quinta-feira, 27 de junho de 2013

Transtorno com atos só compensa se eles beneficiarem sociedade

Folha de são pauloanáliseGUSTAVO ROMANOESPECIAL PARA A FOLHANão há lei que proíba a manifestação de uma só pessoa, e tampouco de algumas poucas pessoas, apenas.
Do ponto de vista logístico, é até mais fácil para o poder público lidar com manifestações pequenas.
Mas, faltando bom senso, passam a causar transtornos para a mesma sociedade que garante a elas o direito de irem às ruas.
Os excessos viram delitos, que vão do simples arremesso em via pública coisa que possa sujar ou molestar alguém, até a lesão corporal e destruição de propriedade.
Felizmente, são exceções. Na maior parte dos casos não há delito, apenas transtorno.
Delito ou não, toda manifestação traz o dilema sobre sua simetria. Se um grupo incendeia propriedades para se fazer ouvir há uma assimetria entre o direito de demandar e o modo de solicitar.
Contudo, a equação não é tão clara porque suas variáveis são imprecisas. Se de um lado temos a relevância do que é demandado e o tamanho da parcela da sociedade que faz tal demanda, do outro temos o direito alheio.
Não podemos julgar as pequenas manifestações dos últimos dias apenas pelo número de pessoas presentes.
Como as últimas semanas mostraram, um movimento que nasce com poucas centenas de pessoas pode em poucos dias agregar milhões.
Temos de ponderar se esses pequenos grupos representam os anseios de uma parcela muito maior da sociedade brasileira.
Depois que milhões se unem a eles, não há dúvida de que representavam anseios de um grupo maior.
Mas se apenas alguns comparecem, é porque os manifestantes não representam mais ninguém ou é apenas porque outros ainda não estão cientes da causa?
Pode estar aí a necessidade de chamarem a atenção para sua bandeira.
E do ponto de vista do manifestante, o transtorno que causam é uma maneira eficiente de chamar a atenção a um custo muito baixo para si, já que quem sofre o transtorno é quem paga o custo.
É o que economistas chamam de externalidade: o manifestante se beneficia, mas quem paga a conta é o resto da sociedade.
Nosso transtorno é o subsídio pago para mantermos a democracia.
Mas subsídios só se justificam se beneficiam a sociedade como um todo.

    Aguardem: o pedágio urbano é inevitável - Gilberto Dimenstein

    folha de são paulo

    Aguardem: o pedágio urbano é inevitável

    Uma das boas consequências dos protestos pela melhoria dos transportes públicos foi o aumento de pressão contra os automóveis particulares - o que facilitou o anúncio da prefeitura de colocar mais corredores nas principais vias da cidade.
    Prepare-se. motorista: para quem tem carro a cidade já é um inverno, e só vai piorar.
    A população( e com boas razões) não quer mais impostos, afinal a carga é alta e se tem a sensação (correta) de que o dinheiro público é desperdiçado.
    Mas o fato é que para melhorar o transporte público é necessário ter menos carros nas ruas (quase todos concordam). E para investir nas melhorias o dinheiro tem de sair de algum lugar (e não pode ser do aumento indiscriminado dos impostos). Mais sensato cobrar de quem usa a rua.
    Mais cedo ou mais tarde, alguém vai ter a coragem, apoiado por segmentos expressivos da população, de propor o pedágio urbano, destinando 100% do que for arrecadado para a melhoria da mobilidade urbana. De quebra, serve como combate à poluição.
    É daquelas ideias que hoje provocam horror nos políticos.
    Mas, como vimos agora, o levante das ruas é capaz de mudar as ideias e apressar soluções.
    *
    Aliás, o aumento do imposto para quem consome gasolina (a Cide) já é um tipo de pedágio urbano camuflado.
    O preço exorbitante dos estacionamentos também é pedágio urbano, com a diferença que o dinheiro vai apenas para empresários.
    Gilberto Dimenstein
    Gilberto Dimenstein ganhou os principais prêmios destinados a jornalistas e escritores. Integra uma incubadora de projetos de Harvard (Advanced Leadership Initiative). Desenvolve o Catraca Livre, eleito o melhor blog de cidadania em língua portuguesa pela Deutsche Welle. É morador da Vila Madalena.

    Passe Livre foi criado por membros do PT há 13 anos, em Florianópolis

    folha de são paulo
    FABIANO MAISONNAVE
    DE SÃO PAULO

    País em protestoMarco zero das manifestações que tomaram o país, os recentes protestos do Movimento Passe Livre em São Paulo são fruto de uma experiência iniciada há 13 anos.
    Começou com trotskistas do PT que, desiludidos com a política partidária e influenciados pelos movimentos antiglobalização, passaram a agir de forma autônoma.
    O embrião, segundo militantes, surgiu em Florianópolis. Em 2000, esses petistas fizeram uma consulta nas escolas de ensino médio para definir uma "pauta de luta". A opção mais votada foi a do passe livre para estudantes.
    "Essa campanha foi sendo tocada de maneira bem modesta", conta o jornalista catarinense Daniel Guimarães, que, aos 29 anos, é um veterano --milita há uma década. Nos primeiros passos, a opção foi impulsionar um projeto de lei na Câmara de de Florianópolis, sem sucesso.
    A mudança na forma de atuação ocorreu em 2003, quando estudantes de ensino médio de Salvador bloquearam ruas da cidade durante vários dias contra o aumento da tarifa --episódio que ficou conhecido como a Revolta do Buzu.
    A experiência, divulgada principalmente pelo site Centro de Mídia Independente (CMI), rendeu duas lições.
    A primeira, explica o militante do MPL e estudante de história da USP Caio Martins, 19, foi que, por ter sido espontâneo, o protesto não tinha representantes, e a negociação caiu no colo de entidades estudantis como a UNE (União Nacional dos Estudantes), que não participaram diretamente dos protestos.
    Aparelhadas por partidos, assinaram um acordo que excluiu a revogação do aumento, principal reivindicação.
    Outra lição foi o método: "Salvador ensina que é possível uma luta mais radicalizada, para tensionar o poder público", afirma Guimarães.
    O exemplo foi colocado em prática nas ruas de Florianópolis em 2004, quando, pela primeira vez, aparece o nome como é conhecido hoje. Na época, o movimento já era apartidário, reunindo trotskistas, anarquistas e militantes sem ideologia definida.
    O roteiro, que seria repetido novamente em 2005, seguiu um roteiro semelhante ao de São Paulo: manifestações de estudantes no final da tarde com bloqueio de ruas e ataques a terminais.
    A repressão policial também exagerou, mas os protestos continuaram, ganharam adesões e obtiveram a revogação da medida.
    Guimarães afirma que os protestos no final da tarde são tanto para parar a cidade como para conseguir a simpatia de trabalhadores no final do expediente.
    Já a ausência de carro de som e discursos é uma característica de São Paulo e serve para "rechaçar a história de usar o protesto como massa de manobra", diz ele.
    O movimento hoje está em cinco cidades: Goiânia, Brasília e Joinville (SC), além de Salvador e São Paulo, onde tem 80 militantes --de classe média e de média-baixa e idade média de 23 anos, de acordo com Guimarães.
    "O MPL tem hoje uma visão madura, que entende apartidarismo como não antipartidário e dialoga bem com os partidos", diz Pablo Ortellado, do curso de gestão de políticas públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
    O sucesso recente criará "Lindberghs Farias"? "Duvido", diz Ortellado, que escreve sobre o MPL desde 2004. "Eles são ideologicamente contra a forma Estado."

    Tv Paga


    Estado de Minas: 27/06/2013 


    Eles discutem a relação


    O Telecine Pipoca agendou para as 15h o filme Um divã para dois (foto). Na comédia, depois de 30 anos de casamento, casal de meia-idade decide passar por intensa sessão de aconselhamento matrimonial para animar o relacionamento. Com Meryl Streep e Tommy Lee Jones no elenco, o longa-metragem americano tem direção de David Frankel.

    Uma conversa boa
    com Beto e Marcelo


    O Canal Brasil exibe às 21h30, no Zoombido, Beto e Marcelo, da banda de rock Cachorro Grande. Paulinho Moska, que apresenta o programa, conversa com eles sobre as influências musicais, o estilo de vida, as inspirações e músicas como Roda gigante e Você me faz continuar. Batizada de “Memórias artesanais,” a nova temporada foi sediada pela primeira vez em São Paulo. Para chegar mais próximo de artistas que estão por lá, Moska foi com a sua equipe e registrou conversas musicais.

    A luta para largar
    o vício em álcool


    No Intervenção, às 16h, no A&E, Robby conta como se tornou alcoólatra. Apesar do grande talento para a música, que lhe rendeu um Grammy, a fama, a pressão para se superar, uma mãe controladora e colegas de banda que o abandonaram quando mais precisou o fizeram se entregar ao álcool. A atração é ganhadora do Emmy, em 2009, na categoria série de realidade proeminente (outstanding reality series), e cinco vezes vencedora do prêmio Prism Award.

    Todo o mistério por
    trás da Arca de Noé


    A história do dilúvio é um simples mito, como acreditam os geólogos, ou foi realmente um fato histórico? Existem evidências físicas que possam apoiar a extraordinária aventura de Noé? Essas e outras dúvidas são respondidas no episódio da série do History Em busca do tesouro perdido. O episódio “Arca de Noé” vai ao ar às 16h45. Por décadas, pesquisadores se reuniram nas encostas do Monte Ararat, na Turquia, em busca de vestígios da Arca. No programa, alguns afirmam que serviços especiais de inteligência fotografaram “anormalidades misteriosas” e a neve perene que cobre o pico do monte.

    Viagem deliciosa
    pela Capadócia


    Olivier chega a Goreme, cidade de 2,5 mil habitantes na Capadócia, de onde surgiram os trogloditas, povo que fazia sua moradia escavando as montanhas rochosas. Acompanhado de um chef turco, ele prepara o tradicional kebab de cordeiro, mesé de pimenta e pimentão. A atração vai ao ar às 20h30, no GNT, e faz parte da viagem especial do cozinheiro por países distantes.

    A experiência de entrar
    na torcida do Barcelona

    E por falar em viagem, a apresentadora Didi Wagner leva o telespectador, às 18h30, no Multishow, por uma viagem a lugares conhecidos dos países ao redor do mundo. Hoje, ela vai às ramblas, que ficam cheias de torcedores do Barcelona, e assiste ao jogo. Também conhece o museu do Barça, o Camp Nou e o time feminino do clube. Depois, segue para o festival Deposito Legal.

    Marina Colasanti-Correndo da polícia em Paris‏


    Marina Colasanti

    marinacolasanti.s@gmail.com


    Estado de Minas: 27/06/2013 

    Posso incluir esta frase no meu passado revolucionário: eu corri da polícia às margens do Sena. Não era maio de 68, mas quase. Era junho de 70, e confrontos ainda aconteciam.

    Eu não morava em Paris. Jovem jornalista do Jornal do Brasil, havia acabado de cobrir as férias de Zózimo, atacando de colunista social, quando recebi um convite. Uma companhia de aviação, creio fosse Alitalia, faria um voo inagural da linha Palermo – Roma, e desejava a minha presença.

    O que pode uma coluna social! Até então, ninguém além dos amigos havia desejado a minha presença, e eis que só por ter atuado durante 30 dias como interposta pessoa já me tornava quase indispensável numa viagem internacional. Chovia na minha horta, ainda que emprestada.

    Comigo estava convidado também Daniel Más, o espanhol mais carioca da imprensa – que posteriormente iria escrever telenovelas –, ele sim, colunista titular, cáustico e respeitado.

    Baixamos em Paris, de onde, após um pernoite, voaríamos para Palermo. Avoados ambos, não havíamos reservado hotel. Nem havia quartos de hotel disponíveis naquele momento em que três grandes eventos aconteciam na cidade. Depois de horas sentados nas malas, no escritório central de turismo, nos conseguiram quarto em Clichy, então bairro distante e muito decadente. Não era exatamente um hotel, como verificamos ao chegar, e sim um motel. Mas apesar de movimentado era limpíssimo, e estávamos em Paris.

    Em Paris estava também meu amigo-irmão Yllen Kerr, igualmente jornalista. Havia ido oficialmente tentar a carreira de fotógrafo, e extraoficialmente curar um grave mal de amor. Fomos a seu encontro no mínimo hotel em que se hospedava, ao lado da Sorbonne. Lembro-me de que vestia um túnica Saint-Laurent – o primeiro Saint-Laurent a gente nunca esquece – tipo caçador na África, amarrada sobre o peito com cordões cruzados. Pensei fosse sinal de bem-estar, era apenas uma forma de compensar a solidão e o estranhamento.

    Despachado Daniel – que queria mesmo ver-se livre de nós dois –, fomos jantar em uma brasserie. Mas as dores de amor se expandem quando nomeadas, e não bastaram bife e batatas para acolhê-las. Nem adiantou a sobremesa. Ele continuava falando do seu sofrer e, paga a conta, saímos andando. Andamos longamente, até que, cansada, me encostei na amurada do Sena, preparando-me para ouvir e aconselhar o amigo noite adentro.

    Não foi necessário. Ia ele me repetindo uma vez mais tudo o que eu já sabia, quando sirenes se ouviram ao longe, logo mais próximas, seguidas de ruídos urbanos que também se aproximavam. Abandonando os campos do amor, olhamos na direção dos sons, e vimos gente correndo desabalada pelas calçadas do outro lado e da margem, cruzando a rua, em fuga. Quando gente corre fugindo de sirene, não há o que perguntar, há que correr. E assim fizemos, indo à frente como se líderes, apenas graças à nossa localização topográfica. Até escapar por uma rua lateral.

    O resto da viagem foi engraçado, o voo Palermo – Roma mais parecendo ônibus interestadual da roça, cheio de embrulhos e crianças e, se bem me lembro, levando até uma caixa com um animalzinho qualquer. Mas no meu currículo ficou inscrita para sempre a experiência enobrecedora: à frente dos estudantes, eu corri da polícia às margens do Sena. 

    Tereza Cruvinel - Plebiscito e referendo‏

    Falar em chavismo é despautério. Nas democracias mais respeitáveis exercita-se com frequência a democracia direta, por sinal, prevista em nossa Constituição 


    Estado de Minas: 27/06/2013 

    Empurrado pelos protestos, o Congresso ralou esta semana votando pontos de uma agenda positiva para baixar a temperatura externa, que ontem voltou a subir. O senador Luiz Henrique (PMDB-SC) recordou o velho refrão de Ulysses Guimarães: “Ou mudamos ou seremos mudados”. Votando a todo o vapor, deputados e senadores pouco debateram sobre os caminhos para a reforma política, a mãe de todas as mudanças na democracia brasileira. A proposta de plebiscito, em que se fixou a presidente Dilma, descartando a constituinte exclusiva, é de complexa execução, o que suscitou ontem algumas defesas da opção pelo referendo. Mas há também o plebiscito com referendo, por que não?

    Toda forma de consulta tem seus problemas, mas elas representam a radicalização da democracia, que está no intertexto dos protestos, quando pedem mais participação e controle sobre a política. Falar em chavismo é um despautério, até porque não foi o governo que colocou o povo nas ruas e o pautou. Pelo contrário, todos os governos, em todas as esferas, estão no alvo, embora sobre mais para quem está no topo: a presidente. Nas democracias mais respeitáveis exercita-se com frequência a democracia direta, por sinal, prevista em nossa Constituição.

    Risco “Frankenstein”

    Vamos aos problemas do plebiscito. Uma consulta popular em que o eleitor apontará preferências, dizendo não ou sim, dificilmente produziria um sistema político-eleitoral racional, ou seja, um conjunto de normas que guardem coerência entre si. O resultado pode até produzir, no limite, um sistema “Frankenstein”, que tivesse, por exemplo, voto em lista com financiamento privado. Conforme explicações dos dois ministros mais envolvidos com o tema, – José Eduardo Cardoso, da Justiça, e Aloizio Mercadante, da Educação –, a presidente apresentará ao Congresso uma sugestão de temas que comporiam a consulta. O Congresso não deve apenas transpor a proposta dela para um decreto legislativo convocatório, prerrogativa exclusivamente dele. Fará emendas, certamente.

    O problema é: quantas e quais perguntas serão feitas ao eleitor? O sistema tem muitos aspectos que funcionam mal e são criticados pelos resultados nefastos que produzem. Tomemos, para exemplificar, o conjunto de sete propostas apresentadas à comissão de reforma política da Câmara pelo deputado José Antônio Reguffe (PDT-DF). Ali aportou a proposta do Senado, que teve o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) como relator. Em busca de consenso, o relator na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), acabou reduzindo a proposta ao financiamento público de campanhas e ao sistema eleitoral belga (misto de voto proporcional com voto em lista).

    No plenário, entretanto, há dois meses, não houve acordo nem para começar a votação. Pois bem. Reguffe sugeriu, sem sucesso, mudanças mais abrangentes: adoção do voto facultativo, a possibilidade de candidaturas avulsas, o fim da reeleição para cargos executivos, limite de uma só reeleição para parlamentares, voto distrital puro, revogabilidade dos mandatos (recall), financiamento exclusivamente público de campanhas e proibição, a ocupantes de cargos eletivos, de ocupar cargos no Executivo. E ainda falta, nessa lista, incluir a proibição de que parentes sejam suplentes de senadores.

    Dificilmente, a cédula do plebiscito poderá conter todos esses pontos, embora eles apareçam, juntos ou em parte, em quase todas as propostas de reforma política. Algumas escolhas não são simples. A opção entre voto proporcional ou distrital exigirá definição mais precisa sobre que tipo de distrital. Misto ou puro? Quantos serão os distritos? Como seriam fixados? Isso significa que o artigo da Constituição que tratar dessa matéria será modificado por uma emenda derivada do resultado do plebiscito, e alguns parágrafos e incisos complementares, que terão de ser elaborados, redigidos e votados pelo próprio Congresso. A mesma exigência se aplica a outros temas. Como o diabo mora nos detalhes, nesses complementos o resultado poderá não ser bem o que o eleitor desejou.

    Vantagens do referendo

    Por isso, alguns senadores argumentavam ontem que, descartada a constituinte específica, será mais eficaz a votação da reforma pelo próprio Congresso e sua submissão posterior a um referendo. “O plebiscito não produzirá resultados coerentes numa questão que envolve aspectos técnicos. Agora que está ouvindo as ruas, o Congresso votará rapidamente uma proposta de reforma. Uma pesquisa de opinião poderá nos indicar as preferências gerais do eleitorado. No referendo, os artigos poderão ser apreciados separadamente, de modo que só entrará em vigor o que for referendado”, diz a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), uma entre outras vozes pró-referendo.

    JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE » Remédios por força da lei-Julia Chaib‏

    JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE » Remédios por força da lei
    Gastos com a compra de medicamentos determinados pela Justiça chegaram a R$ 355 milhões no ano passado. Mais de 70% desse valor se refere à aquisição de 10 drogas para doenças raras
     



    Julia Chaib

    Estado de Minas: 17/06/2013 


    Brasília – Presidente de uma associação que reúne portadores de uma doença rara chamada mucopolissacaridose, Regina Próspero ajuda os pacientes a garantir acesso ao tratamento, baseado em remédios de alto custo que não estão incluídos na lista do Sistema Único de Saúde (SUS). A solução, nesses casos, é a Justiça. “Temos aproximadamente 400 processos em curso”, informa Regina. As ações judiciais são movidas contra municípios, estados e a União. Contra esta última, representada pelo Ministério da Saúde, os gastos determinados judicialmente para fornecimento de medicamentos, equipamentos e insumos – além de depósitos judiciais e repasses a estados e municípios – atingiram recorde no ano passado: R$ 355 milhões. Segundo a pasta, 71% desse total, equivalentes a R$ 255 milhões, foi destinado à aquisição de 10 drogas usadas no tratamento de doenças raras, que atingem, no máximo, uma pessoa em cada grupo de 2 mil habitantes. Foram beneficiadas 661 pessoas, entre elas os doentes com mucopolissacaridose.

    O diretor jurídico do Instituto Oncoguia, Tiago Farina Matos, associa a crescente judicialização da saúde ao acesso mais amplo da população à Justiça. “Temos a defensoria pública criada e estruturada em quase todos os estados. Aliado a isso, as pessoas estão mais conscientes de seus direitos. Quando não podem arcar com o custo de um advogado, vão à defensoria ou recorrem a associações, por exemplo.”

    Entretanto, o presidente da Associação Nacional de Defensores Públicos Federais (Anadef), Gabriel Faria, explica que a vitória de pacientes em causas relacionadas à saúde está caindo, principalmente quando envolvem produtos e serviços que já estão incluídos no SUS. O Ministério da Saúde criou uma plataforma no site da pasta que disponibiliza diversas informações sobre remédios e equipamentos aos juízes. A intenção é dar o máximo de informações possível para que o julgamento da causa seja consciente. Muitas das ações derrotadas na Justiça se referem a medicamentos com similares disponíveis no SUS. “A questão é que o sistema de saúde tem obrigação legal de dar cobertura a toda a população, só que, nesse ponto, deve-se trabalhar para evitar a judicialização”, diz.

    De acordo com Farina, a maioria das ações judiciais não diz respeito a drogas caríssimas. “90% são remédios pequenos.” Segundo ele, uma forma de evitar a judicialização é com acordos extrajudiciais. “Quando compra sob ordem de um juiz, (o gestor público) tem de adquirir o produto sem licitação, com um custo alto. Mas o ministério não faz conciliação judicial nem extrajudicial em saúde”, critica. Uma das possibilidades seria a pasta montar comitês estaduais, com equipes técnicas para subsidiar tais acordos.

    Inclusão  Mesmo com o aumento da quantidade de medicamentos incluídos na lista do SUS – de 550 itens em 2010 para 810 em 2012 –, muitos remédios esbarram nos critérios da pasta para oferecê-los gratuitamente. Para entrar na relação do SUS, os produtos passam por uma avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), instituída em 2011, que analisa pontos como segurança para o paciente, entre outros. “O caso de certas doenças, principalmente as raras, cujo número de portadores é pequeno, incorre na não demonstração de custo-efetividade, o que faz com que esses tratamentos fiquem barrados na burocracia do sistema”, conta Regina Próspero. A melhor solução passa a ser, então, o recurso ao sistema judicial.

    O consultor jurídico do Ministério da Saúde Jean Keiji Uema reconhece que os custos com essa conta são altos, mas diz que, se comparados ao valor gasto para incluir remédios na lista do SUS – que foi de R$ 9,3 bilhões em 2012 –, são bem menores. “Há muitos medicamentos que não têm nem pedido de inclusão no SUS e há alguns que, se analisados, não devem ser incorporados. O importante é garantirmos o acesso à saúde. Por isso, muitas ações judiciais são inevitáveis”, admite.

    Apostando na confusão - Helio Schwartsman

    folha de são paulo
    Não aguento mais escrever sobre os protestos, então volto-me contra o Congresso Nacional. Dedico a coluna de hoje a deslindar um daqueles casos em que parlamentares criam uma enorme confusão para todos com o propósito único de ganhar alguns pontinhos em seu nicho de eleitores. Atitudes como essa respondem pelo menos em parte pela crise de descrédito em que caiu o Legislativo.
    Já escrevi sobre o Estatuto do Nascituro (projeto de lei 478/07) num artigo publicado há pouco na edição impressa da Folha, mas a coleção de sandices presentes na proposta legislativa é tamanha que acho que o tema merece ser tratado de forma mais detalhada.
    Como os leitores que costumam frequentar esta coluna já devem saber, acho que o aborto é um direito da mulher. Ninguém deve ser obrigado a servir de hospedeiro para um outro ser se não quiser. Mas mesmo quem não pensa como eu e considera adequada a atual legislação brasileira, que permite a interrupção da gravidez apenas em caso de estupro e perigo de vida para a mãe, deve ficar com um pé atrás em relação ao estatuto.
    Bem ao estilo dos criacionistas, ele joga com os espaços vazios. Como a meta dos proponentes da matéria é ficar bem com os grupos religiosos sem indispor-se muito com quem não o é, eles perseguem uma espécie de ambiguidade castradora. Em princípio, o estatuto não introduz nenhuma modificação substancial no Código Penal nem em outros diplomas legais que regulam a matéria, como o Código Civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Processo Civil, mas cerca o embrião de tanta retórica de inspiração religiosa e parafraseia as leis de forma tão imprecisa que o resultado inevitável, se a norma vier a vigorar, será um pouco de caos nas interpretações e na jurisprudência.
    Resolvida essa preliminar metodológica, passemos ao texto proposto que, de tão desastrado e inepto, muitas vezes resvala no humor involuntário. Os primeiros problemas graves aparecem logo no artigo 2º, que define o nascituro como "ser humano concebido, mas ainda não nascido", incluindo os zigotos "concebidos ´in vitro´, os produzidos através de clonagem ou por outro meio científica e eticamente aceito".
    Sem querer, os autores oferecem a cientistas inescrupulosos um meio perfeito de desobrigar-se de cumprir a lei. Como limitaram a abrangência do termo a embriões produzidos por meios éticos, basta cometer uma infração menor no processo (como deixar de obter o consentimento esclarecido das doadoras de óvulos) para escapar das mais severas sanções penais previstas. É a liquidação dos delitos. Cometa dois e não vá para a cadeia.
    Bem mais preocupantes são as implicações da definição proposta. Igualar embriões, inclusive os que nem chegam a ser implantados no útero, a bebês causa uma série de distorções e contrassensos lógicos que precisam ser repelidos pelo Direito, sob pena de desorganizar bastante a sociedade.
    Essa noção de nascituro, combinada com o art. 8º, que determina que o SUS deve dedicar aos embriões ainda não nascidos a mesma prioridade dada a crianças, torna uma geladeira com 200 mórulas inviáveis 200 vezes mais importante do que um bebê agonizante. O administrador hospitalar zeloso que tivesse um único gerador de emergência disponível teria de dar preferência ao freezer da reprodução assistida e não aos respiradores da UTI infantil, como recomenda o bom senso.
    O festival de piadas prontas não acaba aqui. Os arts. 3º, 4º e 5º desfilam uma série de direitos de nascituros que desafiam a imaginação. São coisas como direito à honra, dignidade, respeito, liberdade e convívio familiar e a proibição de que sejam explorados e oprimidos. Mas o que pretende o legislador com isso, já que a maioria dos itens elencados exige algum nível de consciência para fazer sentido? O que é a liberdade do feto? A única coisa de que ele poderia efetivamente ser liberto é o útero, mas, a menos que essa libertação ocorra bem no final da gravidez, essa é uma péssima ideia.
    O texto tem recebido críticas por criar a chamada bolsa-estuprador, que é o benefício que seria dado a mulheres que, mesmo tendo sido submetidas a violência sexual, optassem por seguir em frente com a gravidez. Paradoxalmente, considero essa a única medida sensata do estatuto. Se o governo já concede auxílio para quem põe filhos na escola, para quem é viciado em drogas, para quem não tem outra fonte de recursos, não vejo nenhum motivo para privar vítimas de estupro de algo parecido.
    Bem mais grave, me parece, é a criação da figura jurídica do aborto culposo. O diploma prevê pena de um a três anos de detenção para quem causar culposamente (sem intenção, mas por negligência, imprudência ou imperícia) a morte de nascituro. Aqui o legislador parece ignorar que a gravidez é um processo bastante instável. De acordo com Randolph Nesse e George Williams em "Why We Get Sick" (por que ficamos doentes), 87% dos óvulos fertilizados jamais chegam a implantar-se no útero ou são abortados no início da gravidez. Coisas relativamente banais como uma descarga de adrenalina podem precipitar a rejeição. Não é difícil imaginar uma situação na qual uma colisão besta de veículos leve a mulher a perder o embrião. O sujeito que bateu o carro, em vez de apenas acionar seu seguro, teria de responder por aborto culposo, um crime de ação pública incondicionada, isto é, que o promotor precisa necessariamente levar em frente.
    Na mesma linha, são temerárias as disposições do estatuto sobre o direito de herança para o nascituro. É verdade que o Código Civil prevê essa possibilidade em seu art. 1.798, mas a limita aos casos em que o concepto já existe quando da abertura da sucessão (morte do "de cujus"). Como o art. 17 do estatuto é bem mais vago e se limita a afirmar que o nascituro tem legitimidade para suceder, ficam abertas as portas para o desconhecido. Não é impossível que todas as mulheres que um dia tiveram um óvulo fertilizado, mas cuja gravidez não prosperou se considerem sucessoras do embrião que nunca nasceu e, assim, se legitimem como herdeiras de seus namorados. Aqui, o chamado golpe da barriga ganharia um novo significado e nem precisaria de uma barriga.
    O Estatuto do Nascituro é uma peça jurídica que, com o perdão do mau trocadilho, jamais deveria vir à luz. Numa interpretação benigna, ele é inútil; numa mais realista, trata-se de apostar na confusão para restringir ainda mais o já limitado direito ao aborto das brasileiras. É claro que cada um é livre para fantasiar com os seres superiores que quiser e interpretar livremente suas intenções. Mas, se for para introduzir um pouco de lógica e ciência no debate, é forçoso concluir que, se de fato existe uma divindade que concebeu e desenhou o mundo e ela é minimamente coerente, este ser não tem nada contra o aborto, já que estabeleceu uma taxa natural de dispensa de embriões humanos de mais de 80%.
    PS - Saio em férias pelas próximas semanas, dando um pouco de paz ao leitor. A coluna da versão impressa ainda continua até domingo.
    Hélio Schwartsman
    Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.

    Vinicius Torres Freire

    folha de são paulo
    Consequências econômicas da rua
    Grandes empresas dizem que protestos e controle de tarifas podem reduzir interesse por concessões
    O MUNDO COBRA mais caro para emprestar dinheiro ao Brasil neste junho de 2013, dadas as bobagens econômicas que fizemos e uma reviravolta na finança mundial. A grande finança saca investimentos daqui. Especula contra o real (que se desvaloriza).
    Seja chantagem ou não, a finança e empresas começam a dizer também que os protestos de rua tendem a derrubar o interesse pelas privatizações de serviços e obras públicas marcadas para este ano (concessões de estradas, ferrovias, portos etc.). Empreiteiras e outras empresas interessadas nos negócios já levaram esta conversa com integrantes do governo Dilma Rousseff.
    Qual é a conversa? O protesto na rua intimidou governantes, que revogam ou evitam aumentos de tarifas de serviços públicos. Empresas concessionárias de serviços públicos vivem de tarifas, claro. Se há risco de repressão dos reajustes de tarifas, há risco de a rentabilidade do negócio ir para o vinagre.
    Note-se de passagem que, até agora, os governos (contribuintes) estão bancando reajustes que não foram feitos. A conta ainda não caiu no caixa de nenhuma empresa.
    Voltando ao assunto: em tese, o argumento do aumento da incerteza das empresas é óbvio e racional. Mas também pode ser um jeito de as empresas fazerem pressão sobre o governo, de modo a aumentar a taxa de retorno do negócio (com o que os preços dos serviços podem ficar mais altos).
    De qualquer modo, a pressão pode funcionar. O governo federal está acuado em várias frentes.
    O país cresce pouco, a receita do governo também, há risco de o governo não cumprir metas fiscais (de poupança, de gastos) e, assim, desmoralizar ainda mais sua política econômica.
    Concessões bem-sucedidas poderiam ser um alívio: entraria dinheiro no caixa, o clima econômico melhoraria, viria algum investimento novo. O risco de também essa válvula de escape entupir assusta bastante um governo já meio sufocado.
    Quanto tempo vai durar a "repressão tarifária"? Tarifas devem ficar em banho-maria enquanto os protestos transbordarem nas ruas e sua memória ainda estiver fresca. Mas, logo a seguir, em cerca de um ano, começa a campanha eleitoral. Logo, parece difícil que a "janela de oportunidade" dos aumentos se abra tão cedo.
    Repressão tarifária tende a provocar rombos nos orçamentos dos governos ou corte de investimentos, pelo menos no curto prazo. Logo, também é um fator de deterioração econômica.
    A reação demagógica e incompetente de governantes e parlamentares aos protestos também pode ser outro fator de degradação das contas públicas e, por tabela, da economia, não apenas no curto prazo.
    Quase todo mundo comemora a ideia de usar 100% dos royalties do petróleo em gastos da educação.
    Surgiu até a ideia brilhante de pagar o passe livre de estudantes com o dinheiro que um dia virá do petróleo, que mui propriamente brotou da cabeça privilegiada de Renan Calheiros, paladino do povo.
    Carimbar verbas para isso ou aquilo, de resto sem mesmo antes verificar a eficiência do gasto presente ou se existem outras prioridades, é receita de desperdício (o que é também uma forma de favorecer corrupções e desvios de verba).
    vinit@uol.com.br

      Marcelo Miterhof

      folha de são paulo
      As manifestações e a economia
      O problema é que o Brasil não é rico o bastante para que seja possível prover os serviços públicos desejados
      As manifestações que tomaram conta do país partiram de uma reivindicação concreta, a revogação de reajustes nas tarifas de ônibus, para ecoar insatisfações amplas.
      Ainda assim, elas podem ser resumidas na exigência de um Estado de bem-estar social mais bem acabado, com educação e saúde de qualidade etc.
      Havia também reclamações contra a carga tributária, a inflação e a corrupção. Ao que parece, há um entendimento de que o combate à corrupção liberaria recursos para atender a todas as demandas e ainda reduzir os impostos e a inflação.
      A corrupção é perniciosa e piora o atendimento à população. Ela precisa ser cotidianamente combatida. No entanto, não tem o poder de resolver todas as mazelas do país.
      Um discurso anticorrupção muito geral é regressivo e paralisante, pois estabelece prejulgamentos e falsas dicotomias, dificultando o enfrentamento dos problemas. Tentei tratar disso na coluna "Corrupção?", de 01/11/2012.
      Mas o tema de hoje é outro. Mesmo difusas, as reivindicações mostram que os avanços dos últimos anos estão longe de ser suficientes.
      É verdade que tais avanços não se limitaram ao crescimento econômico e ao consumo massivo. Por exemplo, de 2001 a 2011, cresceram os gastos em relação ao PIB com educação (de 4,8% para 6,1%) e saúde (de 3,2% para 3,8%), o que se reflete na melhora de vários indicadores, como o aumento do percentual de adultos com o ensino médio completo e a queda da mortalidade infantil.
      O problema é que o Brasil não é rico o bastante para que seja possível prover os serviços públicos desejados. É preciso retomar o crescimento para dobrar a renda per capita em 15 anos ou 20 anos, atingindo o piso dos países avançados.
      Isso não quer dizer que os desejos vindos das ruas são insensatos. Pelo contrário, a ampliação do Estado de bem-estar social, além da melhoria direta dos serviços públicos, gera uma demanda autônoma por parte do Estado, que induz crescimento pelo efeito multiplicador da renda.
      Essa elevação do gasto público também reduz as despesas familiares com os serviços essenciais, elevando os salários reais e distribuindo a renda. Por exemplo, a redução das tarifas do transporte público alivia o orçamento dos mais pobres.
      Esse processo é poderoso porque eleva a propensão ao consumo. Afinal, seria estranho que alguém que ganha pouco --e não tem acesso integral ao padrão básico de consumo moderno-- poupe parte dos aumentos reais que obtém.
      Há um círculo virtuoso: acelerar a melhora do Estado de bem-estar social favorece o crescimento, que, por sua vez, cria as condições para que os serviços públicos possam seguir melhorando.
      Porém essa estratégia mexe com o equilíbrio de políticas estabelecido pelo atual governo na economia.
      A sua grande aposta foi acelerar a redução dos juros rumo ao padrão global. Tal iniciativa é crucial para a normalização das condições de crédito no Brasil. Mas o impacto imediato no crescimento é limitado: o investimento é condicionado principalmente pelas perspectivas da demanda, e não pelo custo do dinheiro.
      No campo fiscal, a ação do governo envolveu desonerações tributárias para favorecer a produção nacional em relação à externa.
      Essas desonerações atenderam a antigas reivindicações empresariais pela redução do custo de produzir no Brasil. Houve ainda o ganho associado à desvalorização cambial, que torna os preços das mercadorias brasileiras menores em dólar.
      Ainda assim, o crescimento não foi retomado. As margens de lucro puderam se recompor, mas isso não gera demanda, que é o vetor do investimento privado.
      A questão em jogo é que o fortalecimento do Estado de bem-estar social disputa recursos fiscais com essa "agenda da competitividade", cujo montante previsto de desonerações para 2013 é de R$ 70 bilhões.
      A demanda por mais serviços públicos também pressiona a geração de superavit primários, cuja meta para este ano supera R$ 100 bilhões. Com uma dívida pública líquida de apenas 35% do PIB, o fim do superavit primário não é um problema. Entretanto, superá-lo exige romper com a sabedoria econômica ortodoxa, que continua sugerindo mais austeridade.
      Esses são dois conflitos políticos que precisarão ser enfrentados para atender ao chamado das ruas.
      marcelo.miterhof@gmail.com

        'Vacina às avessas' é testada para diabetes

        folha de são paulo
        Objetivo do método é desligar resposta autoimune que faz o próprio corpo atacar células produtoras de insulina
        Voluntários que receberam o tratamento durante 12 semanas tiveram melhora, mas só temporária
        REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAEm busca de uma nova arma contra o diabetes tipo 1, forma da doença que costuma afetar crianças e adolescentes, cientistas da Holanda e dos EUA desenvolveram uma espécie de vacina às avessas, projetada para amansar o sistema de defesa do organismo.
        A estratégia faz sentido porque essa forma de diabetes surge quando o corpo do próprio paciente se volta contra ele, destruindo as células do pâncreas que produzem o hormônio insulina.
        Com cada vez menos insulina em seu organismo, o doente se torna incapaz de controlar os níveis de açúcar no sangue, o que pode levá-lo à morte se ele não repuser o hormônio com frequência.
        A nova abordagem conseguiu impedir que o pâncreas dos pacientes sofresse mais danos e, em alguns casos, parece ter feito com que o organismo deles aumentasse sua produção natural de insulina. Além disso, as células de defesa que estavam atacando as "fábricas" do hormônio passaram a sumir.
        Esses efeitos positivos acabaram passando três meses depois das 12 semanas de tratamento experimental, mas os autores da pesquisa pretendem verificar se é possível obter efeitos mais duradouros com um tempo maior de terapia.
        DNA
        O estudo, coordenado por Bart Roep, da Universidade de Leiden, na Holanda, está na edição desta semana da revista especializada "Science Translational Medicine".
        Em essência, o que os pesquisadores criaram é uma vacina de DNA "ao contrário".
        Grosso modo, vacinas funcionam apresentando ao sistema imunológico (de defesa) um exemplo do inimigo que ele precisa enfrentar (como bactérias enfraquecidas ou fragmentos de um vírus).
        Com base nessa pista, o sistema de defesa se prepara, fabricando anticorpos ou células para atacar tal adversário.
        No diabetes tipo 1, esse sistema falha, e um dos erros é que certas células de defesa, os linfócitos T CD8, põem-se a destruir as células produtoras de insulina do pâncreas. A intenção dos pesquisadores era aumentar a tolerância do sistema imune dos doentes à insulina e evitar esse ataque suicida.
        "Imagine um pit bull ou outro cão bravo. Se ele for criado comigo desde pequeno, perco o medo", compara o médico Carlos Eduardo Couri, especialista em diabetes da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.
        Para conseguir isso, Roep e companhia injetaram, num grupo de 80 pacientes, um fragmento sintético de DNA, no qual havia o gene que contém a receita para a produção da proinsulina (matéria-prima da insulina).
        Eles alteraram ligeiramente as "letras" químicas dessa receita, no entanto, de modo que o sistema imune encarasse de forma mais calma a molécula. Deu certo, ao menos temporarivamente.
        Couri lembra que a técnica apresenta limitações.
        "Os pacientes em geral são diagnosticados quando o pâncreas já perdeu entre 70% e 80% da capacidade."
        O pesquisador da USP aponta também que em nenhum momento os pacientes do estudo internacional puderam dispensar o uso da insulina. "Tudo isso leva a gente a crer que é preciso ser muito mais agressivo para conseguir um avanço real."
          Técnica avaliada no Brasil usa células-tronco
          COLABORAÇÃO PARA A FOLHACarlos Eduardo Couri, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, integra um grupo de pesquisa que já obteve resultados importantes com quimioterápicos que "desligam" totalmente o sistema imune dos pacientes com diabetes.
          Depois do tratamento com remédios, os doentes recebem células-tronco de sua própria medula óssea, com o intuito de "reiniciar" seu sistema de defesa.
          De 25 pacientes, 18 chegaram a ficar alguns anos livres das doses de insulina, embora a maioria tenha precisado voltar à medicação. "Estamos planejando publicar novos dados sobre essa estratégia em breve", conta.
          Apesar de ver limitações na técnica que usa a vacina às avessas contra o diabetes, Couri diz que o bom grau de segurança mostrado no novo estudo sugere que a estratégia pode ter efeito preventivo.
          Esse efeito seria obtido se a vacina fosse aplicada em parentes próximos de diabéticos que já possuem, em seu organismo, anticorpos contra componentes do pâncreas. Assim, essas pessoas evitariam desenvolver a doença.
            FOCO
            Cientistas apresentam genoma completo de cavalo de 700 mil anos
            COLABORAÇÃO PARA A FOLHANa corrida em busca do genoma mais antigo da Terra, o novo campeão é um garanhão do Canadá.
            O cavalo morreu há uns 700 mil anos, mas um de seus ossos, preservados no solo congelado do Ártico, forneceu a pesquisadores da Dinamarca material genético suficiente para que todo o DNA do bicho fosse sequenciado.
            O genoma completo mais antigo de um ser vivo era o de um denisovano (humano primitivo da Sibéria, aparentado aos neandertais), morto há "apenas" 80 mil anos.
            Por isso, decodificar o DNA do equino canadense, que pertencia à mesma espécie que os cavalos domésticos de hoje, sugere que pode ser possível ampliar o limite temporal dos estudos genéticos de criaturas extintas.
            "No Ártico, não vejo por que não poderíamos chegar a um limite de 1 milhão de anos ou mais", diz Ludovic Orlando, pesquisador da Universidade de Copenhague que coordenou o estudo, publicado na revista "Nature".
            A capacidade de ler genomas tão antigos se deve aos avanços da tecnologia. Hoje os aparelhos estão mais sensíveis a pequenos fragmentos de DNA.
            Além disso, a pesquisa traz dados interessantes sobre a evolução dos próprios cavalos. Comparando o genoma de 700 mil anos com o de um animal de 40 mil anos e com o de equinos modernos, os cientistas estimam que o ancestral comum de todos esses bichos viveu há cerca de 4 milhões de anos, o dobro do tempo que se imaginava para essa origem.
            A pesquisa também confirmou que a última estirpe de cavalos naturalmente selvagens do mundo, os cavalos-de-przewalski, são mesmo 100% selvagens. E sugere que o clima foi determinante nas expansões e contrações da população dos cavalos ao longo das últimas centenas de milhares de anos.

              Casais gays obtêm vitória histórica no Supremo dos EUA

              folha de são paulo
              Corte decide que casamento entre pessoas do mesmo sexo tem direito a benefícios iguais aos heterossexuais
              Tribunal derrubou ainda plebiscito que revogava a união gay na Califórnia --agora, o 13º Estado a permitir esse matrimônio
              RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTONA Suprema Corte dos EUA decidiu ontem que o casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados americanos que aprovaram o casamento gay têm igualdade de direitos em nível federal.
              Em outra decisão, o Supremo derrubou o plebiscito que havia revogado o casamento gay na Califórnia, o que o torna o 13º Estado a reconhecer essa união, além do Distrito de Colúmbia, onde fica a capital, Washington.
              Um terço da população do país já vive em Estados que aprovam a igualdade.
              De declaração conjunta de Imposto de Renda à Previdência, todas as leis federais reconhecerão esses casais com os mesmos direitos dados aos heterossexuais.
              Uma das maiores mudanças afeta vistos de estrangeiros casados com americanos. Só americanos heterossexuais podiam pedir visto permanente aos cônjuges estrangeiros. Cerca de 30 mil casais binacionais gays podem agora requerer o mesmo.
              HEROÍNA DA CAUSA
              A ação contra o governo foi iniciada por Edith Windsor, 84, que teve relacionamento de 44 anos com Thea Spyer. Elas se casaram no Canadá em 2007, onde o casamento gay havia sido aprovado, mas moravam em Nova York.
              Quando Thea morreu, Edith teve que pagar US$ 363 mil em impostos para ficar com a herança. Se fosse um casal heterossexual, ela não teria pagado nada.
              Foi assim que ela decidiu tentar derrubar a Lei de Defesa do Casamento, assinada por Bill Clinton, em 1996, aprovada por democratas e republicanos. Neste ano, o próprio Clinton disse que a lei era "um erro". Edith vai pedir o dinheiro de volta.
              O presidente Barack Obama, em voo para a África, ligou para Edith. Ele a felicitou por "uma luta que dignifica o país" e tuitou "Love is love" [Amor é amor].
              A Corte não usou a decisão de ontem para aprovar o casamento gay em todo o país --o que foi criticado em editorial pelo "New York Times". Em 33 Estados os casamentos civis homossexuais permanecem vetados por lei.
              O advogado David Boies, autor da ação que derrubou a revogação dos casamentos gays na Califórnia em 2008, afirmou à rede CNN que a decisão do Supremo "cria jurisprudência para desafiar leis discriminatórias no país inteiro". "Não tem volta."
              Alguns casais de Estados do sul até se casam nos Estados mais liberais do norte, mas não têm seus casamentos reconhecidos onde moram. Agora a lei federal reconhecerá também esses casais.
                Plateia na Corte deu as mãos e chorou no anúncio da decisão
                DE WASHINGTONA fila para garantir um lugar na sessão histórica no Supremo americano começou por volta das 19h de anteontem. Cem pessoas puderam entrar na Corte. Os 50 primeiros com senha ingressaram às 7h de ontem e tiveram café à espera.
                "Todos ficamos de mãos dadas e começamos a chorar quando o resultado saiu", disse à Folha Lane Hudson, ativista há 15 anos, que chegou à 1h da manhã na fila e assistiu ao julgamento.
                A Corte foi cercada por aproximadamente mil ativistas e curiosos, que começaram a pular e a gritar com o anúncio das decisões, por volta das 10h de ontem.
                Com muito sol e temperaturas que variavam de 33ºC a 36ºC, gays e simpatizantes se valeram de sombrinhas e chapéus. Alguns suavam em bicas por causa do traje de "noivos" que levaram --vários usavam paletós e gravatas-borboleta com bermudas em tons pastel.
                Dezenas de redes de TV pediam aos casais presentes que repetissem beijos estalados para as imagens da celebração. Ao contrário de anos anteriores, não havia manifestações contra o casamento gay na entrada da Corte.
                Nas escadarias, o Coral dos Homens Gays de Washington cantou "Make them hear you" [Faça-os Escutarem Você], do musical "Ragtime".
                "Quando Obama foi eleito, os negros se sentiram mais fortes. Hoje foi o dia de os gays sentirem mais força", disse Hudson. (RJL)
                  Casal de modelos comemora com bolo em bar na Califórnia
                  FERNANDA EZABELLADE LOS ANGELESOs modelos Brandon Brown, 28, e Colby Melvin, 25, noivos há quatro meses, cortaram um bolo de casamento simbólico na manhã de ontem, num bar do bairro gay de Los Angeles, para celebrar a volta da permissão para a união de pessoas do mesmo sexo na Califórnia.
                  Cerca de 30 ativistas se reuniram às 7h no bar e restaurante The Abbey, mais famoso do West Hollywood, para assistir ao vivo a sessão da Suprema Corte.
                  O tribunal decidiu derrubar o resultado do plebiscito de 2008 que proibia o casamento gay no Estado, o mais populoso dos EUA (38 milhões de habitantes).
                  "Em 2008, nem ligava para isso. Mas agora que tenho um parceiro, dou valor para as conquistas e tenho ajudado no movimento", disse Brandon, ativista gay e dançarino do The Abbey. Ele conheceu Colby há um ano. Os dois começaram a viajar pelo país para divulgar a causa dos direitos civis dos gays.
                  O governador do Estado, Jerry Brown, pediu ontem que todos os condados da Califórnia estejam prontos para emitir licenças de casamentos gays.
                  Segundo um estudo da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), 37 mil pessoas do mesmo sexo devem se casar na Califórnia nos próximos três anos, gerando US$ 492 milhões (R$ 1 bilhão) em negócios.
                    ANÁLISE
                    Opositores veementes à união gay se arriscam a ficar para trás
                    LUCIANA COELHODE SÃO PAULOAinda não é o casamento gay, como muitos sonham, mas é o reconhecimento ante a lei americana de que todos os cidadãos do país são iguais, independentemente de sua orientação sexual.
                    Embora dividida, a Suprema Corte derrubou o trecho da Lei da Defesa do Casamento (Doma, na sigla em inglês) que barrava cônjuges gays de benefícios federais concedidos a casais heterossexuais.
                    Fez história, é verdade, mas não sozinha. Nem à toa.
                    Não por acaso, tampouco, Obama é o primeiro presidente dos EUA a abraçar, no cargo, a união entre pessoas do mesmo sexo: de 1996, quando o também democrata Bill Clinton aprovou a Doma, para cá, o apoio a esse direito saltou de 27% para 53%, afere o Gallup.
                    A questão é partidária, mas sobretudo geracional. Entre quem tem menos de 30 anos, 70% se declaram a favor do casamento gay (ante 41% dos maiores de 65).
                    Opositores veementes do casamento gay se arriscam a ficar para trás. Ainda que o apoio cresça mais lentamente entre os republicanos (de 16% para 26% em 17 anos), jovens que promovem o descolamento entre conservadorismo econômico e social se veem mal representados.
                    É preciso notar que a Suprema Corte não chancelou o matrimônio gay. Esse lastro ainda cabe aos Estados --e hoje, 13 dos 50 dizem "sim".
                    O que fez foi garantir que benefícios federais dados a casais hétero valham também para todos os casais gays e seus filhos: pensões, heranças, benefícios médicos. Nisso, os americanos estão agora mais adiantados que nós.

                      O dia em que a corte ficou nua - Clovis Rossi

                      folha de são paulo

                      O governo recua, os juristas batem cabeça, as verbas não são usadas, vota-se só por medo
                      É assustador quando uma garota de 25 anos (Leila Saraiva, do Movimento Passe Livre) constata "um despreparo gigantesco do governo" para tratar de mobilidade urbana, afinal o tema que incendiou originalmente a rua.
                      Palavra de testemunha ocular, posto que Leila participou da reunião da presidente Dilma Rousseff com o MPL.
                      Seria um comentário assustador, qualquer que fosse o presidente. Mas torna-se exponencialmente grave quando a mandatária em questão gosta de ser vista como gerente, como técnica.
                      Pior ainda é que comentário semelhante poderia ser aplicado ao tratamento da questão política, o verdadeiro nó que amarra o país, não só de parte do governo federal, mas de todas as esferas de poder.
                      É despreparo uma governante lançar solenemente uma proposta --a tal reforma política via processo constituinte exclusivo-- para derrubá-la menos de 24 horas depois, supostamente por ter se convencido de que era inconstitucional. Pode ser, pode não ser, uma vez que juristas, políticos e até ministros do Supremo Tribunal Federal bateram cabeça em torno da inconstitucionalidade da proposta.
                      Joaquim Barbosa, o chefe do Poder Judiciário, por exemplo, deu todos os sinais, embora em linguagem tortuosa, de que prefere uma constituinte exclusiva, a partir de um argumento irrefutável: o Congresso ordinário já demonstrou à saciedade que não tem a menor vontade de mexer no jogo que beneficia seus membros.
                      O recuo de Dilma significa que ela deixa a tarefa de "oxigenar o sistema político" nas mãos de quem o poluiu até níveis insuportáveis.
                      O Congresso deu, aliás, na mesma terça-feira, mais provas de que também é afetado por "gigantesco despreparo". Votou quase por unanimidade o fim da PEC 37, mas não por convicção. Havia ao menos 200 deputados favoráveis a ela, mas todos (menos nove) enfiaram a viola no saco com medo da rua. Ainda bem que o fizeram, mas não pode ser o volume da voz da rua o único elemento para decidir o voto.
                      Que o Congresso está agindo só para acalmar a massa, à espera de que ela se canse, prova-o o fato de que Renan Calheiros --ele também na mira da rua-- não mencionou entre as medidas que quer votar com urgência a eliminação, por exemplo, dos "auxiliares de embarque" regiamente pagos, à disposição dos congressistas nos aeroportos. É apenas um dos incontáveis privilégios inaceitáveis de que gozam os políticos --e nenhum será tocado se o voto for distrital ou seguir como está, se o financiamento das campanhas for público ou não.
                      Para fechar o círculo, no mesmo dia em que a presidente anunciava mais verbas para mobilidade urbana, o "Valor Econômico" demonstrava que o programa Mobilidade Urbana-Grandes Cidades, lançado em abril de 2012, não saiu do papel: "De um total de R$ 10,2 bilhões de repasse da União disponíveis a fundo perdido, menos de 7% foram contratados. Ou seja, há R$ 9,5 bilhões parados no Ministério das Cidades".
                      O "gigantesco despreparo" é, pois, do Estado brasileiro.
                      crossi@uol.com.br

                        Sob pressão, Congresso pode aprovar populismos danosos

                        folha de são paulo
                        ANÁLISE
                        IGOR GIELOWDIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIAConfrontados com a balbúrdia da "voz das ruas", os Poderes respondem com a cacofonia da "agenda positiva".
                        Mas é preciso cautela antes de abraçar a noção de que os problemas brasileiros se resolveram no grito --além de lembrar da tênue linha que separa "vontade popular" de imposição cega de agendas.
                        Primeiro foi o Executivo e seus "pactos" que misturam um pouco de tudo, seguidos da proposta de fazer uma reforma política a partir de um plebiscito. Ainda que tenha sido abortada a constituinte, muitas dúvidas decorrem da ideia da consulta.
                        Para ficar numa pergunta simples, que reforça a defesa de um referendo: depois de aprovada no voto, o que acontecerá se o Congresso repelir essa ou aquela medida?
                        Há riscos econômicos. Ontem a União se uniu às cidades e aos Estados que estão congelando reajustes, ao suspender o aumento de tarifas interestaduais e de pedágios. Uma hora a conta virá.
                        Até o Judiciário entregou ontem a prisão de um deputado. Daí a achar que o destino dos mensaleiros está selado, porém, há boa distância.
                        Mas é no Congresso que a agenda ganhou contornos frenéticos. Diz um cardeal da oposição: "Só nos resta votar tudo o que eles querem". O instinto de sobrevivência é agudo nas Casas, ainda que seja incerto quem são "eles".
                        À primeira vista, isso é ótimo, ao chacoalhar a inação modorrenta do Legislativo. Mas há risco de frustração, já que boa parte do que está na pauta de votações precisará ainda passar por outras comissões e pela Casa vizinha.
                        O fim do voto secreto em cassações, por exemplo, tem um longo caminho para vingar. Há sobreposições: um projeto aprovado ontem na Câmara desonera transporte, mas isso já está numa medida provisória na fila para análise. Por fim, há o perigo de a enxurrada de medidas embutir populismos danosos, além de espertezas para favorecer interesses específicos.

                          Painel - Vera Magalhães

                          folha de são paulo
                          Terapia de grupo
                          Às voltas com insatisfações no PMDB, Dilma Rousseff foi alvo de seu próprio partido, o PT, em reunião da bancada da Câmara, anteontem. As críticas à presidente e seus ministros foram comandadas por João Paulo Cunha (SP) e Ricardo Berzoini (SP). Na mesma noite, a catarse coletiva levou a bancada a se rebelar contra a orientação do governo e votar o substitutivo de André Figueiredo (PDT-CE) no projeto que destina receita do petróleo para a educação, em vez do texto original.
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                          Diagnóstico No encontro, os petistas mais exaltados elencavam os "erros" da presidente. Segundo eles, Dilma estaria "colhendo os frutos que ela mesma plantou'' ao desacreditar políticos e entidades como a Fifa.
                          Lá e cá José Genoino (SP) foi apaziguador: disse que a pauta proposta por Dilma após os protestos era "progressista". Cunha, por outro lado, acusou o governo de "conservadorismo" ao ampliar desonerações para o transporte público, o que beneficiaria empresas do setor.
                          O retorno Em todas as intervenções, havia comparações com o governo Lula, lembrando que, "naquele tempo", as coisas eram "diferentes". Após a reunião, um grão-petista diz que, se for feita uma consulta secreta na bancada hoje, 90% votariam pela volta de Lula em 2014.
                          Na berlinda Os ministros mais criticados, além de Ideli, foram Paulo Bernardo (Comunicações), Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Aloizio Mercadante (Educação) e até a discreta Izabella Teixeira (Meio Ambiente). À exceção de Izabella, todos são filiados ao PT, mesmo partido dos deputados rebelados.
                          Sujeito oculto Além de Michel Temer, também não foi ouvido antes do anúncio da constituinte exclusiva para a reforma política Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União), outrora presença constante em reuniões reservadas com a presidente.
                          Ritmo Possível rival de Dilma em 2014, Aécio Neves (PSDB) diz que a petista e os presidentes do Senado e da Câmara devem se inspirar no senador Pinheiro Machado ao responder às ruas: "Nem devagar demais que pareça provocação, nem depressa demais que pareça covardia".
                          Prato frio 1 Como troco da irritação dos peemedebistas, o Planalto já espera a instalação de uma CPI da Copa na Câmara, com o apoio da sigla. A bancada do PMDB vai debater o tema no dia 2, e a tendência é liberar os deputados para a adesão.
                          Prato frio 2 Além disso, interlocutores do governo preveem que os aliados derrubem no Congresso o veto de Dilma à lei que fixa gastos públicos obrigatórios com a saúde em 12% das receitas da União, Estados e municípios.
                          Sem... Servidoras do Congresso se empolgaram com os agentes bonitões da Polícia Legislativa chamados para reforçar a segurança durante o protesto de ontem.
                          ...violência Em reunião do grupo que discutia a estratégia de segurança, um policial perguntou à copeira se tinha café sem açúcar. "Tem sem açúcar, sem pó, sem água'', respondeu a moça.
                          Agenda O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, quer levar os embargos do mensalão ao plenário da corte na primeira quinzena de agosto. A ideia é avisar os outros ministros com 10 dias de antecedência.
                          Desapega Servidores do STF estavam em polvorosa ontem com a chegada do novo ministro, Luís Roberto Barroso. O substituto de Carlos Ayres Britto queria usar seu nome completo na corte, e não optar por apenas dois, como manda a tradição.
                          com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
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                          TIROTEIO
                          "É preciso ter pacto, mas com o dinheiro, porque, hoje, 72% de tudo o que se arrecada no Brasil fica em poder do governo federal."
                          DO GOVERNADOR DE GOIÁS, MARCONI PERILLO (PSDB), sobre a proposta de pacto feita por Dilma Rousseff para atender às reivindicações dos protestos.
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                          CONTRAPONTO
                          Fotógrafo por um dia
                          Em 2012, o presidenciável tucano Aécio Neves visitou cidades do Nordeste durante as campanhas para prefeituras. Em Maceió, fez caminhada na tradicional rua do Comércio, ao lado do então candidato Rui Palmeira.
                          Os dois andavam pelo calçadão quando uma jovem se aproximou e pediu uma foto. Aécio imediatamente a abraçou, sorridente, em pose de retrato. A moça, por sua vez, fez algo que desconcertou o ex-governador mineiro. Ela entregou a máquina a Aécio e arrematou:
                          --O senhor aperta aqui e tira a foto pra mim, que eu quero sair bem juntinho do Rui!

                            Tarso Genro e Slaviero no Tendências/Debates

                            folha de são paulo
                            TARSO GENRO
                            TENDÊNCIAS/DEBATES
                            Mais um passo da revolução democrática
                            Um processo constituinte que promova a reforma política é uma chance extraordinária de o sistema avançar por dentro da democracia
                            A abertura de um processo constituinte para promover uma reforma política é o caminho republicano para repactuar a sociedade brasileira no presente ciclo histórico.
                            Só assim será possível evitar o caminho da violência, recompor o espaço democrático para resolução dos conflitos de interesse e valorizar os novos movimentos sociais, que exigem novas formas de escuta e de diálogo.
                            Sustento que a anomia e a violência, que podem ser hoje desatadas por qualquer fagulha, em qualquer país do mundo, são absolutamente nocivas por razões ético-morais e por razões políticas.
                            A sua síntese só poderá ser uma: mais fechamento do Estado aos clamores da cidadania e não mais liberdades e mais direitos.
                            A sociedade brasileira não é a mesma de dez anos atrás, não só pelos novos protagonistas em "rede" --com o seu desejo de participação e sua irreverência em relação às instituições clássicas da democracia (aliás, mais ou menos falidas). Mas também porque a inclusão de milhões de famílias no consumo suscitou novas demandas, especialmente nas grandes regiões metropolitanas, cujos serviços públicos de baixa qualidade devem ser completamente remodelados.
                            É óbvio que momentos como o atual incendeiam avaliações românticas, tanto do esquerdismo como do fascismo, de novas marchas "pós-modernas" sobre Roma ou de tomadas de Palácios de Inverno.
                            Mas o poder não está mais lá. Nem se tem mais ideia, hoje, do que seria (nas condições da atual estrutura de classes e das novas tecnologias infodigitais) uma revolução dos trabalhadores (quais deles?) ou um "grande irmão" fascista (ou um comitê de "grandes irmãos"?), este que colocaria tudo em ordem para a classe média alta não se incomodar.
                            De outra parte, não só aqui no Brasil, o partido moderno surgido da experiência das grandes revoluções está totalmente superado e não tem saída.
                            Não se trata de uma crise por "falta de ética na política", mas pelo fato de que as "redes" promoveram o salto do cidadão anônimo para a esfera pública. Ele agora se exprime na sua pura singularidade, sem a necessidade de compartilhar publicamente para tornar-se influente.
                            Um processo constituinte atípico para promover uma profunda reforma política, precedido de um plebiscito convocado segundo a Constituição, é uma oportunidade extraordinária para fazer avançar o sistema por dentro da democracia.
                            Esse processo poderia incorporar a contribuição, por meio das novas tecnologias à disposição do colegiado de representantes constituintes, de milhões de jovens das redes, cujas linguagens, desafios e desejos não foram compreendidos por nenhum partido até o presente.
                            Todas as agremiações, sem exceção, foram pegas de surpresa e ou tentaram se unir aos movimentos ou tentaram direcioná-los segundo os seus interesses políticos imediatos.
                            Teríamos daí, no Brasil, uma experiência democrática de vanguarda. A eleição daria origem a uma assembleia de representantes, que incluiria pessoas eleitas sem partido. Combinado a isso, contaríamos com a participação e a colaboração direta de milhões, não só por meio das mobilizações sociais tradicionais, mas igualmente pelos meios virtuais, tanto para receber contribuições como aferir opiniões.
                            Resta saber se o Congresso Nacional terá a ousadia de vencer sua paralisia burocrática para responder à crise nacional. A questão do país não é uma corrupção em abstrato. A questão do país é a corrupção concreta de um sistema político vencido e é um cansaço da democracia, que não ousa inovar-se.
                              DANIEL PIMENTEL SLAVIERO
                              TENDÊNCIAS/DEBATES
                              Mitos e realidade sobre a mídia brasileira
                              A indústria da comunicação brasileira é vigorosa por sua pluralidade. "Regulação democrática" da mídia é um eufemismo para cerceamento
                              Não passa de um repisar de falsas premissas o artigo "Uma lei para expressar a liberdade", publicado neste espaço no dia 12, pela secretária nacional de comunicação da CUT e coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
                              Rosane Bertotti defende uma nova lei que imponha "regulação democrática" dos meios de comunicação e "garanta liberdade de expressão" no Brasil. Mas sua tese é sustentada por mitos.
                              O primeiro deles é que há poucos proprietários de veículos de comunicação e que os meios não refletem a "pluralidade e a diversidade da sociedade". Na realidade, a indústria da comunicação é vigorosa, justamente pela pluralidade de empresas e de conteúdos.
                              No setor de radiodifusão, existem nada menos do que 521 concessões de TV, sendo 317 comercias (61%) e 204 educativas e públicas (39%). Há 9.600 outorgas de rádio, das quais 4.600 operadas por empresas privadas (48%) e 4.900 (52%) por entidades comunitárias e educativas.
                              Quanto à pluralidade de conteúdos na TV aberta, há 14 tipos diferentes de programação, produzidos por distintas empresas, com cobertura nacional, segundo a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). No mercado de mídia impressa, para o qual não há limitação de qualquer ordem, estão à disposição do leitor 4.800 jornais e 1.800 revistas no país.
                              O telespectador de Brasília tem acesso a 23 conteúdos diferentes na TV aberta, contra 16 em Washington. O de São Paulo dispõe de 21, somente um a menos que o de Nova York.
                              Falar em proibir a propriedade cruzada para rádio, televisão e jornal, em pleno século 21, como propõe o FNDC, enquanto as empresas de telecomunicação oferecem o chamado "quadruple play" (telefonia fixa, móvel, internet e televisão por assinatura), é olhar para o passado.
                              O segundo mito é que a legislação está ultrapassada. Mas só o decreto nº 52.795, que aprovou a regulação dos serviços de rádio e TV, passou ao menos por dez atualizações desde 1963. A realidade é que as regras do setor estão em constante atualização por atos da Anatel, do Ministério das Comunicações e do Congresso Nacional.
                              O terceiro mito é a proposta de controle social da mídia como forma de garantir a liberdade de expressão. "Controle social da mídia" e "regulação democrática" são eufemismos para o cerceamento.
                              Imaginar que um grupo restrito de pessoas possa decidir o que uma sociedade inteira poderá ler, ouvir ou ver beira o absurdo numa época em que a internet e a tecnologia ampliam o acesso à informação.
                              A depender da proposta defendida pelo FNDC, em cada cidade haveria um comitê com o poder de monitorar a atividade de jornalistas e veículos de comunicação. Em oposição a esse ímpeto autoritário, concordamos com a presidente Dilma Rousseff, para quem o único controle admitido para a imprensa é o controle remoto.
                              O setor de radiodifusão sempre esteve e estará disposto a discutir a atualização das normas vigentes. Mas a discussão deve olhar para frente e valorizar a liberdade de expressão e de imprensa, condição imprescindível para o fortalecimento da cidadania e da democracia no Brasil.

                                Kenneth Maxwell

                                folha de são paulo
                                Xingamento e corrupção
                                A Fifa aparentemente proíbe xingamentos durante jogos de futebol. Ou é isso que me diz um dedicado torcedor do Vasco. Não sei se é verdade. Parece, no entanto, provável, ainda que eu não veja como uma regra desse tipo possa ser aplicada. Mas imagino, ainda assim, que seja mais fácil para a Fifa proibir palavrões durante os jogos do que a corrupção no futebol.
                                É uma pena que Nelson Rodrigues não estivesse entre nós na semana passada para comentar sobre os levantes populares no Brasil. Ele usualmente era cético quanto a esses movimentos. "A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem." Dilma Rousseff e "Sepp" Blatter fariam bem em ter considerado esse alerta.
                                "Sepp" Blatter estará de volta ao Brasil nesta semana para a final da Copa das Confederações. Ele (aparentemente) não está em busca de um "plano B" para a Copa do Mundo do ano que vem caso o Brasil seja considerado incapaz de realizá-la, ainda que Blatter sempre possa encorajar o Qatar a adiantar seus planos (Doha, afinal, tem dinheiro).
                                O Qatar, um minúsculo emirado no golfo Pérsico, é o maior exportador mundial de gás liquefeito e reservou 40% de seu Orçamento em 2016 para projetos de infraestrutura. A expectativa é a de que invista US$ 220 bilhões nos preparativos para sediar a Copa do Mundo de 2022, entre os quais US$ 5,5 bilhões para criar uma ilha com hotéis flutuantes que abrigariam os torcedores.
                                No Qatar, a homossexualidade é ilegal. Mas Blatter brincou que os torcedores gays de futebol se absteriam de sexo quando estivessem lá. A Fifa está "investigando" alegações de que subornos foram pagos durante o processo de seleção que resultou na vitória do Qatar. O seu emir transferiu o poder ao seu filho de 33 anos, em uma transição pacífica.
                                O Qatar tem cerca de 1,9 milhão de habitantes. Bem mais de um milhão de pessoas foram às ruas do Brasil nos protestos da semana passada. A presidente Dilma sugeriu um plebiscito e prometeu mais dinheiro para transporte público e educação. Boa parte disso deve ser financiado (aparentemente) pelos royalties (previstos) do petróleo. Mas as empresas de Eike Batista já enfrentam graves problemas. Como (aparentemente) a Petrobras. Muitos consultores financeiros independentes dizem que o Brasil precisa de menos controle do Estado, mas isso não consta da agenda da presidente.
                                Nelson Rodrigues disse que "o Maracanã tem a vocação e a nostalgia da vaia. Repito: lá vaia-se tudo, desde o minuto de silêncio. E antes da entrada dos times, vaia-se o gramado".
                                Depois do que aconteceu em Brasília, vamos ver como as coisas transcorrem neste final de semana no Rio.

                                  Paula Cesarino Costa

                                  folha de são paulo
                                  Na muda
                                  RIO DE JANEIRO - Era mais uma cena surpreendente dos tempos atuais. Noite de terça-feira. Moradores da Rocinha e do Vidigal (zona sul) ocupavam a av. Niemeyer, na hora do rush, em direção à casa do governador Sérgio Cabral (PMDB).
                                  A polícia os acompanhou. Sem bombas nem balas de borracha. Os manifestantes se juntaram aos já acampados em frente à rua do governador, bloqueada pela PM.
                                  "A Rocinha unida vai reivindicar seus direitos", gritaram. Mostraram que têm prioridades menos espetaculares e mais urgentes do que obras propostas por marketing eleitoral. "Teleférico pra quê?", questionaram, em referência à custosa obra do PAC 2, prevista para uma região em que valões escorrem cheios de esgoto.
                                  Madrugada de segunda para terça. Moradores do Complexo da Maré (zona norte) esperavam cansados e assustados a hora de voltar para casa.
                                  Viciados em crack e traficantes se aproveitaram de uma manifestação para fazer assaltos e escapar em meio a vielas sujas e mal iluminadas.
                                  Policiais entraram na favela. Com caveirão, o blindado policial, e balas de fuzil. Dez pessoas morreram, entre elas um sargento do Bope. Moradores dizem ter havido truculência, abusos e tortura por parte da polícia, que alegou reagir a ataques.
                                  A tropa policial no Rio está sob pressão. Acuada, acusada. Nas vielas das favelas e nas ruas do centro, não parece orientada a como agir e proteger cidadãos. Fotos e vídeos estão na rede escancarando o treinamento falho para conter multidões. Denúncias sobre abusos estão nas corregedorias esperando por apuração e punição.
                                  A pressão das ruas teve efeitos rápidos e concretos. Os políticos ainda têm muito a responder e a trabalhar.
                                  A segurança não é um detalhe no cotidiano do país. Falta colocar na agenda das ruas a reforma das polícias. Cidade muda não muda, escrevem alguns.