sábado, 25 de janeiro de 2014

Orelha

ORELHA
Estado de MInas: 25/01/2014


O escritor Ray Bradbury transformou pesadelos futuristas em estranhas histórias do dia a dia (JM Huron/AFP)
O escritor Ray Bradbury transformou pesadelos futuristas em estranhas histórias do dia a dia
Passagem para Marte

Ray Bradbury (1920-2012) ficou conhecido como autor do clássico de ficção científica Fahrenheit 451. Mas o escritor americano não era de se limitar a um único gênero, tendo publicado poesia, teatro, ensaio, roteiros para cinema e TV. Como contista, desde que estreou em 1946, publicou pelo menos um conto por semana em diversas revistas literárias. Vêm daí as coletâneas que se tornaram clássicas, como Crônicas marcianas e A cidade inteira dorme e outros contos, livros que estão relançados pela Biblioteca Azul, da Editora Globo. Bradbury mescla em suas tramas o uso de tecnologia e a invenção de mundos paralelos com o naturalismo da narração, gerando uma sensação de estranhamento. Por vezes, em pleno universo alienígena, o leitor se depara com uma atmosfera típica do tédio das cidadezinhas do Meio-Oeste americano, ou com o clima de catástrofe iminente, prestes a destruir tudo em volta. A nova edição de Crônicas marcianas tem apresentação do escritor argentino Jorge Luis Borges, que localiza o autor na linhagem dos criadores fantásticos que vai de Luciano de Samósata a Edgar Allan Poe.

Padre Cícero
Um dos mais citados estudos sobre padre Cícero, Milagre em Joaseiro, do historiador americano Ralph Della Cava, publicado em 1977, finalmente ganha nova edição, pela Companhia das Letras. O livro, que revolucionou os estudos sobre o tema, tem enfoque antropológico e, sem deixar de lado a enxurrada de escritos de detratores e defensores do religioso, mantém posição equidistante das diferentes linhas de interpretação. O brasilianista analisa a dimensão política, humana e o imaginário em torno do padre Cícero, ancorado em profundo conhecimento sobre a história da região.


História de Carrie
Um dos maiores sucessos da televisão em todo o mundo, inclusive no Brasil, a série Homeland ganha livro, que sai pela Intrínseca. Homeland – Como tudo começou. A história de Carrie, de Andrew Kaplan, apresenta os personagens centrais, Nicholas Brody e Carrie Mathison, em trama que ocorreu antes mesmo dos episódios que fazem parte da minissérie. Assim, o livro funciona como introdução ao universo de Homeland, sem deixar de trazer novidades para os aficionados sobre a origem de várias passagens que foram vistas na TV.


HQ erótico
Safadas é o nome da coleção de obras em quadrinhos que a Editora Nemo está lançando, destinada a leitores adultos. Publicados originalmente na França pela Humanoides Associés, os álbuns reúnem autores novos e consagrados, que tiveram liberdade total para expressar fantasias e narrar contos eróticos na forma de HQs. Aventuras sedutoras, encontros ao acaso, histórias pessoais e tramas provocantes estão reunidas no primeiro volume da série Verão, que reúne 12 contos. Os próximos volumes serão Encontros, Lingerie e Natal.


Ficção uruguaia
Chega às livrarias em breve, pela Cosac e Naify, o primeiro livro da escritora uruguaia Inés Bortagaray a ser lançado no Brasil, Um, dois e já. A história é narrada em primeira pessoa por uma menina que conta a viagem de verão da família até um balneário uruguaio, dentro de um carro apertado, no início dos anos 1980. A apresentação é do compositor e romancista Vitor Ramil.


Zé e Woyzeck
Adaptação livre em versos rimados da peça Woyzeck, de Georg Büchner, Zé, peça em um ato do jornalista, professor e compositor Fernando Marques, ganha edição em livro pelo selo Realizações Editora. Em apenas 23 anos de vida, o alemão Büchner deixou obra intensa, da qual fazem parte peças como A morte de Danton, Leonce e Leona e Woyzeck. Na adaptação/releitura de Fernando Marques, além do espírito pé-rapado do personagem central, há um abrasileiramento do contexto e introdução de canções, dando um caráter musical à peça. A edição tem prefácio de Valmir Santos e traz em apêndice as partituras das canções que integram a montagem, todas de autoria do tradutor.


Luz sobre trevas
Homens e mulheres da Idade Média, volume coletivo organizado pelo medievalista francês Jacques Le Goff, que está sendo lançado pela Estação Liberdade, é uma das obras mais interessantes sobre o período. Em bela edição ilustrada, Le Goff reúne o perfil de 112 homens e mulheres, personagens notórios do período. Por meio dos retratados – Dante, Santa Radegunda, Santa Clara, Joana D’Arc, Colombo, Abelardo e Heloísa, entre outros – o leitor vai desfazendo uma série de mitos sobre o período, formando uma imagem até mesmo progressista da Idade Média. Há um capítulo sobre “Personagens imaginários”, em que são evocadas figuras míticas, como a da Virgem Maria, a do rei Arthur e a de Robin Hood. “Numa sociedade o imaginário tem seguramente tanta importância e eficácia quanto as condições reais da vida e do pensamento”, justifica Le Goff.


Ano em revista
A nova edição da revista Política democrática, da Fundação Astrojildo Pereira, tem como tema os desafios políticos e culturais de 2014. Na primeira seção, “O 2014 que nos espera”, estão reunidos artigos de Rudá Ricci, sobre as eleições; de Marco Antônio Tavares Coelho, sobre o governo Dilma e a herança de Lula; e acerca da constituição de um novo bloco de centro-esquerda, de autoria de Júlio Martins. A publicação traz ainda ensaios sobre os 25 anos da Constituição Brasileira, acerca da relação entre Estado e cidadania, e sobre economia e desenvolvimento. Informações:
 

Universo literário de Scliar - Carlos Herculano Lopes

Universo literário de Scliar
Carlos Herculano Lopes

Estado de Minas: 25/01/2014


Moacyr Scliar, em 50 anos de trajetória literária, deixou mais de 80 livros, entre romances, contos e ensaios (Neco Varella/AE-16/09/10)
Moacyr Scliar, em 50 anos de trajetória literária, deixou mais de 80 livros, entre romances, contos e ensaios
 Um dos mais celebrados escritores brasileiros do século 20, autor de extensa obra com mais de 80 títulos de gêneros variados – romances, contos, crônicas, literatura infantojuvenil, ensaios, teatro –, o gaúcho Moacyr Scliar morreu em 2011, em Porto Alegre, cidade onde nasceu em 1937. Estava com 73 anos.

De origem judaica, médico por formação, escritor por vocação e gosto, seu último livro, publicado pela Companhia das Letras, que está relançando parte da sua obra, foi o volume de crônicas médicas Território da ilusão. Durante anos, em Porto Alegre, onde sempre viveu, Scliar trabalhou como médico sanitarista, profissão que, sem problemas, dividiu com a literatura. Recentemente, sua família, no intuito de preservar sua obra – traduzida para diversas línguas e levada para o cinema, o teatro, além de ter sido motivo de teses e dissertações país afora –, lançou um website: www.moacyrscliar.com.

O vasto conteúdo, que engloba os 50 anos de carreira literária, iniciada em 1968, quando ele lançou, em Porto Alegre, o volume de contos O carnaval dos animais, é composto por biografia completa, informações sobre sua produção literária e carreira médica. Traz ainda galeria de fotos, vídeos, capas antigas dos livros, entrevistas concedidas ao longo dos anos, fortuna crítica, booktrailers e outras informações sobre Scliar, que está entre os escritores brasileiros mais lidos no exterior. Bem-humorado, sempre com uma história para contar, ele era um dos autores que mais viajavam pelo Brasil, dando palestras, participando de bienais de livros, conversando sobre literatura.

De acordo com seu cunhado, o jornalista Gabriel Oliven, editor do site com Judith Scliar, viúva do escritor, o objetivo do site, além de manter viva a obra de Scliar, foi legá-la às novas gerações. “Por meio da rede, muitos jovens que o conhecem apenas pelos livros poderão saber mais a seu respeito. Além do mais, em um país de memória curta como o Brasil, ajudar a preservar nossa cultura, e no caso obra tão significativo como a de Scliar, a meu ver é muito importante”, diz Oliven.

Scliar era escritor compulsivo, que produzia com rapidez extraordinária, mesmo quando estava viajando. Aproveitava a solidão dos aeroportos e quartos de hotel para adiantar a redação de histórias e cumprir no prazo as muitas encomendas editoriais. Por isso, o escritor não deixou muita coisa inédita, apenas textos inacabados e ideias não concretizadas para romances. “Nada pronto para publicação ou que ele gostaria que fosse lançado”, garante.

Gabriel Oliven, que vive em Porto Alegre, informa ainda que uma das preocupações da família, no momento, é também reunir em no máximo quatro editoras toda a obra de Scliar. “Ele tem trabalhos lançados por mais de 20 editoras, de algumas nem sabíamos, e isso torna o controle mais difícil”, diz. Entre os livros mais conhecidos do escritor gaúcho estão os romances O exército de um homem só, O centauro no jardim, A majestade do Xingu e A mulher que escreveu a Bíblia. 

Lorenzato, moderno e popular - José Aloise Bahia

Lorenzato, moderno e popular
José Aloise Bahia
Estado de Minas: 25/01/2014
Pentes utilizados pelo artista mineiro Amadeo Lorenzato para dar textura singular à sua pintura   (Coleção Antonio Carlos Figueiredo/Divulgação)
Pentes utilizados pelo artista mineiro Amadeo Lorenzato para dar textura singular à sua pintura
Filho de italianos, nascido em Belo Horizonte, Amadeo Luciano Lorenzato (1900-1995), que conheceu Picasso e Matisse nos famosos cafés Lê Dome e La Coupole, em Paris, é provavelmente um dos últimos pintores modernistas na história da pintura brasileira. Os seus trabalhos, além de fotos, vídeos e objetos, em exposição no Centro de Arte Popular, em Belo Horizonte, longe de ser primitivos ou naïfs, têm técnica e requinte que os distinguem dos demais: foi o único que se tem notícia a usar a textura feita com um pente, reavivando formas e resplandecendo as cores em papelão forrado de tela ou eucatex.

Os conteúdos explorados por Lorenzato projetam retratos, favelas, naturezas-mortas, passando pelas paisagens (céu, árvores e estradas são recorrentes) e imagens do cotidiano (notadamente em suas pinturas mais aclamadas pela crítica, as famosas cenas de mulheres com latas d’água nas cabeças ao pé da serra em Belo Horizonte) revelam aquilo que o pintor francês Henri Rousseau mais primava num artista: a síntese e o compromisso com a liberdade de criação. Tanto a liberdade temática quanto a combinação de cores, realinhando a narrativa dos elementos articulados pelo pincel em camadas vigorosas de tintas, com o rigor de uma poética original, que soube explorar muito bem a sua linguagem, não tendo temor de se arriscar à mostra intencional de composições previamente escolhidas do meio popular.

A grande diferença dos quadros de Lorenzato, admirador dos impressionistas e do falecido contemporâneo fauvista mineiro Inimá de Paula, em relação aos artistas primitivos, naïfs e à própria pintura fantástica e detalhista do francês Henri Rousseau é, além de ter estudado na Europa – mesmo que seja por pouco tempo –, o fato de que seus quadros não obedecem aqualquer itinerário preestabelecido. Não faz curvaturas nas técnicas elaboradas pelas academias, nem se aterra num fazer ingênuo. Segue um lastro variado nas suas composições, que estão predispostas ao geometrismo aparentemente simples, porém complexo, cujo extremo é a reunificação com o todo na distribuição minuciosa dos motivos no espaço pictural, abrindo-se como possibilidade imaginária de libertação da cor, fenômeno perceptivo de criação, dando a sensação de um possível movimento acalmado, no qual informação e expressão estão aprumadas, alinhadas, em consonância.

Não resta dúvida de se que trata de uma criação espontânea, assegurada na independência de julgamentos estéticos precipitados, fundamentada na sua visibilidade própria. Pois o tratamento dado às cores transparece o “estado atemporal da arte” que não pende para qualquer tipo de extremismo artístico. Vai além, alterna uma comoção moderna, definindo-se em formas e resoluções consistentes, despojadas de interesses facilitadores ou efeitos miraculosos para representar as aparências da realidade. As cores pulsam em desenhos concentrados.

A obra de Lorenzato nos faz lembrar o desejo estético de Paul Gauguin: “A cor é capaz de alcançar aquilo que é mais universal e, ao mesmo tempo, mais evasivo na natureza: sua força interior”. As cenas vibram, falam por si. Não têm a opulência de um Antônio Poteiro. É uma pintura breve, numa figuração rica e elaborada, produto de uma técnica própria. Os elementos formais estão distribuídos à sua maneira, de forma equilibrada e sempre perseguindo a coerência interna no uso de pigmentos realçados por matizes fortes. Vigorosas pelo entalhe e a experimentação do pente arranhando o suporte, produzindo “efeito tensional cumulativo” na autonomia da obra ao expor a sua visão plena da realidade acompanhada de um sentimento humano que perfaz algo contemporâneo e ecológico conscientes. O principal é que é pela pintura que Lorenzato se realiza e não pelos motivos e temas escolhidos. É o tipo de pintura elevada, amadurecida, arguta, sensível, uma alegoria universal em cores sempre em potência contínua, em escala e dinâmica, transparecendo uma espécie de colagem de tempos diversos.

Cada leitura dos seus quadros enriquece o olhar e aguça o espectador em torno da singularidade do artista e a sua concepção intrínseca, que alguns ainda ousam achar ingênuas. Quando, na realidade, é o contrário, traz a síntese moderna no plano estético, em diálogo com as palavras de Paul Klee: “A arte não reproduz o visível; ela torna visível”.


José Aloise Bahia é escritor, pesquisador e crítico de artes e literatura. Autor de Pavios curtos (Anomelivros).

Líquida e incerta [Zygmunt Bauman] - João Paulo

Líquida e incerta 
 
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman tem dois livros lançados no Brasil, que tratam dos descaminhos da cultura no Ocidente e da obsessão pela vigilância na pós-modernidade 

João Paulo
Estado de MInas: 25/01/2014


Zygmunt Bauman já tratou da modernidade, do amor e dos tempos líquidos: chegou a vez da cultura e da vigilância (Eloy Alonso/Reuters)
Zygmunt Bauman já tratou da modernidade, do amor e dos tempos líquidos: chegou a vez da cultura e da vigilância
 Em 1930, Freud publicava O mal-estar na civilização. Ao mesmo tempo dava uma boa e uma má notícia às pessoas. Pessimista, ele sabia que não chegaríamos ao prazer que desejamos sem destruir tudo à nossa volta; realista, confiava na capacidade de criação e contenção para que a vida fosse o mais agradável possível. O livro poderia ser resumido numa frase: a civilização é resultado de nossas renúncias. Em outras palavras, o homem se autocriou e de quebra deu origem à cultura para fazer frente ao excesso que emana do princípio do prazer. No lugar do gozo permanente, que nos destruiria, barganhamos com os limites da realidade. E seguimos em frente, da melhor maneira possível.

O diagnóstico funcionou, mas parece que foi virado de cabeça para baixo: a realidade, hoje, é muito pouco. Ninguém quer saber de renunciar a nada em nome da coletividade. O homem e a mulher pós-modernos não aceitam abrir mão do prazer individual. Em outros termos, o princípio de realidade, que foi o esteio da civilização até pouco tempo atrás, hoje anda em baixa e precisa se justificar a cada prazer adiado. O resultado, com a retirada das condições universais de sobrevivência, é cada um por si impulsionado pelo prazer, que se torna um valor em si, a ser exibido como um troféu.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman foi quem melhor identificou essa virada. Em sua obra, que ultrapassa os 30 livros lançados no Brasil nos últimos 15 anos, ele esmiuça, com as ferramentas da sociologia e da política, o esgarçamento dos laços que sustentam o projeto da modernidade. Para Bauman, vivemos tempos líquidos, fluidos, em que a solidez do mundo escapa por entre os dedos em busca de nova síntese e projeto de civilização. A pós-modernidade não é um desdobramento da modernidade, mas a expressão do seu fracasso.

Dois novos livros de Bauman, publicados recentemente no Brasil, dão sequência ao projeto do autor de mapear os territórios contemporâneos: A cultura no mundo líquido moderno e Vigilância líquida. A obra do sociólogo parece se desenvolver em rizomas. Alguns temas que apenas apontam em algumas publicações se destacam em outras; o que é estilo sistemático num livro pode ganhar versão dialógica em outros volumes; a argumentação cerrada se equipara aos artigos mais ligeiros. Cientista que não perde sua postura de intelectual público, a forma de cada livro parece responder ao problema demandado por seu tempo e pelo interlocutor do momento.

Em A cultura no mundo moderno  estão reunidos seis ensaios que problematizam a noção de cultura numa sociedade que dissolveu todas as hierarquias em nome da primazia do indivíduo. No mundo líquido-moderno, todos se tornam consumidores (inclusive de bens culturais), desmanchando a noção unitária de cultura como um conceito organizador da vida social e política. Nos ensaios que integram o livro, Zygmunt Bauman reflete sobre a trajetória deste descaminho.

A primeira perda se dá quando a cultura, conceito criado há 200 anos, deixa de ser algo que aponta para as mudanças e aprimoramento necessário da vida social e se torna apenas um objeto consumível entre outros. Da vocação missionária, a cultura descamba para a tarefa de satisfazer necessidades banais, a busca de prazer imediato, o apetite da singularidade, a sedução da moda e a vontade de ser igual. Curiosamente, o que padroniza demais acaba por criar as distinções, gerando o cenário da pluralidade da cultura ou das culturas, que ganha território no chamado multiculturalismo. Na contramão dos que bradam pela diferença, Bauman tem a lucidez de clamar pela igualdade perdida.

“A cultura hoje se assemelha a uma das seções de um mundo moldado como uma gigantesca loja de departamentos em que vivem, acima de tudo, pessoas transformadas em consumidores.” Para Bauman, o projeto da cultura, em razão desse desvio preocupante e alienante, ainda está por se fazer, precisando recuperar sua inspiração originária. Cabe a ela, em vez de seduzir, esclarecer; no lugar de satisfazer necessidades, criar outras mais ambiciosas; em vez de garantir a pacificação das consciências, criar ansiedade pela mudança; destronar o consumidor para recolocar em seu lugar o cidadão. Mais que tudo, a cultura precisa fugir da tentação da satisfação total e definitiva, que não deixa espaço para a fantasia. Sem utopia não há cultura. O fim das utopias pode ser o túmulo da cultura como a concebemos nos últimos dois séculos.

DE OLHO “Sorria, você está sendo filmado.” O que era para ser um aviso parece, ironicamente, uma ameaça. A vigilância está em todo lugar. Somos monitorados, fiscalizados, vigiados, invadidos, escaneados e uma série de outras ações invasivas que parecem naturais. Mais que isso, assentimos a vigilância como uma condição do nosso tempo. Assim como no século 16 o filósofo Étienne de la Boetie falava em servidão voluntária, hoje somos todos voluntariamente vigiados. Temos prazer em ver reportagens de televisão que mostram assaltos flagrados por câmeras, como se isso justificasse de alguma maneira nossa submissão ao Big Brother.

Nos aeroportos os corpos são escaneados, numa operação quase pornográfica; nas redes sociais, os usuários são objeto da ganância dos provedores, que transformam a intimidade em informação negociável; entre as nações, países poderosos invadem a privacidade de chefes de Estado em nome da segurança mundial, ao mesmo tempo que posam de vestais da liberdade. A vigilância, nos termos de Bauman, se liquefaz, se insinua, se torna invisível. Os drones reais se tornam metáforas da capacidade de vigilância ubíqua.

Este cenário é o tema de Vigilância líquida, livro organizado a partir de troca de reflexões de Zygmunt Bauman com o sociólogo David Lyon, professor da Universidade de Queens, no Canadá. Os diálogos tratam de temas como a perda do anonimato nas redes sociais (“o privado é público”); a dimensão tecnológica da vigilância atual (em contraste com a dimensão sólida de épocas anteriores, como a do panóptico descrita por Foucault); as formas de vigilância global em razão da ameaça do terrorismo (como se segurança e liberdades civis constituíssem um jogo de soma zero); e as questões éticas em torno da vigilância (como o uso de informações pessoais para alimentar perfis de saúde e com isso limitar a cobertura dos planos de alguns pacientes), entre outros.

Vigilância líquida traz questões importantes e elege bons interlocutores. Além de Foucault, Bauman e Lyon ampliam suas reflexões até pensadores como Agnes Heller, Derrida, Deleuze, Hannah Arendt e Agamben, além de romancistas como Michel Houellebecq. Como se vê, nem só de política se alimenta a obsessão pela vigilância na sociedade dita livre. Com sua liquidez capaz de ocupar todos os espaços, a vigilância parece resumir também a ambição pela esperança. O que é tema do último diálogo do livro. “Podemos ser ‘confinados’ e ‘capturados’, mas também ‘pulamos’, mergulhamos e submergimos por vontade própria, no último sustentáculo de nossa esperança.” Bauman não cessa de acreditar no homem, embora desconfie dele por método e experiência.



A VIGILÂNCIA LÍQUIDA
. De Zygmunt Bauman
. Editora Zahar
. 160 páginas
. R$ 36,90




A CULTURA NO MUNDO LÍQUIDO MODERNO
. De Zygmunt Bauman
. Editora Zahar
. 112 páginas
. R$ 34,90

ENTREVISTA/ANA LUÍSA ESCOREL » Memória e invenção‏

ENTREVISTA/ANA LUÍSA ESCOREL » Memória e invenção 
 
Escritora paulistana fala de seu primeiro livro de ficção, Anel de vidro, e do trabalho à frente da Ouro sobre Azul 

 
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 25/01/2014



"Queria sentir se o interesse despertado pelo livro se devia ao que era contado, apenas, ou também à maneira como as coisas eram contadas"

Talvez tenha sido a experiência adquirida como designer gráfica, profissão à qual vem se dedicando há muitos anos – 12 deles como editora da Ouro sobre Azul –, que tenha incentivado a paulistana Ana Luísa Escorel a lançar-se como escritora. Seu primeiro livro, de tom memorialístico, O pai, a mãe e a filha, que teve ótima repercussão junto à crítica, com certeza a encorajou a aventurar-se como ficcionista, com a recente publicação de Anel de vidro, com o qual faz sua estreia no romance. “A trama do livro, sem novidade nenhuma, gira em torno do batidíssimo tema da infidelidade conjugal”, conta Ana Luísa Escorel. Em entrevista ao Pensar, ela fala de literatura, dos projetos da Ouro sobre Azul e da convivência com o pai, o pensador Antonio Candido, de quem Ana Luísa editou, com grande capricho, a obra completa.


Depois de atuar durante muito tempo como designer gráfica, há 12 anos você fundou a Editora Ouro sobre Azul. Como tem sido a experiência?
A Ouro sobre Azul surgiu no momento em que, no meu modo de ver, o mercado brasileiro para o design gráfico começou a mudar drasticamente de aspecto, dificultando a prática de profissionais, como os da minha geração e formação semelhante à minha, que sempre o viram como ferramenta para a produção de cultura e bem-estar social. Houve como que um abastardamento dos princípios básicos da atividade, tais como os entendemos aqueles que nos sentimos herdeiros da tradição humanista da Bauhaus. Nesse contexto houve a necessidade da busca de alternativas. E, permanecendo dentro de meu campo profissional, elegi esse que é o objeto gráfico, por excelência, o livro impresso, como foco em torno do qual iria concentrar os esforços e o interesse. Agreguei a editora à empresa já existente, de prestação de serviços em design gráfico, desejando, com isso, que, nesse novo setor da Ouro sobre Azul, as iniciativas de trabalho pudessem depender mais das minhas intuições e valores, me protegendo, assim, da limitação inerente à encomenda, circunstância que costuma tolher o gesto do designer.

Qual tem sido a área de abrangência da Ouro sobre Azul? Vocês recebem muitos originais? Quais são os principais lançamentos programados para este ano?
Cumprido o compromisso de trazer para o leitor a obra completa de Antonio Candido (crítico literário, autor de Formação da literatura brasileira e Parceiros do Rio Bonito) – empenho que tomou cerca de seis anos – e continuando na produção de livros ilustrados, defini um propósito mais preciso para a Ouro sobre Azul: editar apenas coisa boa. Isso valendo para os textos que me caíssem na mão, na área das ciências humanas e, mais recentemente, na área da literatura, independentemente da época em que tivessem sido escritos ou do grau de projeção do autor. Para este primeiro semestre, estão programados dois livros: Introdução ao pensamento político de Maquiavel, de Lauro Escorel, texto de 1958, que sai numa co-edição da Ouro sobre Azul com a Editora da FGV (Fundação Getulio Vargas), livro que, para alguns especialistas, junto com o Maquiaval republicano, de  1991, de Newton Bignotto, exprime o que de melhor se escreveu no Brasil sobre o pensador renascentista. E o outro será A palavra afiada, organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão para um conjunto de entrevistas, textos inéditos e cartas dirigidas a Mário de Andrade, todos de Gilda de Mello e Souza, minha mãe.

Por falar na sua mãe, a editora tem algum projeto de editar seus livros?
A obra da minha mãe está editada, e muito bem editada, pela Editora 34 e pela Companhia das Letras. Tenho sim o propósito de fazer com ela, algum dia, o mesmo que fiz com o meu pai, juntando os dois na Ouro Sobre Azul. Mas isso bem mais para a frente, não é projeto para agora.

Como você sentiu a repercussão do seu livro O pai, a mãe e a filha? E como se deu a elaboração deste texto?
Fiquei muito surpresa com a repercussão do livro, que nasceu de uma brincadeira com meus primos irmãos, pelo lado paterno, e minhas duas irmãs. Graças aos recursos da internet todos nós, seis ao todo, participamos de um encontro eletrônico no qual escrevíamos, de maneira sequente, cada semana um de nós, sobre as temporadas na casa de férias da família, em Poços de Caldas, vendida havia algum tempo e da qual todos sentiam muita falta. Os textos eram o meio de trazer a casa de volta. No meu caso o efeito foi adiante. Passei a lidar com a palavra de maneira até ali desconhecida e, dessa experiência, resultou O pai, a mãe e a filha .
A experiência adquirida com O pai, a mãe e a filha incentivou-a a escrever Anel de vidro?
Justamente dada a recepção positiva a O pai, a mãe e a filha, que me espantou muito, resolvi testar a escrita escolhendo, para outro projeto, um tema banal, o contrário do que ocorrera com o anterior, já que, de banal, o universo da menina que conduz a narrativa em O pai, a mãe e a filha não tinha nada. Queria sentir se o interesse despertado pelo livro se devia ao que era contado, apenas, ou também à maneira como as coisas eram contadas. Daí o formato do novo texto: uma só situação vista de maneiras diferentes por quatro pessoas, e tudo isso girando em torno do assunto batidíssimo da infidelidade conjugal. Então me veio à lembrança o filme Rashomon, de Akira Kurosawa, baseado no primeiro conto de Rynosuke Akutagawa, escritor japonês muito talentoso, que se matou em 1927, jovem ainda, com 37 anos. Em Anel de vidro a intenção foi polir a escrita e tentar urdir bem a trama, para dar interesse a uma situação, no fundo, sem interesse nem novidade nenhuma.

Como é ser filha de Antonio Candido, dono de obra monumental e que já está caminhando para os 100 anos?
Ser filha de um homem como meu pai tem seus prós e tem seus contras. Os prós decorrem do privilégio de estar tendo essa longa convivência com uma pessoa de temperamento alegre, otimista e que mostrou, pela vida afora, a tendência de extrair do próximo o que o próximo tem de melhor, característica que acaba por protegê-lo um pouco do lado turvo da existência. Esses traços, no plano familiar, resultam numa atmosfera de equilíbrio, de serenidade que nos alimenta a todos, filhas, netos e bisnetos, dando alento ao grupo para os embates de todos os dias. Os contras ficam por conta do efeito um pouco inibidor que uma personalidade tão bem dotada, intelectual e humanamente, pode acarretar de maneira involuntária naqueles que estão à volta. Há que se ter algum tutano para varar essa camada espessa de inteligência, erudição, realização pessoal e reconhecimento público que o envolve, e tentar, ao lado disso, construir uma identidade própria, descolada da identidade dele.


ANEL DE VIDRO
. De Ana Luísa Escorel
. Editora Ouro sobre Azul

Imaginação e humor( Aníbal Machado)‏ - Carlos Herculano Lopes

Imaginação e humor 
 
Há 50 anos morria no Rio de Janeiro o escritor mineiro Aníbal Machado, autor do romance João Ternura. Mesmo com poucos livros, sua influência é sentida no modernismo brasileiro 

 
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 25/01/2014


O escritor Aníbal Machado, em 1951: autor de talento e animador da cena cultural brasileira (Arquivo O Cruzeiro/EM-11/8/51)
O escritor Aníbal Machado, em 1951: autor de talento e animador da cena cultural brasileira
 Há 50 anos, em 20 de janeiro de 1964, morria Aníbal Machado, autor do clássico João Ternura. Em 2014, se celebram os 70 anos da estreia na ficção do escritor, com a coletânea de contos Vida feliz. Com reedições e acréscimos de outras histórias, o livro acabou ficando com o título de A morte da porta-estandarte & Tati, a garota e outras histórias. A ele se seguiria o romance João Ternura e a coletânea de reflexões, aforismos, poemas e outros temas intitulada Cadernos de João, de 1957. Este livro foi o resultado da reunião de duas obras, ABC das catástrofes e Topografia da insônia, de 1951, e Poemas em prosa, de 1955.

Tradutor, ensaísta e apaixonado pelo teatro e pelo cinema, em 1941 Aníbal Machado lançaria O cinema e sua infância na vida moderna. No teatro, além de ter ajudado a criar vários grupos, como Os Comediantes e Teatro Experimental do Negro, chegou a traduzir para o português trabalhos de Anton Tcheckov e Kafka, além de ter escrito a peça O piano, com a qual ganhou ou Prêmio Cláudio de Sousa, da Academia Brasileira de Letras.

A exemplo de outros autores, como o mineiro Murilo Rubião e o mexicano Juan Rulfo, também donos de obra curta, mas de impacto, Aníbal Machado mostrou que não é preciso encher uma estante de livros para se tornar grande ficcionista. Cuidadoso com sua produção literária, escrevia e reescrevia seus textos até a exaustão. Pelo menos três histórias suas, os contos “Viagem aos seios de Duília”, “Tati, a garota” e “A morte da porta-estandarte”, estão entre o que se publicou de melhor neste país no século passado. Não foi à toa que Jorge Amado o considerava “o maior contista brasileiro do modernismo”.

Em 1973, com direção de Bruno Barreto, então com 18 anos, o conto “Tati, a garota” ganhou versão para o cinema, tendo no elenco Hugo Carvana e Dina Sfat. Outra história de Aníbal Machado, o antológico “Viagem aos seios de Duília”, também foi levada ao cinema, em 1964, em filme dirigido por Hugo Chyristensen, com Lícia Magna e Rodolfo Mayer. Quatro anos depois, em 1968, Chyristensen filmaria também O menino e o vento, baseado em dois outros textos do escritor.

Homem que gostava da vida, contador de histórias como poucos, generoso com os escritores iniciantes, aos quais sempre procurava ajudar a publicar seus livros, também ficaram famosas as chamadas “domingueiras”, reuniões que de meados da década de 1930, quando já estava vivendo no Rio, até às vésperas de sua morte, em 1964, ele promovia nas duas casas em que morou com a família, a primeira na Rua Francisco Sá, em Copacabana, e depois na Visconde de Pirajá, em Ipanema.

Daqueles encontros, regados a boa prosa, que entravam tarde adentro, sempre com doses generosas de uísque e vinho, muita gente conhecida participou. Passaram por lá, entre outros, Pablo Neruda, Albert Camus, o cineasta Orson Welles, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Tônia Carrero, no auge da beleza. Uma das filhas de Aníbal, a escritora e dramaturga Maria Clara Machado, sempre estava presente.

Ao escrever sobre Cadernos de João, que ganhou reedição em 2002, pela José Olympio, o ensaísta e crítico literário José Castello afirmou ter sido Aníbal Machado um escritor realista, mas de realismo temperado pela observação impressionista e pelo humor. “Ele mesmo define: ‘Humor, rebelião tranquila do espírito contra a miséria envergonhada da condição humana’”, registrou Castello.

No mesmo volume, o jornalista e crítico literário Mário Pontes afirmou que a obra de Aníbal Machado sempre será uma revelação para o leitor. “Cada vez que saímos de seus livros, levamos a convicção de termos convivido com alguém meio mágico, que, para nos deslumbrar, de vez em quando ia além da nossa comum realidade, alguém iniciado do vento, do mar, do movimento, de tudo aquilo que a sensibilidade reserva a uma imaginação destemerosa, mas tranquila”, escreveu.

PRIMEIRO GOL De família de intelectuais e políticos, com antigas raízes em Minas, Aníbal Monteiro Machado nasceu em Sabará, em 10 de dezembro de 1894. Fez seus primeiros estudos em Belo Horizonte e alguns anos depois se mudou para o Rio, onde se matriculou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Voltou em seguida para a capital mineira, onde concluiu o curso, em 1917, tendo chegado a promotor público. Participou, escrevendo para jornais e revistas, da segundo etapa do movimento modernista.

Em Belo Horizonte, foi ainda professor, viveu intensamente a vida cultural da cidade e foi crítico de artes plásticas no jornal Diário de Minas, onde chegou a trabalhar com Carlos Drummond de Andrade e João Alphonsus.

Uma curiosidade: bom de bola e apaixonado pelo futebol, Aníbal Machado chegou a jogar durante três anos no Atlético e em 21 de março de 1909, um ano depois da fundação do clube, com apenas 15 anos, marcaria o primeiro gol da história do alvinegro, em jogo contra o Sport Clube, vencido pelo Galo por 3 a 1. Quando parou de jogar bola, depois de ter se formado em direito, participou da diretoria do time. 

Poesia solta no ar‏ - Ailton Magioli

Poesia solta no ar
 
A poeta curitibana Alice Ruiz participa, amanhã, de sarau literário em Belo Horizonte. Escritora defende a ampliação da literatura, em diálogo com os códigos sonoro e visual



Ailton Magioli
Estado de Minas: 25/01/2014


A poeta Alice Ruiz é conhecida por suas parcerias com os compositores Itamar Assumpção, Chico César e  Alzira Espíndola (Rogério Alonso/Divulgação )
A poeta Alice Ruiz é conhecida por suas parcerias com os compositores Itamar Assumpção, Chico César e Alzira Espíndola


Espalhar a poesia em outros veículos além do livro. A proposta é de Alice Ruiz, que vê em paredes, muros, utensílios, camisetas e pontos de ônibus espaços adequados para veicular a arte que produz. “Assim, mesmo quem não pode comprar livros, pode ler/ver/ouvir/viver poesia”, justifica a poeta curitibana, cuja própria manifestação mantém ritmo adequado à prática dos versos.

Artista convidada do Sarau do Memorial, em sessão dupla amanhã, no Memorial Minas Gerais Vale, na Praça da Liberdade, Alice diz que gosta “muito, muito mesmo”, de ler/declamar os próprios poemas. “Quando se ouve a obra na voz de quem a escreveu, percebe-se muito mais nitidamente as nuances do texto, mesmo que a pessoa não tenha lá grandes dons vocais”, afirma. Ela lembra que tem – e gosta de escutar – discos de vários poetas lendo os próprios textos.

“O do Mário Quintana, por exemplo: ele já estava com bastante idade quando gravou e há grandes pausas, alguma rouquidão e até falta o ar às vezes. Mas tudo isso se incorpora ao significado e sentimento dele, que é imenso”, elogia Alice Ruiz. Com mais de 20 livros publicados, a poeta diz que tem sentido uma nova linguagem no ar. “Tenho gostado de muitos autores novos, mas sou só poeta, não sou crítica e nem me arvoro a ser. Então, não me sinto no direito de avaliar a criação”, avisa.

Alice tem participado de vários projetos que mostram possibilidades de ampliar a relação da poesia com outras artes. “Aí também dependo dos parceiros, pois não domino nenhuma dessas tecnologias. A iniciativa é sempre deles, mas acho perfeito esse namoro da poesia com outras artes. Até porque, é mesmo da natureza da poesia se relacionar com outros códigos, como o visual e o sonoro”, acrescenta.

Para ela, é difícil dizer quando a literatura, sobretudo a poesia, entrou em sua vida. “Mesmo não tendo livros em casa, quando era menina sempre fui apaixonada pela palavra. Então, quando me defrontei com a primeira biblioteca, já na pré-adolescência, fiquei totalmente tomada por aquilo. Foi um deslumbramento”, recorda. Alice repara, no entanto, que naquela época não havia nada de poesia em sua vida. “Achava que não gostava de poesia, porque não entendia muito bem aquela que era ensinada em sala de aula.”

ZEN-BUDISMO O haicai, formato de poema japonês que se tornou uma das formas de expressão mais conhecidas da artista, vem da ligação com a natureza. “É nela que me recolho para recuperar as energias. E muito cedo comecei a escrever pequenas observações sobre a natureza, mas não sabia o que era aquilo e nem pretendia que fosse poesia. Só aos 22 anos, quando li o primeiro livro de haicai, é que me dei conta de que aquilo que eu escrevia era muito parecido com essa forma”, salienta.

Desde então, Alice Ruiz diz que começou a ler tudo, inclusive sobre o zen-budismo, pois o haicai pode ser considerado uma prática zen. “E para aprender mais profundamente essa forma comecei a traduzir. Depois a ensinar e, por fim, a dar oficinas. Estou sempre sendo provocada a criar, o que faz que essa seja minha maior produção. Mas não abro mão dos poemas maiores e nem das letras de música”, conta.

Em seu processo de composição na área da música popular, Alice admite ser muito raro ela colocar letra em melodia. “O que mais ocorre é o contrário, alguém musicar o que escrevo. Ou, em alguns momentos abençoados, acontece de compor junto, que é o jeito que mais gosto”, revela. “Faço questão de que minhas letras sejam poéticas, ou seja, que assim como nos poemas, tenham uma ideia significativa, muita verdade e trama na linguagem.”

A letra de canção, repara Alice Ruiz, precisa ser rimada, estar dentro da métrica e ser mais coloquial. “Tem que fluir como uma fala. E nisso ela é diferente da poesia para o papel, que nos permite mais tempo de reflexão para assimilar. Acho que a principal diferença está no tempo das duas formas, porque se a letra não pegar imediatamente, dificilmente ela vai pegar”, conclui.


ALICE RUIZ – SARAU DO MEMORIAL

Amanhã, às 11h e às 13h, na Casa da Ópera do Memorial Minas Gerais Vale, Praça da Liberdade, s/nº, esquina de Rua Gonçalves Dias, Funcionários. Classificação livre. Entrada franca mediante retirada de um par de convites por pessoa. Capacidade do espaço: 30 lugares. Informações: (31) 3308-4000.




HAICAIS INÉDITOS DE ALICE RUIZ

tempo de seca
enfeitando janelas
sempre viva

***

balança ao vento
o trevo de quatro folhas
suas três flores

***

canto claro
corta a tarde
pássaro preto

***

que fantasia vestem
quando tocadas pelo vento
as roupas no varal?

***

canto de pássaro
atravessa a madrugada
até acordar o dia



PALAVRA DE POETA
GÊNERO
“Arte não tem gênero. O aspecto da inspiração parece um estado atribuído ao feminino e o aspecto da elaboração parece um estado atribuído ao masculino. Então, talvez quem faz arte tenha uma sensibilidade andrógina. Leio homens e mulheres, na prosa e no verso.”

CONTRACULTURA
“Como a literatura reflete muito uma época e as coisas mudaram muito de lá pra cá, ficaram e ficam os daquela geração que estão produzindo hoje e retratando esse novo estado de coisas. Mas mantendo algumas conquistas, como a coloquialidade em uns casos, a brevidade em outros, e ainda o compromisso com a linguagem.”

LEMINSKI
“Acho que a poesia e a prosa dele (com exceção do Catatau) sempre foram de fácil acesso para o público, mas ele escrevia para o futuro e o futuro dele chegou. Quem sabe ainda chegará o momento do Catatau, livro mais experimental que escreveu.”

O público e o privado

Ailton Magioli

Biografia de Paulo Leminski está sendo contestada pela família (João Urban/Divulgação)
Biografia de Paulo Leminski está sendo contestada pela família

Viúva do poeta Paulo Leminski (1944-1989), Alice Ruiz conta que foi por iniciativa dela que o jornalista Toninho Vaz escreveu a biografia Paulo Leminski – O bandido que falava latim (Editora Record), que recentemente foi contestada pela família, que vem impedindo nova edição do livro. “Achei que ele, como jornalista, ex-poeta e pessoa que nos frequentava, poderia traçar um perfil do Paulo. Para isso o assessorei por dois anos, enquanto ele escrevia, e dei uma entrevista a ele que rendeu 120 laudas transcritas. Mas no final ele escolheu apimentar temas controversos, que trouxessem mais sucesso comercial ao livro, em detrimento do seu próprio biografado”, critica.

Alice se sente incomodada em meio à polêmica sobre a necessidade de autorização para realização de biografias. Mas defende sua posição. “Sou da geração que foi vítima da censura e tenho horror a ela. Mas, também por ser uma pessoa pública e viúva de uma pessoa pública, conheço bem de perto o que é ter sua privacidade invadida.” Sobre a recusa da família em autorizar a reedição, explica: “Não nos sentimos confortáveis de assinar embaixo. No mínimo, não autorizamos o uso dos textos do Paulo Leminski no livro, e eles são muitos. Mas essa é uma questão complicada, porque coloca direitos importantes em conflito”, pondera.

TeVê

TV paga



Estado de Minas: 25/01/2014



 (Imagem Filmes/Divulgação)

Uni-duni-tê


De um lado o rock de Renato Russo e sua Legião Urbana. De outro, um policial estrelado por Stephen Dorff. Pelo jeito a escolha não será tão difícil assim. A primeira opção é Somos tão jovens, com Thiago Mendonça (foto) no papel do roqueiro brasiliense, às 22h, no Telecine Premium. A alternativa é Rastros de violência e vai ao ar também às 22h, na HBO. Uma terceira via é o clássico Lola, na Mostra Rainer Werner Fassbinder, igualmente às 22h, no Canal Futura.

Megapix leva assinante a um giro por Las Vegas


O Megapix exibe hoje uma seleção com três filmes ambientados na Cidade do Pecado: 300 milhas para o inferno (17h20), Quebrando a banca (19h40) e Jogos de amor em Las Vegas (22h). No FX, inventaram para hoje o especial Cada macaco no seu galho, com King Kong (16h15), Monkeybone – No limite da imaginação (18h45), Planeta dos macacos (20h15) e Planeta dos macacos: a origem (22h30). No TCM, o Clube da comédia conta com Top secret! Superconfidencial (16h30), Loucademia de polícia (18h10) e Debi & Loide: dois idiotas em apuros (20h). No Telecine Touch, duas fitas com a história de John Lennon: Capítulo 27 (15h45) e O garoto de Liverpool (17h25).

Drama, ação e humor na  programação de cinema


Na faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Hotel Atlântico, no Canal Brasil; Meteoro, no Sony Spin; O vingador do futuro, na HBO HD; Millennium – Os homens que não amavam as mulheres, na HBO 2; Agente C – Dupla identidade, no Max; A última casa da rua, no Max HD; O traidor, na MGM; e Não é mais um besteirol americano, no Comedy Central. Outros destaques da programação: Os inquilinos, às 21h, no AXN; Confissão de assassinato, às 22h15, no Max Prime; e O samba que mora em mim, às 23h, na Cultura.

Documentário mostra o drama da Cracolândia


O SescTV apresenta hoje, às 20h, o documentário inédito Simulacrum praecipitii – A visão do abismo, que mostra um problema atual da capital paulista pelas lentes do fotógrafo italiano Alessio Ortu. Ele se aventurou pelos labirintos da Cracolândia, no Centro de São Paulo, visitando o local quase diariamente durante um ano. Dirigido por Humberto Bassanelli, o documentário é baseado nas fotografias que ficaram expostas no Palácio da Justiça de São Paulo em novembro de 2013.

History faz maratona de  Mestres da restauração


O canal History promove hoje, a partir das 20h, uma maratona com oito episódios da série Mestres da restauração, que mostra o trabalho de Rick Dale, conhecido consultor de antiquários e restaurador oficial do negócio da família Harrison em outro programa, o Trato feito.

Show do Raça Negra ao  vivo na telinha e na web


Para fechar, duas de música. Às 11h30, na Cultura, tem concerto comemorativo dos 460 anos de São Paulo, com a Orquestra Prelúdio, sob a regência do maestro Júlio Medaglia e participações especiais de Tom Zé, Rolando Boldrin, Inezita Barroso e Mauro Wrona, diretamente da Catedral Metropolitana da Sé. No mesmo canal, às 17h, o Manos e minas faz mais uma retrospectiva com os melhores momentos de 2013. E no Multishow, às 23h, será transmitido ao vivo a apresentação do grupo Raça Negra no Chevrolet Hall, em Belo Horizonte, simultaneamente com o site do canal (www.multishow.com.br).



CARAS & BOCAS » Show da tarde 

 

A dupla César Menotti & Fabiano vai hoje ao Programa Raul Gil (SBT/Divulgação)
A dupla César Menotti & Fabiano vai hoje ao Programa Raul Gil

O grupo Revelação participa do quadro “Crianças curiosas”, hoje, no Programa Raul Gil, às 14h15, no SBT/Alterosa. Outra atração é o quadro “Jovens talentos”, com meninos e meninas com idades entre 15 e 20 anos, avaliados pelo júri formado por Caio Mesquita, Amanda Neves, Jamily e Régis Tadeu. Já em “Eu e as crianças”, Raul recebe Isabely, Milena, Analú, Sofia, Trenzinho da Alegria, Dj Raylan e a dupla Vitor & Felipe. E ainda vai rolar as canjas de César Menotti & Fabiano e Naldo Benny.

Alterosa vai de Minas  ao Nordeste do Brasil


A equipe do Viação Cipó está de férias, mas o programa não para. Pelo menos continua reprisando as melhores reportagens de 2013. Hoje, às 9h, na Alterosa, o destino é Maceió, a bela capital de Alagoas, com suas praias paradisíacas e com direito a um passeio pela histórica Penedo, às margens do Rio São Francisco. Amanhã, no mesmo horário, vai ao ar a matéria especial sobre o Santuário do Caraça. E ainda hoje, às 9h30, o Minas movimenta vai mostrar a festa de Nossa Senhora do Rosário, em Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha.

TV Xuxa sai do ar hoje e não vai mais voltar


Chega ao fim hoje a temporada de férias do TV Xuxa em Angra dos Reis, com os cantores Victor & Leo, os atores Luís Miranda, Suzana Pires, Alexandra Richter e Simone Soares e o técnico Carlos Alberto Parreira em um grande luau. Em razão da Copa do Mundo e das eleições, o programa deixará de ser exibido. A Globo informou que a decisão foi tomada em acordo com a apresentadora Xuxa, que continua no elenco da emissora. O que se sabe, também, é que Xuxa deve ir para os Estados Unidos tratar uma inflamação nos pés.

Festeje o aniversário  de De Niro e Polanski

O Cine magazine, da Rede Minas, reservou para hoje, às 19h30, uma reportagem sobre os 70 anos de Robert de Niro. O programa também fala sobre os 80 anos de Roman Polanski, apresenta um ensaio sobre o filme Rio Vermelho, de Howard Hawks, e uma entrevista com Cristiano Burlan, diretor do documentário Mataram meu irmão, vencedor do festival É tudo verdade de 2013.

Cinema nacional foi  alvo fácil da ditadura

Também dedicada à sétima arte, mas na TV Brasil (canal 65 UHF), às 21h30, a Revista do cinema brasileiro vai lembrar o período da censura aos filmes nacionais, principalmente durante o governo militar. O crítico Marcelo Janot levanta o assunto, enquanto nos estúdios da emissora Natália Lage conversa com o diretor Flavio Langoni sobre a produção cinematográfica na internet.

+Globosat exibe série  produzida na França


O canal +Globosat estreia hoje, à meia-noite, a produção francesa Rani, série em oito episódios que narra a saga da filha bastarda de um nobre francês que come o pão que o diabo amassou, mas no fim se dá bem na história. No elenco, Mylène Jampanoi, Yves Pignot e Rémi Bichet.

Jeito para a coisa

O ator e humorista Carlinhos Aguiar viu sua vida mudar depois de interpretar o atrapalhado Jurandir na novela Carrossel. Figura conhecida das pegadinhas e do quadro “Jogo dos pontinhos”, do Programa Silvio Santos, ele fez questão de começar na teledramaturgia com um personagem cômico. Apostou em um jeito malandro para o mecânico da novela e, com isso, conquistou não só o público infantil como uma vaga no elenco da série Patrulha salvadora, derivada de Carrossel e que terá mais um capítulo exibido hoje, às 20h30, no SBT/Alterosa. “Agora, o Jurandir é um carcereiro abestalhado, que gosta muito dos patrulheiros, mas tem de obedecer à delegada Olívia (Noemi Gerbelli). Ele, na verdade, queria ser da patrulha”, confessa o ator.

VIVA
Quem curte carros antigos não pode perder o Vrum, amanhã, às 8h30, no SBT/Alterosa. É que o programa fará uma viagem ao passado nos woodies, aqueles com madeira aparente no acabamento, adorados pelos surfistas.

VAIA
Muito chato este culto à celebridade que tomou conta de parte da mídia. É possível fazer uma cobertura digna sem apelar para a invasão da privacidade dos artistas e a exploração de fotos de corpos seminus.

MOSTRA DE TIRADENTES » A cadeia como ela é‏

MOSTRA DE TIRADENTES » A cadeia como ela é Rodado em Curitiba, filme de Aly Muritiba expõe mazelas burocráticas que emperram o sistema carcerário brasileiro. Na contramão do preconceito, ele exibe a rotina dos agentes penitenciários



Carolina Braga
Estado de Minas : 25/01/2014



A gente foi filmado dentro do Centro de Detenção de São José dos Pinhais, na Grande Curitiba (Grafo Audiovisual/divulgação)
A gente foi filmado dentro do Centro de Detenção de São José dos Pinhais, na Grande Curitiba

Foram cinco anos de serviço como agente penitenciário na Grande Curitiba (PR). Diante daquela forte realidade, o então estudante de cinema Aly Muritiba viu surgir a ideia de um filme. Assim nasceu A gente, interessante híbrido de documentário e ficção que será exibido hoje na Mostra de Cinema de Tiradentes.

“Documentário é construção discursiva, assim como a ficção. É uma verdade”, comenta o diretor. Neste momento, o discurso construído por Muritiba dentro do Centro de Detenção de São José dos Pinhais se torna ainda mais relevante. Enquanto o Complexo de Pedrinhas, no Maranhão, escancara o colapso do sistema carcerário brasileiro, A gente oferece um olhar lúcido sobre a falência administrativa do sistema penitenciário a partir do exemplo do Paraná, tido como referência no país.

Além disso, o modo como Muritiba nos apresenta aquela realidade altera a imagem preconcebida sobre o seu antigo ofício. Geralmente, agentes penitenciários são vistos como brucutus truculentos e pouco intelectualizados. “Minha premissa é de que o sistema penitenciário não funciona, apesar de lá dentro existirem profissionais que acreditam no que fazem. O Estado não oferece capacitação técnica, gerencial e formativa a eles”, garante Aly.

Com a câmera na mão, o diretor – que pediu reintegração ao cargo para fazer o filme – registrou a rotina de sua equipe durante oito meses. Graças à intimidade com os colegas, nada parece forçado. Com o tempo, a câmera deixou de ser elemento estranho, integrando-se ao dia a dia da cadeia, mas sem ultrapassar o limite do respeito ao ser humano.

Ao longo de 89 minutos, Aly mostra a prisão como ela é. Apresenta detalhes das revistas para encontros íntimos, bem como o ritual em que agentes penitenciários se algemam no pátio interno. “É uma cadeia específica, mas pode ser o microcosmo, visto por dentro, de muitas outras neste país”, afirma.

AGENTE A narrativa se desenrola a partir de um personagem, o agente Jefferson Walkiu, no momento em que ele assume a inspetoria do presídio. Fora dali, esse pastor evangélico se dedica rotineiramente à sua igreja. “Era importante mostrar as duas facetas daquele mesmo homem no jogo. Ele crê muito no trabalho e na igreja”, explica o cineasta.

Embora a violência marque o ambiente, em nenhum momento ela é filmada em A gente – seja retratada ou sugerida. O foco está na burocracia que cerca o sistema e na ausência de políticas públicas para o setor. Aly mostra embates burocráticos que Walkiu enfrenta, a relação ética que mantém com os presos e os momentos em que ele precisa ser autoritário.

Mesmo que algumas cenas contem com a ajuda de atores, A gente não se distancia da realidade. “Não há fronteira entre documentário e ficção. Se ela existe, não sei onde está”, reforça Aly Muritiba.

MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

Até 1º de fevereiro. Entrada franca. Informações: www.mostratiradentes.com.br

JUNHO NA TELA


Além do longa A gente, Aly Muritiba leva a Tiradentes o curta-metragem Brasil, que será exibido quarta-feira, no Cine Tenda. O filme conta a história de dois irmãos enquanto se preparam para participar das manifestações de junho do ano passado. Um deles é policial do Batalhão de Choque e o outro prepara cartazes e coquetel molotov para o protesto.


PROGRAMAÇÃO

HOJE

CINE TEATRO SESI

>> 10h30 às 12h – Seminário Processos audiovisuais de criação: outros modos
>> 12h15 às 13h30 – O percurso do ator Marat Descartes
>> 17h – Exibição de E além de tudo me deixou mudo o violão, de Anna Muylaert

CINE TENDA

>> 11h – Tainá – A origem, de Rosane Svartman
>> 15h – Sessão Curtas homenagem. A caminho de casa, de Paula Szutan e Renata Terra; Uma confusão cotidiana, de Marat Descartes; Fala comigo agora!, de Karina Ades e Joaquim Lino; 145, de Gero Camilo.
>> 16h – Sessão Curtas panorama: Eva Maria, de Rafael Antonio Todeschini; O porto, de Clarissa Campolina, Julia De Simone, Luiz Pretti e Ricardo Pretti; Malha, de Paulo Roberto;
O proustiano de Osasco, de Marcos Fabio Katudjian; e Ouça o ciclone, de Lucas Camargo de Barros.
>> 18h – A gente, de Aly Muritiba
>> 20h – Uma dose violenta de qualquer coisa, de Gustavo Galvão
>> 22h – Depois da chuva, de Cláudio Marques e Marília Hughes

CINE BNDES NA PRAÇA
>> 21h – Cidade de Deus – 10 anos depois, de Cavi Borges e Luciano Vidigal

CINE TENDA BAR
>> 0h30 – Cantor Lucas Avelar

AMANHÃ

CINE TEATRO SESI

>> 12h – Lançamento de livros e DVDs
>> 15h30 – Amador, de Cristiano Burlan

CINE TENDA
Meu pé de laranja-lima: atração de amanhã, no Cine Tenda (Camila Botelho/Divulgação)
Meu pé de laranja-lima: atração de amanhã, no Cine Tenda

>> 11h – Brichos – A floresta é nossa, de Paulo Munhoz
>> 15h – Meu pé de laranja-lima, de Marcos Bernstein
>> 16h30 – Curtas: Em trânsito, de Marcelo Pedroso; Todos esses dias em que sou estrangeiro, de Eduardo Morotó; O completo estranho, de Leonardo Mouramateus; e Tigre, de João Borges
>> 18h – Riocorrente, de Paulo Sacramento
>> 20h – Passarinho lá de Nova Iorque, de Murilo Salles
>> 22h – Amor, plástico e barulho, de Renata Pinheiro

CINE BNDES NA PRAÇA

>> 12h30 – Cia. Teatral Manicômicos: A flor de manacá
>> 21h – Olho nu, de Joel Pizzini

CINE TENDA BAR
>> 0h30 – Cantoras Celinha Braga e Marina Machado

O despertar para a pesquisa

Inúmeras escolas brasileiras incentivam, por meio de projetos pedagógicos, estudantes do ensino médio a se interessarem pela ciência e tecnologia, na chamada iniciação científica.


Marcus Celestino e Cristiana Andrade
Estado de Minas: 25/01/2014



O incentivo à formação de novos pesquisadores nasce nas salas de aula de milhares de escolas brasileiras, em aulas de ciência, geografia, matemática, física e outras tantas disciplinas. Em parte, as iniciativas são impulsionadas pelas semanas de ciência e tecnologia realizadas geralmente no fim do ano, mas grande parte delas é investimento pessoal de muitos professores e dos próprios estudantes, principalmente os mais curiosos, que estão sempre atrás de respostas para suas inúmeras dúvidas. A importância de incentivar estudantes ainda nos ensinos fundamental e médio para esse olhar para a pesquisa é tão grande que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) trabalha com três programas de financiamento de iniciação científica no país voltados para alunos nessa faixa etária.

Um deles é o PIC-OBMEP, que atende alunos dos ensinos fundamental e médio premiados na Olimpíada Brasileira de Matemática nas Escolas Públicas; o outro é o IC-Jr/FAPs, desenvolvido em parceria com as fundações de apoio à pesquisa (FAPs) estaduais e voltado para estudantes de ensino médio das escolas públicas. Nessa modalidade, as FAPs selecionam os projetos e indicam os bolsistas. O outro programa é o PIBIC-EM, voltado para estudantes do ensino médio, cujas bolsas são concedidas diretamente às instituições.

Em 2013, o CNPq concedeu 17.799 bolsas de iniciação cientifica júnior, sendo a grande maioria para a Região Sudeste, com 9.559 estudantes contemplados. Em seguida veio o Nordeste, com 3.373; Sul, com 2.406; a Região Norte, com 1.258; e o Centro-Oeste, com 1.204. As bolsas têm valor de R$ 100 mensais e duram um ano. Podem se candidatar estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública, mediante sua participação em atividades de pesquisa científica ou tecnológica orientada por pesquisador qualificado. Segundo o conselho, não há, até agora, previsão de criação de novos programas em 2014, bem como aumento no número de bolsas a serem concedidas.

O legal é que, com apoio ou não, há muitas instituições que incentivam os estudantes a despertarem o olhar para a ciência. Em Minas Gerais, alunos do Colégio Cotemig, impulsionados pelo exercício de trabalhar com pesquisa e inovação, tomaram como desafio o desenvolvimento de ferramentas que pudessem ajudar as pessoas a explorar melhor o universo de sua alimentação. Para isso, criaram aplicativos e websites focados no balanceamento do cardápio diário. Os projetos criados por eles, todos de baixo custo, foram apresentados em um evento realizado há 20 anos em Belo Horizonte, a Tecnofeira, com o intuito de aproximar estudantes, educadores, profissionais da área de informática e investidores.

O grupo liderado pelo aluno Artur Marcos, de 17 anos, por exemplo, partiu de um exemplo real para criar um aplicativo para lá de útil – a mãe do jovem é diabética. Partindo dessa informação, Artur apresentou aos companheiros o conceito que pretendia desenvolver no aplicativo: o paciente cadastra todos os seus medicamentos e os horários que tem de tomá-los e também gerencia o cardápio diário, adicionando todos os alimentos ingeridos. Assim, o programa é capaz de calcular quantas calorias são absorvidas e, principalmente, os carboidratos. O “Leve Vida” permite que a pessoa tenha acesso a relatórios e gráficos sobre tais índices. Os diabéticos têm de ficar sempre atentos ao nível de glicemia no sangue, pois a doença metabólica tende a aumentar os índices de glicose. Outro ponto positivo do aplicativo é permitir cadastrar um número de telefone celular para que receba mensagens via SMS avisando sobre os horários determinados para a pessoa tomar seus medicamentos.

Com o desenvolvimento do “Leve Vida”, Artur e seus colegas criaram não somente uma ferramenta para auxiliar a mãe do rapaz, mas também milhões de pessoas acometidas pelo diabetes. “Médicos também podem usar o aplicativo, é uma forma de eles controlarem a rotina dos pacientes”, diz o jovem. Só no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, mais de 1,5 milhão de cidadãos recebem medicamentos para a doença por meio da rede pública. “Muitas pessoas se interessaram (pelo projeto) e nos ofereceram estágios, além de se disporem  a comprar ou investir no aplicativo. O grupo quer seguir adiante com o projeto”, afirma Artur. Ademais, o estudante ressalta que o programa está recebendo os últimos ajustes e estará disponível para download nos celulares com Android ainda no primeiro semestre. Caso se torne sucesso, o próximo passo é disponibilizá-lo na Apple Store.

LANCHE CONTROLADO NA ESCOLA É certo que a maioria dos pais se preocupa com a alimentação dos filhos, especialmente no âmbito escolar. Pensando nisso, o grupo coordenado pelo estudante do Cotemig Matheus Henrique Santos, de 17, desenvolveu um sistema de compras controlado. Os pais têm acesso ao cardápio da lanchonete do colégio do filho e decidem quanto será gasto e o que será ingerido pela criança, que recebe um cartão com a quantia monetária específica a ser gasta. Na lanchonete há um sistema de controle, fazendo com que os funcionários saibam qual é o cardápio do aluno. O cartão pode ser recarregado on-line e o design é um diferencial. Num estilo semelhante a um chaveiro, ele seria lido por um código de barras presente na lanchonete. De acordo com Matheus, dessa maneira a leitura seria mais rápida, evitando grandes filas e com uma manutenção mais barata. “Temos, ainda, a intenção de implementar o sistema em celulares, facilitando ainda mais a vida de todos. O legal foi que na Tecnofeira recebemos elogios e sugestões para melhorar o sistema. Além disso, conversei com uma nutricionista, mostrei para ela o trabalho e ela o considerou revolucionário no mundo da nutrição”, disse o estudante.

Outro projto criado por estudantes do Cotemig foi o portal Foconutri, objetivando melhorar a interação entre pacientes e médicos. Pelo site, clientes podem trocar mensagens com o profissional para tirar dúvidas sobre seu tratamento, receber o arquivo (tanto em formato de texto quanto em pdf) com sua dieta e outras ferramentas interessantes. Segundo Vágner Resende, de 18, integrante do grupo que criou o portal, a ideia inicial era oferecer um serviço via mensagem de celular. “A falta de patrocínio não nos permitiu contratar o serviço de obtenção de SMS. Além disso, estávamos com medo de o serviço falhar na Tecnofeira”, comenta Vágner. Vale destacar que o grupo, assim como os outros, ainda não tem apoio, mas está aberto a parcerias com investidores.

Experiências BRASIL AFORA

» Açaí para tratar a água

Os bairros da periferia e regiões ribeirinhas do município de Moju, no Pará, não têm tratamento de água adequado e o consumo é feito diretamente das torneiras. Com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população, que constantemente sofre com doenças relacionadas à falta desse serviço, o estudante Edivan Nascimento Pereira, de 19 anos, resolveu aproveitar o caroço de uma fruta típica da região, o açaí, para desenvolver um tipo de carvão capaz de filtrar e purificar a água, tornando-a apropriada para consumo. Com orientação do professor de física e química Valdemar Carneiro Rodrigues Júnior, da Escola Estadual de Ensino Médio Profª. Ernestina Pereira Maia, o trabalho ficou em 1º lugar na categoria Ensino médio da 27ª edição do Prêmio Jovem Cientista no ano passado.

» Lixo como tema

Lixo urbano foi o tema atribuído ao grupo do estudante Emerson Alves da Silva, que cursa o ensino médio. O jovem deveria desenvolver uma pesquisa de iniciação científica, dentro do Projeto Critice, desenvolvido na Escola Estadual Professora Odila Leite dos Santos, em Itaquaquecetuba, São Paulo. Engajado em descobrir mais sobre o assunto, Emerson consultou livros na Sala de Leitura da escola, leu blogs na internet e foi para a rua observar os hábitos das pessoas quanto ao descarte de lixo. “Entramos em contato com outras situações, muito além do que é estabelecido na escola. No meu projeto, por exemplo, concluí que parte das pessoas não sabe descartar o lixo de forma adequada. Nos locais que visitei não é comum reciclar”, disse. Todas as impressões foram passadas para o papel. A tarefa de redigir o relatório final contou com a orientação do professor de geografia Luiz Henrique Aguilar. Em sala de aula, o educador ensinou os passos para dominar a linguagem acadêmica e estruturar o trabalho segundo as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “A experiência fez com que eles aprimorassem a escrita e o senso crítico, objetivos principais do projeto Critice. O exercício
fez com que eles aprendessem a escrever seus próprios textos”, conta o professor, que também
o idealizador do projeto.

» Contato com a academia

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolve um programa de iniciação científica júnior para integrar estudantes de ensino médio de escolas públicas em atividades de pesquisa sob a orientação de professores ou pesquisadores com vínculo empregatício com a Unicamp. O projeto tem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Entre os objetivos estão despertar jovens talentos para as áreas de pesquisa científica, envolvendo o aluno com os desafios atuais da ciência e com a metodologia do trabalho científico e oferecer aos docentes, estudantes de graduação e pós-graduação da universidade a oportunidade de interagir com o ensino médio, possibilitando a oportunidade de praticar diferentes maneiras de transmissão do conhecimento aos alunos.

Fontes: CNPq, Secretaria de Estado de Educação de São Paulo e Unicamp

Palavra de especialista
Carla Taís Dias Mendes, nutricionista, pós-graduada em gestão da qualidade em serviços de alimentação

Criações interessantes

“Todos os aplicativos propostos pelos alunos do Cotemig são novidades. O sistema de compras, por exemplo, parece ser bem significativo, principalmente em se tratando de crianças e jovens no ambiente escolar. No entanto, pais e moderadores necessitariam ter total conhecimento da dieta, com acompanhamento de um nutricionista, inclusive para liberar com responsabilidade certos "abusos" quando se trata do público infantil. Quanto ao aplicativo voltado para diabéticos, acho válido por ser personalizado, com todos os dados sendo colocados pelo usuário. Diabetes é muito pessoal e toda a dieta é traçada de acordo com o gasto energético, estilo de vida, inclusive a medicação, insulina e seus horários. Resumindo, se não fosse personalizado não valeria absolutamente nada, mas como é, a iniciativa é excepcional por parte do grupo. Por fim, sobre o Foconutri, o nutricionista, com a anamnese e todos os dados do paciente em mãos, e este alimentando o portal com  os dados de sua alimentação 24 horas, teriam uma relação mais estreita. Seria uma agenda on-line, onde ambos estariam cientes do que está sendo feito. Assim, as correções e dicas ganhariam mais agilidade, não dependendo de consultas mensais para isso.” 

Arnaldo Viana - Cara de tacho, não‏

Cara de tacho, não 
 
Arnaldo Viana - arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br
Estado de MInas: 25/01/2014


Ah, minha cara senhora, aqui estou eu com minhas veias furadas, escavadas. Algumas até com o fluxo invertido. É para correr o move, o BRT, embora prefira chamá-lo de ônibus articulado. Recebo-o como uma emergência, ou melhor, uma proposta, safena para desafogar minhas artérias. Será, cara senhora, filha minha, lembra-se? Dedico esta data para, mais uma vez, receber suas promessas, que, há anos, me estufam o orgulho. Dizem que promessa não enche barriga, mas que dá um baita lustro no ego, isso dá.

É a quarta ou quinta vez que as ouço de sua voz firme, de comandante-geral. Ouço-as com esperança. Os filhos, seus irmãos naturais e adotados, as recebem com ar de deboche. Dizem que não tomo vergonha por ter ficado essas vezes todas com cara de tacho. Sabe, cara de tacho? É uma expressão do sertão mineiro. Cara de decepção. Vão falar ainda que demorei a comentar sua visita. Mas é que esperei chegar 2014, ano de Copa, de eleições. Tempo oportuno. Sabe como é, né?

A senhora prometeu, de novo, dinheiro para o metrô. Linha 3, da Lagoinha à Savassi. Há quem diga que nesse trecho, em termos de mobilidade, quase nada muda. Mas já é alguma coisa. Não entendi a linha entre Santa Tereza e a Praça Raul Soares. Maldosos dizem que é para a galera frequentadora do restaurante do Marilton, do Temático e do bar do Chumba fazer um rolezinho nos bares do Mercado Central. Transporte oportuno nesses tempos de Lei Seca. Rolezinho – coisa da moda, não?

Minhas vizinhas também estão eufóricas. É que no pacote anunciado pela senhora há uma linha metropolitana entre o Bairro Novo Eldorado, em Contagem, e o Belvedere, em BH; o corredor metropolitano Norte, para o BRT, da Avenida Vilarinho ao Terminal Justinópolis, em Ribeirão das Neves, e da MG-010, em Vespasiano, à Avenida Vilarinho. E uma espichada do ônibus articulado até Santa Luzia. Ah, é de emocionar.

Não vou falar de tudo, mas dois outros projetos me deixaram arrepiada: a Via 210, para facilitar o acesso do Barreiro ao Centro, e vice-versa, e ao sistema de metrô; e a Via 710, ligação das avenidas Dos Andradas e Cristiano Machado.

Esse pacotão, se é, de tudo, serventia ou não, vai me deixar mais bonita que filha de costureira. Lembro-me da senhora lá na Serraria Souza Pinto, com o governador e o prefeito, toda poderosa, hein? Claro, né, tem a chave do cofre... Desta vez, não me deixe como noiva abandonada no altar. Cara de tacho, não. Não quero. E mais um pedido: passe um pito no seu povo para assinar logo a autorização para o início da duplicação da BR-381, chamada de Rodovia da Morte. Ninguém merece tanta burocracia. 

Eduardo Almeida Reis - Selfie‏

Selfie
 
Na Marinha brasileira, hélice é substantivo masculino, como também na rubrica anatomia geral: rebordo externo do pavilhão da orelha


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 25/01/2014

Autofotografia virou moda depois que o Oxford dicionarizou a palavra selfie: noun (plural selfies), informal – a photograph that one has taken of oneself, typically one taken with a smartphone or webcam and uploaded to a social media website: ocasional salfies are acceptable, but posting a new picture of yourself everyday isn’t necessary. Não só é desnecessária, como a postagem diária de uma nova foto pode ser sintoma de loucura, di-lo aqui o degas. O que pouca gente sabe é que muitas máquinas antigas, fabricadas há 60 ou mais anos, contavam com um dispositivo que atrasava o clique em alguns segundos, tempo suficiente para o fotógrafo correr e se meter no grupo que seria fotografado. Em Lambari, no Circuito das Águas, Sul de Minas, aconteceu fato hilariante, quando um veranista gordo montou sua câmera sobre o tripé, acionou o tal dispositivo e correu para juntar-se ao grupo de amigos. Na corrida, tropeçou num cipó e a foto mostrou o grupo às gargalhadas com o fotógrafo esborrachado no chão.


Mayday 

Se o leitor fosse anterior aos aviões a jato saberia de um negócio chamado embandeirar, que significava botar em passo bandeira as hélices de um avião, um passo que gera o mínimo de arrasto. Se um motor pifa, o piloto põe suas hélices em passo bandeira para tentar voar com o outro ou os outros motores. Acontece que veterano e respeitado jornalista mineiro, natural de Paraopeba, casado com bela francesa, se amarra no Mayday, programa de televisão sobre desastres aéreos. Mayday é um distress call, sinal reconhecido internacionalmente e usado especialmente em navios e aviões. Caro que não sei o que é distress, mas vou ao Collins inglês-português e vejo que é angústia, desgraça, miséria, área de baixo nível socioeconômico; no caso do mayday, sinal de perigo. Zapeando o televisor já assisti algumas vezes ao tal programa. Só é bom quando todo mundo se salva. Volto ao may, sem o day, para dizer que significa “pode ser verdade”, “talvez aconteça” e “podia ter ocorrido”, enquanto May Day maiúsculo é o dia de celebrar a chegada da primavera. Na Marinha brasileira, hélice é substantivo masculino, como também na rubrica anatomia geral: rebordo externo do pavilhão da orelha.

Os primeiros aviadores da Força Aérea Brasileira (FAB) foram da Marinha (aviação embarcada), motivo pelo qual conheci diversos coronéis da FAB que falavam dos hélices dos seus aviões. Rapazola, voando de Corumbá para Campo Grande, encarei um mayday para ninguém botar defeito. Corumbá, no Pantanal, fica a 118m de altitude e Campo Grande, já no Planalto Central, a 592m de altitude. Entre as duas há bonito paredão de rocha a prumo, que separa os dois ecossistemas. E foi justamente sobre o paredão, voando baixo, porque vinha ganhando altura desde que saímos de Corumbá, que um dos motores do DC-3 pifou. O comandante botou as hélices do motor pifado em passo bandeira e aumentou o giro no outro, que começou a soltar fumaça escura, quase preta. Depois, soubemos que a fábrica recomendava um máximo de dois minutos naquele giro de motor. Voamos soltando fumaça preta até Campo Grande, pouco acima das árvores do cerrado, durante não sei quantos minutos. Pela porta aberta da cabine, vi que o comandante fumou uns 200 cigarros. Os passageiros, em fila no corredor, arrastávamos nossas malas da cauda para a cabine do avião, não me perguntem por quê. O mayday radiofônico funcionou e já pousamos no aeroporto de Campo Grande acompanhados por diversos caminhões de bombeiros. Muitos militares, ainda em uniformes de ginástica, carregando porretes de quase um metro. Pensei que fossem para acabar de abater os passageiros a pauladas, mas me disseram que eram para quebrar a fuselagem do DC-3. Pergunta se tive medo. Nem um pouquinho. Todo jovem se considera imortal. As emissões de CO2 na produção e publicação deste belo texto foram compensadas pelas árvores que o philosopho plantou.


O mundo é uma bola

25 de janeiro de 1308: Eduardo II, da Inglaterra, se casa com Isabel da França. Em 1327, o mesmíssimo Eduardo II, da Inglaterra, é obrigado por sua mulher, a mesmíssima Isabel da França, e pelos nobres, a abdicar em favor de seu filho Eduardo III. Parece que Eduardo II teve quatro filhos com Isabel. Parece, ainda, que ele era bissexual. A historiografia inglesa conta coisas de arrepiar, tais como o assassinato de Eduardo II, quando lhe teriam introduzido no ânus um chifre oco de boi, através do qual introduziram um ferro em brasa que o queimou por dentro. Em 1533 Henrique VIII, da Inglaterra, se casa com Ana Bolena, aliás Anne Boleyn, que não foi empalada com um chifre oco, mas decapitada por ter plantado chifres na testa de Henrique VIII. Em 1881, Alexander Graham Bell e Thomas Edison fundam a Companhia Telefônica Oriental. Em 1971, Charles Manson e três mulheres da “família Manson” são condenados a prisão perpétua. Até outro dia Manson estava preso e deve ter custado ao contribuinte norte-americano uma fortuna. Seria muito mais simples, lógico e barato matar o maluco. Hoje é o Dia do Carteiro, da Bossa Nova e da fundação da cidade de São Paulo.

Superlotação carcerária - Leonardo Isaac Yarochewsky

Superlotação carcerária
 
A prisão deve ser o último recurso do Estado na contenção da criminalidade e, mesmo assim, só em casos extremados


Leonardo Isaac Yarochewsky
Advogado criminalista, doutor em ciências penais

Estado de Minas: 25/01/2014



Não é de hoje que o caos e as mazelas do sistema carcerário brasileiro são notórios e de conhecimento público, o que por si só dispensa provas. Inúmeros mutirões, censos e forças-tarefas já foram realizados para chegar à conclusão sabida de todos: o sistema carcerário brasileiro está falido. Falido, o mesmo que arruinado, arrasado, demolido, desmantelado etc. Desse modo, é necessário que um novo modelo seja pensado sem as amarras e vícios do atual sistema penitenciário.

No que se refere ao problema da superpopulação carcerária é preciso destacar que entre 1995 e 2005 a população carcerária do Brasil saltou de 148 mil presos para 361.402, um crescimento de 143,91% em uma década. Já nos últimos cinco anos, segundo relatório divulgado ontem (21/1/2014) pela Human Rights Watch, a população carcerária cresceu 30%. Hoje a população carcerária está em torno de 550 mil presos, 274 para cada 100 mil habitantes. O Brasil, em números absolutos, possui a quarta maior população carcerária do planeta, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia. O déficit carcerário está próximo de 250 mil vagas. A situação se agrava com a entrada em média de 3 mil novos presos por mês no sistema. Aspecto que, também, contribui muito para este caos é o número de presos provisórios, ou seja, que não foram condenados definitivamente por uma sentença transitada em julgado. Infelizmente, as prisões provisórias (prisão temporária, prisão preventiva etc.), que deveriam ser uma exceção, se transformaram em regra em flagrante violação ao princípio constitucional da não culpabilidade ou da presunção de inocência.

Sem pretender justificar, mas tão somente tentar explicar, situações em que o preso é tratado como animal nocivo e colocado em lugares mórbidos, fétidos e cruéis, levam inevitavelmente a reações como as que vêm ocorrendo, por exemplo, em São Luís do Maranhão.

Como bem observa Maria Lúcia Karam, no livro Dos crimes, penas e fantasias, “grande parte desses homicídios brutais entre os próprios presos nasce da convivência forçada, que faz com que qualquer incidente, qualquer divergência, qualquer desentendimento, qualquer antipatia, qualquer dificuldade de relacionamento, assumam proporções insuportáveis. O desgaste da convivência entre pessoas que, eventualmente, não se entendam, aqui é inevitável. As pessoas que não se ajustam, os inimigos são obrigados a se ver todos os dias, a ocupar o mesmo espaço, o que, evidentemente, acirra os ânimos, eleva a tensão, exacerba os sentimentos de ódio, levando, muitas vezes, a que um preso mate outro, por motivos aparentemente sem importância”.

É forçoso que se entenda, de uma ver por todas, que punição não é sinônimo de prisão e que existem inúmeros casos em que ela pode ser substituída por outra pena que não pela ultrapassada pena de privação da liberdade.

Contudo, é comum encontrarmos nas prisões brasileiras pessoas que foram condenadas por crimes de bagatela ou por tráfico, em razão da má aplicação da lei de drogas, que, também, não distingue como deveria o referido crime. Hoje cerca de 1/5 da população carcerária é de pessoas condenadas por “tráfico” de drogas. Ocorre que a maioria dessas pessoas, na verdade, não passam de meros usuários ou pequenos “traficantes”, que, muitas vezes sem intenção de lucro ou de meio para sua subsistência, cedem pequena quantidade de droga a terceiros.

Nunca é demais advertir que as penas restritivas de direitos apresentam inúmeras vantagens em relação às penas privativas de liberdade, como, por exemplo, a redução do alarmante índice de reincidência, cerca de 70%, em relação aos que cumprem pena privativa de liberdade, e menos de 5% entre aqueles que tiveram sua pena privativa de liberdade substituída pela pena restritiva de direitos. Isso para não falar dos reconhecidos males da prisão como universidade do crime e fábrica de delinquentes.

E para os que só pensam em economia é bom lembrar que o custo das penas restritivas de direitos para a sociedade é infinitamente menor do que o de manter uma pessoa presa por vários anos. Repita-se, a prisão deve ser o último recurso do Estado na contenção da criminalidade e, mesmo assim, somente empregada em casos extremados em que não há outro remédio menos danoso para o indivíduo e para a sociedade. Enquanto o estado e a sociedade não entenderem dessa forma, situações como a que ocorreu no Maranhão e que vêm se repetindo ao longo dos anos, serão inevitáveis.