de violência. O que ameaçava de longe, hoje se avizinha. Somos a próxima vítima.

As notícias de crimes, antes consideradas de menor importância na economia informativa, se tornaram estrelas em todos os veículos. Há um exibicionismo da violência. A sensação de insegurança se torna um agente mobilizador da emoção e os meios de comunicação mudam seus protocolos do que é ou não notícia para atrair mais público.

Os governos também se apressam em anunciar medidas para conter os crimes. Mais polícia nas ruas, mais armamentos, novas delegacias, tecnologia. Ou seja, o cardápio convencional de enfrentar força com força, de tentar desequilibrar o jogo em favor da lei e da ordem. Num acordo tácito, não dito, parece haver um silenciamento sobre causas e direitos humanos em nome da eficiência urgente das medidas que amenizem o pavor do cidadão.

De uns tempos para cá, foram se estabelecendo duas lógicas paralelas sobre a questão da violência. A primeira é baseada em dados estatísticos, que dão o número cru, o índice real dos danos sociais causados pelo crime. A outra é a chamada sensação de segurança, uma medida imponderável, sujeita mais aos aspectos emocionais que aos fatos.

As políticas de segurança mais recentes buscam se guiar por uma combinação das duas, como se fossem a mão esquerda e a direita. Não são. Por muitos anos, o Brasil ficou refém de dados sem consistência, apurados com amadorismo e quase sempre pouco confiáveis. Com o aprimoramento da coleta de informações, ficou mais explícito o ambiente e, com isso, a base para implantação de políticas mais consequentes.

A entrada em cena da categoria de sensação de segurança pode borrar um pouco a objetividade necessária e, em alguns momentos, direcionar ações que são mais visíveis, mas nem sempre efetivas. Atividades culturais voltadas para populações de risco, por exemplo, não afetam a sensação de medo dos moradores de áreas nobres da cidade.

Além dos mitos

Há alguns mitos em torno da segurança que precisam ser enfrentados. O primeiro deles identifica violência com falta de democracia. Durante o período de exceção, parte dos cientistas sociais acreditava que, feita a transição para a democracia plena, a questão da violência estaria resolvida. A ligação entre polícia e repressão afastava ainda mais a busca de uma política de segurança, como se isso evocasse os piores pesadelos do período repressivo.

Os argumentos em favor dessa tese quase sempre apontavam a desigualdade social produzida pelo sistema e o clima de autoritarismo como causas de todos os males. O que se viu foi exatamente o contrário, em função, é claro, da complexidade crescente da sociedade brasileira. Com o crescimento de todos os tipos de crime, contra a vida e contra o patrimônio, aumentou a pressão sobre as agendas governamentais. O mais grave estava por vir.

Se o fim da ditadura não acabou com os crimes, esperava-se que pelo menos a questão dos direitos humanos fosse mais bem equacionada. Este é o segundo mito: o fim do regime militar não devolveu ao Brasil o respeito republicano às leis universais, mas coincidiu com o recrudescimento de ação de justiceiros e esquadrões da morte. Descrente da ação policial, a população passou a apoiar a aplicação direta da justiça (como se vê, a apresentadora Rachel Sherazade não é nenhuma novidade nesse cenário). A separação entre segurança e direitos humanos se tornou uma profecia autorrealizada.

Além dessas situações, contribuiu para tornar ainda mais grave a situação brasileira a grande ocorrência de crimes motivados por relações interpessoais. Nesse campo, avoluma-se a violência contra a mulher, contra as crianças e contra minorias de todo tipo. Um capítulo especial se localiza entre os jovens, principalmente os mais pobres e negros, que concentram os maiores índices de morte por causas externas no Brasil.

Por fim, o mito dos mitos é o que identifica pobreza com crime. O que todas as estatísticas provam é que a violência não vai atrás da miséria, mas da riqueza. O que se percebeu é que os modelos de crime, sobretudo os de maior impacto social, se tornaram cada vez menos polarizados em termos de classe social. O crime mostrou sua capacidade de deslocamento horizontal e vertical na sociedade brasileira. Subiu na escala social e se profissionalizou em todos os quadrantes.

Valores

Tudo isso parece apontar o dedo, como uma arma, para a consciência do cidadão comum: o que fazer? A primeira tendência, como se observa, é responder à violência com mais repressão. São as estratégias de tolerância zero, de grande impacto, mas presas ao modelo tradicional de segurança em que, para cada crime, há uma punição. Reduzir o crime a situações individuais, a serem combatidas também de forma isolada, só será eficaz se o país se tornar um imenso presídio.

A polícia e a Justiça precisam ser repensadas. E há alternativas viáveis, inclusive já experimentadas no Brasil e em Minas, que apontam para uma transformação cultural do setor de segurança. No entanto, até pela consideração antropológica e cultural das medidas, na busca de compreensão da dinâmica social e do diálogo com todos os estratos sociais, são ações consideradas menos efetivas e lenientes. Mesmo que sejam traduzidas em dados estatísticos exemplares. Mais uma vez, a fantasia da sensação subjetiva de parte da sociedade guia a política do setor.

O que vale mais: dar oportunidades de crescimento pessoal e profissional para jovens em situação de risco social ou incentivar a ostensiva ocupação das ruas pelas forças policiais? A resposta vai variar de acordo com o interlocutor e com o grupo envolvido. O que se percebe é que os programas sociais estão perdendo terreno para a cobrança por mais polícia nas ruas. A chamada sensação de segurança pode ser a tradução de um Estado policial.

Debater novos modelos de segurança significa também responsabilizar a sociedade pela preservação de valores universais. De nada vale cobrar mais força se o cidadão ensina valores antissociais para seus filhos, como a competição desmedida, o consumo como tradução de realização humana e a privatização do público como trampolim para a felicidade individual. Terá pouca eficácia social investir em segurança sem a contrapartida de políticas públicas de proteção da cidadania e de promoção dos direitos humanos.

A mais efetiva ação de segurança pública é o diálogo. A grande conquista civilizatória no campo da violência é fazer o sentimento de pertencimento superar o medo do outro. Estar na cidade como quem chega em casa. Vivemos uma sociedade cega, surda e muda em relação à diferença. Precisamos nos aproximar das raízes da violência sem a paúra da classe média ou a histeria da repressão sobre todas as coisas. Uma canção dos Racionais pode ser a senha. Mas precisamos, ainda, fazer por merecer. 

Ninguém é santo - João Paulo‏

Ninguém é santo 
 
João Paulo
Estado de Minas: 22/02/2014


O romancista Luiz Biajoni é autor de Elvis & Madona, escrito a partir do filme de Marcelo Lattiffe (Karen Bassetti/Divulgação)
O romancista Luiz Biajoni é autor de Elvis & Madona, escrito a partir do filme de Marcelo Lattiffe

Acomédia mundana, de Luiz Biajoni, tem um título com um quê de nobreza literária. Que logo em sequência, no subtítulo, desmancha qualquer expectativa de elegância: Três novelas sacanas. Mas a alusão a Balzac tem até um certo sentido, já que o autor faz a crônica social de seu tempo, lança personagens aqui que reaparecem acolá, tem uma entrega determinada ao melodrama e não perdoa nenhuma instituição, da Igreja à imprensa. Pura comédia humana. Mas isso é só o começo. Aos poucos, o velho Balzac é substituído por um narrador meio Nelson Rodrigues meio Rubem Fonseca, um pouco Nick Hornby e um tanto de Bukowski. Mas com voz própria.

O livro reúne três histórias: uma já publicada por uma pequena editora, outra circulando com sucesso como e-book e uma inédita. Os títulos percorrem a geografia corporal do sexo, sem meias palavras: “Sexo anal – Uma novela marrom”, “Buceta – Uma novela cor-de-rosa” e “Boquete – Uma novela vermelha”. O estilo de Biajoni é direto, quase sem adjetivos, com diálogos tirados da vida comum, conduzidos com o ouvido. Apesar do aparente descuido, que dá ideia de um longo improviso fácil, a estrutura é firme, o suspense mantido o tempo todo e o leitor empurrado pela curiosidade e prazer da leitura. E tem, ainda, muito humor e sensualidade. Não podia ser melhor.

Literatura erótica – ou de sacanagem, como é o caso de Biajoni – é talvez a mais difícil entre as formas canônicas de ficção. Há os que se exibem, os que naturalizam, os que fazem enjoados tratados de patologia ou catálogo de perversões, e aqueles que inventam demais. No caso de A comédia mundana, a opção foi outra: casar erotismo com a já conhecida fluidez das histórias policiais. Assim, o leitor é seduzido pelo sexo, enquanto acompanha uma narrativa de crime, com suas reviravoltas e mistérios, o que dá algum distanciamento, mas não deixa de excitar. Biajoni coloca ainda tudo para funcionar no cenário de uma cidade de médio porte, o que permite dar urbanidade e provincianismo na mesma pegada.

Cada novela – adiantar o enredo pode tirar a graça da leitura, já que a história é uma sucessão de fatos sobre fatos, sem tempo para reflexões ou teorias – tem seu enredo singular, mas costura alguns elementos comuns: a sexualidade heterodoxa, as perversões, a culpa, o crime, a corrupção sem barreiras entre a vida pública e privada. Os personagens são pessoas comuns e tipos verossímeis de canalhas, como pastores que enganam seu rebanho, empresários que subornam a polícia, donos de jornal que se vendem barato e jornalistas policiais carreiristas, que batem em presos para ficar amigos de delegados. Tudo começa com sexo e suas variantes para logo se misturar com o jogo de poder e o crime. Traições, promiscuidade, taras, humilhações, violência e culpa são os ingredientes mais fortes do coquetel sexual dos personagens. Ninguém é santo nas novelas de Biajoni. Nem o leitor, que se pega se divertindo com tanta sacanagem.

Além do sexo
Os títulos de cada novela não são apenas estações possíveis do desejo e de suas derivações. Há uma intenção marota em tudo, certa erudição da pouca vergonha. O autor sabe que o caráter anal vai além do sexo e se manifesta em vários tipos de comportamento, além de testar as teorias masculinas sobre o prazer, a masculinidade em si e a fidelidade. No caso da genitalidade feminina, a decisão do personagem em mudar de sexo é uma atitude que desafia todo o falso equilíbrio social. As três novelas começam com o anúncio de uma cirurgia, como se os personagens precisassem corrigir o corpo para viver uma vida melhor (o mesmo se observa em outro livro do autor, Elvis & Madona). Biologia, no caso identidade sexual, não chega nunca a ser destino, mas apenas provocação em busca de melhores arranjos.

Não ha espaço para pieguice nas histórias de Biajoni, por vários motivos. Em primeiro lugar, seus personagens são gente comum, que trabalha e toma cerveja no botequim, mas que deseja. Em seguida, pelo fato de ele não defender qualquer ideia ou visão de mundo, uma espécie de ceticismo sem cinismo. E ainda pelo fato de narrar sem enganar o leitor, mas também sem deixar de surpreendê-lo nas horas certas. Os desfechos são sempre violentos, exagerados e um pouco redentores. Um jeito de equilibrar a excitação do enredo com o inevitável cansaço da trama movimentada. Pós-coito, o homem é um animal triste.

Para quem assistiu ao filme Elvis e Madona, vale a pena procurar o livro Elvis & Madona – Uma novela lilás (Língua Geral). Ao bagunçar todas as possíveis certezas em matéria de amor e gênero, com a história de uma paixão improvável entre um travesti e uma lésbica, Biajoni parece ter se vingado de todos os diretores que mudam os livros para fazer seus filmes. Como o filme veio primeiro, ele inventou personagens e mudou o final. Ficou tão bom quanto o filme de Marcelo Lattiffe.

Luiz Biajoni nasceu e mora em Americana, interior de São Paulo. É jornalista e autor, além dos já citados, de Virginia Berlim – Uma experiência. Para ilustrar a capa de sua A comédia mundana ele convidou o artista Benício da Fonseca, conhecido pelos cartazes de filmes da época da pornochanchada e pela capa de livros populares românticos e de aventura. O que um dia foi pulp hoje é pop.


A COMÉDIA MUNDANA – TRÊS NOVELAS POLICIAIS SACANAS

• De Luiz Biajoni
• Editora Língua Geral
• 480 páginas, R$ 45

À procura do pai - Carlos Herculano Lopes‏

À procura do pai
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 22/02/2014


Luiz Fernandes de Assis lança hoje em Belo Horizonte seu segundo romance, O presente (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Luiz Fernandes de Assis lança hoje em Belo Horizonte seu segundo romance, O presente

Muitas vezes, algum tipo de acidente acontecido na vida de uma pessoa costuma ser fator decisivo para ajudar a definir os rumos que essa vai tomar no futuro. No caso do historiador e escritor Luiz Fernandes de Assis, que lança hoje em Belo Horizonte o romance O presente, foi um problema de saúde, do qual foi vítima na infância. Não foi nada de mais, nem teve maiores consequências, mas foi suficiente para fazer com que ele, durante um bom tempo, devido às limitações causadas pelo mesmo, se refugiasse na pequena biblioteca pública da cidade de Frutal, no Triângulo Mineiro, onde acabou descobrindo os mistérios e a beleza de ler histórias – e quem sabe o destino um dia poder contá-las.

Algum tempo depois, quando já era adolescente e livre dos incômodos, ele acabou se mudando com a família para Ituiutaba, também no Triângulo, onde só iria aprimorar seu gosto pela literatura. Ali, além de ter participado de um grupo de teatro, conheceu os escritores Rauer Ribeiro, Alciene Ribeiro Leite e Luiz Vilela, do qual se tornou amigo. “Tive uma convivência proveitosa com ele, que é um grande ficcionista e com quem aprendi muito. Lá em Ituiutaba comecei a escrever as minhas primeiras histórias e não parei mais”, conta Luiz Fernandes.

Com essa pequena bagagem, que seria decisiva nos tempos seguintes, aos 17 anos, o candidato a escritor chegou a Belo Horizonte, onde acabou se formando em história pela UFMG. Fez ainda especialização em gestão da memória, na Uemg. Mas ter passado em 1982 em um concurso público na Assembleia Legislativa de Minas, onde trabalha até hoje na Escola do Legislativo, lhe deu estrutura suficiente para poder, com mais tranquilidade, se dedicar à escrita, que era seu objetivo maior.

O primeiro livro de contos, Tese e outras histórias, “que há muito estava parado na gaveta, pedindo para sair”, seria lançado em 2000, e a ele se seguiria, dois anos depois, outro volume de contos, O cheiro do vulcão. Na história que dá título ao livro, Luiz Fernandes conta a trágica trajetória do político republicano Silva Jardim, que morreu em decorrência de uma queda no Vulcão Vesúvio, na Itália.

Fôlego Mas, como acontece com muitos escritores que começam escrevendo histórias curtas, chegou um tempo em que ele sentiu necessidade de dar uma guinada na sua literatura, com obra de maior fôlego, e o primeiro romance, Na esquina do século, que define como “um livro de geração”, saiu em 2009. No embalo da boa receptividade obtida pelo mesmo, e levado pela certeza de que não queria parar mais de escrever, logo começaria a pensar um novo romance, O presente, ao qual se dedicou durante os dois últimos anos.

Numa trama bem urdida, o escritor, que nasceu em Conceição das Alagoas, também no Triângulo Mineiro, conta a surpreendente história de Tomás Augusto, um jornalista e publicitário carioca recém-casado e às voltas com uma dissertação de mestrado. Mas não é só isso. De uma hora para a outra, quando também recebe a notícia de que iria ter um filho, ele fica sabendo que seu pai, com o qual nunca tinha convivido, havia morrido e sido enterrado como indigente. A partir daí, entre idas e vindas à capital mineira e com poucas informações, Tomás começa a querer saber o que realmente tinha acontecido. Mas essa é uma outra tarefa, que caberá ao leitor descobrir.
 (Editora Scrittore/reprodução)

Lançamento

O presente
De Luiz Fernandes de Assis
Editora Scrittore, 416 páginas, R$ 40
•  Hoje, a partir das 11h30, na Livraria Scriptum, Rua Fernandes Tourinho, 99, Savassi. Informações: (31) 3223-7226

ENTREVISTA/MARCO ANTONIO VILLA » "Um ano emblemático"‏

ENTREVISTA/MARCO ANTONIO VILLA » "Um ano emblemático"
Historiador paulista defende nova visão sobre a ditadura militar 
instaurada em 1964 

 
Estado de Minas: 22/02/2014


 (Caio do Couto Villa/Divulgação)

A proximidade dos 50 anos do golpe militar brasileiro tem despertado o interesse em historiadores, cientistas políticos, jornalistas e sociólogos, que trazem a público diferentes olhares sobre aquele momento histórico. Alguns autores enriqueceram suas obras com novas informações, como Elio Gaspari com sua série sobre a ditadura, que revela documentos que reforçam a presença americana no golpe. Outros, como Daniel Aarão Reis, no recente Ditadura e democracia no Brasil (Zahar), se aprofundam na análise da participação ativa da sociedade civil nos acontecimentos de março de 1964, propondo que a ditadura instalada seja qualificada como civil-militar. E, ainda, há quem procure matizar a ditadura, tanto para relevar seus efeitos como para reconhecer avanços modernizadores devidos aos governos militares. É o caso do historiador Marco Antonio Villa, que está lançando seu Ditadura à brasileira – 1964-1985: a democracia golpeada à esquerda e à direita.

A tese mais contestada do autor é a que defende que não se pode falar de ditadura no período 1964-1968 (até a decretação do AI-5), em razão da movimentação política e cultural e da existência de espaço democrático vivo no tecido social e das instituições. Além disso, o historiador acusa a opção pela luta armada como uma forma de desprezo pela via política, já que, até 68, ainda havia condições de resistência democrática. Villa ainda faz questão de diferenciar a ditadura brasileira de outras expressões autoritárias na América do Sul. Por fim, considera que com a anistia se encerra o ciclo, o que resume o arco temporal da ditadura aos anos 1968-1979. Em entrevista ao Pensar, Marco Antonio Villa avalia o significado de 1964 para a sociedade brasileira e o que ainda há está vivo daquele período. “Pouca coisa mudou”, decreta o historiador.

Os 50 anos do golpe militar têm despertado interesse em vários autores e universidades. O que 1964 significa para a história brasileira?

O ano de 1964, assim como 1930, é emblemático na história política brasileira. Foi um momento de definições. Serviu como teste para a democracia da época. Infelizmente para o Brasil, as instituições ainda eram frágeis, a elite política – em sua maioria – era golpista e desprezava a democracia. Assim, em vez de desatarmos o nó górdio construído principalmente por Jango, acabou-se, mesmo sem ser esta a intenção inicial, abrindo caminho para um longo período de arbítrio.

Havia outra saída para a crise instalada em 64?

A saída seria uma negociação via Congresso Nacional e que garantisse a aprovação de algumas reformas e as eleições presidenciais de outubro de 1965 Mas a maior parte da elite política queria o golpe, tanto à direita, como à esquerda. Jango tinha o seu golpe, assim como Brizola e o PCB. A direita também tinha o seu – na verdade, vários grupos direitistas articulavam o "seu" golpe. A saída democrática foi inviabilizada.

Recentemente, houve grande polêmica em torno da expressão ditabranda, que trazia à tona a comparação da ditadura brasileira com a de outros países do Cone Sul. Como você avalia essa questão?

Não há qualquer parentesco do regime militar brasileiro com as ditaduras do Cone Sul. Na Argentina, por exemplo, a ditadura desestatizou a economia; no Brasil ocorreu o processo inverso. Os militares argentinos bateram de frente com o ensino público de terceiro grau; no Brasil, os governos militares expandiram as universidades federais. Durante todo o regime militar ocorreram eleições: 1965, 1966, 1968, 1970, 1972, 1974, 1976, 1982. Ocorreu alguma eleição na Argentina? Ocorreu alguma eleição no Uruguai? E o Congresso aberto? Na Argentina de Videla e no Chile de Pinochet foi a mesma coisa? A ditadura chilena instituiu o horário político gratuito na televisão e rádio? Algum presidente argentino falou de democracia na posse?

Ainda há traços da ditadura na sociedade brasileira?

Como no processo de transição do regime militar para a democracia os representantes da velha ordem acabaram assumindo – oportunisticamente – a hegemonia, o novo já nasceu velho. Hoje, no aparelho de Estado temos a presença dos mesmos interesses de classe do pré-1985. O Brasil dormiu na noite de 14 de março com Tancredo presidente e acordou, no dia seguinte, tendo no Palácio do Planalto José Sarney. E dizem que Deus é brasileiro.... Assim, apesar da importância da Constituição de 1988 e das instituições criadas, o manejo do cotidiano do Estado é realizado pelos setores oligárquicos/familiares, isto nos estados mais atrasados, e pelo grande capital, no caso dos estados mais avançados. Em suma, pouca coisa mudou.

Os partidos e os movimentos sociais brasileiros aprenderam com a história?

Não. Vivemos o pior momento da história política republicana. São anos, como já escrevi, marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso. A disputa política é pelo poder, que tudo pode e no qual nada é proibido.

Como você avalia a criação e o trabalho desenvolvido pela Comissão da Verdade?

Péssimo trabalho. O problema começou com a aprovação da lei. Depois pela designação de pessoas que desconheciam como encaminhar o trabalho de uma "comissão da verdade". Depois de tanto tempo, qual o resultado concreto dos trabalhos? Deu alguma contribuição para a discussão do passado político? A comissão serviu como palco para que o governo pudesse, como de hábito, fazer um acerto de contas com seus adversários. O PT – e é uma sua característica – confundiu a sua visão de mundo com a dos brasileiros. 

Da vergonha à derrota [Elio Gaspari] - João Paulo

Da vergonha à derrota 

 
Série de livros de Elio Gaspari sobre a ditadura militar volta às livrarias. Edição digital traz centenas de documentos e arquivos em vídeo e áudio 

 
João Paulo
Estado de Minas: 22/02/2014


Gaspari prepara o quinto e último volume de sua série, que vai tratar do governo do general Figueiredo (Egberto Nogueira/Divulgação)
Gaspari prepara o quinto e último volume de sua série, que vai tratar do governo do general Figueiredo

A mais completa história da ditadura militar brasileira, de autoria do jornalista Elio Gaspari, está de volta em segunda edição. Publicada originalmente entre 2002 e 2004 pela Companhia das Letras, ela chega às livrarias pela Intrínseca, revista e aumentada, em quatro volumes. O prometido quinto tomo, que encerra a série, está sendo escrito e não tem data de lançamento prevista.

Os principais acréscimos da nova edição se referem à incorporação de informações referentes a dois casos específicos. O primeiro é a gravação de uma conversa entre John Kennedy e o embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, em 7 de outubro de 1963 (46 dias antes do assassinato de Kennedy, em Dallas), em que o presidente admite a intervenção americana no Brasil em caso da emergência de um governo comunista no país.

A segunda fonte de novos dados é proveniente da divulgação das atas de duas reuniões do Conselho de Segurança Nacional em junho de 1968. Nelas, o então presidente Costa e Silva discute a possibilidade de decretação de estado de sítio, decidindo-se por não fazer nada. Poucos meses depois, com o Ato Institucional nº 5, a ditadura seria, nas palavras de Gaspari, escancarada de vez.

Se os dois casos anteriores tratam de revelações, há ainda algumas atualizações decorrentes do período passado desde a primeira versão. Entre elas, a incorporação de novas fontes bibliográficas (como a biografia Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mário Magalhães), de episódios revelados mais recentemente, como a altercação de Geisel com Sylvio Frota depois da morte de Vladimir Herzog no DOI-Codi (contada por Frota no livro Ideais traídos, de 2006), além das referências à militância clandestina de Dilma Rousseff. A Comissão Nacional da Verdade também é mencionada na nova edição.

Os quatro volumes obedecem o mesmo sentido da edição original. Os dois primeiros, A ditadura envergonhada e A ditadura escancarada, são agrupados no título comum de As ilusões armadas. Os primeiros livros tratam do período que vai do golpe à Guerrilha do Araguaia, em 1974. O terceiro e quarto tomos, A ditadura derrotada e A ditadura encurralada, compõem o projeto da biografia histórica de Geisel e Golbery, e são agrupados como O sacerdote e o feiticeiro. Para Gaspari, os dois generais que haviam se aproximado nos primeiros momentos do regime militar tinham, ao voltar ao poder em 1974, “o propósito de desmontar a ditadura radicalizada desde 1968”. Os livros trazem caderno de fotos (que foram ampliados), cronologia e outros apêndices.

Eletrônico No entanto, a maior novidade é mesmo a edição eletrônica, para todos os suportes e formatos digitais, que traz, além do texto integral, centenas de documentos, vídeos, gravações em áudio e transcrições de conversas. Gaspari é um dos jornalistas brasileiros mais experientes, mas está longe de ser um dinossauro. Seu gosto pela tecnologia faz par com o cuidado que tem na guarda e análise de documentos físicos (ele foi depositário dos arquivos de Golbery do Couto e Silva e Heitor Ferreira, que estão na base do trabalho) e apuração dos fatos. E é ele o maior entusiasta da edição digital, que, entre outros achados, permite abrir cada nota ou referência do texto como uma janela, facilitando a leitura e trazendo mais elementos para o pesquisador.

Na introdução do e-book ele defende o novo formato: “John Kennedy discutiu a possibilidade de uma ação americana no Brasil durante a reunião na Casa Branca? Jarbas Passarinho mandou ‘às favas os escrúpulos’ na reunião que baixou o AI-5? Um toque e vêm os áudios”. E o autor contabiliza que, se todos os documentos da versão eletrônica fossem reproduzidos nos livros, seriam necessárias cerca de 670 páginas a mais. Parte deste conteúdo pode também ser acessado pelo site www.arquivosdaditadura.com.br, que vem sendo alimentado pelo autor desde o começo do ano.

A obra de Gaspari se tornou clássica por razões históricas, pelo amplo trabalho de reconstituição e interpretação de um dos períodos mais marcantes da vida brasileira no século 20, com recurso obsessivo ao fato. Mas também tem sido saudada pelo equilíbrio entre o os grandes temas e a ação individual, entre o geral e o particular, entre a grande síntese e a atenção ao detalhe. É também um esforço de expressão literária notável, que prende o leitor tanto pelo painel como pela análise, com estilo direto, mas não isento de sutileza e inteligência.

O quinto volume, de acordo com Gaspari, vai começar com a posse do general João Figueiredo, em 1979, e chegar até a campanha das Diretas Já, de 1984. Um dos fatos mais marcantes do período, o atentado do Riocentro, está de novo em evidência. Sinal de que a história não acabou.

A DITADURA ENVERGONHADA, 464 páginas
A DITADURA ESCANCARADA, 560 páginas
A DITADURA DERROTADA, 580 páginas
A DITADURA ENCURRALADA, 560 páginas
De Elio Gaspari
Editora Intínseca
Impresso: R$ 39,90 cada volume
E-book: R$ 14,90 (normal) e R$ 19,90 (especial)

Orelha

Orelha

Estado de Minas: 22/02/2014


Tzvetan Todorov ganha no Brasil coleção dedicada à sua obra (Susana Vera/Reuters)
Tzvetan Todorov ganha no Brasil coleção dedicada à sua obra


Linguagem e política
Um dos mais importantes pensadores contemporâneos, Tzvetan Todorov tem sua obra traduzida no Brasil e lançada pela Editora Unesp, na Coleção Todorov. A série, que lançou em janeiro o livro Teoria da literatura, vai abranger títulos relacionados às áreas de literatura, antropologia e linguística. O segundo livro, que chega às livrarias no mês que vem, é A vida em comum. Em seguida estão previstos Simbolismo e interpretação, Teorias do símbolo e Crítica da crítica. Nascido na Bulgária em 1939, Todorov vive na França desde a juventude, tendo se destacado por suas obras de filosofia, política e linguística. Atualmente, dirige do Centro de Pesquisa sobre Artes e Linguagem de Paris. Além de estudos no campo da linguagem, Todorov é também crítico ferrenho das ações internacionais americanas, que propõem levar o discurso da democracia e dos direitos humanos a países menos desenvolvidos por meio de tropas militares, impondo valores sociais e políticas econômicas.

Pensar o design

A Editora da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) está lançando dois volumes dos Cadernos de estudos avançados em design, com organização de Dijon de Moraes, Flaviano Celaschi e Regina Álvares Dias. Emoção e humanismo são os temas das publicações, que são bilíngues (português/inglês). Informações: eduemg.uemg.br/.

Murilo completo

A Editora Cosac Naify anunciou que vai reeditar a obra completa de Murilo Mendes (1901-1975). O primeiro título será uma nova antologia poética, prevista para agosto, organizada por Júlio Castañon Guimarães e Murilo Marcondes de Moura. Em setembro, chegam às livrarias Poemas (1930) e o livro de memórias A idade do serrote (1968). Em outubro sai o volume de poesia Convergência (1970). A editora promete volumes com texto definitivo e estudos inéditos, além de material iconográfico, como o retrato do escritor por Guignard (foto).

 (Museu Murilo Mendes/Reprodução)



Mais Galbraith
Depois do sucesso – e da surpresa – com O chamado do cuco, J. K. Rowling (foto) anuncia novo romance policial com pseudônimo de Robert Galbraith: The silkworm. A dupla formada por Cormoran Strike e Robin Ellacott, depois de investigar a morte de uma modelo anoréxica, agora enfrenta o mistério de um escritor que é assassinado depois de espalhar segredos e ofensas para todo lado. Pelo visto, a escritora encontrou um sucessor para Harry Potter e tem tudo para emplacar mais um sucesso serial. No Brasil, Rowling/Galbraith assina seus livros pela Rocco.

 (Carlo Alegri/Reuters)



Livro em revista
Uma revista para quem ama os livros. O terceiro número de Livro, editada pelo Núcleo de Estudos do Livro e Edição e pela Ateliê Editorial, mantém o padrão de qualidade das primeiras publicações, com estudos de autores brasileiros e estrangeiros. No dossiê, ensaios sobre o livro infantil e juvenil no Brasil, Argentina e França. Outras seções interessantes de Livro são “Almanaque”, com textos de Walnice Galvão e Antonio Dimas; “Bibliomania”, que traz depoimentos de Luís Bueno e Michel Melot; e “Debate”, que trata do preconceito e intolerância em Monteiro Lobato.

Brasileiro de coração


Passou sem maiores comemorações no ano passado o centenário de nascimento do médico Noel Nutels (1913-1973). Ucraniano, Nutels foi um dos mais destacados sanitaristas que atuaram no Brasil, sobretudo no desafio de levar saúde às populações indígenas. Por isso merece atenção o relançamento de O índio cor-de-rosa, de Orígenes Lessa (1903-1986), que está saindo pela Global. Além de narrar o trabalho de Nutels como sanitarista, Lessa traz histórias da convivência do médico com os irmãos Villas-Bôas, Darcy Ribeiro, Rubem Braga, Ariano Suassuna e Ascenso Ferreira.

Crítica e criação

Um dos mais respeitados críticos de arte do país, autor de livros sobre Amilcar de Castro, Nelson Félix e El Greco, o paulistano Rodrigo Naves está de volta à ficção. Quinze anos depois O filantropo, ele lança na semana que vem A calma dos dias, pela Companhia das Letras.

Sonhos e palavras [Helder Macedo] - André di Bernardi Batista Mendes

Sonhos e palavras
 
Tão longo amor tão curta a vida mostra o talento e a sensibilidade d o escritor português Helder Macedo


André di Bernardi Batista Mendes
Estado de Minas: 22/02/2014


Helder Macedo tira poesia das palavras e situações, em trama envolta em muitos mistérios       (Luísa Ferreira/Divulgação)
Helder Macedo tira poesia das palavras e situações, em trama envolta em muitos mistérios


Com título retirado de um soneto de Luís de Camões, o romancista e crítico literário português Helder Macedo acaba de publicar Tão longo amor tão curta a vida. Trata-se de um thriller psicológico que apresenta ao leitor um labirinto de histórias, enredos inacabados, o que empresta ao texto sabores especiais. Macedo fala da fugacidade da vida a partir do périplo de um diplomata inventor de mapas e uma cantora que perdeu a voz, na Berlim pós-queda do muro, e encanta sem perder uma correta e certeira dimensão política, uma de suas marcas registradas.

Um escritor português, que vive em Londres, é o narrador da história. Certa noite, um antigo conhecido bate à porta da casa dele, com uma história cheia de labirintos, claros e escuros. Diplomata especialista em países em conflito, Victor Marques da Costa alega ter sido vítima de um sequestro, e tenta convencer o amigo escritor de que corre risco de vida. Tudo torna-se estranho, contundente. Confuso, com a camisa manchada de sangue, ele narra para o dono da casa uma trama repleta de curvas e espinhos.

O escritor, assim, ouve muitas histórias e revela ao leitor a biografia do diplomata que, desde jovem, sonhava em criar um novo mundo mudando a posição dos países em diversos mapas. A oportunidade de Victor presenciar uma mudança no mapa geológico do mundo surge quando ele vai trabalhar na embaixada portuguesa em Berlim, às vésperas da virada política que reuniria novamente as duas Alemanhas.

Entra neste contexto uma profunda experiência amorosa, ornada pelo afeto. Entram em cena Otto, funcionário da embaixada, e a bela e misteriosa Lenia Nachtigal, alemã do lado oriental que se revelaria uma grande cantora de ópera. Victor, contudo, acaba sendo abandonado por esta bela figura. Helder monta uma teia de acontecimentos que prendem e atiçam a imaginação de seus possíveis leitores. Onde estaria Lenia? O que é verdade? O que é mentira? Helder Macedo brinca com as palavras. O que é fato, o que é invenção?

Porque a literatura é isso, puro desconcerto. Helder trabalha, atua neste inventar de mapas, bússolas, céus inusitados. Para povoar, os personagens nascem com asas para o mais dos sonhos. E um romance escrito por um poeta é sempre diferente. Helder Macedo é, pois sim, poeta, e deixa claro este fato ao deixar marcas de neblina entre as sutilezas de sua prosa. "O fato é que sempre tive mais dúvidas do que certezas." Eis a primeira frase, está ali uma espécie de chave. Não vejo maneira melhor e mais promissora para se começar um livro, para se começar a contar uma história.

Verso e prosa
Os melhores poemas não têm fim, são, por natureza, inacabados, eles sofrem desse mal luminoso. Existem sombras que acompanham para sempre os melhores versos. O mesmo, mas com outras doses e medidas, acontece no bom romance. Eles podem, e devem, ampliar esse estado inusitado. Helder Macedo prefere, pois, mais sugerir que afirmar, ele prefere estimular, insinuando. Tão longo amor tão curta a vida é um romance que mostra uma estrada sinuosa. As coisas surgem porque existe a dúvida, o desamparo. As versões, na maioria das vezes, são muito mais interessantes do que os fatos. A força do que poderia ter acontecido muda o rumo dos ventos. Em larga medida, pássaros, coisas de sonho e memória, invenção e descalabro, no que este signo tem de desorganização e caos.

Certos personagens surgem de ilhas inexistentes em termos de mapas. Todo livro é uma espécie de caverna, mas não aquela de Platão. Todo livro é um recinto que remete, que promete uma espécie de sol absurdo. Todo enredo, toda trama é feita de artifícios enganosos, repletos de sutilezas. É preciso fogo e pavio para incendiar o texto. O livro de Helder Macedo queima, desenvolto em brumas de sonho.

Helder, por isso, apimenta o seu caldeirão de ideias, com acidez e uma lucidez essencial. “Em todo caso as condições de vida da maioria da população melhoraram durante uns tempos, isso era justo reconhecer, os governos passaram a ser eleitos e deseleitos como lá fora, a corrupção democratizou-se, a ineficiência normalizou-se, houve quem se alegrasse, houve quem se inquietasse, e também houve aquele comentário de um antigo governante em confortável exílio no Brasil: ‘É o progresso… Dantes estávamos nós no poder. Agora estão os nossos primos.’’

Os poetas conhecem a medida inexata das coisas inconclusas. Certos livros, alguns (os raros), começam de verdade quando somem as palavras. Certos personagens trafegam à revelia de seus criadores. Victor, Otto, Lenia. A literatura não serve para nada. A literatura serve para propiciar, serve para sugerir indícios de futuros, que também podem ser esperança.

Helder Macedo é poeta e romancista, uma das vozes mais importantes da literatura de língua portuguesa contemporânea. É autor de Partes da África (1991), Vesperal (1957), Das fronteiras (1962), Poesia – 1957-1968 (1969), Poesia – 1957-1977 (1979) e Vícios e virtudes (2000), entre outros.


TÃO LONGO AMOR TÃO CURTA A VIDA

. De Helder Macedo
. Editora Rocco, 208 páginas, R$ 29,50

Ponte a reunir pessoas - Mauro Passos e Claudio Guerra

Ponte a reunir pessoas 
 
Mauro Passos e Claudio Guerra
Estado de Minas: 22/02/2014


Para chegarmos a algum lugar, temos de caminhar. Para caminhar, é preciso traçar metas, critérios e, sobretudo, fazer escolha e mostrar vontade; implica saber aonde queremos chegar e, para tanto, que meios usar. Só assim nos colocamos em movimento e avançamos com sabedoria, alcançando objetivos para o “bem comum”. Assumir o caminho percorrido é a forma de garantir a eficiência do trabalho a ser feito. Observar as curvas, os desníveis, com seus acertos e desacertos, isso ajuda a entender o movimento, a valorizar o caminho a ser percorrido.

A Paróquia do Carmo teve frei Cláudio à sua frente, pároco durante mais de 30 anos, pastor, amigo, mestre, poeta e profeta. Esse seu caráter unitário na pluralidade é/foi sempre fecundo e se inspirou na rica fecundidade dos paroquianos, criando-se uma “comunidade” benfeitora, muito além de suas fronteiras. Tão rica tem sido essa fecundidade que muitas outras comunidades, perto e longe, aproveitaram dessa riqueza humanitária, espiritual e profissional, multiplicando-a no tempo e no espaço.

Muitas abelhas, com o mesmo objetivo, comprometidas em uma unidade dinâmica, formaram pastorais, movimentos, grupos e serviços múltiplos, beneficiando milhares de pessoas e famílias. Com maestria, a comunidade do Carmo foi construindo uma colmeia de comunidades – povo de Deus, nos passos do Concílio Vaticano II, e agora – finalmente – sob a liderança do papa Francisco.

O serviço pastoral, enriquecido por cursos de atualização, reflexão e espiritualidade, formou leigos adultos e participantes que encontraram espaço para pensar, desenvolver suas capacidades de liderança, de organização e de criatividade. À frente da Paróquia do Carmo, frei Cláudio soube confiar na dinâmica de um projeto que só podia dar resultados, caso os leigos e as diversas pastorais ocupassem seus espaços, sem ter de perguntar, a toda hora, ao pároco o que e como fazer.

Dessa forma, se alcançou, no Carmo-Sion, a maioridade do leigo no âmbito eclesial. Isso lembra o tema da 1ª Assembleia do Povo de Deus em Belo Horizonte, realizada em 12 e 13 de outubro de 1996, que procurou recuperar, atualizar e reconstruir o desenho eclesial da Arquidiocese de Belo Horizonte com maior participação dos leigos. O livro Artesão de fé narra a história da Paróquia do Carmo e conta seus passos, iniciativas e de sua militância, sob a orientação entusiasta de frei Cláudio. Essa caminhada foi uma verdadeira, rica e transformadora travessia de fé.

O mundo atual exige mudanças na forma de anunciar e de viver a mensagem cristã, sem o confinamento nos limites de uma tradição fechada em si mesma e a partir de normas, leis e decretos, em clima de verticalismo. Nosso mundo carece de uma agenda que socialize as relações. O cristianismo não é só um conjunto de práticas, crenças e ritos, mas principalmente um modo de vida, um estilo libertador de convivência transformadora. Mais que uma hierarquia de normas, doutrinas e saberes, o cristianismo evoca uma ponte a reunir pessoas e grupos que se cruzam e se beneficiam. É, dessa forma, espaço fecundo para cultivar o diálogo que movimenta fronteiras – “Já não vos chamo servos, chamo-vos amigos” (João 15, 15).

Hoje está ocorrendo uma mudança fundamental na vida de fé; por isso, as pessoas estão mais interessadas em princípios éticos e valores espirituais do que em doutrinas, dogmas e normas. O apelo é para uma experiência de fé que comporte uma significação mística e solidária, como está no evangelho de João: “O vento (o espírito) sopra onde quer” (João 3,8). Uma espiritualidade que vai além da religião formal. A ação pastoral há de mudar segundo os tempos e os lugares, inscrevendo e instituindo novos matizes. Este é o desafio para as religiões, particularmente, para o catolicismo em Belo Horizonte: ser uma religião do futuro. O futuro é a importância maior, pois não desmonta projetos; a partir deles avança e descortina novos horizontes.

Carlos Drummond de Andrade em um de seus poemas escreve: “O presente é tão grande, não nos afastemos, vamos de mãos dadas”. O poeta nos convida a modelar os gestos e a instituir urgências de partilha que humanizem as relações. Mais que nunca, há lugar para a criatividade solidária, pois o futuro pertence a quem se deixa impelir pela esperança. O contorno de uma paróquia é traçado por sua história; congrega as pessoas com estratégias que postulam bom senso, discrição, consciência de provisoriedade e dos limites. Implica, principalmente, capacidade de diálogo que avança e abre perspectivas para caminhos novos na travessia da fé. “Vim para que tenham vida e vida em abundância” (João 10,10).

. Mauro Passos é padre, professor e pesquisador do Centro de Estudos da Religião Pierre Sanchis da UFMG. Claudio Guerra é engenheiro ambiental.

Destino de todos nós‏ [Adalgisa Arantes Campos] - Ângela Faria

Destino de todos nós 

Livro de Adalgisa Arantes Campos estuda a presença das irmandades de São Miguel e almas do purgatório na iconografia mineira do século 18 
 
Ângela Faria
Estado de Minas: 22/02/2014


São Miguel e Almas, imagem que habita a devoção cristã ao longo dos séculos   (Reprodução internet)
São Miguel e Almas, imagem que habita a devoção cristã ao longo dos séculos

Nas ruas, caveiras enfeitam camisetas. Nos palcos, bandas de rock gótico celebram o romantismo macabro. Frequentemente, somos tomados por vago terror diante de cruzes fincadas às margens de nossas perigosas estradas. Em pleno século 21, almas penadas não metem medo apenas nas crianças: a bordo de iPads e smartphones, o cidadão high tech carrega a herança do imaginário da Idade Média. A morte e seus mistérios inquietam – desde sempre – a humanidade.

Respeitada especialista em barroco e arte sacra, Adalgisa Arantes Campos, professora do Departamento de História da UFMG, vasculhou o universo das irmandades de São Miguel em seu novo livro, mostrando como se criaram cultos às almas do purgatório no Brasil, sobretudo na Minas colonial. Nesse profundo mergulho na mentalidade católica, Adalgisa não deixa de conduzir o leitor por algo que, de alguma forma, soa familiar.

Miguel lutou contra Lúcifer e o expulsou do céu. Herói do combate entre o bem e o mal, o arcanjo se tornou titular de cemitérios, capelas funerárias e santuários. Nas Minas Gerais setecentistas, um novo mundo foi forjado durante o Ciclo do Ouro. Fortunas geradas nas lavras, instabilidade social, revoltas contra a voracidade fiscal da coroa portuguesa e a violência marcaram aquelas vilas. São Miguel era uma espécie de padrinho de almas fadadas ao purgatório, esperançosas de escapar da condenação final. Era “juiz” das culpas de homens que trocaram a virtude pela avareza e a ganância.

Adalgisa Campos explica detalhadamente as transformações da iconografia miguelina. À espada e às palmas do santo se incorporaram a cruz – remetendo à Paixão de Cristo – e a balança, símbolo da avaliação das almas de justos ou pecadores. Elas ainda “penam” em antigas igrejas de Monsenhor Horta, São João del-Rei, Cachoeira do Campo e Ouro Preto, enfeitando mesas de altar, medalhões e retábulos.

Não há biboca mineira sem o seu cruzeiro. Mais que herança da Antiguidade – proteção de povoados ou indício de morte violenta –, a cruz das almas convoca ao respeito e à prece. Por outro lado, a bacia das almas existiu mesmo: é antigo símbolo de caridade. Diferentemente das irmandades ocupadas em rezar pela salvação apenas de confrades ou doadores abonados, devotos do Glorioso São Miguel encomendavam missas mais “democráticas”. Pediam por defuntos em geral e, para financiar os cultos, recolhiam esmolas nas famosas bacias.

Marcantes tanto na iconografia católica quanto em imagens contemporâneas, esqueletos, crânios e tíbias cruzadas remetiam à sabedoria, à transitoriedade da vida. Em 1735, a Freguesia do Pilar, em Vila Rica, foi testemunha de uma Procissão dos Ossos que ficou na história: o cortejo se iniciou dentro da matriz, recolheu esqueletos no cemitério e percorreu as ruas com seus esquifes. Em 1781, em São João del-Rei, procissões levavam bandejas com caveiras e cinzas. O marketing do macabro é certeiro: a lição da transitoriedade está ali, bem debaixo da janela do pecador.

Em Ouro Preto, pode-se visitar a bela capela destinada a São Miguel, cuja singular portada traz a representação do purgatório. “Essa grande obra materializa e documenta, em pedra-sabão, o culto às almas”, destaca Adalgisa Campos. Erguida em 1778, ela atravessou 235 anos, mas a devoção à Paixão de Cristo “derrotou” as almas. Chegaram imagens do Senhor do Sepulcro, do Senhor do Bom Jesus, de Nossa Senhora das Dores e de São João Evangelista, além da via-crúcis encomendada a Manoel da Costa Ataíde. Coube ao Glorioso Arcanjo se resignar: virou inquilino de seu próprio templo – hoje, mais conhecido como Igreja de Bom Jesus do Matosinhos. Na matriz de Santa Bárbara, Miguel teve também de ceder sua tribuna para São Francisco da Penitência....

Mais que perder devotos, o arcanjo se vê diante de um pecado mortal, banalizado neste século consumista. Adalgisa Campos denuncia: “Imagens antigas de São Miguel, das requintadas às populares, vêm sendo deslocadas para museus e, por meio de roubos vergonhosos e transações ilícitas, para coleções particulares”. Alvo de comerciantes, o enorme acervo setecentista vai se pulverizando. Na bacia das almas.

 (Editora c/Arte/Reprodução)

Lançamento

AS IRMANDADES DE SÃO MIGUEL E AS ALMAS DO PURGATÓRIO
De Adalgisa Arantes Campos
Editora C/Arte, 248 páginas

PAISAGEM SONORA DE VILA RICA
De Fábio Henrique Viana
Editora C/Arte, 232 páginas
• Museu Mineiro, Avenida João Pinheiro, 342, Funcionários. Informações: (31) 3491-2001. Os autores farão palestra hoje, das 9h às 11h, e autografarão livros das 11h às 13h. 

Para onde vai a crítica? - Carolina Braga

Para onde vai a crítica? 
 
Reflexão sobre o teatro vive momento de transformação com a perda de espaço nos jornais e a criação de blogs, sites e publicações eletrônicas. Participação do público e novas tecnologias são os desafios


Carolina Braga
Estado de Minas: 22/02/2014






“É como se vivêssemos um rito de passagem”, resume o jornalista e crítico de teatro Valmir Santos. “Acho que precisamos de mais tempo para entender melhor o que está acontecendo”, opina Daniele Ávila, do site carioca Questão de Crítica. “Precisamos encontrar sentidos e ressignificar as obras para os dias de hoje”, completa Ivana Moura, do blog Satisfeita, Yolanda?. Barbara Heliodora, depois de mais de 50 anos dedicados ao ofício de crítica de teatro nos jornais, pensou muito na hora de se retirar. “Foi uma decisão longamente refletida”, reconhece.

Nos últimos anos, o leitor tem acompanhado a transformação significativa do jornalismo e a crítica teatral não ficou imune às mudanças. É nítido – e até lugar-comum – comentar o quanto diminuiu o espaço na grande imprensa dedicado às reflexões das artes cênicas. As razões podem ser variadas, inclusive envolver decisões editoriais e interesse do público. Mas essa não é a questão fundamental para quem milita na área. “Estamos tentando reinventar a crítica”, resume Soraya Belusi, uma das criadoras do blog Horizonte da Cena.

Como sintoma do momento surgem diversos espaços para circulação das críticas, com destaque para sites e blogs. E como apontou Luciano Suassuna no texto “Um fundo para o poço em que caiu o jornalismo”, há pelo menos três mudanças consideráveis no modo como o jornalismo funciona na internet: a distribuição, a linguagem e a relação com o leitor. Nesse bojo, a crítica teatral está, portanto, em mutação.

“A mutação é característica constitutiva da crítica, não é um problema atual e muito menos local”, pondera Daniele Ávila. Como ela salienta, desde que as primeiras apreciações sobre artes cênicas tiveram vez em páginas impressas discute-se sua função. Aliás, crise e crítica têm a mesma raiz grega, derivam de krisis. Como sugere Roland Barthes em Crítica e verdade, é importante que periodicamente se revisitem os objetos do passado “para saber o que se pode fazer com eles”.

Valmir Santos observa que a crítica teatral ocupa seu espaço virtual com mais lentidão do que os pares em cinema, música e artes visuais. “Nos últimos dois anos, porém, as práticas da crítica em artes cênicas adquiriram mais consistência e continuidade. Há muito chão pela frente”, considera o jornalista. O Teatro Jornal, site criado por ele em 2010, acaba de anunciar uma rede de colaboradores em sete estados brasileiros. De Minas Gerais, participam Júlia Guimarães e Miguel Anunciação.

A carioca Questão de Crítica, lançada no Rio de Janeiro em março de 2008, se apresenta como uma revista eletrônica com edições mensais e atualização constante. O Satisfeita, Yolanda?, site mantido pelas pernambucanas Ivana Moura e Pollyanna Diniz, surgiu em 2010, como blog. Em 2012, foi a vez do precursor mineiro, o blog Horizonte da Cena, criado pelas jornalistas Soraya Belusi e Luciana Romagnolli. No início deste ano, entrou no ar Blog da Cena, de Miguel Anunciação.

Além de serem espaços para a crítica teatral na internet, as iniciativas têm em comum o fato de terem sido criadas por jornalistas que saíram de redações em busca de novas possibilidades para análise de espetáculos. São, em geral, coletivos que procuram sair do lugar-comum e viver um período de experimentação no ambiente comunicativo que envolve participação de leitores, hipertextualidade e possibilidades multimídia.

Até agora, no entanto, essas características foram incorporadas de maneira tímida. Seja por dificuldade de recursos financeiros para manter o projeto e investir na produção audiovisual, seja pela tradição de seus criadores, oriundos de veículos impressos. Soraya Belusi reconhece que a geração que atualmente mantém blogs e sites sobre crítica teatral no Brasil ainda é ligada ao texto. “Tem um potencial enorme e que a gente ainda não sabe fazer”, ressalta.

Formatos como videocríticas e audiocríticas estão aí para serem experimentados. “Precisamos dominar tecnologias, que é um custo a mais e talvez seja necessário agregar equipe para ganhar agilidade. Muita gente que saiu dos jornais, como é o meu caso, ainda não domina os multimeios, mas tem que correr atrás”, afirma Ivana Moura.

Valmir Santos acredita que novos suportes não implicam necessariamente novos procedimentos. “No início da escrita para a internet (2010), intuía-se que haveria diferenças marcantes no manejo do texto, da linguagem propriamente dita, mas logo vi que não. Os eixos do reportar e do analisar estão mantidos na web. Para a geração que veio depois, a cultura da redação talvez não tenha sido tão preponderante quanto foi para mim. Resisto ao traço coloquial”, diz.

“Acho uma bobagem esse desespero por interação e multi qualquer coisa. A internet é um fenômeno muito recente do ponto de vista histórico e social para a gente saber qual é a sua essência. E talvez seja plural demais para ter uma essência. Interessa-me o texto, a elaboração do texto. A internet para mim é só um papel barato. A crítica é um exercício de reflexão, de escrita, de escuta e de leitura, não precisa de firula e não tem que obedecer a tendências alheias ao diálogo com as obras”, defende Daniele Ávila.

Diálogo aberto

Do mesmo modo que os jornalistas ainda experimentam outras possibilidades para além do texto escrito, para Soraya Belusi os leitores também se acostumam com a possibilidade de diálogo aberto com o crítico. Para ter uma ideia, desde que o Horizonte da Cena entrou no ar, em setembro de 2012, foram registrados cerca de 100 mil acessos. Neste mesmo período, as autoras se depararam apenas com dois comentários críticos por parte dos usuários.

“Os comentários são diminutos, porque dizem respeito ao campo da análise, da argumentação, da construção de sentidos. Raramente a interlocução passa pela crítica. A veia cordial do brasileiro tende a escantear a crítica ou a autocrítica. Na infância ou na adolescência poderíamos ser incentivados a discordar da opinião do pai, da mãe ou do professor, sem que fôssemos repreendidos. Mas a sociedade dá sinais de mais abertura ao debate que não desqualifica o outro. São avanços mínimos na educação, nosso xis de todas as questões”, comenta Valmir.

Para Daniele Ávila, em momentos de reinvenção, como este por que estamos passando, é cada vez mais importante ressaltar a função formadora da crítica. Para o bem ou para o mal, ela tem um papel na formação do público. “Temos que conquistar leitores, artistas e público, mas não sabemos como. O culto à ignorância é muito impregnado, a leitura não é um hábito, muito menos um prazer. Ainda há uma cultura ridícula em que parece que é bacana dizer que não leu um texto porque é muito longo ou porque tem referências”, diz.

Ivana Moura acredita que a relação aberta entre críticos e leitores ainda está em processo de formação. De todo modo, um caminho já foi percorrido. “Nenhum pensador de teatro fica imune aos comentários que retroalimentam seu texto. Lógico que, como tudo, há comentários pertinentes e outros desnecessários. Mas, como ninguém é capaz de captar a totalidade de uma obra – teatral, inclusive –, essa possibilidade polifônica pode ser enriquecedora. Penso que, para ter um melhor resultado, a formação de grupos críticos precisa levar em consideração a discussão sobre a qualidade”, propõe.

Em ação

Durante a primeira edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo a prática da crítica será exercida por um coletivo de críticos com presença na internet. Profissionais de blogs e revistas eletrônicas como Antropositivo (SP), Horizonte da Cena (MG), Questão de Crítica (RJ), Satisfeita, Yolanda? (PE) e Teatrojornal (SP) vão produzir e publicar críticas no dia seguinte à estreia dos espetáculos.

Blogs e sites
Antro Positivo (São Paulo/SP) – www.antropositivo.com.br
Horizonte da Cena (Belo Horizonte/MG) – www.horizontedacena.com.br
Questão de Crítica (Rio de Janeiro/RJ) – www.questaodecritica.com.br
Satisfeita, Yolanda? (Recife/PE) – www.satisfeitayolanda.com.br
Teatrojornal (São Paulo/SP) – www.teatrojornal.com.br
Blog da Cena (Belo Horizonte/MG) –blogdacena.wordpress.com




"Não dá para pensar o processo de mudança da crítica isoladamente de tudo o que está acontecendo no jornal. A ideia que temos do jornalismo mudou muito nos últimos anos e, no caso da crítica, isso é exemplar.”

. Soraya Belusi, do site Horizonte em Cena


“As iniciativas coletivas de crítica têm a tendência a se arriscar, a sair do lugar-comum, porque existe provocação interna, diálogo, embate de ideias. A internet permite isso, porque o custo é baixo ou nulo, dependendo da proposta”

. Daniele Ávila, do site Questão de Crítica


“Não tenho bola de cristal, não tenho como falar sobre o futuro da crítica. Acho que a internet é uma coisa que vai acontecer, porque é inevitavel que continue aparecendo a crítica. Mas, como não entendo do assunto, não posso falar nada brilhante"

. Barbara Heliodora, crítica de teatro

TeVê

TV paga

Estado de Minas: 22/02/2014



 (Paris Filmes/Divulgação)

É um ou outro


Terror ou comédia? A distinção é bem clara entre uma e outra estreia do sabadão. A primeira das opções é Sentido na pele, com Selma Blair, Joshua Close e James D'Arcy, na HBO. No Telecine Premium, um dos maiores sucessos do cinema brasileiro dos últimos tempos, Minha mãe é uma peça, com Paulo Gustavo no papel da hilária dona Hermínia (foto). Os dois filmes
serão exibidos simultaneamente às 22h.

Telecine Touch e Megapix
montam sessões especiais


No aquecimento para a maior festa do cinema mundial, o Telecine Touch exibe hoje mais dois filmes indicados ao Oscar ou premiados, ambos estrelados por Meryl Streep: Um amor verdadeiro (15h25) e Dama de Ferro (17h45). O canal ainda faz uma homenagem a Drew Barrymore, que hoje completa 39 anos, emendando Para sempre Cinderela (19h45) e O grande milagre (22h). No Megapix, a novidade é a sessão especial Noivas, com os filmes O casamento de Romeu e Julieta (17h25), Mamma mia! (19h50), American pie – O casamento (22h) e Dois é bom, três é demais (23h55).

Cinema brasileiro também
é destaque na programação


Ainda na faixa das 22h, o assinante tem mais sete opções: Cafundó, no Canal Brasil; Meu nome é Dindi, no Sony Spin; Não é mais um besteirol americano, no Comedy Central; O vizinho, no A&E; Eu e Orson Welles, na Warner; João e Maria – Caçadores de bruxas, no Telecine Pipoca; e Um conto chinês, no Telecine Cult. Outras atrações da programação: Meu nome não é Johnny, às 21h, no AXN; Transformers – O lado oculto da Lua, às 22h30, no FX; A guerra dos vizinhos, às 23h, na Cultura; e Hannah Arendt, à meia-noite, no Telecine Cult.

Fox Life reprisa encontro de
Palmirinha com convidados


Palmirinha Onofre vai dominar hoje a telinha do Fox Life. É que a emissora promove uma maratona com quatro edições do programa da culinarista, a partir das 22h15. Em cada uma, um convidado especial: o consultor de moda Gustavo Sarti, o consultor de etiqueta Fábio Arruda, o apresentador Edgard Piccoli e o jornalista Celso Zucatelli.

Pacote sonoro vai do samba
ao axé e até música clássica


O carnaval está cada vez mais perto, e o Viva o sucesso continua com edições especiais com sambistas do primeiro time da MPB. O artista de hoje, às 21h30, é Péricles, ex-integrante do grupo de pagode Exaltasamba. Mudando de rumo, o Manos e minas recebe a vocalista do Ara Ketu, Larissa Luz, às 17h, na Cultura. Na sequência, às 18h, a cantora e compositora Lulina é a convidada do Cultura livre. Às 21h30, na série Clássicos, o maestro e pianista João Carlos Martins se apresenta com a Bachiana Filarmônica, regida por Roberto Minczuk. Na PlayTV, às 22h, tem show da banda Dalai. E por fim, às 23h, vai ao ar o especial em que o pianista Vladimir Horowitz interpreta o Concerto para piano nº 23, de Mozart, com a Orquestra do La Scala, sob a regência do maestro Carlo Maria Giulini.


CARAS & BOCAS » À beira da morte
Simone Castro

Cadu (Reynaldo Gianecchini) terá uma grave doença na novela Em família (João Miguel Júnior/TV Globo)
Cadu (Reynaldo Gianecchini) terá uma grave doença na novela Em família

Quem vê o bon vivant Cadu, candidato a chef e dono de um restaurante na novela Em família (Globo), não imagina o que vem por aí para o personagem de Reynaldo Gianecchini. O autor Manoel Carlos revelou que o belo ficará gravemente doente, podendo inclusive passar desta para melhor. Os primeiros sintomas da enfermidade vão surgir já nos próximos capítulos. Cadu começará a sentir cansaço excessivo ao subir uma escada e deixará cair objetos que estão em suas mãos. Quando a doença for diagnosticada, ele já terá sido abandonado pela mulher, Clara, papel de Giovanna Antonelli, a essa altura apaixonada por Marina (Tainá Müller) e vivendo com ela. No entanto, ela ficará dividida entre o novo amor e o dever de apoiar o pai de seu filho, Ivan (Vítor Figueiredo), em momento tão difícil. Manoel Carlos evita dar detalhes sobre o futuro de Cadu. “Vai ficar doente e talvez morrer, mas ainda não posso contar qual é a doença, porque acontece bem mais tarde e eu ainda posso mudar”, justifica o autor. Na vida real, Gianecchini enfrentou e venceu a luta contra um linfoma não Hodgkin, em que são afetados os gânglios linfáticos.

JORNALISTA POLÊMICA
NA ESTREIA DE GENTILI


Danilo Gentili quer fazer uma estreia bem concorrida do seu The noite, prevista para 10 de março, à meia-noite, no SBT/Alterosa. E escolhe a dedo seus primeiros convidados. Um dos nomes já confirmados é o da jornalista Rachel Sheherazade, que tem levantado polêmica por conta de seus comentários como âncora do SBT Brasil. Ela mesma falou, via Instagram, sobre sua participação no programa, postando uma foto ao lado de Gentili. “Com o querido @danilogentili no camarim do SBT! Olha o detalhe dos pezinhos! Louco para ver a estreia do programa!!!”

GÊMEAS ESTRELAM NOVA
SÉRIE DO CANAL DISNEY


Estreia, hoje, às 19h, Liv & Maddie, nova série do Disney Channel (TV paga). Trata-se de uma comédia sobre as gêmeas idênticas Liv e Maddie Ronney (Dove Cameron) e sua unida família. As irmãs sempre tiveram um elo muito especial e estão muito ansiosas para o seu reencontro, que ocorre quando Liv volta para casa, no Wisconsin, depois de estrelar um bem-sucedido programa de televisão em Hollywood por quatro anos. Enquanto Liv é descolada, confiante, sociável e adora cantar, Maddie é inteligente, atlética e um fenômeno do basquete escolar que prefere usar cano alto a salto alto. Os filhos da família Rooney enfrentam um probleminha: seus pais trabalham na escola em que eles estudam. O pai é professor de educação física e a mãe é orientadora escolar. As gêmeas têm dois irmãos. E, com a volta de Liv a casa, Maddie descobre que o espaço pode ficar ainda menor quando têm que dividir o quarto e Liv dá mostras de que adora ser o centro das atenções. Mas elas se adoram e fazem tudo para agradar a outra.

BONINHO DÁ ALFINETADA
NA ‘PODEROSA’ ANITTA


Boninho negou, na madrugada de ontem, pelo Twitter, a participação de Anitta com um dos shows na casa do Big brother Brasil 14. E alfinetou a cantora. “Virou estrela, não tem tempo pra gente”, respondeu a um seguidor que sugeriu a apresentação da funkeira. Boninho adiantou a presença de Ivete Sangalo.

MC GUI VAI RESPONDER A
PERGUNTAS DE CRIANÇAS


No quadro “Crianças curiosas” do Programa Raul Gil, hoje, às 14h15, no SBT/Alterosa, o convidado é MC Gui. Acompanhado da mãe, Cláudia, ele responde às perguntas dos pequenos Manuela, Yasmin, Isabely, Kaik, Isabella e Vitinho. Ele ainda canta seus sucessos. Já no “Jovens talentos kids”, confira as apresentações de Lara Castro, Alexandre Nunes, Lucas e Vítor, CBright, Silas Magalhães e Yasmin Yamashita.

EM MEMÓRIA

Eduardo Coutinho, documentarista falecido aos 80 anos, assassinado pelo próprio filho no início deste mês, será homenageado no Cine magazine. A obra do diretor é destaque do “Travelling”, que mostra alguns dos temas que despertaram a curiosidade de Eduardo Coutinho, como a luta pela terra, o coronelismo nordestino e o microcosmos de Copacabana. Ele era interessado na vida de gente comum e buscava o extraordinário em meio à simplicidade. Por isso, preferia entrevistar anônimos, cujas histórias o cativavam. Hoje, às 20h30, na Rede Minas.

VIVA
O seriado Doce de mãe (Globo), cada vez melhor. Pena que o que é bom dura pouco.

VAIA
Manfred (Carmo Dalla Vechia) pega pesado em Joia rara (Globo). Forte para o horário.

CINEFOOT » Bate-bola na telona‏

CINEFOOT » Bate-bola na telona
Estado de Minas: 22/02/2014


Rimet, a incrível história da Copa do Mundo está entre os destaques do ano passado (Production Company/Divulgação)
Rimet, a incrível história da Copa do Mundo está entre os destaques do ano passado

Estão abertas até dia 28 as inscrições para a quinta edição do Cinefoot, festival dedicado a curtas, médias e longas-metragens que tenham o futebol como tema central. Os interessados devem acessar o site www.cinefoot.org, para preencher o formulário de inscrição e conferir regulamento antes de enviar cópia do filme para a comissão de seleção do festival.

A quinta edição do Cinefoot será realizada em maio e junho, no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Os filmes selecionados poderão também integrar a programação do Cinefoot Tour, versão itinerante que será apresentada em Brasília, Cuiabá, Manaus, Fortaleza, Natal, Salvador, Recife, Curitiba e Porto Alegre, entre outras cidades.

A programação inclui mostras competitivas internacionais, mostras especiais, debates, oficinas, concursos de vídeos, homenagens, além de uma série de atividades. O evento é chancelado pelo Ministério do Esporte para integrar a programação oficial do governo federal para a promoção do Brasil durante a Copa do Mundo 2014.

Entre os filmes exibidos na mostra 2013, Rimet, a incrível história da Copa do Mundo, filmado no Brasil, Inglaterra, Espanha, Itália, Uruguai e Argentina. O documentário narra, por meio de reconstituições filmadas, material de arquivo e entrevistas, os acontecimentos incríveis e misteriosos do troféu. O roteiro é de César Meneghetti, Filippo Macelloni e Lorenzo Garzella.

O batidão das favelas cariocas vai invadir o carnaval.‏

Funk folião
 
O batidão das favelas cariocas vai invadir o carnaval. Anitta, Valesca Popozuda e Buchecha têm agenda cheia, enquanto disco traz 18 marchinhas tradicionais com sonoridade funkeira



Ana Clara Brant
Estado de Minas: 22/02/2014


Valesca Popozuda aposta em Beijinho no ombro como o hit do carnaval deste ano (Luís Xavier de França/Esp. CB/D.A Press)
Valesca Popozuda aposta em Beijinho no ombro como o hit do carnaval deste ano


Tudo indica que o funk carioca vai dar o tom ao carnaval deste ano. Artistas que se dedicam a esse gênero musical terão agenda abarrotada durante a folia – alguns vão fazer três apresentações num único dia. A candidata a hit é Beijinho no ombro, de Valesca Popozuda.
De acordo com o jornalista e escritor Júlio Ludemir, um fato explica tanta procura: o ritmo surgido nas favelas cariocas conseguiu atingir “o asfalto”, conquistando as classes média e alta. Criador da Batalha do Passinho e da Festa Literária das Periferias (Flupp), o autor do livro 101 funks que você tem que ouvir antes de morrer explica que o batidão se consolidou, “enquanto produto cultural”, depois dos fenômenos Naldo e Anitta.

“Fruto de uma grande produtora, esses artistas souberam surfar na onda do Brasil que se interessa pela classe C, pelas novelas Avenida Brasil e Salve Jorge”, observa Ludemir. “O funk, definitivamente, explodiu no asfalto. Por isso o carnaval da Zona Sul carioca e de outras regiões do país vai estar focado nesse ritmo”, afirma.

O funk carioca já conquistou as grandes casas de show – e não apenas as cariocas como Barra Music, Vivo Rio e Fundição Progresso. Outras capitais também entraram na onda. “Pela primeira vez, espaços tradicionais e teatros passaram a receber funkeiros. Entre os grandes sucessos deste momento está a Valesca Popozuda. O verão de 2014 é dela, com Beijinho no ombro. Anitta monopolizou todas as atenções em 2012 e 2013, reinou absoluta e criou as condições para o carnaval do funk. Se ela vai se sustentar já é outra história, até porque os grandes sucessos do gênero, geralmente, não duram mais de um verão”, assegura o jornalista.

Beijinho

Valesca Popozuda afirma que o funk sempre esteve na boca do povo. A agenda da cantora está totalmente comprometida com a folia: ela vai desfilar no Sambódromo e em blocos, além de fazer show em camarotes. Em Salvador, Valesca dividirá o microfone com Cláudia Leitte. Boa parte de todo esse êxito se deve a Beijinho no ombro. O clipe é um dos mais acessados do YouTube, com cerca de sete milhões de visualizações.

“Beijinho... já é a mais tocada do verão. Torço para ela virar a música deste carnaval A letra é bem direta e objetiva, todo mundo se identifica”, conta Valesca. O título da parceria de Wallace Viana, André Vieira e Leandro Pardal virou gíria. A cantora diz que ela serve tanto para esnobar invejosos e recalcados quanto para celebrar as boas coisas da vida. “Tudo depende de como as palavras são usadas. Há uns 10 anos, eu e um amigo adotamos essa expressão. A gente sempre soltava um ‘beijo no ombro’. Valia para tudo”, conta ela.

Destaque do funk romântico, Buchecha acredita que Beijinho... tem tudo para ser o hino da folia deste ano. Ele também aproveita o bom momento. No carnaval, a agenda do cantor prevê compromissos profissionais até o sábado das campeãs. “Se a música da Valesca não for o hit do verão ou do carnaval, ela será o grito da galera”, aposta.
“Vou seguir meu próprio repertório durante o carnaval porque o público está acostumado ao formato original. Dependendo, a gente pode inventar na hora”, avisa Buchecha.

Minas


Os funkeiros vão animar o carnaval mineiro. Anitta se apresentará em Abaeté (sábado), em Ouro Preto (domingo), em Muzambinho (segunda-feira) e em Lambari (terça-feira). A carioca será também uma das principais atrações do camarote da Brahma, no Sambódromo. Um jatinho estará a postos para levá-la ao Rio de Janeiro.

“O estilo mais melódico e romântico do funk, sem baixarias, está conquistando as pessoas. Anitta, principalmente, veio mudar o cenário e os outros seguem o caminho dela”, acredita Nenety, organizador do Abaeté Folia. O produtor informa que o cachê da cantora chega a R$ 200 mil, durante o carnaval, por duas horas de apresentação.

“Normalmente, um show dela custa R$ 80 mil, mas como as cidades querem ter uma estrela como Anitta, estão dispostas a pagar mais caro no carnaval. Em 1º de março, aliás, o Abaeté Folia será totalmente dedicado ao funk, com Anitta e MC Sapão. Vale a pena investir, pois as pessoas gostam e isso traz visibilidade”, ressalta Nenety.

Marchinha e pancadão

A trilha tradicional da folia – Mamãe eu quero, Cabeleira do Zezé e até a centenária Ô abre alas – também se rendeu ao funk. O CD Pancadão das marchinhas traz 18 faixas interpretadas por Valesca Popozuda, Naldo Benny, Anitta, Mr. Catra, MC Marcinho, Buchecha, MC Leozinho, Sapão e Koringa, entre outros.

Renê Jr., gerente artístico do segmento popular da Som Livre, lembra que a gravadora lançou projeto semelhante há alguns anos. Apesar de reunir funkeiros, o antigo álbum trazia sonoridade mais carnavalesca. Agora, cada cantor trouxe a sua marca.

A repercussão tem sido tão positiva que, provavelmente, o projeto se repetirá nos próximos carnavais. “Funk é um ritmo irreverente, uma realidade nacional. Ele funciona muito bem com as marchinhas, principalmente as caricatas”, afirma Renê Jr.

As críticas ao funk carioca não o preocupam. “Elas sempre vão ocorrer, independentemente do segmento. Acho importante um projeto que valorize a história das marchinhas ao lado do gênero musical que vem se destacando nos últimos anos”, conclui.


Anitta vai animar a folia em quatro cidades do interior de Minas   (Nina Lima/AG)
Anitta vai animar a folia em quatro cidades do interior de Minas

enquanto isso...

...favela x asfalto


O jornalista Júlio Ludemir aponta uma contradição no universo funkeiro. Enquanto o estilo se fortalece no asfalto, enfrenta dificuldades na favela, pois os bailes vêm sendo proibidos nas comunidades pobres. Na mira da polícia, as festas são associadas por autoridades ao tráfico de drogas e à violência.

“Funk acontece na periferia, dentro do baile. É onde o estilo se renova, pois as pessoas das comunidades não compram discos originais nem vão a shows. A opção de lazer é o baile. Quando isso é reprimido, você sufoca toda uma produção econômico-cultural”, adverte Ludemir.

Novidade do carnaval do asfalto, há tempos o funk carioca é a trilha sonora das favelas – atualmente, aliás, ele supera o samba. “Se você for à Cidade de Deus, à Rocinha ou a qualquer outra comunidade carioca, prazer e lazer sempre estarão associados ao funk”, salienta o jornalista.




"Se a música da Valesca não for o hit do carnaval, ela será o grito da galera%u201D . Buchecha, cantor 

Eduardo Almeida Reis - Eduardo Almeida Reis‏

Cabelos 
 
Eduardo Almeida Reis

Estado de Minas: 22/02/2014


As lâmpadas do teto do banheiro são destas modernas, fluorescentes, supostas de durar séculos, que custam uma nota. Até aí, tudo bem. Pararam de fabricar as incandescentes de 100W e 150W, que sempre foram as minhas preferidas: comprei das modernas. Contudo, vem ocorrendo um fenômeno que não consigo explicar. Nas fotos recentes, coloridas, tiradas por fotógrafos profissionais, tenho a cabeça inteiramente branca. No banheiro, antes de me assentar no trono, o espelho mostra um sujeito quase tão louro como fui até 30 anos atrás. Como explicar o fenômeno? De repente é o flash, que destaca, que só reflete os fios brancos. Ou, então, fiquei maluco, mas nesse caso veria dos cabelos para baixo, começando na testa, cavalheiro menos feio do que tenho visto no mesmíssimo espelho.

Rádio

Enquanto não compro pequeno aparelho para ouvir, na copa/cozinha, meus CDs de óperas e clássicos, tenho almoçado ouvindo rádio para abafar a gritaria que vem dos outros apês pela área de iluminação e ventilação. Gritos e assuntos que não me interessam nem me agradam. Ouço FM famosa, programa de música brasileira, que coincide com a hora do almoço. Fico horrorizado com o nível, com o besteirol das letras, e constato: Vinícius, Tom, Fernando Brant e poucos, pouquíssimos outros, foram e são exceções à regra. De músicas, ritmos, gêneros não falo, porque não entendo, mas as letras são de uma infantoimbecilidade que espanta, comove, entristece e justifica o neologismo: infantoimbecilidade infantil e imbecil. Não é para me gabar, mas achei o neologismo da melhor supimpitude. Fui ao Google e achei dois: “infantoimbecis internautas”, de Marcos Guterman no Estadão, e infanto-imbecilidade com hífen no blog gladio.blogspot.com, nem se pode inventar uma palavra. Supimpitude tem 3.140 entradas. Se não foi invenção minha, fui dos primeiros. Tem no Dicionário inFormal o abono de José Antônio de Ávila Sacramento, de São João del-Rei, cavalheiro ilustre que conheço bem. Que levaria uma rádio poderosa a tocar aquele “tipo” de música? Não sei e não pretendo apurar. Deve dar audiência. Preciso comprar o tocador de CDs com urgência, que é para não me aborrecer na hora dos comes, que já foi dos comes e bebes.

Eleven é onze
Louvo o reabastecimento do Aerolula em Lisboa, a começar pelo fato de a senhora presidente entender e falar, mesmo sem ser fluente, a língua oficial de Portugal. Há um segundo idioma oficial desde 1998, o mirandês, que apresenta traços comuns com o asturo-leonês, mas aí seria pedir demais. Sua Excelência já disse que janta onde quiser, porque paga a conta. Informação louvável, desde que faça maquilagem para esconder as olheiras, considerando que os comensais, nas outras mesas, também estão pagando suas contas e não merecem dividir o salão com freguesas exaustas da tentativa de provar em Davos que a situação econômica do Brasil é excelente. Isto posto, vamos ao inglês eleven, nome do restaurante, que em vernáculo significa 11. Jean Chevalier e Alain Gherbrant coordenaram os estudos de 15 pesquisadores de diversas universidades espalhadas pelo planeta e concluíram que 11 não é boa coisa. Vejamos. O 11 é particularmente sagrado nas tradições esotéricas africanas. Chega-se a ver nele uma das chaves principais do ocultismo negro. É relacionado com os mistérios da fecundidade. A mulher mãe tem 11 aberturas, enquanto o homem só tem nove. E o negócio vai por aí até que se acrescenta à plenitude do 10, que simboliza o ciclo completo, sendo o 11 o signo do excesso, da desmesura, do transbordamento, seja de que espécie for, incontinência, exagero no julgamento. Pergunto: o julgamento da parada lisboeta não foi exagerado? A própria parada, com hotel e limusines, quando é possível abastecer um avião em uma hora ou menos? Agostinho teria dito que o número 11 é brasão do pecado. Resumindo, que o texto é longo: o 11 não parece boa coisa, enquanto o Restaurante Eleven de Lisboa não está na lista do Boni e do Amaral entre os 100 melhores do mundo e os cinco melhores lisboetas “para ver e ser visto”. O que não impede que os comensais sejam vistos com olheiras. Em defesa do vetusto philosopho seja dito que não comprou o guia do Boni e do Amaral: ganhou de presente.

O mundo é uma bola

22 de fevereiro de 1775: Pio VI é eleito o 250º papa, demonstrando que o pontificado é ocupação da mais alta rotatividade. Em 1819, pelo Tratado de Adams-Onís entre a Espanha e os Estados Unidos, a Flórida é cedida aos norte-americanos. Por via de consequência, aos mineiros, que estão comprando tudo por lá. Hoje, mineiro adora jatinho que faça Confins-Miami sem escalas. O mineiro Eike vendeu o dele, mas há vários operando na rota. Em 1836, criação da cidade de Uberaba, capital mundial do zebu. Em 1939, no poço de Lobato (BA) petróleo “jorra” pela primeira vez no Brasil. Jorrar é verbo meio forte para o petróleo de Lobato. Depois, jorrou noutros poços. Hoje, conseguiram acabar com a Petrobras.

Ruminanças
“Todo aquele que desconfia convida os outros a traí-lo” (Voltaire, 1694-1778).

ARNALDO VIANA » Bom dia, cavalo (final)‏

ARNALDO VIANA » Bom dia, cavalo (final)
Estado e Minas: 22/02/2014 04:00


 (Arnaldo Viana/divulgação)


Bom dia! Há um mês aqui, reverberando, dissecando a espécie humana, deveria me apresentar, pelo menos em respeito às convenções sociais. Ficaria vexado se dissesse o nome pelo qual meu patrão e dono me chama. Nemmmm... Você pode me chamar do que quiser, menos de pangaré, evidentemente. Alguém (não eu, já acostumado ao ultraje) pode se dar ao direito de interpretar como ofensa a esse animal errante, ou como objeto de constrangimento. Nego meu nome, mas posso, para não ser deselegante, falar um pouco de mim, pois não sou bicho de me esconder atrás da história. Não. Sou de biografia autorizada.

Nasci de um pesadelo. Não meu, mas de minha mãe, égua de certa linhagem. Era jovem e linda, pelo caramelado como o meu. Certa tarde, deixou o sítio no qual morava e, com duas amigas, pegou uma estradinha cercada de ipês floridos. O cio as levava ao grupo de jovens garanhões, de suposto pedigree, que pastava às margens de uma lagoa. Era o cio, algo que não tenho desde o maldito dia em que meu dono me levou àquele carniceiro de Venda Nova. Doeu, como doeu.

Voltemos à minha mãe. As três eguinhas seguiam a trilha. Cantavam uma modinha da época. De repente, algo salta da moita. Era meu pai. Soltava fogo pelas ventas de tanta excitação. Sabe aquele olhar de fêmea assustada? As três começaram a correr. Minha mãe, vaidosa como era, de ferradura de salto alto, ficou para trás. O cavalo tarado, mais que depressa, crau e crau! Um estupro, com certeza, na estradinha cercada de ipês. Nasci 340 dias depois, rejeitado pelo dono de minha mãe. Quando completei 2 anos, fui vendido. Tão barato que parecia dado. Soube de tudo isso pela boca de minha mãe. Meu pai, não conheci.

Vendido, fui arrastado de cabresto. Cheguei ao que pretendia ser o novo lar. Vi e gelei. Uma carroça me esperava. Um ano depois, arrastava-a pelas ruas. Sou indivíduo humilde. Não sou metido a bom de sela, diferentemente de conhecido meu, um cinzento. Puxava carroça no Belvedere e balançava o beiço para dizer: “Trabalho na Zona Sul. Não sou como vocês, carroçadores de periferia. Puxo material para gente chique. Nunca, nunca mesmo, vou carregar entulho e mudança de pobre. Ontem mesmo, transportei um piano de luxo, caríssimo. Tá?” Bobo. Não há nada de mais em puxar mudança de pobre. O que me chateia é cachorro. O vira-lata. Quando a gente passa arrastando a carroça, ele late e corre atrás, mordiscando nosso calcanhar. No dia da mudança, viaja mansinho lá em cima, com cara de maior inocência. Ô raiva que dá, sô!

O cinzento do Belvedere era tão metido a bom de sela que cismou de ser cavalo de polícia. “Vou acabar com a bandidagem”, dizia. Deu de se aproveitar dos descuidos do dono para descer até o quartel da PM, no Prado. Ficava lá, zanzando de um lado para outro. Quando alguma tropa saía, fazia até continência. Esperava um cochilo dos guardas para entrar. Certo dia, chamaram o caminhão da zoonose. Levaram o arrogante. Sabem o que fazem na zoonose? Metem três injeções daquelas de agulha grande no lombo do cara. Enchem a goela dele com uma garrafada amarga. Nunca mais se falou no cinzento.

Ele não estava de todo errado. Estou em vias de me aposentar. E aposentadoria para cavalo velho de periferia tem dois rumos: matadouro clandestino ou abandono. É do matadouro clandestino que vem o charque para engrossar a feijoada de sábado. Talvez seja melhor que abandono. Não sei se vocês viram neste mesmo jornal, quinta-feira: um branquelo desmaiou no Bairro São Lucas. Fraco e de barriga inchada. Não fosse uma senhora descer do apartamento, teria morrido à míngua. Foi levado pela zoonose. E é aí que está o problema do abandono: depois de cinco dias, se o dono não aparecer… Nem quero pensar.

 Vou embora. Chega de Linha Verde. Resolvi não esperar para ver os ônibus siameses subindo e descendo a avenida. Só quero deixar um recado para vocês, humanos: adotem o espírito olímpico no dia a dia e nunca nos ofendam chamando de cavalo o sujeito mal-educado ou truculento. E mulher nunca é égua. Bem, a zoonose vem aí! Fui!

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