terça-feira, 28 de abril de 2015

Veneno viciante

Segundo novo estudo, pesticida muito usado na agricultura não só tem sabor imperceptível para as abelhas como também afeta o cérebro dos insetos, tornando-os dependentes. Presença do produto nos campos ameaça vida das colônias


Paloma Oliveto
Estado de Minas: 28/04/2015




Abelha da espécie Bombus terrestris em campo de flores na Inglaterra: preferência pela glicose misturada ao inseticida neonicotinoide (Jonathan Carruthers/Divulgação)
Abelha da espécie Bombus terrestris em campo de flores na Inglaterra: preferência pela glicose misturada ao inseticida neonicotinoide

Cruciais para a polinização de campos agrícolas e para a manutenção da biodiversidade, há muito as abelhas têm sido ameaçadas por diversas classes de pesticidas. Dois artigos publicados na revista Nature indicam que os riscos são ainda maiores do que se imaginava. Cientistas da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, e do Trinity College de Dublin, na Irlanda, descobriram que elas são atraídas por um tipo bastante comum de inseticida, os neonicotinoides. Além de não evitar essas substâncias, por não conseguirem sentir seu gosto, os insetos preferem plantas com a substância tóxica porque o veneno desencadeia, em seus cérebros, um mecanismo de recompensa.

Derivados da nicotina, esses produtos agem nos insetos de forma semelhante ao que o cigarro faz com os humanos. “Os neonicotinoides funcionam como uma droga. As plantas contaminadas com esses pesticidas tornam-se mais atraentes às abelhas porque elas são mais recompensadoras do que as demais. Imagine o impacto que isso pode ter em todas as colônias e nas populações de abelhas”, disse, em coletiva de imprensa por telefone, Geraldine Wright, principal autora do estudo e pesquisadora do Instituto de Neurociências da Universidade de Newcastle. “Uma coisa muito grave é que esses insetos não conseguem sentir o gosto dos neonicotinoides em sua comida. Portanto, elas estão em constante risco de envenenamento”, observou.

Os neonicotinoides são a classe de inseticidas mais utilizada no mundo. Evidências dos efeitos negativos desses produtos químicos para as abelhas polinizadoras fizeram a União Europeia restringir o uso de três produtos à base da substância em campos que atraem abelhas. Um dos estudos que estimularam a medida também foi publicado na Nature, alguns anos atrás, e mostrou que os neonicotinoides e os piretroides estavam matando zangões e prejudicando a alimentação dos insetos.

A moratória europeia, decretada em 2013, contudo, se encerra em julho deste ano. Grupos ambientalistas temem que o lobby da indústria de fabricantes impeça a renovação da proibição de venda e o banimento desses inseticidas do mercado europeu. No Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) fez uma reavaliação dos artigos científicos sobre os neonicotinoides em 2012, mas não encontrou evidências suficientes que indicassem a morte em massa das abelhas.


Ambientalistas defendem banimento de alguns agrotóxicos devido à agressão e à ameaça às colônias  (Maj Rundlöf/Divulgação)
Ambientalistas defendem banimento de alguns agrotóxicos devido à agressão e à ameaça às colônias


ANÁLISE DE NEURÔNIOS Geraldine Wright contou que, na época em que se decretou a moratória na União Europeia, surgiram argumentos de que não seria necessário banir os neonicotinoides, bastando cultivar fontes alternativas de néctar e pólen. Dessa forma, as abelhas poderiam se alimentar dessas plantas e, consequentemente, ficariam livres dos riscos. “Mas nosso estudo mostrou que essa não é uma alternativa viável porque as abelhas – tanto a europeia (Apis mellifera) quanto as polinizadoras Bombus terrestris preferem soluções que contêm sacarose misturada com neonicotinoides à sacarose sozinha”, disse.

Essa descoberta, inclusive, se deu por acaso. Uma aluna de Writght investigava se as abelhas conseguiam detectar substâncias tóxicas no alimento e, para isso, colocou os insetos em uma caixa que continha um pote de sacarose pura e outro com sacarose e neonicotinoides. “Muitas pessoas presumem que as abelhas são capazes de fazer essa diferenciação, evitando naturalmente o veneno”, explicou a neurocientista. Caso os animais rejeitassem o segundo pote, era sinal de que conseguiam sentir o gosto da substância química. Contudo, ocorreu justamente o contrário. As abelhas ignoraram a sacarose e se fartaram da mistura de açúcar com pesticida. “Ficamos chocadas porque esse era um resultado realmente inesperado”, relatou.

O experimento foi ampliado e repetido com um número maior de inseticidas neonicotinoides, e as abelhas se comportaram da mesma forma. Para saber se elas sentiam o gosto da substância, a equipe de New Castle idealizou um teste mais sofisticado, que rastreava a resposta dos neurônios contidos na boca dos insetos, em contato com o veneno. Essas células identificam os gostos diversos e mandam sinais para o cérebro. Contudo, os pesquisadores verificaram que isso não ocorria com os pesticidas – aparentemente, as abelhas não conseguem detectar o sabor do produto. “Em outras palavras, elas não têm um mecanismo que identifique os neonicotinoides em soluções de sacarose. Então, elas não sentem o gosto, mas escolhem essas soluções”, disse Wright.

Segundo a cientista, são necessários novos experimentos para descobrir por que isso ocorre, mas ela acredita que, assim como em fumantes, que se viciam no cigarro porque a nicotina ativa os centros de recompensa do cérebro, os pesticidas neonicotinoides agem da mesma maneira nas abelhas, já que a substância ativa desses produtos é justamente a nicotina.

ESCLARECIMENTOS Para Jane Stout, professora de botânica da Faculdade de Ciências Naturais do Trinity College de Dublin, os resultados não deixam dúvidas de que não há solução fácil para o problema dos neonicotinoides. “Podemos tirar duas lições principais dessas pesquisas”, disse a coautora dos estudos na coletiva de imprensa. “Primeiro é que as abelhas polinizadoras e as produtoras de mel enfrentam uma grave ameaça. A outra é que não adianta plantar fontes alternativas de alimento nos campos agrícolas em que o neonicotinoide é usado porque as abelhas vão preferir as que contêm o veneno”, afirmou.

Em uma análise publicada na própria Nature, os cientistas Niegel E. Raine e Richard J. Gill, da Universidade de Guelph e do Imperial College London, respectivamente, disseram que, embora o trabalho contribua para a compreensão sobre os riscos dos neonicotinoides para as abelhas, ainda há pontos que precisam ser esclarecidos.

“Por exemplo, precisamos de mais evidências sobre como a exposição ao neonicotinoide afeta as colônias ao longo das estações e como os resíduos (do produto) no solo interagem com outros estressores ambientais”, escreveram. “Também precisamos de um entendimento maior a respeito da forma como os neonicotinoides afetam outros polinizadores e pestes inimigas das plantações. Fundamentalmente, precisamos descobrir o balanço exato entre os riscos das exposições ao neonicotinoide para insetos polinizadores e o valor desses pesticidas para garantir a qualidade dos campos agrícolas”, defenderam.