Equipamento pode ser reutilizado um
minuto depois de outro teste. Segredo está em uma pedra artificial que
muda de cor ao entrar em contato com vapor de etanol
Roberta Machado
Estado de Minas: 22/10/2013
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Blitz em BH: no país, utilizam-se os modelos portáteis mais precisos que existem no mercado |
Brasília –
A cena é conhecida e cada vez mais comum em tempos de fiscalização
acirrada: parado por um policial, o motorista apresenta sinais de
desequilíbrio, olhos mareados e hálito forte. Os sintomas são claros, e
(talvez com um pouco de resistência) o cidadão embriagado é retirado do
volante e autuado pelo crime. Em outras situações, no entanto, os
culpados nem sempre apresentam o comportamento esperado de quem consumiu
bebida alcoólica antes de assumir o posto de condutor. Nesses casos,
somente a tecnologia pode contestar a velha história de que uma só taça
de vinho foi consumida muitas horas antes e encontrar a concentração de
álcool que muitas vezes é o estopim de um acidente fatal.
É aí que
entra em ação o etilômetro, ou bafômetro, como é conhecido o aparelho
que mede a quantidade de álcool no sangue de uma pessoa. O instrumento
passou por muitas adaptações desde que foi inventado, na década de 1960
(veja Saiba mais) e continua ganhando novas versões. Pesquisadores
italianos acabam de divulgar o ambicioso projeto de desenvolver um
dispositivo de baixo custo que acuse a existência de álcool por meio do
hálito de uma pessoa sem depender de reagentes ou cargas elétricas. Em
vez de luzes ou mostradores, o protótipo conta com uma pedra artificial
que muda de cor na presença de gás de etanol.
O trabalho, descrito na
edição deste mês da publicação especializada Optical Materials Express,
revela que o segredo do equipamento está em uma opala artificial. O
cristal fotônico tem apenas 10mm de lado e a mesma espessura de uma
bolha de sabão. O material é formado por várias nanoesferas de
poliestireno, usado para a fabricação de isopor. Essas minúsculas
esferas ficam em uma solução de hidrogel, que muda de volume quando
exposta ao vapor de álcool.
Quando um sopro carregado de bebida
alcoólica passa pela gema, uma reação muda a cor dela de verde para
vermelho. “O hidrogel sensível ao etanol dilata quando exposto ao vapor
de etanol, aumentando a distância relativa entre as nanoesferas de
poliestireno na estrutura intermitente da opala. Assim, ela reage de
forma diferente à luz incidente”, explica Riccardo Pernice, da
Università degli Studi di Palermo, na Itália. O projeto parece complexo,
mas o pesquisador ressalta que a fabricação do etilômetro teria custo
estimado de apenas alguns euros por unidade.
Os autores do trabalho
acreditam que a resposta “imediata e intuitiva” pode ser bastante útil
em ações dinâmicas como a fiscalização de trânsito. Outros modelos de
etilômetro que mudam de cor são descartáveis e pecam por imprecisão,
enquanto o protótipo italiano pode ser reutilizado milhares de vezes.
Basta aguardar um minuto para que o cristal recupere sua cor original
verde, – os aparelhos usados no Brasil têm um intervalo recomendado de
15 minutos entre os testes. O etilômetro italiano também é feito de
materiais não tóxicos e não reage à acetona, um problema dos antigos
modelos de medidores de álcool – quando pessoas com diabetes (que podem
produzir a substância em excesso) eram submetidos ao teste, a substância
química resultava em falsos positivos.
Uma curiosa vantagem da pedra
artificial é que ela se mostrou eficiente para detectar altas
concentrações de álcool. “Nosso material é apropriado para aplicações em
que é necessário o sensoriamento de altos valores de etanol, nos quais
outros sensores iriam saturar”, aponta Pernice. “Ainda não exploramos
baixas concentrações, mas descobrimos que concentrações maiores de vapor
de etanol são muito lineares, e isso pode ser estendido”, complementa o
italiano.
Nos próximos meses, o grupo vai testar a opala variável
sob concentrações menores de etanol, até o menor limite possível. No
Brasil, a lei estabelece uma tolerância de 0,05mg/l, a mesma margem de
segurança estipulada pelo Inmetro para etilômetros. Os pesquisadores
italianos devem incrementar o projeto com um mostrador digital, que vai
complementar o sinal colorido. Por enquanto, o protótipo demora alguns
minutos para apresentar os resultados, mas os autores do trabalho têm
planos para adaptar o projeto e obter respostas instantâneas.
Reação elétrica A
medição de álcool que dispensa testes de sangue é uma tecnologia
relativamente recente e ainda flutua entre vários modelos que usam
métodos distintos para indicar a quantidade de etanol presente no hálito
de uma pessoa. Os mais precisos são os espectroscópios e cromatógrafos,
equipamentos grandes demais para serem levados em uma operação
policial. Os modelos mais usados no Brasil são os de célula de
combustível, os aparelhos portáteis de resultado mais confiável que
existem.
Esses bafômetros usam um catalisador para gerar uma reação
química que libera as cargas negativas presentes no etanol. “Eles têm
eletrodos que vão medir a quantidade de íons liberados pelos elétrons.
Quanto mais etanol houver, mais elétrons serão liberados”, explica
Sílvia de Oliveira Santos, professora de toxicologia na Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de Campinas. A informação é interpretada por
um chip eletrônico, que determina a quantidade de etanol no ar de
acordo com a carga negativa. “Alguns também fazem a relação de quanto
álcool há no sangue, pois sabe-se que o ar tem 2,1 mil vezes mais etanol
do que o sangue”, complementa Sílvia, que é também perita do Instituto
de Criminalística de Campinas.
Saiba mais
Invenção brasileira
O
etilômetro tem a criação atribuída ao brasileiro Aymar Baptista Prado,
antigo professor de toxicologia da Universidade de São Paulo (USP) de
Ribeirão Preto. Ele teria desenvolvido o equipamento na década de 1960,
enquanto lecionava no curso de farmácia. O bafômetro foi descrito pela
primeira vez em um trabalho de 1966, intitulado “Um novo aparelho para
determinação quantitativa de álcool no ar expirado”. O equipamento era
bem mais robusto que os modelos portáteis que ganharam popularidade nos
últimos anos. A máquina usava ampolas de reagentes para indicar a
presença do etanol no hálito do motorista, que tinha de soprar em uma
mangueira. Na década de 1970, o professor lutou para que a dosagem
alcoólica presente no organismo de cidadãos fosse conferida com sua
invenção. Ele sugeriu que a máquina fosse adotada em empresas,
repartições públicas e em estradas de rodagem. O sistema usado na época
pela Polícia Rodoviária tinha alto custo e levava um longo tempo para
apresentar resultados. Os condutores envolvidos em acidentes tinham o
sangue colhido e enviado para análise, e somente depois de alguns dias o
laudo era divulgado.