quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Vinicius Torres Freire

folha de são paulo
Está difícil conceder
Fracasso de licitação no metrô paulista piora o clima para as concessões de obras federais, já enroladas
NÃO PEGOU NADA bem o fracasso da licitação de uma linha importante de metrô na cidade de São Paulo, a primeira que seria construída e administrada inteirinha por uma empresa privada. Não pegou bem, claro, para o governo de São Paulo, e pegou de jeito no ânimo do pessoal do governo federal, todo enrolado nas suas próprias privatizações ("concessões").
As empresas interessadas em concessões vêm jogando duro por trás do pano, reclamando de regras confusas, do formato das licitações e, claro, da taxa de lucro ("retorno") que vão ter com seus negócios.
No caso da linha do metrô paulistano, que fez água anteontem, as empresas simplesmente deram no pé; devem obrigar o governo paulista a renegociar os termos do projeto. Acham que a receita está superestimada, que os investimentos estão subestimados e que a taxa de retorno é insuficiente.
Reclamar é da vida, fazer mais dinheiro é o objetivo das empresas e sabe-se lá se, ao menos neste caso, as empresas podem ter razão. O que se trata aqui, porém, é que o tropeção da licitação paulista cria um clima ruim para as concessões federais, as quais poderiam dar ânimo a uma economia letárgica devido também ao pessimismo.
Neste segundo semestre, o governo deveria licitar o trem-bala fantasma entre Rio, São Paulo e Campinas. O governo já teve de adiar o negócio três vezes, pois a coisa não para em pé e as empresas (talvez) interessadas não querem risco nenhum nessa empreitada muito arriscada (além de muito subsídio, que já levaram, as empresas querem sócios oficiais e paraoficiais). Provavelmente, como noticiou esta Folha, o negócio do trem-bala permanece na prancheta, embora devesse ser mergulhado em formol, pelo bem das finanças públicas e da boa alocação de capital.
Em outubro, o governo pretendia iniciar também a concessão de ferrovias úteis, como a que vai de Açailândia (Maranhão) a Barcarena (Pará), um corredor de minérios. Mas tudo está enrolado no modelo de ferrovias, da forma de licitação ao modelo de operação.
O governo resistiu tanto à ideia de privatizar ("conceder") que ficou com pouco tempo para colocar de pé um conjunto de regras decente para um negócio de fato complexo (além de perder tempo e recursos administrativos com a fantasia megalômana do trem-bala). Há o risco de não sair licitação alguma de ferrovia neste ano.
O embate sobre os lucros ("taxa de retorno") atrasou as concessões, inclusive as de rodovias, que, no entanto, devem começar em setembro. Mas ainda não há acerto no caso da concessão de aeroportos (Galeão e Confins).
Pode ser que venham mais atrasos. As empresas, bidu, querem mais retorno. Aproveitam o clima (em tese) ruim para concessionárias (revogação de aumento de tarifas) e a alta da taxa de juros a fim de fazer mais pressão.
Além do mais, o governo não inspira confiança, pois é um gerentão fraquinho. Há parques eólicos (eletricidade gerara por moinhos de vento) sem uso no Nordeste (Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte) porque uma estatal não fez as linhas de transmissão; outra estatal não consegue fazer deitar os trilhos de uma estrada de ferro importante (do Centro-Oeste ao litoral da Bahia), hiperalardeada por Lula em 2010. Vexame.

Governo suspende novas regras sobre mudança de sexo - Johana Nublat e Mariana Versolato

folha de são paulo
No mesmo dia, Ministério da Saúde reduziu idade mínima para realização da cirurgia e depois recuou
JOHANNA NUBLATDE BRASÍLIAMARIANA VERSOLATOEDITORA-ASSISTENTE DE "CIÊNCIA+SAÚDE"O Ministério da Saúde suspendeu ontem os efeitos de uma portaria que tinha novas regras para o acompanhamento de pessoas com transtorno de identidade de gênero e a realização da cirurgia de mudança de sexo no SUS.
A norma foi publicada no "Diário Oficial da União" de ontem, mas teve vida curta. Menos de 24 horas após a publicação oficial, o ministério soltou nota informando que a medida seria suspensa.
Folha apurou que o recuo ocorreu por insegurança sobre como lidar com o início da terapia hormonal aos 16 anos e pelo temor do impacto político de decisões que contrariam interesses das comunidades religiosas, incluindo a lei que prevê garantias à mulher vítima de violência sexual, como a oferta da pílula de emergência.
Se depender do Ministério da Saúde e outros órgãos do governo, a presidente Dilma Rousseff sancionará a lei sem vetos. Os evangélicos se mobilizam para que haja veto a uma parte da proposta.
A portaria só será revalidada quando forem definidos "os protocolos clínicos e de atendimento no âmbito do processo transexualizador", segundo informa a nota.
A regra previa a redução da idade mínima para a cirurgia de mudança de sexo de 21 anos para 18 anos. Também reduzia a idade mínima para o uso de terapia hormonal de 18 para 16 anos. Passariam a ser incluídos novos procedimentos no SUS, como a retirada das mamas e a terapia hormonal para mulheres.
Em nota, a pasta informou que vai convidar representantes de serviços de saúde para definir critérios de avaliação dos candidatos, de obtenção de autorização dos responsáveis e de acompanhamento multidisciplinar, tendo em vista um parecer do Conselho Federal de Medicina.
Esse parecer, no entanto, vai além do que estava previsto na portaria publicada e revogada pelo governo, ao propor a assistência precoce do adolescente com transtorno de identidade de gênero, permitindo que o bloqueio da puberdade por meio de hormônios antes dos 16 anos.
"AMADORISMO"
O psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do Amtigos (Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual), do Hospital das Clínicas da USP, chamou o recuo de "amadorismo" e "retrocesso".
Segundo ele, o HC é o único hospital que acompanha crianças e adolescentes com transtorno de identidade de gênero formalmente, junto ao Ministério da Saúde.
"A portaria e os protocolos foram extensamente discutidos por mais de um ano e estava definidos desde o início de 2013. Houve tempo para discutir todas as minúcias", disse ele, que participou de discussões com o governo.
Antes do recuo do ministério, o médico havia elogiado as mudanças. "Foi uma batalha permitir a terapia hormonal a partir dos 16 anos. Isso evita o consumo de hormônios no mercado negro."
Pego de surpresa com o recuo, o presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), Carlos Magno, lamentou.
"Essa portaria vem de um longo processo de discussão pelo ministério. Parece ser mais um recuo do Ministério da Saúde frente à pressão do setor fundamentalista."

    'Equívocos' evitáveis - Pasquale Cipro Neto

    folha de são paulo
    'Equívocos' evitáveis
    Muita gente supõe que o 'vossa' de 'Vossa Santidade' e afins impõe o possessivo 'vossa', que é outra história
    O papa se foi. Com ele, as confusões entre as formas de tratamento "Sua Santidade" e "Vossa Santidade". Foi um tal de ouvir/ler jornalistas, comentaristas, convidados de programas jornalísticos etc. se referirem ao papa das duas maneiras que os pobres ouvintes/leitores devem ter ficado um tanto desorientados, sobretudo aqueles que porventura desconheçam o emprego culto dessas formas de tratamento.
    Antes de entrar no tema, lembro que, quando se opta pela norma culta ou quando se impõe o uso desse registro (caso do pronunciamento de altas autoridades em cerimônias oficiais), convém conhecer o território em que se está, do contrário...
    No domingo à noite, o vice-presidente da República, Michel Temer, saiu-se bem ao se dirigir a Sua Santidade. Opa! Pronto! Acabo de dar um exemplo do uso culto de formas de tratamento iniciadas por "sua" ("Sua Santidade", "Sua Excelência", "Sua Senhoria" etc.). Quando se fala do ser ao qual se refere o pronome de tratamento, emprega-se a forma iniciada por "sua". Foi o que eu fiz no trecho "...ao se dirigir a Sua Santidade", no qual empreguei "Sua Santidade" para referir-me ao papa.
    Em sua fala, Temer empregou "Vossa Santidade" porque falava ao papa (e não do papa), ou seja, dirigia a palavra diretamente a ele. Dia desses, nas matérias sobre o "bebê real" (haja estômago para ouvir tanta bobagem sobre um assunto tão desimportante!), notou-se a mesma confusão. O pimpolho foi citado (corretamente) por alguns como "Sua Alteza", e por outros como "Vossa Alteza". Que eu saiba, ninguém conseguiu entrevistar o rapazote.
    Muita gente supõe que o "vossa" de "Vossa Santidade" e afins impõe o possessivo "vossa", que é outra história. Na linguagem formal, o possessivo "vossa" se associa ao pronome reto "vós" ("...bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus"...).
    Com os pronomes de tratamento, que são da terceira pessoa gramatical, empregam-se os possessivos da terceira pessoa, ou seja, "seu(s)" e "sua(s)": "Vossa Santidade sabe que SUA visita ao Brasil..." (e não "vossa visita ao Brasil..."). Os pronome oblíquos também devem ser da terceira pessoa, ou seja, devem ser "o(s)", "a/s" e "lhe(s)": "Vossa Santidade sabe que SUAS palavras comoveram o Brasil. Os jovens agora O veem como alguém realmente capaz de transformar a Igreja e esperam que nada LHE tire a coragem de enfrentar as barreiras que...".
    É claro que a frase que encerra o parágrafo anterior só poderia ser dita por alguém que dirigisse a palavra diretamente ao papa; se alguém falasse do papa, deveria trocar "Vossa Santidade" por "Sua Santidade".
    Outro equívoco evitável consiste no emprego do acento indicador de crase antes de "Sua (ou Vossa') Santidade". Basta um pouco de atenção para que se perceba que não se usa artigo definido antes desses pronomes. Ninguém dirá algo como "Os fiéis creem na Sua Santidade" ou "Os jovens esperaram pela Sua Santidade" ou ainda "Os brasileiros gostaram muito da Sua Santidade". No lugar de "na", "pela" e "da", que resultam da fusão de preposição e artigo, usam-se apenas as preposições "em", "por" e "de", respectivamente: "...creem em Sua Santidade", "...esperaram por Sua Santidade", "...gostaram muito de Sua Santidade".
    Como se sabe, se não existe artigo, nada de acento indicador de crase: "O vice-presidente dirigiu a palavra a (e não à') Sua Santidade"; "Peço a (e não à') Vossa Senhoria que reconsidere sua decisão".
    Em tempo: quem já passou por um concurso público sabe que o que discuti nesta coluna é assunto frequente nas provas de português desse tipo de seleção. É isso.

    Atendimento a vítimas de estupro deve ser aprovado - Natuza Nery e Johana Nublat

    folha de são paulo
    ZONA LESTE
    Médicos são afastados no Belenzinho
    A Secretaria de Estado da Saúde afastou por 30 dias três médicos do Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros, no Belenzinho, após eles serem flagrados por uma equipe de reportagem do SBT entrando na unidade e indo embora minutos depois, logo após bater o ponto. A remuneração mensal de um deles chega a R$ 7.261,73; os outros dois recebem R$ 4.714,23 e R$ 5.956,90 cada um. Todos alegaram cumprir as 20 horas semanais de trabalho.

    Atendimento a vítimas de estupro deve ser aprovadoDE BRASÍLIA
    A área técnica do governo recomendou ontem a sanção, sem vetos, da lei que trata do atendimento, na rede pública de saúde, de vítimas de estupro.
    A presidente Dilma Rousseff dará, hoje, a palavra final, e deverá acatar a sugestão. A proposta é chamada de "lei da profilaxia da gravidez".
    Ela cogita enviar ao Congresso um projeto esclarecendo que o termo "profilaxia da gravidez" não significa aborto.
    A lei aprovada estabelece que os hospitais do SUS devem prestar serviço multidisciplinar à mulher vítima de violência sexual, incluindo a "profilaxia da gravidez", ou seja, o uso da chamada "pílula do dia seguinte", prática já prevista em norma técnica do Ministério da Saúde.
    Comunidades religiosas pediam o veto na lei por entender que o termo "profilaxia" abre brechas para a prática do aborto.
    Folha apurou que o Palácio do Planalto também não aprova a expressão e vê falhas em outros pontos do projeto aprovado pelo Legislativo.
    Daí o desejo de corrigir falhas (por meio de medida provisória ou outro projeto) para esclarecer esse ponto e resolver outros.
    Durante reunião ontem de Dilma com os ministros da Saúde, Alexandre Padilha, e da Secretaria-Geral, Gilberto Carvalho, houve o entendimento de que o governo não poderia vetar trechos de uma lei aprovada por unanimidade pelos congressistas --que têm fortes bancadas religiosas e de defesa da família.
    Para o Executivo, apesar das falhas, a lei é correta porque dá base legal a uma prática já realizada nos hospitais. O governo usa estatísticas oficiais para reforçar a convicção de que a pílula do dia seguinte, dentro dos protocolos do ministério, não é método abortivo e tem evitado que mulheres recorram ao aborto legal.
    O Ministério da Saúde entende que, em casos de estupro, "a pílula do dia seguinte" tem se mostrado eficaz ao evitar abortos clandestinos.

      Marcelo Miterhof

      folha de são paulo

      Ainda o debate com a direita
      No debate público, é preciso se esforçar para entender, e não desqualificar, as razões alheias
      A coluna passada tentou caracterizar concordâncias (políticas) e discordâncias (econômicas) de uma visão de esquerda com a direita liberal-conservadora. Como parte do trabalho, fui ler colunas de Luiz Felipe Pondé, que tinha chamado a esquerda a debater o Brasil. Seus textos são repletos de questões que fazem parte do debate entre a direita e a esquerda no país. Hoje, discuto algumas delas.
      Uma reclamação comum da direita é a de que a esquerda monopoliza a academia brasileira nas ciências humanas. Tendo a concordar, ao menos em parte.
      Embora minoritário, há espaço para o pensamento conservador na universidade. Problema maior é que na escola básica o ensino de ciências humanas tem um domínio de um marxismo pedestre. Quando fiz o ginásio, nos anos 1980, "ensinavam-se" coisas como "a renda per capita não é bom indicador de riqueza", "no Paraguai do século 19, antes da guerra com a tríplice aliança, não havia analfabetos". De lá para cá, o domínio parece ter se consolidado.
      Embora a disputa ideológica sempre vá existir, os currículos escolares de história, geografia e filosofia precisam ser mais equilibrados (e melhores) para que não virem repetições de mistificações à esquerda ou à direita.
      Além de aprender as fundamentações dos distintos cânones do pensamento, as crianças precisam assimilar que o debate exige uma dose de pragmatismo e flexibilidade. Assim, é possível mudar de opinião sem abandonar valores pessoais.
      Por exemplo, a esquerda defende a educação pública gratuita. Entretanto, a possibilidade de a universidade pública ser paga, uma proposta típica da direita, é algo a ser considerado, já que libera recursos para a escola básica. Isso não é tão diferente da situação de quem defende o passe livre de ônibus e ficará satisfeito se os subsídios forem pesados sem que se deixe de cobrar uma tarifa.
      Esses são exemplos de coisas que a esquerda deve considerar para que o debate seja proveitoso. Contudo, essa tarefa também precisa ser feita pela direita. Trato hoje de duas acusações que costumam fazer parte do discurso direitista: o Bolsa Família é uma esmola e a esquerda brasileira desrespeita a democracia.
      Para a esquerda, o Bolsa Família é uma iniciativa que faz parte dos direitos básicos dos cidadãos associados ao Estado de bem-estar social, além de promover a distribuição de renda, o que ajuda a sustentar o crescimento econômico.
      Na origem, porém, a renda mínima foi defendida pela direita, que usa o conceito de Imposto de Renda negativo como alternativa ao Estado de bem-estar social. Além disso, como não há capitalismo sem moeda, o Bolsa Família, ao levá-la a lugares de economia não monetária, foi iniciativa altamente capitalista.
      Quanto à democracia, é por demais óbvio que existem ditaduras de esquerda e de direita. É óbvio também que o Brasil é uma democracia cada vez mais sólida.
      No entanto, a direita parece querer caracterizar como autoritárias coisas que são apenas divergências, naturais numa democracia. Por exemplo, enxergam racismo nas cotas raciais ou julgam que controlar a venda de remédios é fascista.
      Da mesma forma que é insofismável a existência de racismo no Brasil, é claro que quem condena as cotas não se torna um racista por conta disso. É legítimo que alguém acredite que a educação é suficiente para resolver todos os problemas sociais e raciais do Brasil (nem que isso demore 200 anos).
      Contudo, as ações afirmativas, cuja origem vem da mais longa e estável democracia da história, os EUA, fundamentam-se numa tentativa de criar condições concretas para o exercício dos direitos civis. Ninguém hoje é culpado pela escravidão, mas seus efeitos não se esgotaram com a abolição. Se discordam, tudo bem. Mas sem apelar, caracterizando-as como fruto do autoritarismo.
      Outro exemplo é achar que a Anvisa, por controlar a venda de remédios, é fascista. Mesmo discordando, sou capaz de entender a lógica de quem reprova qualquer restrição às escolhas individuais, desde que não provoquem um dano direto a outras pessoas. Mas é demais chamar de fascista quaisquer iniciativa que se preocupe com o bem coletivo, como são as de saúde pública.
      No debate público, é preciso se esforçar para entender --e não desqualificar-- as razões alheias.
      marcelo.miterhof@gmail.com

        Marina Colasanti-Duas histórias e o vazio‏


        Estado de Minas: 01/08/2013 


        “Meu pai só me deu nome e vida”. Não foi assim que ele começou a conversa. Aquele que teria sido o ponto de partida, onde tudo ganhava sentido, só foi entregue quando estávamos quase acabando a viagem.

        Uma hora e meia de estrada, ele dirigindo. Começou puxando outra ponta da meada, a da sua credulidade. Um homem inocente, de boa-fé, sempre pronto a cair na armadilha. Não teve sorte com as mulheres. A primeira era tão boa, trabalhadora, moça de família. Iam se casar. E para juntar dinheiro que tornasse o casamento possível, ele aceitou um trabalho de alta periculosidade. Levou tiros, enfrentou malfeitores, foi perseguido e perseguiu. Tudo o que ganhava mandava para ela, que estava cuidando de preparar o ninho. Mas quando os tiros chegaram mais perto e ele resolveu abandonar o emprego e voltar, descobriu que o ninho que ela havia preparado era para si só. Ele não tinha mais um tostão.

        A segunda também era ótima moça, trabalhadora, família boa. Passaram a trabalhar juntos, ela na administração. Ele acreditava estar juntando dinheiro, ela o gastava todo. Viu-se coberto de dívidas, vendeu o pouco que lhe restava. Mais uma vez, estava sem tostão.

        Temos muito chão pela frente. Só lá adiante, depois de ter contado de outros empregos e outras desilusões, acaba me dizendo que em criança morou muitos anos na rua. Dormia no banco da praça, engraxava sapatos. Cadê o pai? – pergunto entre surpresa e angustiada. E nesse ponto, como chave que entra na fechadura, ele diz aquela frase. A chave roda, a porta se abre. Além da porta está uma mãe de precário equilíbrio mental, com quem ele vive até os 7 anos, para ser depois entregue à avó paterna, que lhe dá uma caixa de engraxate e o joga na rua.

        Como dizer-lhe que ele não é crédulo, que luta para crer no afeto e preencher a ausência que nada preenche?

        O outro me ensinou a regar violetas. Tínhamos uma hora de estrada pela frente. Quatro gotas de água com um nada de açúcar, pingadas bem na origem dos talos, um dia sim, dois dias não. Ele cria também orquídeas, tem muitas. E quem cuida delas quando o senhor não está? – perguntei. “Ninguém. Moro só desde os 25 anos”. Isso foi no começo da conversa, não perguntei mais, deixei que ele falasse.

        E ele contou dos três filhos, de como os criou com estudo e cuidados, e contou dos netos, da piscina que construiu para eles na sua casa, de sua mania de ordem. Quem mora só tem que ser arrumado, disse, enfático, cada coisa no seu lugar. Só mais tarde falou dela. A gente era apaixonado desde os 11 anos, disse. Ficavam juntos no colégio, não se desgrudavam. Até que ela foi transferida para outra turma, à tarde. “Virei um bicho”, disse, “uma fera”. Brigava com os colegas, insultava os professores, errava as provas. A diretora percebeu a origem do problema, ano seguinte trouxe a menina de volta para o antigo horário. No recreio, os outros meninos brincavam de bola, ele ficava sentado ao lado dela no pátio, conversando. Aos 17, casaram-se. Tiveram os filhos e os criaram. Só até os 25. Não perguntei de que ela morreu. Nem por que ele não voltou a se casar. Era desnecessário perguntar. O vazio que ela deixou não podia ser preenchido – ele havia dito, “cada coisa no seu lugar”. Então, ele ficou com o vazio, como teria ficado com ela.

        TV paga e CARAS & BOCAS‏


        Estado de Minas: 01/08/2013 

        Fora de controle
        Um dos mais inquietos diretores do cinema brasileiro, Cláudio Assis já conquistou inúmeros prêmios nos principais festivais do Brasil e repetiu o feito no circuito internacional. A febre do rato (foto), que estreia hoje, à meia-noite, no Telecine Cult, representa bem o estilo do cineasta pernambucano. O personagem central é Zizo, um poeta que tem um pequeno tabloide anarquista. Ele vive no subúrbio do Recife criticando as classes sociais mais altas e seu cotidiano é cercado de sexo e drogas. Um dia, conhece Eneida, por quem sente um forte desejo, encontro que desencadeia uma série de eventos. No elenco, Irandhir Santos, Nanda Costa e Juliano Cazarré.

        Cultura exibe clássico de Luchino Visconti
        Outro destaque do pacotão de cinema desta quinta-feira é o clássico O leopardo, do italiano Luchino Visconti, com Burt Lancaster, Claudia Cardinale e Alain Delon, às 22h, na Cultura. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Possessão, na HBO; Looper: assassinos do futuro, na HBO 2; The avengers – Os vingadores, no Telecine Premium; Para sempre Cinderela, no Telecine Touch; Psicopata americano, na MGM; Tudo pela fama, no Glitz; O casamento de Rachel, no Studio Universal; e Pequeno dicionário amoroso, no Canal Brasil. Outras atrações da programação, todas às 22h30: Velozes e furiosos: desafio em Tóquio, no Megapix; Mestre do disfarce, no Comedy Central; e O vizinho, na Fox.

        A caçada a submarino que afundou no Brasil
        No concorrido segmento dos documentários, três dicas. Às 21h30, no SescTV, a série Coleções vai desenvolver este mês o tema ”Palcos brasileiros”, começando com o Theatro José de Alencar, em Fortaleza (CE). No Animal Planet, às 22h, estreia Top hooker, reality show em que 10 pescadores experientes enfrentam desafios que vão testar o conhecimentos, o preparo físico e a astúcia de cada competidor que luta para ser coroado o melhor. E no Nat Geo, às 23h45, a série Os segredos do Terceiro Reich apresenta o episódio “O fantasma do U-53”, que relata o naufrágio de um submarino alemão afundado por duas bombas jogadas por um avião de patrulha americano na costa do Brasil, em 19 de julho de 1943.

        Troisgros prepara um robalo com ervas finas
        A partir de hoje, o canal Glitz passa a exibir novos episódios de Master chef na faixa das 21h, dando sequência ao concurso que tem como jurados Gordon Ramsay, Graham Elliot e Joe Bastianich. No canal GNT, às 21h, Claude Troisgros prepara um robalo recheado com creme de ervas finas para seus amigos músicos Kassin, Pedro Sá e Domenico Lancellotti, em mais um programa Que marravilha!. Em tempo: ainda no GNT, às 22h30, estreia a terceira temporada de Downton Abbey.

        De Paris ao Arouche, basta trocar de canal
        Didi Wagner passeia pela Place de La Concorde e pela Champs Elysees, em Paris, esticando até o Museu do Louvre e ao Mercado de Pulgas em Saint Ouen, no episódio desta noite de Lugar incomum, às 21h30, no Multishow. E quem perdeu os novos episódios de Sai de baixo terá uma outra chance de conferir as trapalhadas da família do Arouche de hoje a domingo,, às 20h30, no canal Viva.


        CARAS & BOCAS »
        Bígamo em apuros
        Publicação: 01/08/2013 04:00

        Nos próximos capítulos de Amor à vida (Globo), Atílio/Gentil (Luís Melo) recobra a memória novamente. E retorna à casa de Vega (Christiane Tricerri). Assim que volta a ser Atílio, ele descobre que Félix (Mateus Solano) mandou gravar cenas do seu casamento com Márcia (Elizabeth Savalla) e já pressente o que vem por aí. Com receio de ser preso por bigamia, ele decide largar a ex-chacrete, mais uma vez, e inventa nova desculpa. Para não abandoná-la simplesmente, o executivo avisa que irá se ausentar da cidade por um longo tempo a serviço, mas deixa uma grande quantia em dinheiro a fim de não deixá-la desamparada. Já em seu rico apartamento, Atílio não se dá conta de que Vega descobriu sua vida dupla: na verdade, ela descobre que ele tem outra e que deu a ela uma grana alta. Enquanto isso, Márcia decide ir atrás do marido e procura o patrão dele no Hospital San Magno. Vega, no mesmo dia, também resolve falar com o marido sobre o repasse de dinheiro. O encontro entre elas é inevitável. Márcia invade o escritório de Atílio e descobre que ele também é Gentil. Eles batem boca e, nesse instante, entram no local Vega, César (Antônio Fagundes) e Félix (Mateus Solano). As mulheres se enfrentam e trocam insultos. Até perceberem que Atílio é o pivô de tudo. Daí, agridem o executivo, que não sabe como se defender.

        JORNALÍSTICO TEM COMO
        TEMA BULIMIA E ANOREXIA

        O Conexão repórter apresenta hoje, à meia-noite, no SBT/Alterosa, o documentário exclusivo A obsessão, um relato impressionante de jovens obcecados pela magreza. Trata-se de uma realidade alarmante que atinge grande parte da população brasileira. O programa acompanha a vida de três mulheres marcadas pela bulimia e anorexia e faz revelações que poucos imaginam. Pessoas que vivem diariamente as consequências desse sonho sem limites e que acabam desenvolvendo graves distúrbios alimentares. Um objetivo que se transforma em prisão e que pode custar a própria vida. “Você sabe que está indo para um caminho perigoso, mas não sabe como sair. É como um labirinto sem fim”, diz Júlia, de 20 anos, vítima de anorexia.

        ESTADO LAICO VIRA DEBATE
        ACALORADO NO NA MORAL

        Representantes de diferentes posturas religiosas se reúnem no Na moral (Globo) hoje, para um debate sobre estado laico. São eles: o padre Jorjão, o líder evangélico Silas Malafaia, o presidente da maior associação de ateus do Brasil Daniel Sotto-Mayor e o babalorixá Ivanir dos Santos. Também participa, em entrevista gravada para o programa, o ministro Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, que analisa o assunto sob a ótica jurídica. Na pauta, casos do dia a dia que misturam julgamento de moral religiosa com posicionamentos institucionais, como a presença de símbolos religiosos em órgãos públicos e o artigo da Constituição que institui o ensino religioso em escolas públicas, além da discriminação sofrida por representantes de determinadas religiões. O cantor Arlindo Cruz canta e participa do debate.

        SÉRIE GLEE HOMENAGEIA
        O ATOR CORY MONTEITH

        A quarta temporada da série Glee chega ao fim e homenageia, hoje, às 22h30, na Fox (TV paga), o ator Cory Monteith, que morreu no dia 13 deste mês, em Vancouver, no Canadá. Ele interpretava Finn Hudson, capitão do time de futebol que entra para o coral da escola e se envolve com Rachel Barry, vivida por Lea Michele, com quem namorava na vida real. A emissora exibe três episódios consecutivos e inéditos que encerram a temporada: o grupo musical New Directions encara uma importante competição e Rachel disputa uma vaga em um musical da Broadway.

        ELA SABE O QUE QUER

        A atriz Giovanna Grigio (foto), que interpreta a Mili em Chiquititas, do SBT/Alterosa, contou à revista Contigo! desta semana que, aos 15 anos, não tem tempo para pensar em namoro. “Os meninos não gostam de mim porque tenho cara de criança. Mas essa minha cara me ajudou a conseguir o papel da Mili. Prefiro ter um papel do que um namorado.” A atriz ainda acha que suas amigas ficam chatas quando namoram. “Teve uma que parou de falar comigo, só saía com o namorado porque ele tinha ciúme. Então eles terminaram e tudo voltou ao normal”, conta.

        viva
        O ex-jogador de basquete Oscar Schmidt era animação total em participação, anteontem, no Agora é tarde, da Band. Ele bem poderia integrar a trupe de Danilo Gentili.

        vaia
        Coitada da Amora (Sophie Charlotte), de Sangue bom (Globo)! A personagem é outro caso de papel virado ao avesso: de mocinha passou a grande vilã.
        E das doidas!

        Eduardo Almeida Reis-Informação rural‏

        Na dependência da matéria exibida, tiro o som e fecho os olhos


        Eduardo Almeida Reis

        Estado de Minas: 01/08/2013 

        Fico imaginando como deve ser a vida de um fazendeiro em 2013 morando na roça e ligado ao mundo “em directo”, como se diz em Portugal. Conheci o Pantanal sem telefones e parabólicas, com a só ligação do rádio comercial para comunicação, em horários fixos, com a cidade mais próxima, distante hora e meia de voo em teco-teco. Também existia o radioamador, que dependia de prefixo na Labre, Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão.

        Mais tarde, conheci as roças em que os jornais de hoje chegavam na manhã seguinte trazidos pelo caminhão do leite. A televisão, mesmo na velocidade da luz, chegou devagarinho em preto e branco, ligada na bateria do automóvel, antenas distantes centenas de metros com um negócio chamado booster, sinal chuviscado que era uma bosta. Ainda na década de 70, a glória: energia elétrica, tevê em cores e telefone DDD.

        Não havia celular na roça de 1990, hoje servida por diversas operadoras, ruins umas, toleráveis outras – e televisor LED, ótimo sinal, em directo com o planeta, preços do leite acima de um real, quase cinquenta centavos de dólar americano.

        Teriam melhorado? Tenho as minhas dúvidas. No princípio dos anos 70, produzindo leite tipo-B, deduzidos carreto e Funrural, recebi doze centavos de dólar por litro. Doze, pela matemática que nos ensinavam na escola, é a quarta parte de que se recebe hoje, mas o dólar de 2013 não chega aos pés daquele de 1970. O cálculo deve ser difícil, mas sou capaz de apostar que os centavos de hoje são parecidos com os doze daquele tempo, se não forem piores para o mesmíssimo leite tipo-B. Ainda assim, meus amigos que mexem com leite estão animados, porque produzir leite nunca foi negócio, é vício, que vicia tão depressa quanto a coca e a heroína, tendo a virtude de não matar.


        Telespectador
        Escrevo às 21h37 minutos de uma sexta-feira, depois de desligar o televisor da sala. Ando preocupado com as minhas reações enquanto telespectador e peço ao leitor que não critique o “enquanto”, que já vi nos textos de muita gente boa, inclusivamente no padre Vieira.

        Faz tempo que tiro o som quando aparecem presidentes petistas falando. Evoluí, recentemente, para tirar o som quando aparecem comentaristas decentes relatando o que disseram os petistas em Brasília ou na reunião do Mercosul.

        Na dependência da matéria exibida, tiro o som e fecho os olhos. Não deixa de ser original, posto que preocupante, ficar diante de um televisor LG LED de 47 polegadas sem som e de olhos fechados. Explico: falta-me estrutura emocional para ver, dezenas de vezes, foto da menina de 14 anos que teria sido estuprada por quatro funcionários de um parque de diversões. Estuprada e morta, funcionários que teriam voltado no dia seguinte para transar com o cadáver, se bem que o sêmen encontrado nas roupas e partes pudendas da adolescente não coincida com o material colhido dos quatro acusados, que já foram soltos.

        Duas, três, trinta vezes exibiram os vídeos em que o funkeiro MC Daleste foi abatido a tiros de pistola ou revólver, considerando que os ferimentos não parecem de tiros de fuzil. Parei nas trinta vezes e passei a tirar o som fechando os olhos, depois de ouvir um apresentador dizer que o tiro coincidiu com o flash de um fotógrafo, aventando a hipótese de o fotógrafo clicar de propósito no exato momento do tiro. Nem Cartier Bresson, Capa e Jean Manzon, em seus melhores dias, seriam capazes de feito semelhante. E o negócio vai por aí.

        Sinto funda saudade do tempo em que, sozinho na roça fluminense com as meninas estudando na cidade, pela quinta ou sexta dose de Something Special, for someone especial, discuti com o Cid Moreira e com o meu amigo Sérgio Chapelin, durante o Jornal Nacional, sempre que diziam: “Dentro de um minuto você vai ver”. Da cadeira de balanço com vista para o gramado iluminado, no clima admirável do Vale do Paraíba, uísque e gelo no copo, respondi: “Vou ver se quiser. Vocês não mandam em mim”.


        O mundo é uma bola
        1º de agosto de 1291: a Suíça declara sua independência da Aliança Eterna e forma uma confederação composta pelos cantões de Uri, Schwyz e Unterwalden. Em 1714, sobe ao trono Jorge I da Grã-Bretanha. Ele era também o Erzbannerträger e príncipe-eleitor do Sacro Império Romano Germano e não falava inglês, comunicando-se em seu alemão nativo, o que demonstra que o Brasil não inventou esse negócio de governante máximo não se expressar no idioma nacional. Nos últimos anos do reinado de Jorge I, o poder de fato esteve nas mãos de seu primeiro-ministro Robert Walpole.

        Em 1808, com o desembarque do duque de Wellington em Portugal, começa a intervenção britânica na Guerra Peninsular. Em 1834, abolição da escravatura no Império Britânico.

        Hoje é o Dia Nacional do Selo e o Dia do Poeta Cordelista.


        Ruminanças

        “Se soubéssemos como nosso corpo é feito, não ousaríamos fazer um movimento” (Flaubert, 1821-1880).

        Emergentes submergem - Clovis Rossi

        folha de são paulo
        Emergentes submergem
        As grandes estrelas da economia global nos últimos muitos anos começam a perder brilho
        As duas publicações que fazem a cabeça dos mercados e influem sobre governos no mundo inteiro acabam de decretar o fim do encantamento com os tais emergentes.
        A primeira foi o "Financial Times", com um obituário curto e grosso escrito por Jonathan Wheatley. "Uma desconfortável verdade está se fazendo sentir no mundo dos investidores em mercados emergentes: está morta a história de crescimento do mercado emergente."
        A "Economist" é menos dramática, mas não deixa de apontar que chegou ao fim "a dramática primeira fase da era dos mercados emergentes". Por "dramática primeira fase", entenda-se que as economias em desenvolvimento saltaram de representar 38% da produção econômica mundial para 50% na primeira década do novo século.
        O Brasil, obviamente, é um dos emergentes que, agora, parecem estar submergindo --e submergindo mais que seus pares.
        Diz a "Economist": "O Brasil correu adiante com a ajuda de um boom' das commodities e do crédito doméstico; sua atual combinação de teimosa inflação e lento crescimento mostra que a velocidade-limite subjacente de sua economia é muito menor do que se pensava."
        Para o meu gosto, é uma frase definitiva demais para o médio prazo. Mas, para o biênio 2012/13, é indiscutível. Não é que o Brasil esteja crescendo menos que os demais Brics, as grandes estrelas do mundo emergente até recentemente. Cresceu menos que todos os sul-americanos, que não são propriamente queridinhos dos mercados.
        As estatísticas da Cepal, a comissão da ONU para a América Latina, mostram que, em 2012, o Brasil, com seu 0,9%, cresceu mais apenas que o Paraguai, que retrocedeu 1,2%. Neste ano, a previsão da entidade é de novo de penúltima colocação em crescimento, ganhando apenas da conturbada Venezuela.
        O Brasil perde, portanto, até de países (Bolívia, Equador e Argentina) cujas políticas econômicas são vistas com misto de desprezo e desconfiança por agentes de mercado.
        A morte da "história de crescimento" dos emergentes permite um ajuste de contas com os exageros de avaliação que marcaram seu glorioso reinado de uma década, pouco mais ou menos.
        Essa história de que a China ultrapassaria fatalmente os Estados Unidos, por exemplo, já começa a ser reavaliada. De fato, a China explodiu nos últimos 20 anos, mas sua economia, se medida em paridade de poder de compra, é apenas 18% da norte-americana.
        Da mesma forma, a reverência aos Brics como novo bloco de poder no planeta omitiu reiteradamente o fato de que o grupo só existe como sigla, não como coletivo que atua em conjunto.
        Sem esquecer que a China é estrondosamente mais forte que seus quatro sócios. Para ficar em um só indicador: as reservas internacionais dos Brics são imponentes (US$ 4,6 trilhões), mas três quartos delas (US$ 3,5 trilhões) pertencem a um só país, obviamente a China.
        Só espero que não se caia no exagero oposto, de dar os emergentes como inutilidades. Continuarão crescendo, menos, mas crescendo.

        Células-tronco contra a paralisia facial-Vilhena Soares‏

        Médica da Universidade de São Paulo testa, em ratos, técnica que regenera nervo ligado às expressões do rosto e à capacidade gustativa. Os resultados são melhores do que os apresentados pelos tratamentos atuais 


        Vilhena Soares

        Estado de Minas: 01/08/2013 

        As paralisias no rosto causam grandes estragos. Interferem em aspectos fisiológicos, como a incapacidade de piscar os olhos, que pode levar à cegueira; e sociais, já que as expressões faciais ficam comprometidas. O tratamento para o problema costuma ser complexo. Em busca de aprimorar esse processo, a otorrinolaringologista Raquel Salomone decidiu testar, em seu doutorado na Universidade de São Paulo (USP), uma nova técnica para recuperar movimentos faciais utilizando células-tronco. O experimento inicial foi feito com ratos e obteve sucesso, além da premiação no Congresso Mundial de Otorrinolaringologia, em junho, na Coreia do Sul, na categoria jovem cientista.
        Desde 2006, Raquel atua no Ambulatório de Paralisia Facial Periférica da Faculdade de Medicina da USP. O interesse em criar uma técnica que aprimorasse tratamentos para ajudar a corrigir esse tipo de problema no rosto foi despertado nesse período. “A minha iniciativa surgiu justamente dos resultados ruins de alguns casos de paralisia facial e da inúmeras possibilidades que as células-tronco proporcionam”, conta. Salomone resolveu realizar a pesquisa com ratos e provar a suspeita de que, por meio de células-tronco, seria possível regenerar o nervo facial danificado. “Essa é a grande questão da minha pesquisa: Consegui provar que é possível justamente por elas ‘suprirem’ a falta das células necessárias para a regeneração neural”, explica a pesquisadora.
        Na técnica realizada por Salomone, os animais foram submetidos a neurotmese — um trauma físico grave nos nervos. Para isso, foi cortado um pedaço do sétimo nervo craniano das cobaias, deixando um espaço entre as duas partes remanescentes. A lesão induzida foi a mais crítica possível, com prejuízos além dos da maioria dos casos clínicos. Os ratos com paralisia foram, então, divididos em grupos: parte deles foi tratada com um tubo de silicone vazio; outra, com um gel colocado dentro do tubo de silicone; o terceiro grupo recebeu células-tronco no tubo; e o quarto, células-tronco diferenciadas em células de Schwann, uma espécie de capa que reveste os axônios, que constituem os nervos.
        Os ratos tratados com células-tronco tiveram melhoras quando comparados aos resultados obtidos com as cobaias submetidas aos outros dois tratamentos. “Todos os tipos de lesões neurais que causam sequelas, como as axoniotmeses e as neurotmeses, foram o foco da pesquisa. As células-tronco fariam o papel e/ou dariam suporte para que as células envolvidas na regeneração neural, como as células de Schwann, pudessem sobreviver”, destaca Raquel. “Todos os animais nos quais foram implantadas células-tronco (indiferenciadas ou já diferenciadas) tiveram melhora muito mais expressiva do que os outros que receberam outros materiais. Confirmamos, assim, a hipótese de que as células-tronco podem realmente contribuir para a regeneração do nervo.”
        Outra constatação importante foi o sucesso maior obtido com as células-tronco indiferenciadas. A pesquisadora acredita que isso se deve ao uso do tubo de silicone no tratamento. “Como são capazes de desempenhar múltiplas funções, as células de Schwann precisam de um maior substrato para sobreviver, e isso foi dificultado pelo tubo”, diz.


        Recuperação complexa

        Para Silvio Caldas, chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), há outros estudos que propõem o uso de células-tronco para estimular nervos, mas ele ressalta que a pesquisa realizada por Salomone se diferencia pela uso de uma técnica bem-sucedida e por estar focada nos nervos faciais, uma estrutura muito complexa de tratamento. “A pele se regenera rápido porque suas células cutâneas têm regeneração alta, os nervos não”, compara. “Por isso, sempre procuramos algo, sejam substâncias químicas, sejam técnicas cirúrgicas, que ajudasse a estimular os nervos.”
        Caldas destaca que o local em que as células-tronco foram aplicadas fez toda a diferença para o trabalho ter atingido um resultado satisfatório. “Diferentemente de outras técnicas, essa da USP não busca o tratamento na célula, mas, em seu prolongamento, o local responsável pela regeneração, o axônio”, explica. Os axônios são revestidos por uma capa formada pelas células de Schwann, que dão ao nervo o suporte de que ele necessita. A regeneração do nervo, portanto, depende dessa estrutura celular.
        Segundo Salomone, a pesquisa continua. O próximo passo é implantar células-tronco humanas nos animais submetidos a neurotmese. Caso a melhora seja novamente detectada, a etapa seguinte será o estudo clínico, com a adoção do procedimento em pacientes de cirurgia para reconstituição do nervo facial. “Ganhar o prêmio no Congresso Mundial de Otorrinolaringologia, um dos mais importantes na área, com concorrentes de várias universidades do mundo, como a Harvard, prova que, se houver apoio, temos muita capacidade”, destaca. 

        Cérebro de dinossauro programado para voar‏


        PALEONTOLOGIA » Cérebro de dinossauro programado para voar 

        Estado de Minas: 01/08/2013 


        O cérebro do dinossauro Archaeopteryx lithographica pode ter sido mais parecido com o dos seus parentes dinossauros com penas do que com o das aves modernas. Antes, acreditava-se que as características cerebrais desse dinossauro estavam no meio do caminho entre o pequeno cérebro de répteis e o órgão hiperinflado dos pássaros. Uma descoberta publicada hoje na revista Nature, porém, sustenta a ideia de que o cérebro do Archaeopteryx já apresentava características evolutivas necessárias para o voo e que outros dinossauros com penas podem ter tido capacidade para voar. 

        O Archaeopteryx era visto pelos estudiosos como um fóssil de transição entre répteis e aves, mas, nos últimos anos, outros dinossauros com penas foram descobertos e abriram novas possibilidades de estudo. Uma expansão do cérebro em relação ao tamanho do corpo distingue as aves dos répteis vivos e é fundamental por fornecer capacidades neurológicas importantes para que elas tenham capacidade de voar. Pouco se conhecia sobre a história evolutiva dessa expansão identificada nos pássaros. Por meio de tomografia computadorizada de alta resolução, pesquisadores da Universidade de Columbia, do Instituto de Tecnologia de Nova York, do Museu Americano de História Natural e da Universidade do Texas, todos nos Estados Unidos, avaliaram e compararam o volume craniano de aves de hoje com a de alguns dinossauros, entre eles o Archaeopteryx.
        A comparação levou à conclusão de que o cérebro do animal considerado ancestral das aves é menor e menos desenvolvido do que o de outros dinossauros com penas, mas já programado para voar. Esse resultado traz força à hipótese de estudos recentes que sugerem que o Archaeopteryx, hoje conhecido como primeiro parente das aves, não foi o único dinossauro com penas capaz de realizar alguma forma de voo.

        Possíveis mudanças Ainda não está claro se o cérebro do Archaeopteryx continuará a ocupar um espaço único e intermediário entre répteis e aves em relação a capacidades neurológicas evolutivas que permitem o voo. Isso porque o estudo americano também indica que o cérebro desse animal, na verdade, está mais relacionado com o dos dromeossauros e troodontidaes do que com o das aves modernas.
        A hipótese de que os dromeossauros e os troodontidaes, como o Zanabazar junior, tinham as capacidades neurológicas para voar ou alguma condição intermediária para tal é condizente com a descoberta recente dos americanos e reforça a possibilidade de que o modo como a relação evolutiva entre répteis e aves seja repensado.
        Os pesquisadores, no entanto, afirmam que apenas o volume do crânio não é capaz de contar toda a história evolutiva. Mesmo se as características cerebrais de volume fossem as mesmas, diferenças estruturais e de forma podem ter implicação funcionais e sistemáticas importantes que impedissem que, de fato, existisse nessas outras espécies de dinossauros a capacidade de voar.

        Painel - Vera Magalhães

        folha de são paulo
        Na geladeira
        A relação de Dilma Rousseff e Aloizio Mercadante (Educação) esfriou nos últimos dias. Iniciativas do ministro, como antecipar que o governo recuaria da decisão de ampliar em dois anos o curso de medicina, e críticas que teria feito ao colega Guido Mantega (Fazenda) incomodaram a petista. Ministros observam ainda que Mercadante, antes presença assídua nas comitivas presidenciais, ficou de fora das últimas viagens de Dilma, entre elas os dois encontros com o papa no Rio.
        -
        Bênção 1 O ex-presidente Lula recebeu Alexandre Padilha terça-feira em São Paulo e deu aval para que o ministro da Saúde mantenha o projeto de sua candidatura ao governo paulista, apesar dos contratempos com a implantação do Mais Médicos.
        Bêncão 2 Lula repetiu que Padilha deve ser o candidato do PT no Estado e que deveria negociar com a presidente a data de saída do governo para a pré-campanha. A aliados, Padilha tem negado que pretenda disputar.
        Decor Gleisi Hoffmann (Casa Civil) ganhou uma suíte em sua homenagem na Casa Cor do Paraná, tradicional mostra de decoração. A suíte "Gleisi" tem as cores amarelo e azul, e deve receber a visita da ministra no sábado.
        Sem vacina De um auxiliar de Fernando Haddad (PT) sobre a gripe que acomete Dilma há uma semana: "É a gripe PMDB: vai demorar 20 anos para se livrar dela".
        Fim de férias A presidente recebe na segunda-feira os líderes da base aliada no Congresso para discutir a agenda legislativa do segundo semestre. Até lá, a presidente quer ter em mãos o mapa de emendas empenhadas.
        Na área Do suplente de deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS) sobre a articulação para levá-lo de volta à Câmara: "Eu sempre estive em Brasília à disposição do PMDB. Trabalho com a missão de unir, nunca dividir".
        Laços... Um entendimento do Conselho Nacional de Justiça sobre nepotismo, que está na pauta para o segundo semestre, pode atingir a secretária-geral do STF, Flávia Beatriz da Silva.
        ... de família Nomeada por Joaquim Barbosa para o cargo, ela é casada com um assessor do gabinete do ministro Ricardo Lewandowski.
        Onde pega Voto de um conselheiro diz que a prática de nepotismo é reconhecida mesmo na ausência de subordinação hierárquica entre o servidor comissionado e o efetivo designado para o exercício de cargo de direção''.
        Em cima A corregedoria-geral do governo de São Paulo vai ouvir hoje os depoimentos de diretores e funcionários citados nas denúncias de corrupção em licitações de metrô e trem do Estado. A administração de Geraldo Alckmin (PSDB) quer passar a imagem de que está colaborando com as investigações para punir eventuais desvios.
        Mineirinho O governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), nega que o pacote de corte de gastos e cargos que anunciou ontem seja um contraponto à decisão de Dilma de não reduzir ministérios. "Existe na sociedade um sentimento, que não é de agora, de que a máquina estatal é pesada'', afirma.
        Customizado O presidenciável Eduardo Campos gravou mensagens específicas para o eleitorado de cada Estado, que serão exibidas nas inserções regionais de TV do PSB. As de São Paulo vão ao ar a partir do dia 14.
        Visita à Folha Ana Maria Machado, presidente da ABL (Academia Brasileira de Letras), visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebida em almoço.
        com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
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        TIROTEIO
        "Se o PAC de São Paulo empacar como o PAC nacional, Dilma vai precisar de fone de ouvido se não quiser ouvir vaias do povo."
        DO DEPUTADO VANDERLEI MACRIS (PSDB-SP), sobre o protesto no aeroporto de Congonhas na chegada de Dilma a São Paulo para anunciar investimentos.
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        CONTRAPONTO
        No couro
        Convidado para a Comissão de Infraestrutura do Senado, em junho, o diretor do DNIT, Jorge Fraxe, tentava explicar os entraves que o órgão enfrenta para cumprir planos ambientais previstos na construção de rodovias.
        --Eu tenho que comprar 24 touros, 240 vacas, dois mil pintos, dar cursos de doce caseiro... Pelo amor de Deus!
        Diante dos risos dos senadores, Fraxe prosseguiu:
        -- Eu tenho que executar R$ 15 bilhões em obras, mas eu tenho que comprar 24 touros... E ai de mim se chegar um touro gay lá! Tem que ser touro bom, touro que vai dar conta das vacas -- brincou o diretor do DNIT.

          Pacote da Câmara reduz rigor para desvios das campanhas

          folha de são paulo
          RANIER BRAGON
          MÁRCIO FALCÃO
          DE BRASÍLIA
          Ouvir o texto
          Ao mesmo tempo em que freou uma reforma do sistema político para valer já em 2014, a Câmara dos Deputados prepara um "pacote" de alterações na legislação eleitoral que diminui punições a partidos e candidatos, derruba restrições às doações e coloca amarras no Judiciário e no Ministério Público.
          O projeto está pronto para ser votado no plenário na semana que vem, quando o Congresso retoma as votações após o recesso.
          Chamada de "minirreforma eleitoral", a proposta foi elaborada pelos líderes das principais bancadas e é comandada pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), ex-líder do governo na Câmara e coordenador da comissão que discute a reforma política.
          O texto altera quase todo o sistema eleitoral. No trecho que aborda a fiscalização das campanhas, por exemplo, a minirreforma prevê que a Justiça só fará o "exame formal" dos documentos apresentados pelas campanhas e pelas legendas, sendo vedada a análise das atividades "ou qualquer interferência na autonomia dos partidos".
          A punição também é esvaziada. Uma dos artigos diz que o candidato não será responsabilizado por crime praticado por integrante de sua campanha, salvo se provada sua participação intencional.
          A multa a empresas que doarem acima do limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior também cai de até dez vezes o valor doado a mais para até uma vez.
          Outra mudança sugerida tem impacto nas contas da União. Até maio, a AGU (Advocacia-Geral da União) já tinha cobrado judicialmente de políticos "fichas-sujas" R$ 2,7 milhões gastos pela Justiça Eleitoral com novas eleições geradas por cassação de prefeitos. O projeto proíbe essa cobrança.
          A proposta restringe ainda a possibilidade de suspensão do Fundo Partidário, verba pública rateada entre todas as siglas registradas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
          Caso o texto seja aprovado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, os candidatos a presidente e governador em 2014 estarão dispensados de protocolar na Justiça os seus planos de governo.
          De acordo com o deputado Vaccarezza, o projeto ainda pode ser alterado e tem por objetivo diminuir a burocracia das eleições e torná-las mais "democráticas" e "transparentes".
          Entre os pontos citados por ele, há mudanças que limitam ações adotadas por candidatos ficha-suja, a que prevê nova eleição no caso de cassação do vencedor, o fim da exigência de recibos nas doações eleitorais e a diminuição em cerca de 20 dias do período de campanha, hoje estipulado em três meses.
          DOAÇÕES
          O texto dos deputados também flexibiliza as regras para o financiamento das candidaturas.
          É liberada a doação de "autoridades" e abre-se brecha para que dinheiro de concessionários e permissionários de serviços públicos vá parar na conta dos partidos.
          Hoje eles são proibidos de doar. Pelo texto, a doação não resultará em punição caso o dinheiro seja destinado ao Fundo Partidário, que abastece as próprias legendas.
          A minirreforma também permite a propaganda paga na internet, hoje vedada.
          Editoria de Arte/Folhapress
          aNÁLISE - REFORMA POLÍTICA
          Mudanças frequentes na lei eleitoral pioram o que já não é bom
          Propostas reduzem transparência, diminuem custos das transgressões e aumentam o peso do dinheiro na política
          MERO CLAMOR POR MUDANÇAS NAS REGRAS DO JOGO ELEITORAL ABRE UMA CAIXA DE PANDORA DA QUAL PODEM SAIR AS PIORES MALDADES INSTITUCIONAIS, REDUZINDO A QUALIDADE DO SISTEMA POLÍTICO
          CLÁUDIO GONÇALVES COUTOESPECIAL PARA A FOLHAJá se tornou hábito termos a cada eleição regras distintas das do pleito precedente, ora graças ao Legislativo, ora por iniciativa do Judiciário. O TSE verticalizou as coligações, uma emenda constitucional a derrubou; o Congresso instituiu a cláusula de desempenho partidário, o STF a derrogou; a Lei da Ficha Limpa começou a valer, mas foi suspensa por ferir o princípio da anualidade. E assim vai.
          Em parte, tais alterações são normais, já que numa democracia nada é imutável. Em parte, contudo, tal fluidez institucional decorre de ainda experimentarmos no Brasil um ajustamento de nossa democracia, relativamente jovem e passível de seguidos aprimoramentos.
          Sem contar a crescente interferência judicial na disputa político-partidária, que sob a razão aparente de fazer o que o Congresso não faz, mas a opinião pública demanda, remenda a normatização eleitoral sem dar-lhe coerência.
          O problema de mudanças frequentes é que partidos e eleitores têm de reorientar-se a cada novo pleito, no concernente tanto às estratégias eleitorais como à decisão do voto. Para os partidos, formados por profissionais da política, o ajuste pode ser penoso, mas é contornável. Já os eleitores correm o risco de terem mudados os efeitos de seu voto sem sequer se darem conta do que ocorre.
          A "reforma política" pela qual tanto se clama, sem que contudo se defina seu conteúdo, pode não só manter a volatilidade institucional, mas piorar o que já não é bom, reduzindo a transparência, barateando transgressões, cartelizando ainda mais a competição e aumentando a importância do dinheiro (venha de onde venha) na política.
          Decerto há muito o que melhorar em nossa democracia, mas o mero clamor pela "reforma política" abre uma caixa de Pandora da qual podem sair as piores maldades institucionais. A proposta hoje em consideração na Câmara evidencia esse fato, pois ao mesmo tempo em que introduz mudanças razoáveis, traz em seu bojo alterações cujo condão é reduzir a qualidade do sistema político.
          Isentar candidatos de uma prestação de contas detalhada, apenas com base na declaração de que seus gastos foram modestos, ou reduzir o tempo de campanha (já muito curto), dificultando a vida de competidores neófitos, são exemplos de diminuição da transparência e reforço da cartelização, respectivamente. Porém, algo é inegável: tais mudanças seriam reformas. Propostas indecorosas como essas mostram que, mais prudente do que clamar pelo cavalo de Troia da "reforma política", seria exigir mudanças específicas.

            O assunto é o uso das redes sociais Sandra Muraki e Gustavo Romano [tendências/debates]

            folha de são paulo
            SANDRA MURAKI
            O ASSUNTO É O USO DE REDES SOCIAIS
            Mr. Obama não vai curtir
            O faturamento crescente das empresas de internet e a crise do jornal de papel explicam a ofensiva da imprensa contra a nova concorrência
            Uma "nova concorrência" parece deixar os jornais perplexos: as redes sociais e os buscadores.
            A disputa da mídia impressa pelos leitores na internet tem sido um dos grandes desafios da indústria da comunicação. Como fazer jornalismo nesse meio e como distribuí-lo? Como implementar novas tecnologias? Qual é o conteúdo que o leitor deseja encontrar?
            São perguntas de difíceis respostas, que demandam investimentos e criatividade. Mas, nesse campo, a despeito dos desafios lançados, os jogadores jogam de igual para igual.
            As redes sociais ganharam forte adesão, especialmente no Brasil, e tornaram-se grandes difusoras de informações, a ponto de terem sido um dos meios mais utilizados por movimentos sociais na mobilização das recentes manifestações no país.
            Ao mesmo tempo, com base nessa afluência e influência, essas empresas foram construindo estratégias comerciais de venda de publicidade. Com conteúdo, público, espaço qualificado e tecnologia, passaram a ser uma alternativa atraente de mídia publicitária.
            Pesquisas mostram o crescimento do investimento publicitário na internet e o avanço dos portais, redes e buscadores sobre fatias dos demais meios. No primeiro bimestre deste ano, por exemplo, os anunciantes investiram mais na internet do que em revistas.
            O faturamento nesse meio ainda é muito inferior ao dos jornais impressos, mas é crescente, enquanto que, para a imprensa de papel, o cenário é de crise.
            Isso explica em grande parte a ofensiva que a imprensa vem fazendo contra a "nova concorrência".
            Entretanto, os jornais não assumem a discussão sob esse ângulo. Preferem questionar a seriedade com que as redes sociais protegem as informações dos usuários. Lançam suspeitas sobre o fornecimento dos dados a serviços de inteligência, atacam as políticas de uso. Criticam os usuários, chamando-os de "bobos" por produzirem conteúdo gratuito para as redes e disporem tantas informações pessoais.
            Mas os jornais também estão nas redes, oferecem informação de graça e dispõem para os administradores das redes, também de graça, quem são seus seguidores, que notícias compartilham, como trafegam.
            Os dados dos usuários parecem ser o grande achado das redes sociais. Pela atividade das pessoas, seus comentários, fotos de família, viagens, animais de estimação, festas e pratos preferidos, e "curtidas", as redes detêm um conhecimento de seu público que nenhum jornal tem de seu leitor de internet --e que dificilmente terá.
            As empresas jornalísticas não dispõem da mesma poderosa tecnologia das empresas de redes sociais, nem de recursos, nem mais de tempo para construir algo semelhante e enfrentar essa concorrência.
            Além disso, o foco prioritário dos jornais é produzir conteúdo e veiculá-lo na tecnologia disponível ou na que pode ser desenvolvida para tal finalidade. Ao mesmo tempo, as redes sociais, também dentro do seu foco, estão em pleno desenvolvimento de ferramentas que vão refinar ainda mais o conhecimento dos seus usuários para os anunciantes.
            É uma disputa desequilibrada pelas mesmas verbas publicitárias e um ponto de inflexão, que vai além da discussão do futuro da imprensa.
            Essa fragilidade a que as empresas jornalísticas estão expostas, contudo, não é responsabilidade dos usuários das redes. A nós foram dados uma fantástica forma de estabelecer relacionamentos e um canal de expressão que nenhum meio de comunicação já pode proporcionar. As pessoas usam as redes conscientes da exposição a que se submetem voluntariamente.
            Não parece sensato que mr. Obama tenha interesse nos nossos posts, nas nossas fotos. Quem tem interesse nisso está muito mais perto de nós. E os incomodados que se retirem.
            GUSTAVO ROMANO
            O ASSUNTO É O USO DE REDES SOCIAIS
            Uma nova forma de monopólio
            Não há como o usuário deixar o Facebook sem sofrer consequências. Ele não tem alternativas. Ou aceita as regras ou cai no ostracismo on-line
            Um monopólio não é determinado pela essencialidade do produto monopolizado, mas pela ausência de alternativa viável.
            A Microsoft, por exemplo, foi multada pela Comissão Europeia em meio bilhão de euros em 2004 por formação de monopólio não porque seus produtos eram essenciais, mas porque dominavam o mercado.
            Tradicionalmente, monopólios surgem por imposição legal, restrição de acesso a matéria-prima, propriedade intelectual, ou processo de fabricação.
            O Facebook não é essencial, mas é um novo modelo monopolístico, criado pelo somatório de nossas escolhas individuais.
            Se a maior parte da comunicação social on-line de massa ocorre por meio de sua plataforma, não há opção exceto utilizá-la. Como um buraco negro, criada a massa crítica, torna-se impossível escapar.
            Possíveis alternativas, como Google+, não são verdadeiras alternativas. Uma plataforma de comunicação só é útil se os interlocutores podem ser atingidos por ela. Daí o Facebook ter assumido condição análoga à de um monopólio. E daí surgirem problemas inerentes.
            Primeiro, regras de economia de mercado não funcionam em monopólios. Não há como o usuário deixá-lo sem sofrer consequências simplesmente porque não há alternativas viáveis. O usuário não tem poder de barganha: ou aceita as regras ou cai no ostracismo social on-line.
            Ademais, o usuário não é o cliente. O cliente são as empresas de marketing. Usuário e suas informações pessoais são o "produto" que o Facebook oferece aos anunciantes. É na capacidade de vender informação do usuário que reside o valor de mercado da empresa, o que gera conflito de interesses.
            Terceiro, o grupo de jovens que controla a empresa é também legislador e juiz de padrões morais impostos ao usuário. Em 2011, a empresa excluiu imagens da pintura "Origem do Mundo", de Gustave Courbet, porque mostrava uma vagina. Neste ano, excluiu fotos do Jamurikumalu no Alto Xingu porque havia índias nuas. E nos últimos dias, excluiu fotos de manifestantes nus.
            Não se trata aqui se tais jovens têm problemas em lidar com a própria sexualidade, mas que impõem seus padrões de moralidade a milhões de usuários. Proíbe-os de ler ou ver aquilo que não ofende o usuário, mas ofende quem comanda a empresa. Vale lembrar: quem viu tais fotos optou por seguir determinada página ou usuário.
            Por fim, suas decisões não passam por um processo transparente. O usuário não tem chance de explicar-se, defender-se ou recorrer. Nem sequer sabe como ou por quem a decisão é tomada. Tampouco sabe que está sendo julgado. É apenas informado de sua condenação.
            É como se, certo dia, você acordasse e descobrisse que alguém (sabe-se lá quem) decidiu que você não pode mais telefonar ou receber cartas.
            Fosse um país, o Facebook não seria apenas o terceiro maior do planeta: sua conduta seria equiparável à da Coreia do Norte.
            Não fosse um monopólio, o usuário se socorreria na competição. Mas, sendo-o, cabe ao legislador controlar e limitar a conduta da empresa em relação a seus usuários.

              Kenneth Maxwell

              folha de são paulo
              Weiner e o wiener
              O ex-deputado federal Anthony Weiner está disputando a primária democrata para a Prefeitura de Nova York. Espera suceder a Michael Bloomberg --eleito como republicano, mas hoje sem partido--, que está impedido, pelas regras de reeleição, de disputar um quarto mandato. A primária será realizada em 10 de setembro. A eleição ocorrerá em 5 de novembro.
              Weiner está enfrentando um problema de wiener (salsicha) --não a salsicha vienense ou polonesa, tampouco a de cachorro-quente, tão querida em seu Brooklyn natal, mas, sim, o seu pênis, fotos do qual não param de circular pela internet. Ele as enviou pelo Twitter a uma jovem de 22 anos, a quem ofereceu um apartamento e pediu que se encontrasse com ele (que adotou o pseudônimo Carlos Danger).
              Isso vem fornecendo material infindo para o jornal "New York Post" e para piadas nos programas de entrevista noturnos da TV. Depois das recentes revelações, a mais recente pesquisa de opinião apontou que 53% dos nova-iorquinos acreditam que ele deva deixar a disputa.
              Não é a primeira vez que Weiner enfrenta problemas de "sexting", ou seja, por usar a internet para enviar mensagens e fotos libidinosas. Ele renunciou ao seu posto no Congresso por um escândalo semelhante em 2011.
              Weiner se casou com Huma Abedin em 2010, em uma cerimônia presidida por Bill Clinton. Abedin é muçulmana, nascida em Kalamazoo, Michigan. Ela viveu na Arábia Saudita dos dois aos 18 anos. O casal tem um filho.
              Abedin trabalhou para Hillary Clinton, primeiro como estagiária na Casa Branca, em 1996, e depois foi chefe da equipe de estrada de Hillary na campanha desta pela indicação presidencial democrata em 2008. Ela foi subchefe de gabinete de Hillary no Departamento de Estado, e, no momento, trabalha para a Fundação Clinton, para facilitar o retorno de Hillary à vida civil. Hillary declarou, sobre Abedin, que "só tenho uma filha, mas se tivesse outra, seria Huma".
              Atacada por diversos congressistas republicanos importantes por suas supostas ligações com a Irmandade Muçulmana, Abedin foi defendida pelos senadores republicanos John McCain e Lindsey Graham.
              Como no caso de Bill Clinton e Monica Lewinsky, é evidente que Weiner tem problemas para manter a braguilha fechada. Abedin se manteve leal ao marido. Mas os Clinton não estão satisfeitos com o escândalo. Ele traz recordações desconfortáveis de sua passada experiência com sexo e mentiras (e, dessa vez, é claro, com uma forma mais moderna de videoteipe).

                Paula Cesarino Costa

                folha de são paulo
                Grandes e pequenos
                RIO DE JANEIRO - Cartão-postal do Brasil, porto de entrada dos turistas e uma das cidades mais bonitas que existem. Protagonista por natureza, o Rio foi acompanhado com atenção por boa parte do mundo, interessado na primeira viagem internacional do papa Francisco e no seu impressionante rebanho de jovens.
                Depois de períodos sucessivos --na colônia, no império e na república-- de proeminência política, econômica e cultural, o Rio viveu décadas de crise, abandono e desimportância. Mais recentemente, recuperou relevância econômica e importância política. Conquistou grandes eventos, reconquistou empresas e voltou a ter voz política ativa.
                Hoje, governador (Sérgio Cabral) e prefeito (Eduardo Paes) são do mesmo partido. O Estado é, já há alguns anos, o mais importante governado pelo PMDB. Quando foi reeleito com votação recorde, Cabral apostava que seria peça fundamental na eleição seguinte, a de 2014.
                De lá para cá, helicópteros, guardanapos, policiais e bombeiros bagunçaram seu coreto. Em crise, o governador se abateu e desapareceu. Inicialmente por duvidosa estratégia política, depois impedido pelos gritos nas ruas, que continuam a se fazer ouvir na sala de estar de seu apartamento no Leblon.
                Em outro estilo, o prefeito deu até entrevista ao coletivo Mídia Ninja e assumiu erros, mas foi o responsável por espalhar pelo mundo as cenas de despreparo da cidade durante a Jornada Mundial da Juventude.
                Para a disputa eleitoral do ano que vem, o Rio voltará a ser protagonista. Tanto PT como PMDB estão preocupados com a disputa. A aliança dos partidos pode vir a balançar por aqui. Dilma tem avaliação ruim e pouca intenção de voto no Rio, Cabral é o mais mal avaliado pelo Ibope, Paes vai mal no Datafolha.
                A cidade e o Estado ganham relevância, mas a classe política ainda está longe de estar à sua altura.

                  Eliane Cantanhêde

                  folha de são paulo
                  Quem não chora não mama
                  BRASÍLIA - Os deputados e senadores tiraram uns dias de recesso branco, foram às suas bases e captaram "in loco" o mau humor do cidadão, que acaba de abater mais da metade da popularidade de Dilma.
                  Na volta ao Congresso, estarão mais preocupados em falar a língua dos seus eleitores do que em ouvir os apelos do Planalto. Ou seja: mais empenhados em votar projetos que tenham ressonância popular, mesmo que agridam os ouvidos da presidente e as contas do governo.
                  Por isso, Dilma abriu as burras para as emendas parlamentares, que fazem a festa e mudam votos no Congresso como varinhas de condão. É dando que se recebe, apesar de o Gilberto Carvalho usar o seu tom franciscano para jurar que não.
                  Enquanto Dilma libera R$ 2 bilhões em emendas para Suas Excelências em agosto, corta R$ 919 milhões das Forças Armadas e ninguém mais fala na compra dos caças da FAB. As autoridades cruzam os céus em jatinhos de ponta, mas os velhos Mirage da defesa nacional viram ferro-velho em dezembro.
                  A diferença é clara: as Forças Armadas não têm poder de fogo, mas o Congresso tem um canhão. Se o governo não atende os pleitos militares, eles ameaçam cortar um dia útil de trabalho por semana, levam um chega pra lá, batem continência e recuam. Já se o governo não se sujeita à manha dos políticos, eles negam voto aos projetos governistas e despejam nos antigovernistas. A economia não está uma maravilha, mas o Planalto abre os cofres e paga o preço.
                  Para corroborar que quem não chora não mama, Dilma foi ontem a São Paulo com um mimo de R$ 8 bilhões para o estratégico petista Fernando Haddad, que andava muito chorão, pedindo colo para o tucano Geraldo Alckmin.
                  Com popularidade alta e governo forte, ninguém chora e a conta fecha. Com popularidade ladeira abaixo e governo fraco, vem o chororô e abre-se um buraco sem fundo.
                  Ah! E quem paga a conta é você.

                    Alan Gripp

                    folha de são paulo
                    Herança maldita
                    SÃO PAULO - O roteiro é manjado. O protesto, seja lá contra o que for, começa pacífico até que um grupo mascarado, como se atendesse a um comando único, toma a frente da marcha e começa a quebrar tudo o que surge pela frente.
                    "Chegaram os black blocs'", costuma-se ouvir entre os manifestantes, num tom que mistura medo e um certo glamour da violência.
                    O "black bloc", na verdade, não é um movimento, e sim uma estratégia de protesto anarquista. Seus adeptos cobrem o rosto e se vestem de preto para dificultar a identificação e a fim de parecer uma massa única, criando uma aura revolucionária.
                    Esse método apareceu nos protestos antiglobalização no fim da década de 1990. Símbolos capitalistas são os alvos preferidos, mas a versão tupiniquim tem especial atração por semáforos, radares, cabines da PM e outros equipamentos públicos.
                    Por aqui, seus adeptos deram as caras nos primeiros atos pela redução da tarifa de ônibus, em São Paulo. De lá para cá, entretanto, muita coisa mudou. Os "black blocs", especialmente paulistas e cariocas, crescem em progressão geométrica, estão sempre preparados para a guerra e já organizam as suas pró- prias manifestações.
                    Anteontem, na avenida Rebouças, portavam martelos e marretas, usados para quebrar agências bancárias e carros de luxo de uma loja.
                    Há três semanas, num ato contra a TV Globo, usaram laptops e projetores para exibir mensagens gigantes nas fachadas de prédios.
                    Nesse mesmo dia, em "assembleia" assistida pela Folha, discutiram táticas para escapar da polícia, entre elas hospedar sites em servidores da Rússia ou de Taiwan, "impossíveis de derrubar".
                    As "vozes das ruas" produziram conquistas inegáveis. A principal delas foi dar à classe política a sensação de estar sendo constantemente vigiada. Nesse balanço, porém, pode-se dizer que os "black blocs" são a herança maldita dos protestos.