folga de são paulo
JOÃO CAPIBERIBE
Por gastos públicos mais cristalinos
Afora o governo federal, alguns Estados e municípios e outros poucos entes, a maioria descumpre a Lei da Transparência, de 2009
No início dos anos 1990, antes da chegada da internet ao Brasil, então prefeito de Macapá, passei a publicar mensalmente a execução orçamentária da prefeitura em "outdoor" instalado à porta da sede da municipalidade.
Eleito governador, convoquei os técnicos da Empresa de Processamento de Dados do Amapá (Prodap) e lhes perguntei se era possível colocar, em tempo real, as receitas e despesas do governo estadual na internet, que engatinhava no país.
A prioridade do Prodap passou a ser a criação do programa que extraísse diretamente da contabilidade os dados da execução orçamentária, no momento em que eram empenhados, e colocá-los em tempo real na internet. Hoje isso é uma operação muito simples --mas não naquele tempo.
Ao chegar ao Senado, em 2003, apresentei projeto de lei tornando obrigatório que todos os entes públicos do país colocassem seus gastos na internet em tempo real, à semelhança do portal criado no Amapá.
Enquanto o projeto tramitava, convenci o então ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, a colocar no site do ministério um link para os gastos da pasta.
No fim de 2004 o projeto de transparência foi aprovado por unanimidade no Senado, seguindo para a Câmara. Nesse mesmo ano, Waldir Pires, que à época era ministro da Controladoria-Geral da União, gostou tanto da ideia que decidiu implantá-la em todo o governo federal, antes mesmo de sua votação na Câmara dos Deputados.
No governo, a ideia de implantar o Portal Transparência sofreu forte reação. O então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, proferiu uma opinião que ficou célebre: "Transparência demais é burrice".
Waldir Pires teve que fazer concessões. A principal foi a de colocar os gastos depois de executados e pagos, no dia seguinte à liquidação. Um pequeno detalhe, mas que descaracterizou a proposta, pois não possibilita que prováveis compras superfaturadas sejam investigadas antes da execução dos serviços.
O projeto foi finalmente aprovado em 2009, transformando-se na lei complementar nº 131/2009.
Infelizmente, esse instrumento de combate à corrupção pública vem encontrando dificuldades para ser aplicado, devido à falta de fiscalização. Tirante o governo federal, alguns governos estaduais e municipais e outros poucos entes públicos, a maioria descumpre a lei.
A regulamentação da lei pelo Executivo descartou a imposição original de ser implantada em tempo real ou on-line por todos os entes da federação e, ainda, pecou por não impor aos entes federativos um padrão.
Em 27 de maio próximo, a Lei da Transparência entra em vigor de forma plena, findo o prazo para que os municípios com até 50 mil habitantes passem a divulgar na internet a sua execução orçamentária. No entanto, hoje o que se vê são portais de transparência díspares.
No pioneiro portal amapaense, o detalhamento da informação chega aos nomes dos servidores que empreenderam viagens a serviços do Estado (o que na maioria dos demais é negado) e é possível saber, ainda, quais médicos estão de plantão nas emergências do SUS ou quais delegados estão de plantão.
Por isso seria de bom alvitre que o Executivo fizesse um aperfeiçoamento na regulamentação da Lei 131, obrigando a divulgação em tempo real ou on-line, e criasse um padrão com as devidas adequações, que poderia ser disponibilizado pelo Executivo a custo zero para todos os entes federativos.
Essa padronização facilitaria a navegação de todos nos portais de transparência, hoje confusa graças à multiplicação de programas diferentes que limita o incentivo à fiscalização das contas públicas.
FABIANA SIVIERO
Tribuna, sim; palanque, não
Distinguir o discurso espontâneo do cidadão do discurso de encomenda deve ser um foco na modernização de nossas normas eleitorais
O Google divulgou ontem a sétima atualização de seu Relatório de Transparência, que objetiva mostrar o tamanho e o escopo dos pedidos governamentais por dados e censura na Internet. É um barômetro da liberdade de expressão na rede --e a pressão, infelizmente, está subindo.
Durante o segundo semestre de 2012, o Google recebeu 2.285 pedidos de entidades governamentais no mundo inteiro (incluindo o Poder Judiciário) para remover 24.179 peças de conteúdo, contra 1.811 pedidos para remoção de 18.070 peças no primeiro semestre do ano passado.
No Brasil, recebemos 697 ordens de remoção de conteúdo de nossas plataformas, uma média de 3,5 ordens por dia. Chama atenção o fato de que cerca de metade das ordens (316) se baseava na proibição constante em nosso Código Eleitoral sobre qualquer expressão que represente "ofensa à dignidade ou decoro" dos candidatos e foi expedida em caráter liminar, ou seja, sem análise e decisão definitiva.
A maior parte dos pedidos de remoção não teve o impacto pretendido pelo requerente, e o Google foi obrigado a remover conteúdos em resposta a 35 dos casos baseados no Código Eleitoral. Nos demais, o debate segue em andamento.
Se os usuários têm ou não o direito de se expressar e expor suas ideias durante o período eleitoral ou se seguiremos equiparando toda forma de expressão na Internet à "propaganda eleitoral negativa" é um debate da maior relevância.
A liberdade de expressão é um valor crítico para a missão do Google de "organizar as informações do mundo e torná-las universalmente acessíveis e úteis".
Na nossa visão, conteúdo postado por usuários nas diversas plataformas e redes sociais está protegido pelo Artigo 19 da Declaração Universal de Direitos Humanos, bem como pela Constituição Federal.
Esse direito de expressão, como já afirmou o Supremo Tribunal Federal, não pode ser limitado, especialmente em época eleitoral, quando o fluxo de informações deve ser ainda maior e mais livre, para que os eleitores possam se expressar e também acessar mais informações.
Informação é poder: conhecendo melhor os candidatos, os eleitores poderão votar de forma consciente.
A manifestação responsável de opinião é um aprendizado saudável das sociedades democráticas.
De forma particular na internet, que oferece hoje oportunidades sem precedentes para as pessoas se manifestarem por texto, áudio, foto ou vídeo, a opinião é muitas vezes acompanhada do contraponto.
Trata-se de espaço participativo e contempla o comentário ou a réplica, garantindo voz a todos os afetados. Pedidos de remoção de conteúdo exercem um efeito coercitivo e inibidor, silenciando os cidadãos.
Durante o período do debate eleitoral, é esperado que cada cidadão manifeste sua opinião e preferência. Os que defendem o controle do discurso político na internet atribuem a cada fala e a cada posição uma intenção orquestrada da oposição, como se todo e qualquer cidadão fosse um cabo eleitoral a serviço do adversário --e isso não é verdade na vasta maioria dos casos.
Distinguir o discurso espontâneo e sagrado de cada cidadão do discurso de encomenda deve ser um dos focos na modernização de nossas normas eleitorais.
A censura não ajuda na difícil missão de ampliar a participação política dos cidadãos nem no alcance do objetivo maior de ter no país um eleitorado mais informado e capaz de acessar e discernir entre uma ampla diversidade de pontos de vista.