Ana Clara Brant
Estado de Minas: 01/12/2012
O escritor Mário de Andrade costumava implicar com a “pianolatria brasileira”, ou seja, o interesse desmedido pelo piano no começo do século 20. Um país que já formou gente do gabarito de Chiquinha Gonzaga, Guiomar Novaes, Magdalena Tagliaferro, Nelson Freire, Arthur Moreira Lima e Arnaldo Cohen e sempre foi apaixonado pelo instrumento parece sentir que sua dominância está diminuindo. Pelo menos é o que percebem alguns especialistas no assunto. “Estamos perdendo a cultura do piano. Toda casa tinha um e sempre alguém estudando. Somos uma nação extremamente musical, mas não desenvolvemos essa cultura da música, especialmente a clássica. Temos grandes talentos, mas isso não é potencializado”, lamenta a pianista Lilian Barretto, diretora da 3ª edição do Concurso Internacional BNDES de Piano, que está sendo realizado no Rio de Janeiro.
Os números do evento reforçam a tese de Lilian. Dos 91 inscritos, apenas sete são brasileiros, todos residentes no exterior. Na seleção final, com 18 pianistas de 12 países, o Brasil tem apenas um representante, que também não vive por aqui. A coordenadora acredita que esses dados apontam uma necessidade de investimento no estudo do piano nas escolas de música e conservatórios, além da preparação dos professores. “O grande problema é que todos os finalistas daqui moram no exterior. Temos que equipar nossas escolas, que, muitas vezes, têm pianos muito antigos, desafinados. Mas o problema da infraestrutura não está restrito à música. É um problema do Brasil”, desabafa Lilian.
E a pianista ainda faz um alerta: “É preciso investir no solista também, ter figuras de proa, como havia no passado, para transmitir seus ensinamentos. A formação de um solista é a mesma de um atleta. Você pode treinar para disputar uma Olimpíada ou para dar aulas de educação física. No caso do pianista, ele pode ser um professor, dar aulas ou ser um artista de ponta e apresentar concertos no mundo inteiro. Mas é necessário oferecer as duas opções. Quem tem potencial artístico no Brasil acaba procurando uma instituição estrangeira para se aprimorar e buscar bolsas de estudos. Aqui não tem como fazer isso.”
Mas será mesmo que o piano anda em crise? Para a professora da Escola de Música da UFMG e coordenadora do vestibular de música da universidade Margarida Maria Borghoff, há alguns anos praticamente só existia o piano e hoje a oferta de instrumentos aumentou. Os números do vestibular apontam essa tendência. De acordo com Margarida, a relação candidato/vaga do piano caiu bastante nos últimos anos e o violão, o canto e a percussão passaram a ser mais procurados. “E ainda tinha essa história de que as mulheres só podiam tocar piano. Hoje elas tocam tudo. O interesse pelo piano foi repartido com outros instrumentos. Além do mais, ele exige muita técnica, dedicação. Tem uma dificuldade e um repertório absurdos”, opina.
Do concerto à terapia
Professora particular há mais de 30 anos, Lenice Cintra indica outros motivos para a perda do espaço do instrumento eternizado por nomes como Chopin e Mozart. A gama de opções e entretenimento que os jovens passaram a ter nos últimos tempos, como redes sociais e jogos eletrônicos, também pode ter contribuído para diminuir o interesse pelo piano. “A gente vive uma cultura em que tudo é para ontem, muito imediatista. Tem mães que querem o filho tocando uma partitura em menos de um mês. Isso não existe. Com o teclado isso é mais fácil. Mas são coisas diferentes. Além disso, o piano é um instrumento caro, nem todo mundo pode ter. Mesmo com a redução do número de alunos, sempre vai ter gente tocando, não só para ser um concertista, mas como terapia ou válvula de escape”, acredita Lenice.
Diretora executiva da Fundação de Educação Artística (FEA), a professora e pianista Berenice Menegale vê com bons olhos esse interesse por outros instrumentos, mas, mesmo assim, considera o piano o instrumento que tem mais adeptos. “Hoje, temos muito mais pessoas estudando música do que há 50 anos e isso é extremamente enriquecedor. Realmente, a predominância do piano no passado era avassaladora, porque toda casa, especialmente as abastadas, tinha um piano que vinha da Europa e passava de mãe para filha. A mulher aprendia muito mais como um dote do que para se dedicar profissionalmente ao instrumento. O objetivo era outro”, analisa.
De ouvido
Berenice é um desses exemplos de meninas que sempre conviveram com piano dentro de casa. Como a mãe era pianista, com apenas 3 anos começou a dedilhar e a tocar de ouvido. “Para mim, tocar piano tinha o mesmo prazer que brincar de boneca. E o prazer continua até hoje”, assegura. A menina Mariana Guimarães, de 9 anos, também se viu envolvida com a música bem novinha. Com 5, entrou na FEA para ter aulas de iniciação musical e aos 7 passou a estudar piano e flauta doce. “O som do piano é mais bonito. É também mais difícil, mas gosto mesmo assim. Minha mãe já tocou quando criança e de vez em quando ela pede para eu me apresentar lá em casa para a família e os amigos. Gostaria mesmo de ser uma pianista de verdade”, conta a entusiasmada garota.
Já a estudante Laura da Silveira Pinto, de 17, passou a se dedicar ao instrumento recentemente, mas sempre foi encantada com o piano. A adolescente, que está no 2ª ano do ensino médio, não tem muito tempo para o piano, mas quando senta para dedilhar, encara o exercício como uma terapia. “ É engraçado como as pessoas ficam fascinadas quando escutam a gente tocando ou quando sabem que toco. O piano exerce esse fascínio sobre todo mundo. É bem bacana”, resume.
Saiba mais
Piano
O piano é um instrumento de cordas inventado pelo italiano Bartolomeo Cristofori (1655-1731), no início do século 18, e foi eternizado por grandes compositores como Bach, Mozart, Beethoven e Chopin. O som é produzido por peças feitas em madeira e cobertas por um material (geralmente feltro) macio, os martelos. Essas peças são ativadas por meio de um teclado e tocam nas cordas esticadas e presas numa estrutura rígida de madeira ou metal. As cordas vibram e produzem o som. O instrumento passou por diversas formas e aprimoramentos mecânicos até chegar à versão moderna, que pode ser encontrada em duas variações: piano de cauda e o piano vertical (piano de armário).
Os números do evento reforçam a tese de Lilian. Dos 91 inscritos, apenas sete são brasileiros, todos residentes no exterior. Na seleção final, com 18 pianistas de 12 países, o Brasil tem apenas um representante, que também não vive por aqui. A coordenadora acredita que esses dados apontam uma necessidade de investimento no estudo do piano nas escolas de música e conservatórios, além da preparação dos professores. “O grande problema é que todos os finalistas daqui moram no exterior. Temos que equipar nossas escolas, que, muitas vezes, têm pianos muito antigos, desafinados. Mas o problema da infraestrutura não está restrito à música. É um problema do Brasil”, desabafa Lilian.
E a pianista ainda faz um alerta: “É preciso investir no solista também, ter figuras de proa, como havia no passado, para transmitir seus ensinamentos. A formação de um solista é a mesma de um atleta. Você pode treinar para disputar uma Olimpíada ou para dar aulas de educação física. No caso do pianista, ele pode ser um professor, dar aulas ou ser um artista de ponta e apresentar concertos no mundo inteiro. Mas é necessário oferecer as duas opções. Quem tem potencial artístico no Brasil acaba procurando uma instituição estrangeira para se aprimorar e buscar bolsas de estudos. Aqui não tem como fazer isso.”
Mas será mesmo que o piano anda em crise? Para a professora da Escola de Música da UFMG e coordenadora do vestibular de música da universidade Margarida Maria Borghoff, há alguns anos praticamente só existia o piano e hoje a oferta de instrumentos aumentou. Os números do vestibular apontam essa tendência. De acordo com Margarida, a relação candidato/vaga do piano caiu bastante nos últimos anos e o violão, o canto e a percussão passaram a ser mais procurados. “E ainda tinha essa história de que as mulheres só podiam tocar piano. Hoje elas tocam tudo. O interesse pelo piano foi repartido com outros instrumentos. Além do mais, ele exige muita técnica, dedicação. Tem uma dificuldade e um repertório absurdos”, opina.
Do concerto à terapia
Professora particular há mais de 30 anos, Lenice Cintra indica outros motivos para a perda do espaço do instrumento eternizado por nomes como Chopin e Mozart. A gama de opções e entretenimento que os jovens passaram a ter nos últimos tempos, como redes sociais e jogos eletrônicos, também pode ter contribuído para diminuir o interesse pelo piano. “A gente vive uma cultura em que tudo é para ontem, muito imediatista. Tem mães que querem o filho tocando uma partitura em menos de um mês. Isso não existe. Com o teclado isso é mais fácil. Mas são coisas diferentes. Além disso, o piano é um instrumento caro, nem todo mundo pode ter. Mesmo com a redução do número de alunos, sempre vai ter gente tocando, não só para ser um concertista, mas como terapia ou válvula de escape”, acredita Lenice.
Diretora executiva da Fundação de Educação Artística (FEA), a professora e pianista Berenice Menegale vê com bons olhos esse interesse por outros instrumentos, mas, mesmo assim, considera o piano o instrumento que tem mais adeptos. “Hoje, temos muito mais pessoas estudando música do que há 50 anos e isso é extremamente enriquecedor. Realmente, a predominância do piano no passado era avassaladora, porque toda casa, especialmente as abastadas, tinha um piano que vinha da Europa e passava de mãe para filha. A mulher aprendia muito mais como um dote do que para se dedicar profissionalmente ao instrumento. O objetivo era outro”, analisa.
De ouvido
Berenice é um desses exemplos de meninas que sempre conviveram com piano dentro de casa. Como a mãe era pianista, com apenas 3 anos começou a dedilhar e a tocar de ouvido. “Para mim, tocar piano tinha o mesmo prazer que brincar de boneca. E o prazer continua até hoje”, assegura. A menina Mariana Guimarães, de 9 anos, também se viu envolvida com a música bem novinha. Com 5, entrou na FEA para ter aulas de iniciação musical e aos 7 passou a estudar piano e flauta doce. “O som do piano é mais bonito. É também mais difícil, mas gosto mesmo assim. Minha mãe já tocou quando criança e de vez em quando ela pede para eu me apresentar lá em casa para a família e os amigos. Gostaria mesmo de ser uma pianista de verdade”, conta a entusiasmada garota.
Já a estudante Laura da Silveira Pinto, de 17, passou a se dedicar ao instrumento recentemente, mas sempre foi encantada com o piano. A adolescente, que está no 2ª ano do ensino médio, não tem muito tempo para o piano, mas quando senta para dedilhar, encara o exercício como uma terapia. “ É engraçado como as pessoas ficam fascinadas quando escutam a gente tocando ou quando sabem que toco. O piano exerce esse fascínio sobre todo mundo. É bem bacana”, resume.
Saiba mais
Piano
O piano é um instrumento de cordas inventado pelo italiano Bartolomeo Cristofori (1655-1731), no início do século 18, e foi eternizado por grandes compositores como Bach, Mozart, Beethoven e Chopin. O som é produzido por peças feitas em madeira e cobertas por um material (geralmente feltro) macio, os martelos. Essas peças são ativadas por meio de um teclado e tocam nas cordas esticadas e presas numa estrutura rígida de madeira ou metal. As cordas vibram e produzem o som. O instrumento passou por diversas formas e aprimoramentos mecânicos até chegar à versão moderna, que pode ser encontrada em duas variações: piano de cauda e o piano vertical (piano de armário).