Museu lança site que lista mais de 400 pesquisadores vitimados pelos anos de chumbo
Em 22 de abril de 1974 a professora do Instituto de Química da
Universidade de São Paulo (USP) Ana Rosa Kucinski Silva, de 32 anos,
saiu para almoçar com o marido, o físico Wilson Silva, em um restaurante
perto da Praça da República, em São Paulo. Nenhum dos dois voltaria a
ser visto. Foram presos por envolvimento com a Ação Libertadora Nacional
(ALN), grupo de extrema esquerda que atuou durante a ditadura. Só em
1993 viria à luz que foram levados da capital paulista para a chamada
“Casa da Morte”, um centro de tortura em Petrópolis. O caso de Ana e
Wilson é um dos mais emblemáticos da perseguição a pesquisadores no país
pela ditadura. Hoje, nos 51 anos do golpe de 64, o portal Ciência na
Ditadura (ciencianaditadura.net) é lançado para resgatar a história das
vítimas e mostrar os danos causados à vida acadêmica nacional.
— O desaparecimento dela, e de tantos outros pesquisadores, causou um enorme prejuízo ao Brasil. Não podemos saber o que ela deixou de produzir por causa da ditadura — conta o irmão de Ana, o escritor e jornalista Bernardo Kucinski, ressaltando que sua irmã foi sequestrada por integrar a ALN e não por seu trabalho.
Para o coordenador de História da Ciência do Museu de Astronomia e Ciências Afins ( MAST), Alfredo Tolmasquim, responsável pelo portal, o regime promoveu uma fuga de cérebros.
— A repressão atingiu a todos. Não mirava só em quem tinha liderança política, mas também em quem tinha liderança acadêmica — conta o historiador, que fez o trabalho ao longo de um ano, em parceria com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia.
Até o momento, o Ciência na Ditadura contabiliza 471 cientistas, professores e alunos de pós-graduação que tiveram suas carreiras prejudicadas. Eles ganharam verbetes explicando qual era sua área de pesquisa e que tipo de sanções receberam do regime.
— De início até se poderia imaginar que a área de ciências sociais seria
a mais atingida, mas não é verdade. A Faculdade de Medicina da USP foi
dizimada — diz Tolmasquim. — Tivemos desde aposentadoria compulsória até
prisão ou assassinatos, como o de Ana.
Havia ainda quem fosse barrado informalmente por institutos de pesquisa ou universidades. Por conta desta “cassação branca”, cientistas não conseguiam bolsas, ou passavam em concursos mas não eram contratados. Por ter sido informal, este tipo de repressão é difícil de identificar. Tolmasquim espera que, com o portal, pessoas venham à frente contar suas histórias.
SEM RETORNO
Muitos deixaram o país e nem todos voltaram. Dentre eles estão cientistas como o casal Victor e Ruth Nussenzweig, que emigraram após Victor se tornar alvo de um inquérito militar. Foram contratados pela Universidade de Nova York, onde continuaram as pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina para a malária. As perdas só não foram maiores por conta das faculdades particulares, que acabaram abrigando muitos dos professores aposentados compulsoriamente.
Um dos cientistas mais renomados do Brasil, Isaias Raw foi uma das vítimas de perseguição na Faculdade de Medicina da USP.
— A ditadura abriu caminho para que outros professores perseguissem quem se destacava. Fizeram de tudo para evitar que eu conseguisse uma cátedra.
Em 1964, o pesquisador foi cercado por uma patrulha às 23h, quando voltava do trabalho. Ficou preso por 13 dias. Em 1969, foi aposentado compulsoriamente e saiu do país. Só voltaria dez anos depois.
— Não considero um tempo perdido para mim, mas as faculdades perderam um grupo de elite. Eliminaram muitas pessoas importantes para o país.
Duas delas são próximas do diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Roberto Lent. Seu pai, Herman Lent, e seu padrinho, Haity Moussatché, fizeram parte de um grupo de dez cientistas cassados do Instituto Oswaldo Cruz, em 1970.
Havia ainda quem fosse barrado informalmente por institutos de pesquisa ou universidades. Por conta desta “cassação branca”, cientistas não conseguiam bolsas, ou passavam em concursos mas não eram contratados. Por ter sido informal, este tipo de repressão é difícil de identificar. Tolmasquim espera que, com o portal, pessoas venham à frente contar suas histórias.
SEM RETORNO
Muitos deixaram o país e nem todos voltaram. Dentre eles estão cientistas como o casal Victor e Ruth Nussenzweig, que emigraram após Victor se tornar alvo de um inquérito militar. Foram contratados pela Universidade de Nova York, onde continuaram as pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina para a malária. As perdas só não foram maiores por conta das faculdades particulares, que acabaram abrigando muitos dos professores aposentados compulsoriamente.
Um dos cientistas mais renomados do Brasil, Isaias Raw foi uma das vítimas de perseguição na Faculdade de Medicina da USP.
— A ditadura abriu caminho para que outros professores perseguissem quem se destacava. Fizeram de tudo para evitar que eu conseguisse uma cátedra.
Em 1964, o pesquisador foi cercado por uma patrulha às 23h, quando voltava do trabalho. Ficou preso por 13 dias. Em 1969, foi aposentado compulsoriamente e saiu do país. Só voltaria dez anos depois.
— Não considero um tempo perdido para mim, mas as faculdades perderam um grupo de elite. Eliminaram muitas pessoas importantes para o país.
Duas delas são próximas do diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Roberto Lent. Seu pai, Herman Lent, e seu padrinho, Haity Moussatché, fizeram parte de um grupo de dez cientistas cassados do Instituto Oswaldo Cruz, em 1970.
— Foi trágico do ponto de vista científico, porque os grupos de
pesquisa foram todos desmantelados, alunos foram dispersados, alguns
professores que não foram cassados resolveram sair. Foi um prejuízo
muito grande para o país todo. Meu pai lamentou ter que deixar o Brasil,
mas foi obrigado a seguir a vida. Conseguiu prestígio na Venezuela,
trabalhou em Nova York. Continuou suas pesquisas lá fora, então quem
ganhou foram os dois países.