domingo, 26 de janeiro de 2014

MENDIGO DO AMOR - Fabrício Carpinejar

Até que ponto é possível amar sem ser amado?

Quando amamos platonicamente, o amor pode durar muito tempo. Pois não tem ninguém para estragar nossa idealização. Não há convivência para nos desafiar. É uma paixão estanque, feita de sonho e névoa. É uma vontade desligada da realidade. Temos a expectativa intacta, longe de contratempos. Acordamos e dormimos com o mesmo sentimento, longe de interrupção em nossa fantasia.

Mas quando amamos dentro de um casamento e quem nos acompanha não retribui o amor? Quanto tempo dura? Quanto tempo você suporta a secura, o desaforo, a grosseria? Quantos meses, se cada dia é um ano?

Nem estou falando de falta de sexo, mas a falta de beijo, de abraço, da telepatia rumorosa, do colo, de perceber seus cabelos sendo penteados pelas mãos, de ver seu rosto encarado de forma única e brilhante. Nem estou falando da falta de aventura, mas do conforto protetor, da cumplicidade, do afago que é viver com a certeza de que é admirado. Nem estou falando da falta de viagens, mas do mínimo da rotina apaixonada, ser cuidado mesmo quando está distraído. Não estou falando de arroubos e arrebatamentos, mas da vontade boa de morder seus lábios levemente quando suspira e de esperar o final de semana como um feriado.

Quanto tempo dura o amor sem retorno, sem reconhecimento?

Talvez pouco, quase nada. Quem não se sente amado não é capaz de amar. Não é problema de carência, é questão de tortura.

Extravia-se a cintilação dos olhos. Ocorre um bloqueio, uma desesperança, uma resignação violenta. É como dançar valsa sozinho, é como dançar tango sozinho. É abraçar pateticamente o invisível e não ter o outro corpo para garantir seu equilíbrio.

Você se verá um mendigo em sua própria casa, diminuído, triste, desvalorizado, esmolando ternura e atenção. Aquilo que antes parecia natural – a doação, a entrega, a alegria de falar e de se descobrir – será raro e inacessível. Todo o corredor torna-se pedágio da hostilidade. Passará a evitar os cômodos para não brigar, passará a evitar certos horários para se encontrar com sua esposa ou marido, passará a prolongar os períodos na rua, passará apenas a passar. Combaterá as discussões e gritarias anulando sua personalidade. Despovoará a sua herança, assumirá o condomínio do deslugar. Comerá de pé para evitar o silêncio insuportável entre os dois.

Quer um maior mendigo do que aquele que dorme no sofá em sua residência? Com um cobertorzinho emprestado e com a claridade das janelas violentando os segredos?

Por ausência de gentileza, perdemos romances. O que todos desejam é alguém que diga: não vou desperdiçar a chance de lhe amar. Alguém que não canse das promessas, que não sucumba ao egoísmo do pensamento, que tenha mais necessidade do que razão.

A gentileza é tão fácil. É fazer uma comida de surpresa, é convidar a um cinema de imprevisto, é pedir uma conversa séria para apenas se declarar, é comprar uma lembrancinha, é chamar para um banho junto, é oferecer massagem nos pés, é perguntar se está bem e se precisa de alguma coisa, é tentar diminuir a preocupação do outro com frases de incentivo.

Quando o amor para de um dos lados, o relógio intelectual morre. Não se vive desprovido de gentileza. A gentileza é o amor em movimento.

Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 26/01/2014 Edição N° 17685

Realidade e percepção - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 26/01/2014

Quando se diz que uma imagem vale mais do que mil palavras, logo pensamos em cenas e fotografias que não carecem de explicação: a força de sua mensagem dispensa legendas. Mas imagem não é apenas algo que se enxerga concretamente.

Quando vi a foto do caixão de Ronald Biggs coberto pela nossa bandeira, sabia que aquilo significava apenas uma homenagem do filho brasileiro que o ladrão inglês teve, mas, subliminarmente, a imagem também fazia uma associação indigesta entre o banditismo e as cores verde e amarelo. Essa imagem negativa que temos do nosso país não é gratuita. Por maior que seja a quantidade de brasileiros honestos, incluindo até alguns políticos, não adianta: o Brasil tem um histórico de corrupção e violência que induz a essa percepção.

Percepção é algo que se constrói dia após dia, fato após fato, e que uma vez consagrada, é difícil mudar. Mesmo que todos os trens da Inglaterra partam e cheguem com atraso nos próximos meses, será preciso anos para desfazer a imagem que aquele país tem de pontual. O contrário também acontece. Ronald Biggs, depois que fugiu para o Brasil, não roubava mais nem no troco, era apenas um aventureiro que se transformou em uma folclórica subcelebridade. O episódio do assalto ao trem pagador, cinco décadas antes, foi deixado de lado em prol da construção de uma imagem de anti-herói, e ele acabou sendo enterrado com cobertura da imprensa.

Poucas coisas são tão fortes quanto a imagem que a gente cria. E como todos gostam de saber com quem estão lidando para evitar surpresas, essa imagem vira referência e pode agir a nosso favor e também contra - preconceitos vêm daí.

Nem todo alemão é sisudo, nem todo baiano é preguiçoso, nem todo gaúcho é machista, mas essa é a “foto” que guardamos deles em nossos porta-retratos mentais. Estereótipos de grupo. Individualmente acontece a mesma coisa. A sua vida passa como se estivesse numa esteira de linha de produção, até que um dia você ganha um rótulo – que não veio do nada, você de certa forma colaborou para ser etiquetado como um fofoqueiro, um bebum, um mulherengo.

E também colaborou para ser reconhecido como um cara focado, um homem responsável, um sujeito que cumpre o que promete. Você pode mudar? Pode. Para melhor e para pior. A vida é longa. Angelina Jolie passou de bad girl a cidadã ativista e de família - adotou crianças, visitou países assolados pela fome, a nossos olhos virou outra pessoa.

Mas, para comuns mortais, é bem mais penoso reverter a própria imagem. A imprensa não cobre.

Rótulos, mesmo os bons, são limitadores. O ideal seria que pudessem esperar qualquer coisa de nós, já que somos mesmo capazes de surpreender. Mas o mundo se apega às certezas, não às dúvidas. Então, tenha em mente que tudo o que você faz (e principalmente o que você repete) ficará arquivado na memória daqueles com quem convive, e será um trabalhão desfazer essa imagem. Não que seja impossível, mas vai exigir mais do que mil palavras. 

Affonso Romano de Sant'Anna - Leiloando um fardão‏

Leiloando um fardão


Affonso Romano de Sant'Anna
Estado de Minas: 26/01/2014


Você quer comprar um fardão da Academia Brasileira de Letras?

A oportunidade chegou, pegar ou largar. Tem gente que só pensa na Academia. A chance é essa. Interessados, procurem Adda Guimarães. Aliás, o nome dela é o de uma nobre (como o fardão): Maria das Graças de Guimarães Afonso de Almeida. Nome de condessa. E pode ser encontrada no telefone (21) 2287-8072. Quem mora no Rio basta passar na banca A Cena Muda, ali na Praça Nossa Senhora da Paz, e olhar coleções de revistas antigas. Se você mora no interior, entre em contato pelo e-mail addadig@hotmail.com ou veja na internet.

Qual o meu interesse nisso?

Nenhum.

Há décadas que me convidam para concorrer à ABL. Na primeira vez, Afrânio Coutinho queria que substituísse José Guilherme Merquior e me garantia o apoio da bancada nordestina. Mas sou mineiro, lhe dizia. Além do mais, não acredito na imortalidade. Aquele fardão me dá a sensação de que estaria embalsamado em vida.

Mas pode ser que essa notícia interesse a algum colecionador ou a alguém que queira usar a vestimenta em casa para receber conhecidos. O valor atual de um fardão é R$ 70 mil. O município de onde provém o imortal paga a conta. Quantas cestas básicas vale um fardão? O pessoal do Contas Abertas acha que a Academia deveria pagá-lo. Como se sabe, a Academia é uma instituição rica. Dizem que o jeton de cada acadêmico está em torno de R$ 10 mil. Muitos alegam que entram para ABL por causa disso, dos planos de assistência e mesmo por causa do preço da sepultura, que está pela hora da morte.

Perguntei a Adda como o fardão veio parar nas mãos dela. Contou que uma senhora gorda e baixa a procurou em 2000 e ofereceu o traje com a casaca e mais uma toalha. Essa toalha é algo intrigante na estória. Também não sabe quem era essa personagem. Sabe-se apenas que o fardão foi usado em 1996. Eis uma boa pesquisa para os frequentadores de arquivos.

Contei à minha amiga, então, que viúvas de escritores costumam vender os livros dos maridos a qualquer preço, como vingança. Elas se casaram sonhando com príncipes, e os maridos viram uns chatos que não apenas gastam o dinheiro do pão dos filhos em livros, mas vivem enfurnados na biblioteca. É isto: escritor se casa com livros. Então, possivelmente, esse fardão é um misto de memória e vingança.

Curiosamente, o fardão que minha amiga quer vender ou leiloar é de lã. Diferente, portanto, do atual: roupa feita de sarja inglesa verde-escuro com ramos de café bordados de ouro. Além de ser de lã, é de lá, ou seja, uma cópia (mais pobre) do fardão usado na Academia Francesa, criada por Richelieu em 1635. Muitos já notaram esta contradição em Machado de Assis: o criador da ABL, que dizia que a Academia era para os notáveis, é o mesmo que escreveu o conto “Teoria do medalhão”, ironizando a troca de favores e os que sonham com prestígio social.

Eu pensava que o imortal era enterrado com o fardão. Mas essa roupa ora em leilão prova o contrário.

Lembrei-me de Aurélio Buarque contando que estava metido no seu fardão, indo para a Academia, e resolveu pegar um táxi. Ficou na rua acenando, até que o carro parou e o levou. O intrigado taxista olhava aquele homem vestido gloriosamente e perguntou, no seu linguagar popular:

– Sois algum rei? (Referia-se às festas de reisado, naturalmente).

Aurélio explicou que era da ABL etc. Como insistisse com o taxista para pisar no acelerador, pois estava atrasado, ele ponderou :

– Calma, doutor! Vestido como está, nada começa antes de o senhor chegar…

TeVê

Estado de Minas: 26/01/2014 04:00

TV paga

 

MÚSICA Domingo é dia de música. Na Cultura, às 11h, vai ao ar a série O milagre de Santa Luzia. No Canal Brasil, às 21h30, estreia 100 anos de samba. No SescTV, a jovem compositora e pianista paulistana Louise Woolley (foto) está em Passagem de som, às 21h, e logo em seguida no Instrumental Sesc Brasil, às 21h30.

DOCUMENTÁRIOS Por falar em SescTV, a série Habitar habitat, de Paulo Markun e Sérgio Roizenblit, apresenta hoje, às 20h, o episódio sobre a casa de fazenda, mostrando as antigas fazendas de café, particularmente da região de Vassouras (RJ). Já no canal Bio, às 18h, vai ao ar um documentário sobre o ator e cineasta Clint Eastwood.

CINEMA Se o assunto é cinema, destaque para o canal Max, que exibe, às 22h, o drama Barbara, do alemão Christian Petzold, ganhador do Urso de Prata de melhor diretor no Festival de Berlim. No Canal Brasil, à 0h15, a sessão Cone Sul apresenta Réus, estreia dos cineastas Pablo Fernández, Eduardo Piñero e Alejandro Pi.

Enlatados

Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br


Serial em série
Com duas semanas de atraso em relação à exibição nos Estados Unidos, entra no ar sexta-feira, às 22h25, na Warner, a segunda temporada de The following. A série, que marcou a estreia de Kevin Bacon na TV, teve um final sangrento no ano anterior. Ryan Hardy (Bacon) está convencido de que o assassino em série Joe Carroll (James Purefoy) não morreu numa explosão, como todos acreditam, e vai se empenhar para encontrá-lo e prendê-lo de novo.

Ocupação –O +Globosat estreia amanhã, às 23h, o terceiro ano da produção francesa The line. Ambientada na 2ª Guerra Mundial, a história mostra o início da ocupação da França pelos nazistas. O público acompanha a trajetória dos moradores de Villeneuve, pequena cidade francesa que passa a viver com medo do novo regime.

Três em um –A Fox reservou algumas novidades para o próximo sábado. Às 12h começa a quinta temporada de White collar, com o bonitão Matt Bomer fazendo um vigarista que vira consultor do FBI. Já às 13h estreia Graceland, que é do mesmo produtor de White collar, Jeff Eastin. E às 18h entra no ar o terceiro ano de New girl, a comédia romântica estrelada pela musa indie Zooey Deschanel.

Até quando? –Para os fãs de primeira hora Grey’s anatomy, em sua 10ª temporada (no Sony, às quartas-feiras, 21h), já deu o que tinha que dar. Mesmo assim o drama médico deve estar querendo ganhar de E.R. (que teve 13 temporadas). Paul Lee, chefão da rede ABC, que produz a série, afirmou que ela deve durar por muitos anos. Vai ter que colocar a mão no bolso, já que o contrato de seu elenco principal vence em maio.


Caras & Bocas
Interino
Publicação: 26/01/2014 04:00
 (Carol Soares/SBT )
Dupla jornada

O De frente com Gabi deste domingo, à meia-noite, no SBT/Alterosa, vai receber a empresária Zica Assis (foto), idealizadora da Beleza Natural, empresa especializada em serviços e produtos para cabelos crespos e ondulados. Nascida em uma comunidade carioca, começou a trabalhar com 9 anos, hoje comanda quase 2 mil funcionários e se tornou referência internacional nesse segmento. Na entrevista, ela conta sobre sua trajetória, vida pessoal, projetos futuros e diz que não vende apenas xampus e condicionadores, vende autoestima. Ainda hoje, às 22h, no canal GNT (TV paga), Marília Gabriela entrevista o médico psiquiatra e neurocientista Rodrigo Bressan, um dos maiores especialistas em doenças do cérebro no mundo.

Confira as atrações de  Celso Portiolli e Eliana

Por falar em SBT/Alterosa, Celso Portiolli recebe hoje os heróis da Patrulha Salvadora no Domingo legal. Mais tarde, às 15h, Eliana comanda mais um quadro “Rede da fama”, com os sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano, que vão comentar as fotos que postam ou não na rede, dizem quem adicionam ou não como amigos, falam das notícias publicadas sobre eles, se são verdadeiras ou não, e até tratam de assuntos polêmicos, como traição e Rafinha Bastos – aquele que fez uma piada grosseira com Wanessa Camargo, filha de Zezé.

Atenção: Rafinha Bastos  está na área, se cuidem

Ah, Rafinha Bastos… Enquanto Danilo Gentili define seu novo programa no SBT, já batizado The noite com Danilo Gentili, seu antigo companheiro de CQC e sócio em um clube de comédia em São Paulo começa a se preparar para ocupar o horário deixado pelo parceiro na Bandeirantes. O Agora é tarde deve voltar ao ar totalmente reformulado, como uma espécie de revista eletrônica semanal. Para comentar a novidade, Rafinha divulgou em suas redes sociais uma carta manuscrita na qual agradece o suposto seguro-desemprego que alega ter recebido, após sua polêmica saída da Band em 2011. E fez outras piadas em seu canal no YouTube.

Julia Lemmertz faz uma  bela homenagem à mãe

A partir de 3 de fevereiro, a mais nova Helena do novelista Manoel Carlos começa a dar as caras. Na trama global intitulada Em família, a protagonista (vivida por Julia Lemmertz) é casada com Virgílio (Humberto Martins) e mãe de Luiza (Bruna Marquezine). O papel é uma homenagem a Lilian Lemmertz, mãe de Julia, que viveu a primeira Helena do autor em Baila comigo (1981). “É quase como se ela estivesse comigo aqui”, afirmou Julia, ao se lembrar da mãe, morta em 1986. Na trama, a personagem tem uma vida feliz ao lado de sua família, no bairro carioca do Leblon, até o dia em que reencontra seu amor de juventude, o primo Laerte (Gabriel Braga Nunes).

Universal produz sua  primeira série nacional


A primeira série nacional do canal Universal já está em fase de produção pela Boutique Filmes. Com o nome de Cinelab, o projeto vai mostrar o mundo do cinema e das grandes produções , a partir do dia a dia de uma produtora especializada em efeitos especiais de baixo orçamento. Serão 13 episódios, como muitos tiroteios, perseguições de zumbis e acidentes criados pelos personagens da produtora. A estreia está prevista para maio, com exibição também pelos canais SyFy e Studio Universal.

Gagliasso filma ao lado  da mulher, Giovanna

Também em maio, Bruno Gagliasso e sua mulher Giovanna Ewbank começam a filmar Jogos clandestinos, longa-metragem escrito e dirigido por Caio Cobra, da produtora Side Cinema. Ambientado em São Paulo, o filme vai narrar as aventuras de Tobias (Gagliasso), que resolve assaltar um cassino clandestino para recuperar o dinheiro que perdeu no jogo de cartas. Marco Luque, do CQC da Band, também está no elenco.

Multishow transmitirá  o 16º Festival de Verão
 (Ben Gabbe/Getty Images/AFP)

A partir de quarta-feira, o Multishow vai transmitir ao vivo e com exclusividade, na faixa das 21h, as principais atrações nacionais e internacionais da 16ª edição do Festival de Verão de Salvador. Pelo palco vão passar artistas e bandas como Frejat, Gusttavo Lima, Paralamas, Ivete Sangalo, Claudia Leitte, Maria Gadú, Timbalada, Nando Reis e o rapper americano Ne-Yo (foto). Dani Monteiro, Dedé Teicher, Titi Muller e Guilherme Guedes foram escalados para os quatro dias de folia.

EM DIA COM A PSICANÁLISE » O continente negro‏

EM DIA COM A PSICANÁLISE » O continente negro 


Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 26/01/2014


Sobre o feminino: o que dizer? Tanta coisa que cairíamos numa infinitude de palavras inconclusivas. Todas elas circulariam a questão do que é ou do que quer uma mulher e nenhuma poderia dizê-lo com todas as letras. Nem mesmo nós mulheres podemos desvendar o mistério da feminilidade. Se é que a exercemos hoje em dia, em tempos ainda de disputas fálicas por igualdades entre os sexos.

Concordamos ter alcançado igualdade civil. No mercado de trabalho, nos últimos 10 anos, as mulheres alçaram altos cargos públicos e privados. Hoje temos uma presidente(a). Mas alcançar isso não parece ter deixado as mulheres satisfeitas, e há certa nostalgia dos tempos em que eram o sexo frágil e sua relação com os homens as colocava em posição feminina, desejável, protegida. Há as que digam que desejariam ter nascido nos tempos das donas de casa. Polêmica discussão.

Surge novo apelo ao lugar do feminino. Belikiss Pandiá Guimarães entende que surgiu o desejo de escrever sobre um feminino que não se explica, e que mesmo assim vai sofrendo mutações. Ela discorre sobre a influência dos filmes da saga Crepúsculo, quando o amor-ternura revela revolucionárias intrigas, refletidas inclusive no look gótico que alcançou a moda: esmaltes pretos, caveiras, roupas black. Recorto aqui interessantes pontos da escrita de Belkiss, que nos abrem o pensamento para sua proposta.

O relato desse amor que se passava nas bordas da morte e veio ocupar o imaginário da juventude exerceu encantamento hipnótico, tal como era a atração que o vampiro causava na moça, pois, como um semideus, tinha poderes especiais, banindo assim o terror e provocando entrega confiante.

A humana, simplesmente mulher, desafiava, com sua meiguice, tais poderes, pois se apresentava como um enigma, já que o vampiro não podia ler seus pensamentos, como fazia com todos e esse era um de seus dons. O cenário assim composto faz desenrolar ardente e desconcertante história de amor. A questão se revela como um traço recém-explorado na cultura, com relação a uma nova sujeição feminina, que misteriosamente ganha prestígio nos tempos de consagrada liberação feminina, não só em ideias feministas, mas também nas conquistas efetivas de lugares tão prestigiosos quanto dos homens.

A autora de Cinquenta tons de cinza, cuja temática se baseia na sujeição feminina, revela que foi influenciada por essa ficção extemporânea; provavelmente, a imensa procura dos romances de E. L. James se deve a uma posição arcaica da mulher, e que deve ser compreendida no âmago da coisa feminina. O ineditismo desse casal de amantes talvez ofereça um acalanto para uma questão muito perturbadora e de difícil conclusão para os pensadores e filósofos, psicanalistas e cientistas que tratam do comportamento humano: o que há na relação homem/mulher que tem gasto bilhões de palavras e nunca se elucida.

Como a coisa feminina, em sua diferença do homem, tem sido olhada desde a Idade Média como bruxaria e condenada criminalmente, é possível que nosso tempo proporcione novo olhar, que ignore toda a mitologia criada em torno do perigo que representava a sedução feminina. Esse novo olhar não se detém na beleza dos seios, quadris ou coxas, não privilegia a inteligência espirituosa, a graciosidade do gesto e andar, a delicadeza no dizer ou a expressão poética nas palavras.

O primitivismo dessa relação causa estranheza e horror sem a intermediação simbólica da linguagem, ela se passa na escuridão das entranhas. No entanto, para a mulher, a familiaridade em ser devorada e seus líquidos sugados na troca amorosa, como na maternidade, é o que lhe possibilita o mais intenso gozo. Já que resgata sua vinculação com a natureza originária.

Embora psicanalistas afirmem que a maternidade não pode explicar o que quer uma mulher, e para citar um filósofo que desentendia o feminino, Nietzsche diz em seu livro Aurora: “As mulheres grávidas são muito estranhas”. E conclui: “Se nem os juízes, nem a polícia pode tocá-las, também muito menos o filósofo ousará”.

ENTREVISTA/SÉRGIO VAZ » "Somos nós"‏

ENTREVISTA/SÉRGIO VAZ » "Somos nós"
Criador da Cooperifa de São Paulo comemora a efervescência musical e literária da periferia 
 
Ângela Faria
Estado de Minas: 26/01/2014


Criador da Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa), que funciona há 12 anos em São Paulo, o poeta Sérgio Vaz, de 49 anos, avisa: à margem dos holofotes da mídia, comunidades pobres do país experimentam efervescência cultural sem precedentes, comparável àquela vivida pela classe média quando surgiram a bossa nova ou a Tropicália. Realizando saraus, debates e shows, além de estimular a distribuição de livros, a Cooperifa nasceu dentro do Bar do Zé Batidão, na violenta Zona Sul paulistana. A “Primavera de Praga”, como diz Vaz, não se limita à música. Chegou a vez da literatura: novos escritores dão continuidade ao legado de Carolina de Jesus, João Antônio e Plínio Marcos.

 (Marcelo Min/divulgação)

Simplicidade

No princípio quando era o verbo
de tão pequeno me achava grande,
uma enorme sombra diante de
um sol pequeno.
Mas a grandeza das coisas pequenas,
que são as estrelas na órbita da lua,
ensina que a vida cabe somente
na sua via-láctea.
Porém,
se no teu infinito
não cabe a escuridão alheia,
você brilha tão intenso
que o universo cabe todo
numa casca de noz.
E aí, de tão grande a simplicidade,
nasce em teu coração
um planeta melhor:
eu, tu, eles, nós, voz.


•  Sérgio Vaz

Você diz que há uma “Primavera de Praga” nas periferias do país, com ampla produção cultural. Costuma-se ligar essa efervescência à música – rap, funk carioca, funk ostentação paulista ou o tecnobrega do Norte. Ela se limita à música?

A música sempre foi referência de cultura na periferia: samba, forró, tecnobrega, rap, funk. Agora é a vez da literatura. Em São Paulo, há mais de 50 saraus, cada qual com seu estilo. O Sarau da Cooperifa, realizado às quartas-feiras, vai completar 13 anos em outubro. Quem imaginaria um sarau de poesia num bar com 200 pessoas, entre poetas e comunidade, completar todo esse tempo de vida? Saraus assim foram se tornando centros culturais, onde há lançamentos de livros, cinema e teatro. Ou seja: não apenas produzimos cultura, como consumimos o que a gente produz. É formação de público.

O que os autores revelados nesses saraus têm dito de novo? É correto classificar essa produção como literatura periférica? Esse termo remete a algo excluído, à margem...
O novo de tudo isso é que agora a história está sendo contada na versão do oprimido, do negro, do pobre, da mulher. Eliminamos os atravessadores. Há saraus para todos os gostos, mas na periferia tem a coisa da luta, da resistência. Não é literatura pela literatura. Literatura periférica é um termo que me agrada muito, assim como literatura marginal, porque é um termo de pertecimento, que diz de onde a gente vem. Eu sou da periferia – e daí?. É disso que estamos falando.

O que é literatura periférica?
Respondo com outra pergunta: o que é literatura grega? Feita pelos gregos, alguém vai dizer. Então, literatura periférica é feita por quem mora na periferia. A pessoa que mora em bairro nobre pode fazer LP? Pode, mas não vai ficar bom. (risos)

Principal grupo de rap do país, o Racionais MCs está completando 25 anos. Qual é o papel do hip-hop na formação do jovem brasileiro contemporâneo, especialmente do morador da periferia? Você ouve rap?
Foi o hip-hop quem deu esse grito de independência. A periferia foi sacudida pelo rap, que apresentou Zumbi dos Palmares, Malcolm X, Martin Luther King e Carlos Marighella para muita gente. Coisas que a gente não via nos livros escolares. Gosto de rap, assim como gosto de MPB. Estou tanto para Chico Buarque como para Racionais MCs e Versão Popular.

Muita gente diz que rap é música de bandido.
Rap é música de protesto, é música negra e de pobre. Há preconceito porque rap é música de negro, só isso. Quem faz apologia à violência é a fome.

E o funk carioca?
Funk não é apenas música, é uma cultura. O funkeiro é o cronista da favela, ele apenas canta o que vive, vê e sente. A bossa nova exaltava o barquinho a deslizar no macio azul do mar, porque era aquilo que ela via. Aí está o preconceito de novo: funk é música de preto, de favelado.

Em São Paulo, destaca-se o funk ostentação, que celebra roupas e tênis de marca, além do consumismo. Funk carioca e funk ostentação são lixo cultural?
No funk ostentação, eles estão devolvendo a educação “de qualidade” que receberam do Estado. O pobre está cantando aquilo que deseja – infelizmente, são coisas materiais. Se você quer entender a juventude, é só ouvir funk. Está tudo ali. Não sou especialista em funk, mas acho que eles querem educação de qualidade, cultura, informação, lazer e literatura. Só que ninguém dá. Quem não quis andar “na pinta” quando jovem? Sou contra esse consumo, mas entendo seus motivos. Música boa é aquela de que a gente gosta. O que é lixo para uns é luxo para outros.

Como você analisa o fenômeno do rolezinho? O sociólogo Luiz Eduardo Soares escreveu: “Acabou o sossego de quem se deitava em berço esplêndido e rolava sobre a tragédia das desigualdades e do racismo. O escândalo de nossa história não será mais naturalizado”. Você concorda?
Sim. Na verdade, não coube todo mundo debaixo do tapete. Como diria Castro Alves: “Somos nós, teus cães”.

Se Sérgio Vaz fosse o prefeito ou o dono do shopping center, que medidas adotaria diante dos rolezinhos?
O que essa molecada quer é beijar na boca e se divertir. Mas nós, adultos, temos inveja desse tempo. Maltratamos as crianças e os adolescentes somente por um motivo: inveja. Os donos dos shoppings que comam brioches! (risos).

Em junho do ano passado, protestos se alastraram pelo país. Espera-se a volta das manifestações na época da Copa do Mundo. O povão vai aderir? Ou a classe média sairá em passeata na avenida enquanto a meninada da periferia se mobilizará em rolezinhos?

Nas passeatas de junho, o povo gritava: o Brasil acordou. Só que no Brasil onde a gente mora ninguém nunca dormiu.

Em compasso de espera - Ailton Magioli

Em compasso de espera 
 
Novo filme da diretora Ana Carolina, A primeira missa ou tristes tropeços, enganos e urucum, coprodução luso-brasileira, já lançado em Lisboa, só deve estrear no Brasil em março ou abril 

Ailton Magioli
Estado de Minas: 26/01/2014


A primeira missa ou tristes tropeços, enganos e urucum foi rodado em estúdio que reproduz a mata atlântica, obra do artista Valdy Lopes JN (Renata Castelo Branco/Divulgação)
A primeira missa ou tristes tropeços, enganos e urucum foi rodado em estúdio que reproduz a mata atlântica, obra do artista Valdy Lopes JN
 A cineasta Ana Carolina constrói imagem exótica para falar da distribuição de seu mais recente filme no mercado brasileiro. “Estou com o meu caminhãozinho na fila de espera para carregamento.” A primeira missa ou tristes tropeços, enganos e urucum deverá chegar ao eixo Rio-São Paulo entre março e abril, depois de pré-estreia em Lisboa, Portugal, no fim de 2013.

Coprodução luso-brasileira com a participação de artistas portugueses (Beto Coville, Rui Unas, Marcantonio Del Carlo e Pedro Barreiro) e brasileiros (Fernanda Montenegro, Rita Lee, Alessandra Maestrini, Oscar Magrini), o filme da paulistana radicada no Rio é classificado por ela mesmo como “tragicomédia ácida”.

Inspirado no célebre quadro de Victor Meirelles (1832-1903), que retrata a primeira celebração religiosa em terras tupiniquins, o longa se desenvolve a partir de duas ações simultâneas, em que a diretora retrata o aspecto histórico da imagem romântica, do século 19, paralelamente à análise do cinema, hoje, no país.

 Desde que viu o quadro do pintor catarinense pela primeira vez, Ana Carolina diz ter sentido uma “vontade romântica de começar o Brasil de novo”. “Está muito esquisito”, analisa a realidade, admitindo que os brasileiros nos conhecemos muito pouco historicamente. “Escamoteamos tudo”, avalia a diretora, salientando que o longa, na verdade, é uma digressão, reflexão sobre o tema.

Ana Carolina sempre tenta fazer filmes sobre questões que a mobilizam. “Como é o país em que vivo? Não dá para postergar mais, essa é a questão que me mobiliza desde sempre”, garante. Há mais de uma década tentando filmar A primeira missa..., a diretora atribui a demora à complexidade do setor, que virou um “caminho de rato”.

“Mas isso se reflete em todas as áreas: navegação, ferrovia, tráfego, fronteira, desmatamento, contaminação das águas”, lista alguns dos problemas brasileiros, incluindo na relação o Porto de Paranaguá (PR), no qual estaria estacionado o tal caminhãozinho dela. Na opinião de Ana Carolina, no caso específico do cinema há até uma legislação própria, com engenharia e jurisprudência. “Mas o Brasil é deformado. Sempre fomos servidores de dois amos: servimos ao mercado e ao poder”, contesta.

CINEMA DE CICLOS Getúlio Vargas (1974), Mar de rosas (1978), Das tripas coração (1983), Sonho de valsa (1988), Amélia (1999) e Gregório de Mattos (2003) são os principais títulos da filmografia da diretora, que, durante um período, chegou a se dedicar à direção de óperas (Ariadne auf naxos, de 1988, e Salomé, de 2003), além de teatro (Fraldas da providência, de 1992).

“O cinema brasileiro vive de ciclos, que morrem claramente. Há sempre o recuar e o observar. Agora, por exemplo, é o ciclo do mercado. Ele é mutantis, o mesmo da pornochanchada dos anos 1970”, critica, acrescentando que o que dá dinheiro, atualmente, fica na vitrine. Nas poucas vezes em que teria ido ao cinema, nos últimos anos, Ana Carolina diz ter visto filmes interessantes como Central do Brasil, de Walter Salles; Durval Discos, de Ana Muylaert; Estômago, de Marcos Jorge; A música segundo Tom Jobim, de Nelson Pereira dos Santos, e, mais recentemente, Tatuagem, de Hilton Lacerda.

“Mas as coisas de que gosto não estão visíveis no momento”, desconversa, manifestando desejo de voltar a fazer ópera ou teatro, “que tenha comentário musical bom”. Cria da escola alemã, a diretora lembra ter tido boa formação musical desde a infância. Mas, como em sua opinião toda criação está obstruída no Brasil, “fica difícil reagir”. “Se você parar para pensar que Eleazar de Carvalho (1912-1996) foi mestre dos grandes maestros contemporâneos – Claudio Abbado (1933-2014), Zubin Meta e Seiji Ozawa – e morreu anônimo em São Paulo, lutando para ensaiar sua orquestra, fica difícil”, conclui, decepcionada.

DIGITAL Se já no roteiro do longa-metragem havia uma equipe tentando filmar a primeira missa no Brasil, por que não transportar a ação do longa para um estúdio, diante da crise econômica? Primeiro filme digital de Ana Carolina, A primeira missa no Brasil ou tristes tropeços, enganos e urucum reproduziu a exuberância da mata atlântica em pleno estúdio, como se fosse a costa da Bahia, graças ao trabalho do artista Valdy Lopes JN. “Ele entendeu muito bem o que queríamos e o resultado é lindo. Parece mata atlântica”, diz a diretora, que filmou o longa em apenas três semanas, em São Paulo.


TRÊS PERGUNTAS PARA...
. Ana Carolina
. cineasta

Que público você espera atingir com A primeira missa no Brasil ou tristes tropeços, enganos e urucum?
Tenho um público cativo ao longo de todos esses anos. A fatia acadêmica, dos 18 anos aos 30 anos, e a turma dos coroas, dos 40 aos 60.

Além do aspecto histórico, na trama você tece crítica ferrenha ao fazer cinematográfico brasileiro. Afinal, por que continuar fazendo cinema no Brasil?
Crítica é para viabilizar, não para destruir. Cinema é a coisa mais importante das nossas vidas.

Até que ponto a tecnologia digital, que você utiliza pela primeira vez, contribui para o desenvolvimento da sétima arte?
A sétima arte se alimenta também de tecnologia.

O ouro de Dhalia - Carlos Marcelo

Estado de Minas: 26/01/2014 



Heitor Dhalia não pensa em fazer comédias e diz que vai investir em filmes mais sofisticados (Paris Filmes/Divulgação)
Heitor Dhalia não pensa em fazer comédias e diz que vai investir em filmes mais sofisticados
 Quando Serra Pelada estreou nos cinemas, em outubro do ano passado, a expectativa dos produtores era atingir números grandiosos, acima de 1 milhão de espectadores. Não deu. Foram 800 mil. “Não foi o que eu esperava, mas não deixa de ser um número expressivo, ainda mais em uma época em que muitos filmes autorais têm fracassado loucamente ao chegar às salas”, contemporiza o diretor, Heitor Dhalia. Pernambucano radicado em São Paulo, Dhalia vinha de produções mais baratas e bem-sucedidas, como O cheiro do ralo (2006) e À deriva (2009). Enxergou em Serra Pelada, com custo estimado em R$ 10 milhões, o projeto ideal para o salto da barreira do milhão de ingressos.

Menos de seis meses depois da frustração, o cineasta saboreia os expressivos índices de audiência da exibição do longa-metragem em formato de minissérie de quatro capítulos na Rede Globo, superiores até às novelas da emissora. “Ser visto por 20 milhões de pessoas em uma noite mostra que as pessoas querem ver dramaturgia brasileira”, defende Dhalia, antes de comemorar: “Foi o que sempre desejei: o apelo popular, até porque boa parte dos espectadores nem sabia que houve uma Serra Pelada no Brasil”.

Para Heitor Dhalia, a decepção inicial, agora substituída pela satisfação (“acompanhei a reação dos telespectadores pelo Twitter e foi fantástica”), pode representar mais um ingrediente na necessária reflexão sobre a consolidação da monocultura do riso como única possibilidade de negócio lucrativo. “Acho que ficou evidente que o problema não está nos filmes ‘sérios’ e sim no modelo de distribuição: já temos um sintoma, mas precisamos conhecer melhor o problema”, aponta o diretor, antes de questionar: “A própria minissérie Amores roubados, uma produção ótima e que teve grande audiência na Globo. Será que, se fosse um filme, teria o mesmo retorno?”.

No seu longa-metragem, Dhalia reservou os principais papéis masculinos para nomes que despontaram no cinema autoral brasileiro antes de fazer novelas e séries – Juliano Cazarré (A concepção), Júlio Andrade (Cão sem dono), Wagner Moura (Tropa de elite), Matheus Nachtergaele (O auto da Compadecida), Jesuíta Barbosa (Tatuagem). Agora, a convite de José Alvarenga Jr., dirige para a Globo cinco episódios da série O caçador, com Cauã Reymond, assinados por Marçal Aquino (O invasor) e Fernando Bonassi (Um céu de estrelas), os mesmos de Força-tarefa. “O Brasil começou a olhar o que já acontece há algum tempo no cenário internacional: essa fusão de cinema e tevê me interessa”, admite.

Depois de reconhecer os dilemas de quem vivencia encruzilhada profissional, o cineasta de 42 anos projeta novas incursões na tevê como diretor contratado e o abandono de projetos cinematográficos que custam muito tempo e muito dinheiro. “No cinema, acho que vou percorrer o caminho oposto: tentar contar histórias mais sofisticadas, até mesmo faladas em inglês, porque tenho que respeitar a minha veia de autor.” E explorar o lucrativo filão do riso? “Fazer comédia para o mercado? Não rola, nem vou tentar. A não ser que seja como as do Scorsese, tipo O lobo de Wall Street: aí tem a ver comigo.”

Eduardo Almeida Reis-Turismo‏

Turismo 
 
O Brasil teria condições excepcionais para desenvolver a indústria do turismo se tivesse aeroportos e estradas decentes 
 
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 26/01/2014




O ano começou mostrando a pujança e as perspectivas da indústria do turismo neste país grande e bobo: o trenzinho do Corcovado enguiçou no meio da mata. Duas horas de espera, no escuro, até chegar a composição que resgatou os turistas. Não havia lanternas, exceto as luzinhas de alguns celulares. Na véspera, as câmeras internas de dois hotéis de Copacabana filmaram duas senhoras e um cavalheiro roubando bagagens de hóspedes nas recepções. Horas mais tarde, uma das senhoras, de nacionalidade peruana, foi presa ao fazer compras com o cartão roubado de um hóspede. Aí entra o locutor da televisão para dizer que a polícia ainda procura os dois outros suspeitos. Ora, suspeitos somos nós, o leitor, o philosopho, Barack Obama e o papa Francisco: os dois filmados roubando pelas câmeras são ladrões. Pantanal, Chapada dos Veadeiros, Amazônia, praias maravilhosas – o Brasil teria condições excepcionais para desenvolver a indústria do turismo se tivesse aeroportos e estradas decentes, segurança pública, ferrovias, hotéis compatíveis com as posses das diversas categorias de viajantes e outras conveniências turísticas. Por enquanto, está difícil.

Pedágios

Sempre achei o pedágio a mais justa das taxas, pelo seguinte: só paga quem usa o trecho pedagiado. Em defesa de minha tese escrevi que o caboclo da Amazônia nunca viu as estradas do Sul e do Sudeste e nelas nunca vai transitar, mas paga 81% de impostos na compra de um maço de cigarros. Portanto, não deve ter seus impostos usados na construção, duplicação, policiamento e conservação das tais estradas. Temos agora a notícia de que há pedágios inventados pelos índios nas estradas federais que cortam as suas reservas. Em alguns pontos, di-lo a tevê, o “pedágio” chegaria aos R$ 120, quantia expressiva em qualquer país. Problema dos governos municipais, estaduais, federal, da Funai e do bispo, não meu, que índio é assunto complicado em nossa mídia impressa. Disseram-me que o total de nossas reservas indígenas beira o milhão de quilômetros quadrados. Há pouquíssimos países com mais de 1 milhão de quilômetros quadrados. A França tem 543.965 km2; a Alemanha, 349.223 km2; a Noruega, 323.287 km2; a Grécia, 131.657 km2; o Japão, 372.659 km2 e a Itália, onde se refugia o petista Henrique Pizzolato, 294.020 km2. A população atual de índios no Brasil, di-lo a Funai, por meio do Google, monta a 817 mil patrícios, representando 0,4% dos brasileiros. Pela atenção, muitíssimo obrigado.

Saudade
Que fim levou o verbo escangalhar? Tem 301 anos em nosso idioma e sumiu do mapa jornalístico escangalhado pelas besteiras inventadas de uns tempos a esta parte. Ao que tudo indica, o Plano Real foi escangalhado nos últimos anos. Tenho visto um sem conto de gente dizendo que inflação da ordem de 6% é tolerável. Não é! Também escangalharam com o PIB e o otimismo do brasileiro. Existe algo mais escangalhado do que as nossas estradas federais? O escangalho, substantivo masculino, do nosso sistema prisional é um assombro. E a segurança pública parece irremediavelmente escangalhada pelo número de homicídios maior que as mortes na Síria em guerra civil. Educação escangalhada. Sistema político escangalhado, mas deve melhorar se o professor Vanderley Luxemburgo da Silva, o Luxa, for eleito senador pelo estado de Tocantins, onde tem fazenda. Afinal, mesmo sendo um legítimo da Silva, o Luxa nunca foi alcaguete do Dops. O escangalhar tem ramificações universais para alcançar o fim do casamento do cantor Ricky Martin com o doutor Carlos Gonzáles Abella. Estavam juntos desde 2011 e a assessoria de imprensa do casal disse que o divórcio foi amigável. Enrique “Ricky” Martin Morales nasceu em Porto Rico, tem nacionalidade espanhola e dois filhos do tempo em que, à moda antiga, se relacionava com mulheres. Carlos Gonzálles Abella é corretor e tratava muito bem seus enteados, ajudando Ricky na educação dos filhos.

O mundo é uma bola

26 de janeiro de 1500: segundo a Wikipédia, Vicente Yáñez Pinzón se torna o primeiro europeu a conhecer o Brasil. Em 1531, um terremoto em Lisboa deve ter vitimado 30 mil pessoas. Gente à beça, considerando a população lisboeta daquela época, mas o terremoto famoso foi no tempo do marquês de Pombal, em 1755. Em 1564, foi concluído o Concílio de Trento estabelecendo a distinção entre o catolicismo e o protestantismo. Em 1641, na Guerra dos Segadores, a Generalitat de Catalunya, que havia estabelecido a República Catalã, obtém importante vitória militar na Batalha de Montjuic. Estamos falando da região onde atua o craque Neymar no time do Barcelona. A questão catalã continua longe de ser resolvida e já se passaram 373 anos desde a Guerra dos Segadores. Em 1654, os holandeses se rendem no Recife e se retiram definitivamente de Pernambuco. Definitivamente, em termos, porque até hoje há holandeses fazendo turismo em Pernambuco. Em 1788, o britânico Arthur Phillip, líder de um grupo de colonos ingleses, estabelece em Sydney o primeiro assentamento europeu na Oceania, evento que originou a comemoração do Dia da Austrália. Em 1905, encontrado na Mina Premier, África do Sul, o maior diamante do mundo: 3.106 quilates.

Ruminanças

“O meu ofício é dizer o que penso” (Voltaire, 1694-1778).

Collor, Bresser, Verão e fantasmas - Aquiles Leonardo Diniz

Collor, Bresser, Verão e fantasmas
Aquiles Leonardo Diniz

Vice-presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi)

Estado de Minas: 26/01/2014


A hipótese de tirar o amparo constitucional das leis que deram sustentação jurídica aos planos econômicos criados nas décadas de 1980 e 1990 para combater a inflação representa um risco sistêmico aos bancos públicos e privados e pode provocar grande turbulência na economia brasileira.

Quase 400 mil ações questionam a correção monetária e pedem ressarcimento por supostas perdas na caderneta de poupança, já que as medidas congelaram e tabelaram preços. As pessoas que entraram com ações individuais pedem que a correção seja feita com base na inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC). Entidades também ingressaram com ações coletivas (ações civis públicas), que podem beneficiar os poupadores que fazem parte dessas ações.

Caso seja votada, a mudança pode colocar em xeque marcos regulatórios importantes, com perda da segurança jurídica, e gerar descrédito internacional. Até mesmo o rating do crédito soberano brasileiro pode ser rebaixado, perdendo o país o tão sonhado “investment grade”. Com isso, o custo internacional aumenta e o dólar dispara, dificultando a captação de recursos, trazendo pressão inflacionária.

O prejuízo causado às instituições financeiras pode chegar a R$ 150 bilhões, segundo estimativa do Banco Central. O custo final, porém, com a adesão de novos poupadores animados com uma eventual vitória, pode chegar a R$ 600 bilhões. Com esse rombo, a oferta de crédito no país diminuiria em pelo menos nove vezes o valor perdido, cerca de R$ 5 trilhões, e, consequentemente, haveria a redução da atividade econômica e impacto no emprego e renda.

Até fevereiro, o cenário econômico brasileiro ficará em suspense, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará os processos. Dependendo dessa decisão, reflexos econômicos negativos virão nas áreas fiscais e monetárias, tendo a mesma magnitude daquelas desencadeadas pelos mais violentos choques externos, podendo levar à insolvência instituições de porte.

Enfrentar ameaças à estabilidade da economia no presente e no futuro faz parte do jogo, mas buscar no passado uma crise desestabilizadora é desmoralizar a sociedade. Como constatou Pedro Malan, ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso: “No Brasil, até o passado é incerto”.

Caso os bancos sejam derrotados no julgamento sobre a correção, o governo pode ser levado a aumentar impostos ou criar novas contribuições, é o que adverte a Advocacia-Geral da União (AGU). Nesse contexto, a União terá que agir para garantir a estabilidade econômica, com a certeza de que os contribuintes terão que arcar com essa conta.
Em 2000, o Supremo Tribunal Federal determinou a correção dos saldos do FGTS em apenas dois planos e, depois daquela decisão, foi criada a multa de 10% desse fundo para os casos de demissões.