terça-feira, 25 de junho de 2013

Análise: Polêmica, proposta de plebiscito causa terremoto político

folha de são paulo
IGOR GIELOW
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

País em protestoO mundo político ainda absorve o impacto da jogada do governo Dilma em tirar da manga a carta de um plebiscito para forçar uma reforma política por meio de constituinte exclusiva. A proposta em si, inconstitucional para muitos especialistas e para boa parte do Supremo, pode até não vingar no final, mas seus efeitos já se delineiam.
Até pela fragilidade explícita no momento em que a "rua" se agita, há uma tentativa de reforma no "modus operandi" do governo. Depois do discurso generalista da sexta passada, a presidente apostou mais alto.
Se há pouco tempo Dilma estava pressionada pelos aliados a fazer um governo mais aberto a palpites, com PMDB e também o PT reclamando por mais espaço no processo decisório, isso parece morto e enterrado.
A forma autocrática com que o pacote de "pactos" foi amarrada é sinal claro disso: nem o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), segundo informou hoje o Painel da Folha, foi avisado da proposta da constituinte.
Líderes aliados foram pegos de surpresa, e o comando do Congresso (Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves, ambos do PMDB) ontem ficou mudo.
Governadores e prefeitos sentaram à mesa e tiveram de ouvir um discurso pronto --unindo ideias práticas (desoneração para o diesel), enrolações ("grupos de trabalho"), propostas fantasiosas (R$ 50 bilhões para transporte?) e tergiversações (importação de médicos).
A opinião deles, e a lavagem de roupa suja, só foi exposta com as câmeras desligadas. Se todos os ressentimentos que esse tipo de comportamento tende a gerar vão florescer e conturbar de vez o cenário para o pleito de 2014, dificultando o projeto reeleitoral de Dilma, essa é uma questão em aberto.
Se a centralização dilmista foi maior, fica claro também que ela reativou o antigo "núcleo duro" do Planalto à sua maneira. Aloizio Mercadante pode ser ministro da Educação, mas ontem falou e agiu como primeiro-ministro --ou, para ficar na figura brasileira, um chefe forte da Casa Civil.
Sintomático foi ver Mercadante explicando detalhadamente os tais pactos de Dilma, com Gleisi Hoffmann servindo de coadjuvante. Por outro lado, é sabido que egos sem coleira não têm sobrevida longa no convívio com a presidente. Mais um ponto a ser analisado no futuro.
Na oposição, gritos contra o flerte bolivariano que a proposta de Dilma embute. Com efeito, Luiz Inácio Lula da Silva sempre elogiou o que considerava a pujança democrática da Venezuela devido ao número de "eleições" vencidas pelo já morto Hugo Chávez --boa parte delas eram justamente plebiscitos que usavam a "vontade do povo" como massa de manobra para legitimação do regime.
O problema para a oposição, e o Congresso em geral, é que a classe política é o principal alvo das recentes manifestações. Se há insatisfação com qualquer "governo", Dilma dividiu a conta com os parlamentares em sua resposta mais imediata.
Um passeio hoje cedo pelo microcosmo autofágico do Facebook dava sinais de que parecia estar colando a ideia de que Dilma "incluiu" o "povo" no processo decisório --independentemente do fato de que não é assim que as coisas funcionam. Mas ainda é muito cedo para ver se isso se replicará nas ruas. Os protestos marcados para amanhã ajudarão a medir essa temperatura.

Um músico impossível [Egberto Gismonti]

Tom Cardoso | Para o Valor, do Rio
O homem que caminha em direção à ultima mesa do Nanquim, restaurante a quilo do Jardim Botânico, onde mora, é conhecido por não fazer qualquer tipo de concessão quando o assunto é música. Não espere o mesmo comportamento à mesa. Egberto Gismonti, apesar da quase magreza, é daqueles sujeitos que comem de tudo - com exceção de fígado e jiló - e que preferem a diversidade ao requinte, o que talvez explique a opção para o "À Mesa com o Valor" por um restaurante como este, onde é possível compartilhar no mesmo prato arroz integral, feijão preto e batata rosti com bacon. Nada mais natural para um filho de pai libanês com mãe italiana, criado à base do macarrão com quibe. "Era uma contradição danada lá em casa. Meu pai vindo de uma sociedade regida pelo patriarcado e minha mãe, pelo matriarcado. Quem prevalecia? Os dois."
O macarrão com quibe, como se vê, nada mais era do que a extensão culinária desse rico embate cultural, do qual o filho músico foi o maior beneficiário. Em Carmo, no interior do Rio, onde nasceu, Gismonti começou, estimulado pelo pai, a tocar piano - o instrumento apreciado pela aristocracia de Beirute - e antes que abraçasse o ofício, a mãe o lembrou que um homem que não sabia fazer serenata não era homem. Foi tocar violão. Atualmente, Gismonti domina os dois instrumentos como poucos músicos no mundo - ao lado da Orquestra Corações Futuristas, ele é uma das atrações de hoje, em São Paulo, do BMW Jazz Festival, evento que ocorre até segunda-feira também no Rio.
A pedido de Gismonti, o garçom apressa-se para desligar o ar-condicionado, posicionado acima da mesa. Apesar de protegido pelo indefectível gorro de crochê branco, o músico costuma dispensar o uso de refrigeração quando o inverno carioca permite. O gorro, que está para ele assim como a boina está para Milton Nascimento, foi uma invenção da "mamma" italiana. Ela fazia vários deles e decidia experimentá-los no filho caçula, Egberto. "Mamãe dizia que ficava lindo em mim. E acreditei. Quando percebi, já era tarde", diz. Milton já não usa a boina - Gismonti não pretende abandonar tão cedo a indumentária. Nem conseguiria. "Todo lugar onde vou tocar, ganho um gorro de presente. Agradeço e vou usando."
Mamãe dizia que [o gorro] ficava lindo em mim. Eu acreditei. Quando percebi, já era tarde (...) Todo lugar onde vou tocar, ganho um gorro de presente$
Apesar de ter rodado o mundo como músico, de ter morado em Paris, de ir pelo menos uma vez por ano ao Japão e ter 15 discos gravados por uma gravadora norueguesa (ECM), de ser reverenciado na Alemanha e nos Estados Unidos, Gismonti nunca deixou de ser um cidadão de Carmo, com a qual mantém um profundo vínculo afetivo. A demora para ir ao bufê, depois de meia hora de prosa, nada mais é do que uma herança trazida de sua cidade natal. "Lá não temos pressa pra nada. E somos todos prolixos, raciocinamos falando." Servido, enfim, de meio quilo de diversidade, Gismonti diz que a preferência por restaurantes com o perfil do Nanquim não se deve apenas pela heterogeneidade gastronômica, mas também pela praticidade.
Solução que o impediu de prolongar os dois anos e meio em que se afastou da música para criar os dois filhos, Alexandre e Bianca, logo após a separação da primeira de suas cinco mulheres - hoje, aos 65 anos, curte a solteirice. Sua mãe, aliás, estava certa quando insistiu para que deixasse um pouco o piano de lado e aprendesse a tocar o violão, instrumento dos seresteiros. Gismonti é um galanteador - interrompeu várias vezes a conversa para elogiar o "sorriso dadivoso" da fotógrafa do Valor. "Você tem uma beleza ao sorrir que poucas mulheres têm, sabia?", diz o violonista, corando a fotógrafa. "Ah, mas do que eu estava falando mesmo?" Dos filhos. "Sim. Quando digo que parei de fazer música para cuidar dos meninos não é força de expressão. Parei mesmo, pra valer", diz. E talvez ficasse ainda mais tempo se não descobrisse as facilidades da comida a peso - deixar de cozinhar para os rebentos economizou-lhe um bocado de tempo. "Isso aqui é uma beleza", diz, diante do prato, ainda intocado. Coisa de gente que raciocina falando.
Dois anos e meio na vida de um músico como Gismonti podia significar, mais ou menos, quatro discos gravados, umas duas trilhas para o cinema, outras duas para o balé, além da descoberta de uma meia dúzia de músicos talentosos. Na história da música instrumental brasileira há poucos artistas capazes de rivalizar com Gismonti quando o assunto é produção. Há casos de músicos, sobretudo os instrumentistas, que produzem compulsivamente, como ele, mas que não conseguem dar forma ao processo criativo. No caso de Gismonti, ainda mais impressionante do que sua capacidade produtiva - são 66 discos gravados em pouco mais de 40 anos de carreira (sem contar as dezenas de trilhas para cinema e teatro) - é o seu posicionamento como artista. Ele é um dos raros compositores brasileiros donos do seu próprio acervo - foi o primeiro a comprar os direitos de comercialização de todos os seus fonogramas -, além de ser dono do selo Carmo, que relançou boa parte de sua discografia e tem revelado novos músicos.
Aline Massuca/Valor / Aline Massuca/Valor
Gismonti é um dos raros compositores brasileiros donos do seu próprio acervo: 66 discos gravados em pouco mais de 40 anos de carreira
Ainda sem tocar na comida, Gismonti começa a contar como o violonista e pianista do interior do Rio transformou-se em um bem-sucedido compositor independente. Ele explica que é preciso separar o músico independente chamado assim por parte da crítica especializada porque não consegue gravadora - e, portando, depende dela - do independente de verdade, como ele, que não depende de ninguém para gravar. Entre os independentes genuínos, Frank Zappa (1940-1993) é sua grande referência, com quem dividiu parceria na trilha do filme "Parceiros da Noite" (1980), de William Friedkin, com Al Pacino no papel principal. Os dois dias de estúdio com Zappa bastaram para que o violonista brasileiro aprendesse a lição. "Ele tinha acabado de fundar sua própria gravadora [Zappa Records] e não queria mais depender de ninguém. Lembro-me dele brindando com outros amigos o seu Independence Day. Era aquilo que eu queria pra mim."
Tornar-se independente não era simplesmente rasgar contratos com as gravadoras e dali em diante festejar sua alforria. Era preciso, como Zappa, conhecer todos os meandros da indústria fonográfica e estudar a fundo direito autoral. Durante dois anos, teve aulas quinzenais com dois advogados especializados no tema até que se achou, enfim, pronto para negociar, em Londres, com um alto executivo da Odeon - gravadora de seus primeiros discos - a compra dos fonogramas originais. Ele dependia agora apenas de coragem para ser dono do próprio nariz. Coragem, claro, que ele tinha de sobra por ser sobrinho de quem era, o homem que desafiara o impossível: Edgar Gismonti (1927-1989). "Cara, você precisa saber quem foi tio Edgar. Sem ele, eu não seria nada", diz Gismonti, desistindo de levar à boca o primeiro garfo de arroz integral.
Tornar-se independente não era simplesmente rasgar contratos com as gravadoras e dali em diante festejar sua alforria. Era preciso, como Zappa, conhecer todos os meandros da indústria fonográfica e estudar a fundo direito autoral. Durante dois anos, teve aulas quinzenais com dois advogados especializados no tema até que se achou, enfim, pronto para negociar, em Londres, com um alto executivo da Odeon - gravadora de seus primeiros discos - a compra dos fonogramas originais. Ele dependia agora apenas de coragem para ser dono do próprio nariz. Coragem, claro, que ele tinha de sobra por ser sobrinho de quem era, o homem que desafiara o impossível: Edgar Gismonti (1927-1989). "Cara, você precisa saber quem foi tio Edgar. Sem ele, eu não seria nada", diz Gismonti, desistindo de levar à boca o primeiro garfo de arroz integral.
Estou vendo amigos falindo, perdendo tudo. Já não tive tanto problema, pois sou compositor convidado de várias orquestras
"É a pessoa mais competente que eu já conheci. Vou resumir ao máximo quem foi tio Edgar e por que ele foi tão importante para mim", diz o violonista. Descobrimos que o reverenciado tio, compositor e pianista, não foi apenas o maior músico da história de Carmo - ele, conta Gismonti, conseguiu a proeza de viver de música sem jamais arredar o pé da pequena cidade, que no começo do século passado não tinha mais do que 3 mil habitantes. "Ele tomou uma decisão corajosa, maluca, contra a vontade de todos os familiares: 'Vou viver de música e não vou sair do Carmo'. Você imagina o que significava isso naquela época?"
Gismonti conta que o tio foi bater de porta em porta, perguntando para o proprietário de cada casa qual era o dia de seu nascimento. Voltava sempre na data festiva, cantando uma valsa para o aniversariante e, assim, sustentou uma família inteira até o fim da vida. "Cresci com esse exemplo. O meu parâmetro, desde então, é o impossível. Tudo ficou mais fácil pra mim."
O purê de mandioquinha é tocado pela primeira vez. "Você acha que, se não fosse pelo tio Edgar, eu sairia pelo Brasil afora regendo uma orquestra de 22 jovens músicos, todos recém-profissionalizados? Nunca." Gismonti refere-se à Orquestra Corações Futuristas, que ele abraçou após a súbita morte, em 2008, de sua idealizadora, a educadora e musicista Tina Pereira, aos 50 anos.
Aline Massuca/Valor / Aline Massuca/Valor
Para Gismonti, comer em restaurantes a quilo lhe ajudou a criar os dois filhos sozinho
"Eu já tinha criado os meus filhos, que são adultos hoje, e também vivem de música, e de uma hora para a outra me vi dirigindo um monte de garotos que não eram ainda profissionalizados. O que fiz? Fui tomar conta deles." Desde então, Gismonti dita o seu ritmo à molecada: juntos, violonista e orquestra, além de apresentarem dezenas de concertos pelo Brasil e Europa, já gravaram trilhas para três filmes ("Tempo de Paz" e "Chico Xavier", ambos dirigidos por Daniel Filho, e "O Senhor do Labirinto", de Geraldo Motta) e uma peça de teatro ("Folias Metafísicas", com direção de Fransérgio Araújo). "Culpa" de tio Edgar.
"Eu já tinha criado os meus filhos, que são adultos hoje, e também vivem de música, e de uma hora para a outra me vi dirigindo um monte de garotos que não eram ainda profissionalizados. O que fiz? Fui tomar conta deles." Desde então, Gismonti dita o seu ritmo à molecada: juntos, violonista e orquestra, além de apresentarem dezenas de concertos pelo Brasil e Europa, já gravaram trilhas para três filmes ("Tempo de Paz" e "Chico Xavier", ambos dirigidos por Daniel Filho, e "O Senhor do Labirinto", de Geraldo Motta) e uma peça de teatro ("Folias Metafísicas", com direção de Fransérgio Araújo). "Culpa" de tio Edgar.
O tio materno tornou-se tão onipresente que até hoje, mesmo duas décadas depois de sua morte, há quem encontre com Gismonti e mande lembranças ao irmão de sua mãe. O cantor João Gilberto, por exemplo, costuma ligar de madrugada e cantar um trecho do hino da cidade do Carmo, composto, evidentemente, por tio Edgar.
"Quando atendo ao telefone de madrugada, e começa aquela voz baixinha, inconfundível, cantando o hino da minha cidade ["Oh! Carmo, cidade bela/ Oh! Terra onde nascemos/ Todo filho teu, te ama de verdade/ Para toda a eternidade!], eu já sei: é o João." O gênio da bossa nova e Edgar Gismonti nunca foram apresentados - mas o histórico de coragem do músico de Carmo bastou para que ganhasse mais um admirador. O mesmo João trava na Justiça uma luta contra a gravadora EMI para reaver o controle sobre três grandes discos de sua carreira, entre eles a obra-prima "Chega de Saudade" (1958). Gismonti, dono do seu próprio acervo desde o começo da década 1980, conseguiu se proteger. "É difícil opinar nesse caso. Falando do ponto de vista romântico, de quem gosta e admira o João, é claro que quero que tenha todos os direitos sobre sua obra, mas é preciso ver o que ele assinou na época."
A conversa passa a girar em torno de João Gilberto. Faz tempo que ele não canta o hino da cidade de Carmo para Gismonti. "João sempre foi muito atencioso comigo", diz o violonista. Carinhoso à maneira João Gilberto. Gismonti conta que certa vez ficou hospedado em um flat em Nova York, longe da agitação de Manhattan e que, 15 minutos após sua chegada, recebeu uma encomenda: um saquinho de Café Pelé. Enquanto preparava-o, o telefone do quarto tocou.
"Era o Naná [Vasconcelos]: 'Cara, estou aqui com o sujeito que lhe mandou o café. Ele quer falar com você'. O João já atendeu cantando o hino do Carmo", conta Gismonti. Durante o tempo em que ficou hospedado em Nova York, João Gilberto mandou presentes e ligou todas as madrugadas. "Quando encontrei o Naná, semanas depois, e perguntei onde João estava hospedado em Nova York, ele disse: 'No mesmo hotel que o seu. No andar de cima'."
Gismonti assobia o hino do Carmo e chega pela primeira vez ao peixe grelhado. No entanto, ele nem sempre encarou todos os desafios de peito aberto. Quando recebeu, em 1976, o convite para gravar um disco pela gravadora ECM Records, da Noruega, Gismonti pensou em desistir. As referências, conta, não eram as melhores: um frio de rachar e até uma história de sol ao meio-dia. "Fiquei apavorado." Antes de chegar em Oslo, a capital norueguesa, decidiu passar por Paris, "para tomar um vinho com amigos e criar coragem". Acabou, depois de esbarrar com o ator Zózimo Bubul, convidado para comer uma galinha cabidela na casa de um músico pernambucano, radicado na cidade. Era Naná Vasconcelos, que ele conhecia apenas de nome. "Na falta de assunto, perguntei pra ele: 'Quer gravar um disco comigo?".
Começava a nascer "Dança das Cabeças", um dos maiores discos de música instrumental brasileira, lançado em 1977, álbum que até hoje os donos de lojas não sabem em qual sessão colocar. Há quem jure que é um disco de música erudita, outros o classificam como jazz de alta qualidade - os mais preguiçosos, de "world music". Nem os prêmios que ganhou o ajudaram a situá-lo. "Dança das Cabeças" venceu o Deutsche Schallplatten Preis (uma espécie de Grammy alemão) como melhor disco de música instrumental - na Inglaterra, ganhou um prêmio de música pop e nos Estados Unidos, um prêmio de jazz. Um disco à imagem e semelhança de seu criador: inclassificável. Gismonti credita a feitura do disco à generosidade de Naná. "Quando terminaram as gravações em Oslo, ele se recusou a assinar a feitura do disco comigo. Disse: 'É seu. Estou apenas prestando serviço'."
Gismonti deu o troco. Três anos depois, também pela gravadora norueguesa, Naná gravou o disco "Saudades", concerto de berimbau com orquestra. "Escrevi todos os arranjos para orquestra pra ele. O meu nome não aparece em lugar nenhum." Hoje, depois de mais de 300 shows juntos, os dois são amigos e parceiros viscerais. "Naná é uma beleza, um homem muito sabido. Fiquei feliz em saber que ele está de volta ao Recife e bem de saúde."
Naná voltou ao Brasil, depois de um longo exílio, e hoje concentra as energias para recuperar blocos de maracatu na periferia do Recife, diferentemente de Gismonti, que, apesar de ter vendido o pequeno apartamento em Paris, onde morou muitos anos, continua rodando o mundo.
A crise internacional, que levou centenas de instrumentistas brasileiros a retornarem ao Brasil, onde continuam enfrentando as mesmas dificuldades de quando deixaram o país, não afetou Gismonti diretamente. "Estou vendo amigos falindo, perdendo tudo. Já não tive tanto problema, pois sou compositor convidado de várias orquestras pelo mundo, que são subsidiadas pelos governos locais. Tive sorte." Sorte ou competência? "Sorte. Nego me dá muito mais crédito do que mereço. E não é falsa modéstia, não. Eu tenho zero de modéstia."
Zero de modéstia e zero de entusiasmo com o futuro do Brasil. "Não vejo com muito otimismo essa 'nova fase do país'. Fui eleitor do PT por muitos anos, cansei de tocar piano na casa do Eduardo e da Marta Suplicy para arrecadar fundos para o partido. E do que adiantou?" O músico conta que foi patrulhado por caciques do PT quando, em 1999, aceitou convite de Francisco Weffort, ministro da Cultura do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) para compor uma sinfonia para os festejos dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.
Egberto Gismonti conta que daria um péssimo político. "Em Carmo não tem essa história de inimigo virar amigo de uma hora para outra. Não aprendi a engolir todas as contradições." Como bom cidadão de Carmo, aliás, continua o músico "raciocinando falando" - o prato está pela metade e o restaurante praticamente às moscas. "Agora preciso comer. Faz uma pergunta longa aí, vai."


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"Fazer jejum intermitente é seguro e mais eficaz que dieta tradicional", diz médico

folha de são paulo
Juliana Vines
Depois de servir de cobaia para um documentário de TV sobre dietas de jejum intermitente, o médico e produtor inglês Michael Mosley, 56, resolveu contar, em um livro, como conseguiu perder 8,5 kg em três meses fazendo dieta só duas vezes por semana.
"The Fast Diet" (a dieta do jejum ou a dieta rápida) logo virou um best-seller no Reino Unido. Em setembro, o livro será lançado no Brasil com o título "A Dieta dos 2 Dias", pela editora Sextante.

Em entrevista à Folha, Mosley diz que a dieta é fácil de ser seguida, porque é preciso contar calorias apenas dois dias na semana (homens devem comer 600 calorias, mulheres 500). Mas ressalta que os resultados só aparecem se a pessoa não exagerar nos outros cinco dias. "É permitido comer o que quiser, mas não o quanto quiser."
*
A dieta do jejum intermitente traz mais benefícios do que uma dieta convencional?
A evidência científica que temos hoje mostra que fazer dois dias de restrição calórica por semana é seguro e dá mais benefícios para a saúde do que uma dieta padrão.
Quem faz jejum intermitente perdem mais gordura e tem uma melhor resposta à insulina comparado com quem faz uma restrição calórica tradicional. Isso significa que o corpo precisa produzir menos insulina para controlar um aumento súbito de glicemia no sangue. É uma coisa boa, porque altos níveis de insulina estão associados com diabetes, doenças cardíacas, alguns tipos de câncer e demência.
Mas são necessárias pesquisas de longo prazo para termos certeza dos benefícios --o estudo mais longo com humanos durou cerca de um ano.
Divulgação
Michael Mosley, autor do livro "The Fast Diet", comendo um café da manhã de 300 calorias
Michael Mosley, autor do livro "The Fast Diet", comendo um café da manhã de 300 calorias
Você serviu de cobaia para um documentário sobre dietas de jejum intermitente. Como ficou conhecendo o método?
Conheci há 15 meses. Naquela época, fiz um exame de sangue e descobri que meu colesterol estava muito alto e eu também estava com diabetes. Foi um choque, meu pai tinha morrido de diabetes. Em vez de tomar medicação, decidi descobrir se era possível reverter a situação com uma mudança de estilo de vida. Fiz algumas pesquisas e me deparei com estudos no Reino Unido e nos EUA sobre o jejum intermitente. Pensei que esse seria um tema interessante para um documentário de ciência da BBC [rede de TV britânica].
No documentário, "Eat, Fast, Live Longer" [coma, jejue e viva mais] eu tentei várias formas de jejum intermitente, entre elas o ADF [sigla para alternative day fasting, em que a pessoa restringe as calorias um dia sim, outro não]. No final, eu inventei a minha própria versão. Com a dieta, perdi mais de 9 kg de gordura e meu exame de sangue voltou ao normal.
Muitos médicos e nutricionistas recomendam comer de três em três horas. Mas, no seu livro, você diz que quanto maior o período de jejum, melhor. Comer muitas vezes faz mal?
A ideia de comer de três em três horas baseia-se na crença de que isso vai aumentar a sua taxa metabólica, o que não é verdade. Outra esperança é que as pessoas que fracionam a alimentação comam menos besteira, o que também não é verdade. Nosso corpo precisa de períodos de tempo em que a gente fique sem comer, para fazer uma "faxina" e se livrar das células velhas ou danificadas.
Mas em jejum o metabolismo não cai?
Estudos mostram que a primeira resposta do organismo à restrição de calorias é acelerar a taxa metabólica. Só depois de vários dias ou semanas sem comida que o corpo tenta conservar energia, e a taxa metabólica cai. De uma perspectiva evolucionista, isso faz sentido. Quando você ficar sem comida por dez horas e ficar com fome, precisa se levantar e se ocupar com outra coisa.
Não há risco de ter hipoglicemia ou de a pressão arterial cair?
Algumas pessoas reclamam que ficam fracas ou acham que vão desmaiar depois de horas sem comer. Na verdade, o açúcar no sangue cai rapidamente depois de uma refeição e, então, se você ficar sem comer, os níveis permanecem estáveis durante pelo menos as próximas 60 horas. A principal razão de as pessoas dizerem que estão fracas é porque elas não estão acostumadas a ter um pouco de fome. A maioria das pessoas que tentam jejum intermitente logo descobrem que se adaptam. Mas outras pessoas nunca vão se adaptar.
É preciso ressaltar que na dieta 5 por 2 você nunca vai mais de 12 horas sem comer. "Jejum" não significa, nesse contexto, ficar sem todos os alimentos, mas, sim, cortar significativamente as calorias por 24 horas.
No livro, você diz que é permitido comer o que quiser a maior parte do tempo. Mesmo perdendo peso, se a pessoa comer coisas não saudáveis, isso não seria prejudicial?
Não, não digo que é permitido comer o que quiser. Eu digo "coma normalmente", em outras palavras, com alguma restrição. Eu recomendo que a pessoa tente incluir proteína e vegetais em seus dias de folga da dieta.
Mas na capa do livro e no capítulo de perguntas e respostas está escrito que é permitido comer o que a pessoa gosta nos dias de folga. Há também a recomendação de não contar calorias nesses dias...
Nós trocamos. No começo, realmente estava escrito "Coma o que você gosta a maior parte do tempo", mas isso queria dizer que a pessoa pode comer alimentos de que gosta, mas não pode comer o quanto ela quiser. Concordamos que a frase dava margem à confusão e trocamos. Agora está escrito "Coma bem cinco dias na semana".
Então mesmo sem contar calorias a pessoa tem que se controlar?
Sim, ela não pode exagerar, senão não vai perder peso ou ter os benefícios.
Fazer exercício em jejum traz mais benefícios do que se exercitar depois de uma refeição?
Há evidências, que cito no meu livro, que se exercitar em jejum (por exemplo, antes do café da manhã) queima mais gordura do que se exercitar após uma refeição. A atividade física ajuda a queimar mais gordura e a perder menos massa muscular.
Você ainda segue a dieta hoje?
Sim, há um ano. Agora, acho que consigo manter o peso cortando as calorias um dia por semana.
A dieta 5:2 não estimularia comportamentos compulsivos em relação à comida mesmo entre pessoas que não têm transtorno alimentar?
Os cientistas que estudam o jejum intermitente dizem que não há provas de que ele provoca transtornos alimentares. Muitos grupos religiosos, incluindo cristãos, hindus, muçulmanos e judeus praticam jejum e não há nenhuma evidência de que essas pessoas são propensas a distúrbios alimentares.

Dieta proposta em best-seller prega dois dias de quase jejum por semana


JULIANA VINES
DE SÃO PAULO

Coma o que quiser a maior parte do tempo e, ainda assim, perca peso e seja saudável. A promessa está no livro "The Fast Diet" --em inglês, quer dizer dieta do jejum e dieta rápida.
O regime está sendo alardeado pela imprensa britânica como o mais revolucionário desde Atkins (a dieta da proteína), e o livro, lançado em janeiro, lidera o ranking de best-sellers da versão local do site Amazon. Em setembro, chegará ao Brasil com o nome "A Dieta dos 2 Dias", pela editora Sextante.

A proposta é simples: coma quase nada por dois dias na semana --homens devem ingerir 600 calorias, mulheres, 500-- e, nos outros cinco dias, coma livremente.
Editoria de Arte/Folhapress
Capa dieta
Capa dieta
Os autores, o médico e produtor Michael Mosley e a jornalista Mimi Spencer, contam que, nos "dias de folga", consomem de batata recheada a peixe empanado. Ele emagreceu 8,5 kg em três meses; ela, 6 kg em seis meses.
Mosley trabalha na rede de TV britânica BBC. Em 2012, foi cobaia em um documentário sobre jejum intermitente. Depois de testar jeitos de jejuar, Mosley criou seu método, chamado de 5 por 2.
"As evidências mostram que a dieta intermitente é segura e dá mais benefícios para a saúde que uma dieta-padrão", disse Mosley à Folha.
Segundo o médico, o jejum faz o organismo queimar mais gordura e ter uma melhor resposta à insulina.
"O corpo vai precisar liberar menos hormônio para controlar os níveis de açúcar no sangue, o que é bom. Altos níveis de insulina estão associados a diabetes, doenças cardíacas e câncer."
A lista de ganhos é defendida com citações de pesquisas científicas feitas em humanos e animais. Mas nenhuma a longo prazo.
Segundo o cardiologista Bruno Caramelli, do InCor (Instituto do Coração), a ciência está longe de um consenso sobre o jejum.
"Pode ser perigoso adotar essa dieta fora de um rigoroso protocolo de pesquisa. É preciso investigar se, com o tempo, não há desnutrição."
Mosley nega esse risco porque a restrição é por um período curto."Algumas pessoas reclamam que ficam fracas depois de horas sem comer. Na verdade, o açúcar no sangue cai rapidamente depois da refeição, mas permanece estável durante as 60 horas seguintes. A verdade é que não estamos acostumados a ter um pouco de fome."
Segundo ele, algumas pessoas realmente têm dificuldades em fazer a dieta, mas a maioria se adapta.
"No começo eu sentia mais fome, mas passava quando eu me distraía", disse à Folha a escritora britânica Kate Harrison, 45, que segue o jejum intermitente há quase um ano e perdeu 12 kg.
Harrison é autora de outro livro sobre o método, "The 5:2 Diet", lançado em fevereiro no Reino Unido. "Comecei a ver a fome como algo bom."
A dona de casa paulistana Kleidy Thessari, 28, não teve a mesma sorte. Depois de ver uma reportagem sobre a dieta na TV, decidiu tentar. Conseguiu por um mês e perdeu quase 3 kg. "Era difícil. Tentava pensar que no dia seguinte poderia comer mais, mas não compensava."
COMPULSÃO
Embora a recomendação de Mosley seja não contar calorias nos dias de folga da dieta, ele diz que exagerar pode colocar tudo a perder.
Mas, para o médico Amélio Godoy Matos, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a compensação acontece. "A pessoa vai comer mais nos outros dias."
A variação entre quase jejum e fartura pode desencadear episódios de compulsão alimentar, de acordo com a nutricionista Adriana Kachani, do Instituto de Psiquiatria do HC de São Paulo.
"É um comportamento de risco. A pessoa pode não saber que tem transtorno alimentar até fazer essa dieta."
A longo prazo, outro efeito visto em ratos de laboratório é o aumento da produção de radicais livres e o desenvolvimento de diabetes por insensibilidade à insulina.
"É uma dieta que perturba o controle do metabolismo", diz Bruno Chaussê, biólogo e pesquisador do Instituto de Química da USP.
Para Matos, os benefícios não compensam o risco. "O melhor é comer menos sempre e de três em três horas."

Rosely Sayão

folha de são paulo
Cabo de guerra
É preciso distinguir os conflitos insolúveis, que são poucos, dos que podem ser negociados com os filhos
Uma leitora, mãe de dois filhos que têm seis e oito anos, diz que vive em conflito com os garotos.
Ela quer que eles tomem banho, eles querem jogar videogame; ela quer que eles almocem, eles pedem petiscos; ela quer que eles se arrumem rapidamente para a escola, e eles demoram muito. "Parece que é de propósito", diz essa mãe.
Bem ou mal, dependendo do dia, ela consegue dar conta da árdua tarefa de educar os filhos. O problema é que ela está começando a achar que a situação vai piorar.
Como algumas de suas amigas têm filhos adolescentes e elas trocam experiências sobre o assunto, está assustada com o que a espera nos próximos anos.
Em resumo, pergunta se os conflitos dos filhos com os pais no período da adolescência precisam ser tão pesados como ela tem visto.
Seria tão bom educar sem conflitos, não é verdade? Às vezes, tenho a impressão de que esse seria o maior desejo dos pais -- e de professores também.
Que tal mandar o filho tomar banho e ele ir na hora, lembrá-lo da lição e ele imediatamente se encaminhar para dar conta de sua responsabilidade, dizer que é hora de dormir e ele responder que já estava mesmo sentindo muito sono?
Nunca será assim o relacionamento de pais com filhos, por um motivo simples: o que as crianças querem em geral não coincide com o que os pais mandam. Pronto: é assim que nasce um conflito. E esses conflitos são naturais no processo educativo porque as crianças miram apenas no que querem e os pais no que elas precisam.
Esse tipo de conflito continua na adolescência, só que com novas aparências. Agora, eles querem ir para as baladas da moda, fazer viagens sem os pais, tomar bebidas alcoólicas etc.
A questão é que os jovens têm, nesse período da vida, novos argumentos e já aprenderam muitas estratégias para pressionar os pais, que se sentem acuados frente a tantas demandas dos filhos.
E tem mais: os pais podem pegar uma criança pela mão e levá-la ao banho, por exemplo, mesmo contra a vontade. Com o filho adolescente, já não dá para fazer isso.
Converso muito com pais e noto que boa parte deles perde o foco na relação com os filhos porque quer que eles aceitem o que é dito. Isso pode acontecer de vez em quando, mas quando se tratar de um querer imperativo do filho, certamente os pais não vão conseguir convencê-lo a abdicar dele.
Por isso, é preciso distinguir os conflitos insolúveis daqueles que podem ser negociados. E, pensando bem, os insolúveis são poucos, por isso dá para bancá-los.
Por exemplo: se os pais acham que ainda é cedo para o filho frequentar baladas, vão ter de se preparar para reafirmar sua posição sempre, até que o filho tenha idade para ir. Se acham que ele pode ir, é bom lembrar que em determinados locais e horários há restrições de idade para entrar.
Permitir que o filho frequente tais baladas significa aceitar que ele use estratégias ilícitas para ter êxito em seu intento. E isso se dará com a anuência dos pais. Esse fato pode trazer consequências para o relacionamento entre pais e filhos, já que alguma lição o jovem aprende com a atitude dos pais. O difícil é saber que tipo de lição ele absorve.