quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

MARTHA MEDEIROS - Ela, a incorruptível

Zero Hora 07/01/2014

Terminamos 2014 sentindo vergonha do país e, ao mesmo tempo, com esperança. Vergonha pela roubalheira que veio à tona como nunca antes, mas, por outro lado, com esperança de que as acusações e punições amedrontem os que simpatizam com a prática de pagar por benefícios ilegais e de embolsar dinheiro indevido. Esperança de que essa exposição espalhafatosa dos podres do governo e de outras camadas da sociedade intimide os audazes corruptores da nação e que eles pensem duas vezes antes de continuar metendo a mão no que não lhes pertence, como fazem há séculos.
É o que nos resta: contar com a covardia deles. Estando a impunidade menos garantida, talvez já não arrisquem tanto em suas gatunagens. E deduzam o óbvio: por mais que roubem, nunca poderão subornar a morte.
Ela está logo ali em frente, aguardando seres humanos de todos os escalões, tanto os donos de jatinhos quanto os que puxam carroças. Com ela, não tem carteiraço. A morte não apresenta tabela de preço. Não premia delatores. Não adianta trazer dinheiro grudado ao corpo com fita crepe, o vexame será inútil.
Se ela encasquetar que chegou sua hora, vai pegá-lo pelo colarinho branco e arrastá-lo à força, amarrotando seu terno Armani sem dar a mínima para quanto custou. E fará o serviço sem se anunciar antes para suas secretárias, assessores, guarda-costas. Ela não trata com intermediários.
A morte não embolsa agradinhos. Não recebe propina. Não negocia prazo. Não beneficia quem paga mais. Então, de que vale o risco de sujar o próprio nome, envergonhar a família, virar dedo-duro de colegas e ser transportado em camburão, algemado como um pivete? Toda a riqueza acumulada com transações ilícitas nem mesmo leva o golpista para a morte em classe executiva.
A morte é incorruptível.
Deve ser por isso que se diz que o crime não compensa. O crime forra os bolsos da criatura temporariamente, mas tira dele o privilégio de fazer alguma diferença benéfica na vida dos outros – o sujeito passa a ser um rico que não vale nada. E morre de qualquer jeito.
Você pode, claro, usar seu tempo aqui na terra para superfaturar tudo o que vê pela frente sem se importar com as consequências indignas dessa ganância. Ao nascer, você encontra o mundo de um jeito e decide se comportar de forma a deixá-lo bem pior ao partir. É uma escolha.
Ou você pode utilizar seu tempo aqui na terra colaborando, fazendo um trabalho que beneficie a coletividade e gozando a sensação reconfortante de que abandonará o mundo deixando-o um pouquinho melhor do que quando chegou. Dessa forma, não terá vivido à toa e não se sentirá tão desesperado quando tudo terminar.

Porque vai terminar, máfia. Para todos. Sem acordão.

Brasil - Eduardo Almeida Reis

Desde o mês passado, todo mundo que morria do tabagismo, ativo ou passivo, vai continuar morrendo de outras coisas para desespero da Previdência Social


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 07/01/201




Igor, fiscal da Aneel, salário R$ 16 mil, preso quando achacava um empresário da área de energia elétrica, é a síntese da roubalheira que vai por aí. Substantivo de dois gêneros, fiscal é a pessoa que verifica o cumprimento de leis e regulamentos em estabelecimentos comerciais, industriais etc. Neste país grande e bobo, em vez de verificar o cumprimento de leis e regulamentos, muitos fiscais achacam. No vídeo veiculado pela TV, Igor é rapaz magro de 20 e poucos anos. Salário de R$ 16 mil nessa faixa etária é mais que razoável. O fiscal da Aneel exigia R$ 4 milhões e foi preso quando recebia maleta com R$ 400 mil em notas falsas. Já deve ter sido solto.

No mesmo dia, foram presos no Maranhão o superintendente e vários funcionários do Incra e do Ibama, encarregados de fiscalizar as áreas de florestas para impedir a extração e comercialização de madeiras. Áreas que têm diversas madeireiras, empresas imensas com máquinas gigantescas e instalações de bom tamanho. Aí é que está: ao contrário de um chaveiro, que se estabelece com uma portinha para lidar com pequenas chaves, a madeireira exige áreas expressivas e lida com toras gigantescas, mas os fiscais do Ibama e do Incra “esquentavam” os documentos da madeira roubada para comercialização e exportação.

E sua excelência, o então ministro de Estado da Agricultura, hein? Que me diz o leitor de sua excelência o doutor Geller, acusado de malfeitos no Mato Grosso e no Pará? Ele e seus dois irmãos. Os manos foram presos pela Polícia Federal, enquanto o ministro continuava solto dizendo não acreditar nos malfeitos da família.

Septicemia, na rubrica medicina, é tipo comum de sépsis, caracterizado por um estado infeccioso generalizado devido à presença de microrganismos patogênicos e suas toxinas na corrente sanguínea. Sépsis, substantivo feminino de dois números, é a presença de micro-organismos piogênicos e outros organismos patogênicos, ou suas toxinas, na corrente sanguínea ou nos tecidos.

Maravilha!

Nada melhor do que a notícia de que o Brasil tem nova lei antifumo. Desde o mês passado, todo mundo que morria do tabagismo, ativo ou passivo, vai continuar morrendo de outras coisas para desespero da Previdência Social obrigada a sustentar milhões de idosos que já teriam morrido se fossem fumantes.

O médico Ademar Arthur Chioro dos Reis, que felizmente não é meu parente, ministro da Saúde de dona Dilma, prestou relevantíssimo serviço ao país com as suas providências antitabaco. Se tivesse lido Jean-Louis Besson em A ilusão das estatísticas, Ademar Arthur Chioro dos Reis teria aprendido o seguinte: “(...) se admitimos a hipótese de que o fumo é responsável pelas mortes prematuras, é preciso então colocar na relação o sobrecusto social (cuidados médicos etc.) e os ganhos realizados. (...) As mortes prematuras evitam as despesas dos outros doentes, sem falar da economia nas aposentadorias!” Enquanto ao mais, ouçamos Marlene Dietrich: “As pessoas acreditam que, deixando de fumar, deixam de morrer. É falso, claro; elas morrerão de outra coisa”, cujo tratamento, evidentemente, também tem um custo, acrescenta Jean-Louis.

Ainda bem que a propaganda e as marchas pela legalização da maconha vão de vento em popa. Virgem do cânhamo até hoje, já estou aprendendo a sinonímia da erva que serei obrigado a fumar na falta de charutos: abango, abangue, aliamba, bagulho, bango, bangue, bengue, birra, bongo, cangonha, diamba, dirígio, dirijo, fuminho, fumo, jererê, liamba, marijuana, massa, nadiamba, pango, rafi, riamba, seruma, soruma, suruma, tabanagira, umbaru.

Tipo

Já que é impossível sonhar com políticos voltados para o bem do país, é possível imaginar um tipo físico, moral e intelectual de político, que caracterize o Brasil atual. Tempora mutantur et nos in illis: novos tempos, novos costumes. Não nos custa sonhar com um político que tenha a lucidez de dona Dilma, os conhecimentos de economia do Mantega, a beleza de Ideli, o topete de Mercadante, a instrução do Lula, o nariz do Skaf, a voz maviosa daquele senador pernambucano petista e a honestidade das muitas dezenas citadas na delação premiada do engenheiro Paulo Roberto Costa.

O mundo é uma bola


7 de janeiro de 1354: Afonso IV torna-se rei de Portugal. Em 1549, criação do primeiro governo central do Brasil, chamado governo-geral, com Tomé de Souza como governador-geral. Em 1558, a França ocupa Calais, última possessão inglesa em seu território. Em 1566, Antonio Ghisleri torna-se papa o 225º papa. Tinha visual papal. Morreu em 1572 e é conhecido como são Pio V. Em 1610, Galileu Galilei observa pela primeira vez as quatro maiores luas de Júpiter, Calisto, Europa, Ganímedes e Io, conhecidas como luas galileanas.

Em 1785, o francês Jean-Pierre Blanchard e o americano John Jeffies viajam de Dover, Inglaterra, até Calais, na França, em um balão a gás, tornando-se os primeiros a cruzar o Canal da Mancha pelo ar. Em 1885, casamento de Clara e Alois Hitler, os pais de Adolf. Hoje é o Dia do Leitor.

Ruminanças

“Um leitor inteligente descobre frequentemente nos escritos alheios perfeições outras que as que neles foram postas e percebidas pelo autor, e lhes empresta sentidos e aspectos mais ricos” (Montaigne, 1533-1592).

LITERATURA » O poder da palavra

Livro traz cartas escritas ao longo da história da humanidade. Do profeta persa Zaratustra ao presidente norte-americano Barack Obama, missivistas revelam a dor e a alegria do mundo


Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 07/01/2015




Correspondência do presidente norte-americano Abraham Lincoln está reunida no Arquivo Nacional, em Washington (Win MacNamee/Getty/AFP)
Correspondência do presidente norte-americano Abraham Lincoln está reunida no Arquivo Nacional, em Washington


Nestes tempos em que a comunicação a distância praticamente só se dá por meio das redes sociais, foram-se embora as cartas, tão presentes na história da humanidade. No Brasil, tornou-se célebre a correspondência de Mário de Andrade com Carlos Drummond de Andrade, Murilo Rubião e Henriqueta Lisboa, entre outros escritores. Muito oportunamente, a Geração Editorial acaba de lançar Cartas da humanidade – Civilização escrita à mão. Por meio de 141 textos editados em ordem cronológica, o leitor viaja em cinco mil anos de história.

O organizador do livro é o escritor e compositor mineiro Márcio Borges, autor de Os sonhos não envelhecem – Histórias do Clube da Esquina. Para realizar o trabalho, ele se baseou em documentação extraída de jornais, revistas, livros e da própria internet. Cartas à humanidade... é um documento precioso, que vale a pena ser conhecido. Abrange um grande período da saga humana, desde muito antes do nascimento de Cristo.

Podem ser lidas cartas trocadas por reis, políticos, artistas, intelectuais, religiosos e sábios. Estas páginas contêm de tudo um pouco: história, religião, dramas, guerras, política, filosofia, amor e ódio. O livro começa com um documento sobre o bem e o mal a partir da visão de Zaratustra, criador do zoroatrismo.

“As influências espirituais de Zaratustra sempre afetaram o pensamento e o raciocínio humanos – sua meta, mostrar aos homens nossa conexão com uma criação e nossa ligação com a fonte única”, explica Márcio Borges. Na primeira estrofe compilada, pode-se ler: “Agora falarei com aqueles que me ouvirem/ De coisas que o iniciado deveria se lembrar/ Elogios e oração da Boa Mente ao Senhor/ E a alegria que verá na luz quem se lembrou dele – o Bem”.

Dos provérbios de Ki-en-gir (Suméria, 2600 a.C.), o autor extrai pérolas: “Quem adquiriu muitas coisas deve vigiá-las de perto”. “A raposa, tendo urinado no mar, disse: o mar inteiro é minha urina”. “Riqueza é difícil de alcançar, mas pobreza está sempre à mão”. “Quem come muito não consegue dormir”.

Um detalhe curioso torna o livro mais atraente. Não é preciso lê-lo em sequência, da primeira à última página. Abra-o na página 383, por exemplo. Lá está a famosa carta- testamento deixada pelo presidente Getúlio Vargas, divulgada depois de seu suicídio, em 1954. “Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa”, desabafa o líder gaúcho.

Outra correspondência histórica: a carta de Pero Vaz de Caminha enviada a dom Manuel, rei de Portugal, logo depois da chegada da frota de Pedro Álvares Cabral ao litoral baiano. “Senhor, posto que o capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que – para bem contra e falar – o saiba pior que todos fazer...!”, relatou o escrivão da armada.

Outro marco da história brasileira, a declaração de renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República, em 1961, está no livro. “Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração”, desabafa o 22º presidente do país.

A crise deflagrada por Jânio culminou na ditadura militar, que castigou o mineiro Juscelino Kubitschek, outro ex-presidente do país. Em correspondência enviada à amiga e conterrânea Vera Brant, em 1973, JK não esconde a depressão causada pelo ostracismo. “Brasília, nesses anos tempestuosos que o destino me impôs, deprimia-me quando aí, por uma circunstância ou outra, tive de estar. Possivelmente minha capacidade de assimilar vacilasse entre o esplendor do passado, quando então a construímos, e estas intermináveis horas de borrasca.”

O elenco de missivistas é multifacetado: vai de Maria Antonieta e Joana d’Arc a Orson Welles, Fernando Pessoa, Alfred Nobel, Lênin, Che Guevara, Michael Moore e Barack Obama. Coube ao atual presidente dos Estados Unidos fechar as 466 páginas. Em 2008, ao deixar o Senado para comandar a Casa Branca, assim ele se despediu do povo de Illinois, que o elegera: “Hoje termino uma jornada para começar outra”.



A GUERRA

Uma carta que se tornou famosa foi escrita em 1864 pelo presidente norte-americano Abraão Lincoln à senhora Lydia Bixby, cujos cinco filhos morreram durante a Guerra Civil americana. Anos depois, aquelas palavras inspirariam o filme
O resgate do soldado Ryan, de Steven Spielberg.

“Cara Senhora

A mim foi mostrada nos arquivos do Departamento de Guerra uma declaração do general adjunto de Massachusetts que a senhora é a mãe de cinco filhos que morreram gloriosamente no
campo de batalha.
Sinto quão fraca e infrutífera deve ser qualquer palavra minha que tente iludir a aflição de uma perda tão subjugante. Mas não posso me conter de enternecer na senhora a consolação que pode ser encontrada no agradecimento da República pela qual eles morreram para salvar.
Rezo que nosso pai divino possa suavizar a angústia de sua perda e deixe apenas a apreciada memória dos amados e perdidos, e o solene orgulho que deve ser o seu por ter deitado tão custoso sacrifício no altar da liberdade.
Seu, muito sincera e respeitosamente, sra. Bixby
A. Lincoln.”