domingo, 4 de novembro de 2012

EUA continuarão dominantes, mas terão de se acostumar a dividir poder



MATIAS SPEKTOR
COLUNISTA DA FOLHA
G2O ordenamento global que caracteriza nossa geração foi desenhado pelos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial e tem sido por eles operado desde então.
Contudo, a hegemonia norte-americana tradicional encontra-se em via de extinção.
Na nova constelação, os Estados Unidos continuam na dianteira, mas a atitude é de primazia: projetam influência nos quatro cantos do planeta como nenhum outro país consegue fazer, sem por isso ter capacidade para ditar as regras do jogo, como o faziam no passado.
Assim, o grande desafio norte-americano não é o radicalismo islâmico nem a ascensão da China.
O problema é adaptar-se a um ambiente global em que os novos centros de poder utilizam regras e instituições criadas em Washington em benefício próprio, desafiando preferências americanas.
Basta pensar no papel desafiador dos emergentes em instâncias como a ONU, o FMI, a OMC e o TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear).
Nesse ambiente, os Estados Unidos precisam fa- zer concessões às quais ninguém em Washington está acostumado.
Para muitos, isso abre espaço inédito para visões alternativas sobre como organizar o mundo.
Entretanto, também cria enormes desafios. Afinal, se nas últimas décadas os EUA foram os maiores beneficiados das relações internacionais, também foram seus principais financiadores.
Basta pensar no papel do contribuinte norte-americano no custeio da garantia da livre navegação dos mares, um bem público essencial para os países emergentes.
Ou pensar no papel desse mesmo contribuinte como credor de última instância quando graves crises financeiras assolam a estabilidade de todo o sistema.
O desafio central de Washington nos próximos dez anos será conviver com novos centros de poder na resolução de problemas globais que demandam ação coletiva.
Hoje ninguém sabe se isso é factível.
MATIAS SPEKTOR é doutor pela Universidade de Oxford e coordenador do Centro de Relações Internacionais da FGV
Editoria de Arte/Folhapress
Editoria de Arte/Folhapress

Vão enganar outro sim! -ALDIR BLANC


O Globo 04/11/2012

Minha paciência (eufemismo) estourou com mensagens burras de publicidade. Já andava enojado com aquela que sugere ser mais fácil pegar a mulherada (sic) com carros da marca tal.

Brasileiras, boicotem essa lata! Estão chamando vocês de quengas. A tolerância atingiu o zero com esse comercial “Sim, vamos fazer e acontecer, sim!” Aqui vão algumas sugestões para os gênios acrescentarem à campanha: Sim, os aeroportos ficarão entupidos, como aconteceu recentemente em Viracopos, sim! Sim, o trânsito vai engarrafar com engavetamentos, falta de socorro às vítimas, corrupção desenfreada e baboseiras de pseudoespecialistas, sim! Sim, os apagões continuarão em ritmo vertiginoso, sim, mas já fechamos a compra de bilhões de velas com a firma indiana Abenga Nuzmhal Nurrabindra. Sim, vão ficar lindos os estádios com iluminação sutil, bem rastaquera, como nós, sim!

Sim, as balas perdidas atingirão crianças inocentes, sim! Sim, os turistas levarão um pau firme, depois do arrastão, sim! Sim, as prostitutas menores de idade enxamearão na orla marítima, exemplos de nosso povo alegre, sem camisinha, e cantaremos até na desgraça, de acordo com o espírito vadio de verdadeiros foliões “camisinha furou, deixaram ela furar/Tô indo pro Gaffrée, onde a festa é de matar”, sim! Sim, uma atendente injetará caipirinha na veia de um torcedor em coma, sim!

Sim, as festas de abertura e encerramento contarão com popozudas, melancias, maracujás de gaveta, e outras barangas de encher as medidas, sim! Sim, o tráfico retomará a Maré, a Chatuba, o Alemão, e, como é mesmo que nos ensinaram a dizer para os gringos?, ah, and so one! Sim, Neymar provocará histeria com novíssimo corte de cabelo, sim! Sim, os árbitros Fifa errarão, com a boçalidade e má-fé habituais, sim! Sim, o zagueiro Pepe, de Portugal (se vier) aleijará um colega de profissão, sim!

Sim, ouviremos risadas do supremo tribuno Marco Aurélio “Collor” de Mello, porque ele tem inúmeros motivos para rir de nós, sim! Sim, assessoras periguetes do Planalto posarão para novas revistas masculinas, aumentando a oferta de empregos, sim! Sim, Hermano “Pancho” Menezes convocará o Imperador como titular em 2014, patrocinado pela vodca Esplenoff. Sim, torturadores impunes pleitearão o direito aos pontapés iniciais. Sim, as chacinas, de seis, nove, doze mortos diários crescerão, a ponto de correrem boatos sobre a necessidade de instaurar toque de recolher. E, sim, demitiremos professoras honestas que postam fotos de alunos com os pés na água da chuva, dentro de salas inundadas, sim!

OBRIGADO, AMIGOS!

Quero simbolizar tantas palavras carinhosas sobre a morte do labrador Batuque, numa única pessoa: Arthur Dapieve, que aturou três meses de emails, às vezes vários por dia, sempre respondendo com bom-senso e afeto. Dapieve não é só um grande escritor, e um editor que, se receber cartabranca, agitará o mercado com a qualidade dos planos que acalenta. Dapieve, mais do que tudo isso, é um ser humano raríssimo.


Aldir Blanc é compositor

Quadrinhos



CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO

ADÃO
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS
HAGAR      DIK BROWNE

DIK BROWNE

HORA DA CAFÉ      LÉZIO JUNIOR

LÉZIO JUNIOR

O barato do Barão - Cassiano Elek machado


HISTÓRIA

O barato do Barão

A manhosa vida do patrono do humor brasileiro
CASSIANO ELEK MACHADO

RESUMO

Figura de destaque no Rio da primeira metade do século 20, Apparício Torelly, o Barão de Itararé, agitou a vida política brasileira com seu jornal satírico "A Manha". Preso por Vargas, perdeu a verve a partir dos anos 50, mas deixou marcas nas gerações seguintes de humoristas. Biografia recupera sua trajetória.
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Em 5 de dezembro de 1930, um jornal carioca trouxe uma notícia de grande monta. Em plena República, um decreto presidencial conferia o título de barão a um cidadão, tendo ao lado um estudo genealógico e o brasão da nova casa nobiliárquica, composto por "uma máscara contra gases asfixiantes e mau hálito" e um machado pingando sangue numa tigela com os dizeres "não é sopa".
Não importa que o jornal fosse um semanário de humor, que o título se destinasse ao dono do periódico e que o decreto fosse criado por ele próprio. Tão logo se autoproclamou Barão de Itararé, Apparício Torelly jamais deixou seu baronato, vindo a conquistar, com esta alcunha, cadeira cativa na Câmara Alta do humor brasileiro.
A coruscante trajetória desse jornalista, político e humorista é o tema da biografia "Entre sem bater: A Vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé" [Casa da Palavra, R$ 55]. O desafio do autor, Cláudio Figueiredo, não foi pequeno. Nas 480 páginas, ele fez caber a vida de um sujeito que jogava sinuca com Villa-Lobos, foi modelo de Portinari, apresentou Jorge Amado a Zélia Gattai, criou jornais, muitas vezes escritos só por ele mesmo, afrontou o presidente Getúlio Vargas, foi sócio e inimigo de Assis Chateaubriand, vereador, pesquisador da febre aftosa e autor de centenas de máximas, muitas delas ainda circulando com frescor pela internet.
"O que se leva da vida... É a vida que se leva", sentenciava Apporelly, como era chamado. Ele levou uma das mais agitadas, desde o princípio. Filho de brasileiro com uruguaia, neto de americano descendente de russos com índia charrua, com parentes italianos e portugueses, Fernando Apparício de Brinkerhoff Torelly ("Sou uma autêntica Liga das Nações") nasceu em 29 de janeiro de 1895, em algum lugar entre uma fazenda uruguaia e Rio Grande (RS), onde foi registrado e cresceu.
O livro reúne fartas novidades sobre a infância e a juventude de Apporelly. Uma delas é a trágica morte de sua mãe, aos 18, quando ele tinha 18 meses. Dona Amélia "pôs termo aos seus dias, desfechando um tiro de revólver na cabeça", descreveu um jornal local. Foi a primeira das cinco tragédias com mulheres que enfrentaria.
O pai, severo e distante, de classe média, enviou-o a um internato jesuíta em São Leopoldo (RS), onde o menino deu mostras de quatro traços marcantes do futuro Barão: 1) o contestador, que enfrentava padres com questões teológicas e com o trombone que tocava na banda escolar; 2) o "grande humorista", que despontara no papel de Soldado Gamela numa peça de "conclusão solene do ano letivo de 1911"; 3) o criador de jornais: no colégio inventou seu primeiro periódico, "O Capim Seco". Escrito a mão, teve só um número, de um exemplar; 4) o autor de textos curtos, divertidos e nonsense.
GRAÇA
O Barão foi um autor sem obra -à exceção de um livro de poemas que lançou aos 19-, como vaticinara Graciliano Ramos em 1936, ao conhecê-lo na Casa de Detenção carioca. A recém-reeditada biografia "O Velho Graça" [Dênis Moraes, Boitempo, 360 págs., R$ 52] relembra: "[ Apporelly] tencionava compor a biografia do Barão de Itararé. [...] Correram semanas. Não se resolvia, porém, a iniciar a obra, coordenar as ironias abundantes que lhe fervilhavam no interior. Impossível dedicar-se a tarefa longa, julguei."
Figueiredo não só topou a parada como a encarou duas vezes. Em 1987, publicou "As Duas Vidas de Apparício Torelly" (Record). Passou 20 anos sem voltar ao tema, até que, em 2007, encasquetou de voltar à pesquisa. Ao retornar ao Arquivo Público fluminense e pedir o prontuário de Apporelly, teve uma surpresa. O período de 1934 até 1950 era substancioso, mas, depois disso, os relatórios da polícia política rareavam até a última entrada, de 1961.
Última, não -penúltima. O item mais recente, de 14 de junho de 1985, era sobre o próprio Figueiredo, que naquele dia pedira o prontuário do Barão para o livro anterior -e recebera uma parte ínfima dos papéis. Ao voltar à carga anos depois, localizou documentos pessoais, agora depositados no Instituto de Estudos Brasileiros da USP. E pôde, enfim, ouvir a voz do Barão, em pedaços de uma gravação feita nos anos 50 pela escritora Antonieta Dias de Moraes. O áudio raro estava com uma parente dela, em São Carlos (SP) -a voz não era cavernosa como a efígie barbuda de seu dono pode sugerir.
"Resolvi escrever o novo livro do zero. Com a vantagem de ter podido usar depoimentos colhidos para o anterior, como o de Luís Carlos Prestes", relata o biógrafo.
A polícia política, diz ele, fez "um ótimo serviço para mim": "O investigador ia lá, a cada conferência dele, sentava incógnito na 35ª cadeira e anotava tudo. Foi uma grande contribuição para a preservação da memória dele", brinca Figueiredo, perfeccionista como seus talentosos irmãos Rubens (escritor premiado e tradutor de "Guerra e Paz") e Reinaldo (cartunista e membro do "Casseta & Planeta", ele ilustrou a capa deste ilustríssimo semanário).
A MANHA
O biógrafo ainda mergulhou na leitura da maior criação de Apporelly, o jornal "A Manha". Com a estreia do projeto Hemeroteca Digital Brasileira (hemero
tecadigital.bn.br), em setembro, uma boa amostra da manhosa publicação está disponível on-line).
Criado em 1926 como suplemento do jornal "A Manhã", de Mário Rodrigues, pai do dramaturgo Nelson, "A Manha" logo virou independente, sob a batuta onisciente de "Nosso querido diretor", como Apporelly se referia a si mesmo.
O jornal circulou até fins de 1935, quando o Barão foi preso por ligações com o Partido Comunista Brasileiro, então na clandestinidade. Posto em liberdade em 1936, já ostentando a volumosa barba que cultivaria até o fim da vida, ele retomou o jornal por um curto período, até que viesse nova interrupção, ao longo de todo o Estado Novo (1937-45). Voltaria em edições espasmódicas até 1959.
"Apporelly sempre foi uma pedra no sapato do Getúlio, a quem se referia como 'G. G. Túlio Vargas'", diz Lira Neto, biógrafo do presidente. Vargas marcou a trajetória do humorista até onde menos se percebe. Se foi em Itararé (SP) que sediou seu baronato, havia aí uma piscadela para o líder gaúcho. Foi lá que aconteceu -ou deixou de acontecer- um episódio importante na Revolução de 1930, a "batalha que nunca houve".
Figueiredo avalia a relação dos dois como "tortuosa". Eles se conheceram nos tempos de colégio, em Porto Alegre, quando Apporelly vivia na mesma pensão que Benjamin, irmão de Getúlio. Opositor fervoroso do ditador, o que lhe custou prisão e silêncio, em 1969, em entrevista ao jornalista e tradutor Remy Gorga, Filho, o Barão disse sobre Getúlio: "Vivo, inteligente, tinha um porte de estadista raro. Ele era povo, não latifundiário. Getúlio sempre foi o pai da pátria".
Apporelly também teve incursão pela política "stricto sensu", aventura que durou menos de um ano. Com o fim do Estado Novo, candidatou-se, em 1947, a vereador do Distrito Federal (o Rio), com o lema "Mais leite! Mais água! Mas menos água no leite!". Com 3.669 votos, foi o oitavo mais votado do PCB, que conquistou 18 das 50 cadeiras. Mas o Partidão logo sofreria sanções: em janeiro de 1948, seus vereadores foram cassados. "Um dia é da caça... os outros da cassação", anunciou "A Manha".
Outro caso clássico deu nome à nova biografia do humorista. Em 1934, ele foi sequestrado e espancado por oficiais da Marinha. Ao reassumir seu posto, mandou pregar na porta da redação uma placa com os dizeres "Entre sem bater".
O filósofo Leandro Konder, 76, conheceu Apporelly e escreveu o breve "Barão de Itararé: O Humorista da Democracia"."O humor do Barão me possibilitava evitar a chatice frequente da produção cultural do pensamento de esquerda", disse Konder àFolha.
A historiadora Isabel Lustosa chama a atenção para o novo enfoque ideológico do humorismo de Apporelly: "A tradição humorística anterior a ele era conservadora. O humor dele já nasceu com esse compromisso com a esquerda". Segundo ela, "A Manha" propôs um tipo de humor mais moderno que o de revistas como "Careta", "Fon-Fon" e "Malho", embora tenha bebido nessa fonte.
Figueiredo compara o humor do Barão ao de Agamenon Mendes Pedreira, "homem de imprensa" criado pelos cassetas Hubert e Marcelo Madureira. "O Barão foi estagiário do Agamenon, que é um homem de Neandertal do humor brasileiro", brinca Madureira, que diz ter lido "Entre sem Bater" "de uma sentada" e "com profundo prazer". "Nunca falamos: 'Vamos imitar o Barão'. Mas 'A Manha' influenciou muito o 'Pasquim', que nos influenciou demais."
O Barão de que fala Madureira é, sobretudo, o que brilhou até meados dos anos 40. O biógrafo crava uma data precisa: 9 de junho de 1944. Para celebrar os 25 anos de jornalismo de Apporelly, organizou-se um banquete no prédio da Associação Brasileira de Imprensa, no Centro do Rio, que foi um verdadeiro "desembarque na Normandia" de intelectuais: Portinari, Drummond, Niemeyer, Samuel Wainer, Vinicius de Moraes e Oswald de Andrade.
O cardápio, desenhado pelo cartunista paraguaio Guevara, parceiro de Apporelly em "A Manha", indicava, além dos pratos, a programação da cerimônia, que incluía a execução de "A Marselhesa". Figueiredo sustenta que a esse apogeu seguiu-se uma linha descendente no humor do Barão.
"As melhores fases do seu trabalho sempre coincidiram com os períodos de maior liberdade e efervescência na vida brasileira, como o fim dos anos 20, a primeira metade da década de 1930 e a redemocratização, em 1945", disse à Folha. "Seu afastamento da vida pública e o mergulho do país no clima da Guerra Fria podem ter contribuído para o início da decadência, sua e do seu jornal."
O humorista foi deixando o humor de lado e passou a se interessar por uma velha paixão, a ciência, e pelo esoterismo. No final dos anos 1950, andou às voltas com estudos sobre a filosofia hermética, as pirâmides do Antigo Egito e a astrologia, campo no qual desenvolveu certo "horóscopo biônico".
Recluso, encastelou-se ao final da vida num apartamento no bairro carioca de Laranjeiras, com livros do chão ao teto, como relembra Remy Gorga, Filho, que lá esteve em 1969. "Parecia que aquelas torres de livros iam nos soterrar a qualquer momento." Em 1971, em 27 de novembro, aniversário do levante comunista que motivara sua prisão nos anos 30, Apporelly morreu, dormindo em sua cama.

    It's only rock'n'roll - Rodrigo Russo


    DIÁRIO DE LONDRES
    O MAPA DA CULTURA

    It's only rock'n'roll

    R$ 52 milhões e o fim do jejum dos Stones
    RODRIGO RUSSO
    Os Rolling Stones celebraram 50 anos de carreira em julho, mas, para os fãs da banda no Reino Unido, faltava o principal: a reunião, após cinco anos de jejum, de Mick Jagger, Keith Richards, Ronnie Wood e Charlie Watts nos palcos.
    Foi com enorme satisfação que os britânicos receberam a notícia de que os quatro voltarão a tocar em Londres -onde estrearam, em 1962. As apresentações serão na 02 Arena, nos dias 25 e 29 deste mês. A título de "aquecimento", nos últimos dias eles iniciaram uma série de shows-surpresa em Paris, com ingressos em torno de R$ 40.
    Por meses, os Stones desmentiram boatos sobre um reencontro, mas aparentemente foram dobrados pelos cachês. Para quatro shows -haverá dois em Nova Jersey em dezembro, além dos dois londrinos-, receberão mais de R$ 52 milhões, valor que o guitarrista Keith Richards considerou "justo".
    Os ingressos dos shows londrinos começaram a ser vendidos em 19 de outubro, em cima da hora para o padrão britânico de planejamento. Duraram sete minutos.
    Embora os mais baratos custassem R$ 360, no mercado de revenda há quem peça quatro vezes mais. Muitos fãs precisarão se contentar em ouvir, em casa, "You Can't Always Get What You Want".
    49 vezes Dickens
    O ator britânico Simon Callow, profundo conhecedor dos trabalhos de Charles Dickens, promove uma empreitada de porte: na peça "The Mystery of Charles Dickens", passa por nada menos que 49 personagens criados pelo escritor para resumir à plateia sua vida.
    Nas comemorações do bicentenário de Dickens (1812-70), em fevereiro, Callow foi figura recorrente nas emissoras de TV para contextualizar a vida do escritor, considerado o maior romancista e o maior retratista das injustiças sociais do período vitoriano.
    A peça, encenada pela primeira vez pelo ator há uma década, fica em cartaz até sábado no teatro Playhouse, no West End londrino.
    Callow é autor de "Charles Dickens e o Grande Teatro da Vida", sobre o papel do teatro na vida de Dickens -que adorava promover leituras públicas de seus textos.
    Efeito Boris
    A política do Reino Unido, em geral monótona e previsível, com o embate semanal entre os partidos Conservador e Trabalhista no Parlamento, ganhou um sopro de tensão com uma disputa interna na legenda conservadora.
    O responsável foi Boris "BoJo" Johnson, prefeito de Londres. Com o sucesso dos Jogos Olímpicos na cidade, BoJo capitalizou a simpatia do eleitorado, que meses antes o havia reeleito, ao mesmo tempo em que o governo britânico sofre os efeitos da crise econômica.
    BoJo vem angariando apoio na base de seu partido, a ponto de a imprensa discutir se o premiê David Cameron terá estofo para tentar a reeleição ou perderá o posto para o prefeito. Os comentaristas se dividem: alguns veem Boris como piada, incapaz para o cargo, outros o levam muito a sério.
    Cameron, por sua vez, tenta se livrar da pecha de elitista. Há pouco, prometeu aumentar impostos para os ricos, tentando atender a anseios populares. Fácil não será.
    Arte moderna britânica
    A Tate Britain abriga desde setembro a exposição "Pré-Rafaelitas: Avant-Garde Vitoriana" (bit.ly/RsOm9Y), sobre aquele considerado o primeiro movimento artístico moderno do Reino Unido.
    A Irmandade dos Pré-Rafaelitas foi fundada em meados do século 19, inspirada na arte renascentista, tendo Dante Gabriel Rossetti, William Holman Hunt e John Everet Millais como expoentes.
    Alastair Smart, crítico do "Telegraph" que não aprecia a arte do grupo, destacou que os pré-rafaelitas são objeto recorrente de mostras no país, mas que a da Tate é válida por abordar com riqueza de detalhes o período vitoriano em que os artistas trabalharam.

      A ciência e os espíritos - Como a doutrina de Kardec ganhou o Brasil


      ENTREVISTA - REGINALDO PRANDI

      A ciência e os espíritos

      Como a doutrina de Kardec ganhou o Brasil
      VALDO CRUZ
      RESUMO
      Especialista nas religiões afro-brasileiras, Reginaldo Prandi volta ao objeto de estudo do início de sua carreira em livro recém-lançado sobre o espiritismo. Prandi conta a história de sua concepção por Alan Kardec e sua difusão no Brasil, onde encontrou terreno fértil na cultura sincrética do "transe" e da reencarnação.
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      Uma das religiões mais populares do Brasil surgiu da curiosidade científica do francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, no século 19, quando a fé cega na Igreja Católica vinha sendo questionada pelo racionalismo. Em sua busca pela verdade a partir de fenômenos mediúnicos, Rivail (1804-69) lançou as bases do espiritismo -misto de filosofia, ciência e religião cujos princípios ele formulou nos cinco livros publicados por Alan Kardec.
      Mais do que um "nom de plume", esse foi o nome do intelectual francês numa de suas vidas passadas, conforme lhe revelaram espíritos que o auxiliaram na tarefa.
      Poucas religiões têm relação tão forte com os livros e a leitura, mas ainda não havia no país uma introdução ao universo espírita escrita e voltada para leigos. Foi o que fez o sociólogo paulista Reginaldo Prandi em "Os Mortos e os Vivos" [Três Estrelas, 116 págs., R$ 25], no qual descreve a história e os princípios da doutrina fundada por Kardec e sua difusão no Brasil.
      Para o autor, o espiritismo ganha força por aqui porque o Brasil é uma civilização com "contato com o transe", sobretudo nas religiões afro e indígenas. Prandi ressalta ainda que havia uma intelectualidade que queria se "libertar da dominação católica".
      Hoje, de acordo com o Censo de 2010, 2% dos brasileiros, ou 4 milhões de pessoas, se declaram espíritas -crescimento de 35% em relação a 2000. Entre os que ganham mais de cinco salários mínimos, os espíritas são 20%.
      O professor sênior da USP classifica o espiritismo de religião "discreta", avessa à "propaganda". Ateu, Prandi é um estudioso das religiões brasileiras, sobretudo as de origem africana. "Os Mortos e os Vivos", no entanto, marca o retorno a um tema que pesquisou no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), quando ainda se formava em ciências sociais, na virada dos anos 1970.
      Nesta entrevista, concedida em sua casa, no bairro paulistano de Vila Mariana, às vésperas do feriado de Finados, ele comenta temas do livro e a morte recente de Flávio Pierucci, parceiro de pesquisas cujos escritos inéditos Prandi organiza para publicação.
      Na segunda parte da conversa, mais pessoal, disponível em folha.com/ilustrissima, o sociólogo rememora sua formação e os debates em torno da criação do Datafolha, que ajudou a desenvolver.
      "Meu Deus do céu, sou mais ateu do que pensava", disse Prandi, ao relembrar o infarto que sofreu em 2007, experiência que reforçou seu ateísmo. Ele também recordou seus primeiros contatos com o espiritismo, aos dez anos, quando assistia a sessões espíritas na casa do avô, em Potirendaba (SP), tendo presenciado cenas de "materialização".
      "Era uma coisa bonita", contou. "De repente um corpo começava a se formar.
      Começava a sair um filete de luz do ouvido, do nariz, às vezes da palma da mão."
      Folha - Depois de anos se dedicando às religiões afro-brasileiras, por que se voltou agora ao espiritismo?
      Reginaldo Prandi - Já fiz um monte de coisa, sobre candomblé, umbanda, catolicismo, literatura infantil sobre mitologia, mas nunca tinha escrito sobre a primeira religião que estudei, o espiritismo. Sempre houve referência, mas nada específico. Tive de fazer pesquisa para me atualizar. Mas tenho uma orientanda, Célia Ribas, que trabalha com espiritismo, o que me colocou em contato com a bibliografia mais recente. É uma religião muito pouco estudada.
      O livro é uma espécie de reparação de uma dívida que eu tinha para com a minha formação, com o objeto de pesquisa que me abriu as portas da pesquisa em sociologia, no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), na virada dos anos 1960 para o 70. Mas nunca tinha escrito um livro sobre o tema. Só coisas pequenas, mas não um livro meu, para marcar no currículo. Por isso, topei o convite feito pelo Alcino [Leite Neto, editor da Três Estrelas] e fiz.
      Quem ler o seu livro vai ter mais propensão a conhecer de perto o espiritismo ou a se afastar dele?
      Não é um livro nem de defesa nem de acusação, é um livro objetivo. Essa é a prática de um sociólogo, naturalmente. Se o espírita lê, vai ter uma certa identificação com o livro. Mas quem não for espírita e o ler, também vai ter uma posição de concordar com o livro. Ele não assume nenhuma posição.
      No primeiro capítulo, procuro mostrar rapidamente que a questão da religião é algo muito pessoal, dos seguidores, a respeito da alma, da reencarnação. Ser de determinada religião é escolher entre essas diferentes posições.
      Fica claro, no primeiro capítulo, que o tratamento dos mortos é diferenciado, tem religião que deixa o morto descansar, tem religião que dá trabalhos para os mortos fazerem. No segundo capítulo, que é uma história preliminar ao surgimento de [Alan] Kardec, mostro o fenômeno das irmãs Fox [célebre caso de mediunidade nos EUA, em 1848]. Depois elas renegam o espiritismo, mas eu mostro que, antes de morrer, vão admitir aquilo.
      Arthur Conan Doyle relatou o caso das irmãs Fox. Como foi a atuação do criador de Sherlock Holmes como divulgador do espiritualismo?
      Todos os trechos citados são dele, é do livro dele. Isso foi feito de propósito. Pego o Conan Doyle porque a gente sabe que ele inventava histórias maravilhosas. Mas pego uma história verdadeira, importante, todo espírita sabe das irmãs Fox. Até hoje, quem não é espírita faz essas brincadeiras de comunicação com os espíritos, por copos, mesas. Com Conan Doyle, quero mostrar que, na verdade, isso era mais uma atividade cultural do que propriamente religiosa.
      O espiritismo era uma moda, praticada pelas mais diversas pessoas, católicos, evangélicos, gente que não tinha religião. Aí veio o Kardec, numa terceira etapa. Além de acreditar na comunicação dos espíritos, que é a noção básica do espiritualismo, ele acredita na reencarnação. O espiritismo muda, a reencarnação passa a ser parte necessária da doutrina, coisa que não existe no espiritualismo anterior. Mas mantém a ideia que não é necessariamente uma religião, mas pode ser estudado por meio de práticas objetivas da ciência.
      Trata-se de uma fé raciocinada?
      Sim, porque tem muito do racionalismo da época. Nasceu de uma época em que a questão do dogma, da fé cega, isso tudo estava sendo questionado. Kardec apostou na ideia de que a verdade viria por meio da investigação, de que a ciência moderna -que ele não abandonava, era um pedagogo, um acadêmico- tinha um problema: havia deixado de lado alguns objetos com os quais não tinha instrumentos para trabalhar.
      Um deles estava ligado ao espírito, à reencarnação. Ele dizia ser necessário reconstruir a ciência de tal modo que houvesse uma nova ciência, que incorporasse o espírito dentro dos estudos objetivos, o que inclui toda a parte material e a não material do mundo. Tanto é que ele vai dizer que não existe separação de matéria e espírito.
      Muito antes de surgir a ideia contemporânea de Nova Era, "new age", de mundo holístico, já havia essa visão do Kardec de que o mundo material não se separa do espírito. O mundo dos vivos não se separa do mundo dos mortos. São etapas de um mesmo caminho. Na verdade, é apenas um processo de refinamento espiritual, que intermediava: você tem esta vida na terra, que na verdade é apenas um passo de uma longa caminhada.
      Só que ele não queria ser visto como religião, dizia que isso tinha de ser visto, investigado, aprofundado. Agora, é claro que ele dizia que a religião tem seus dogmas. O primeiro é que há vários mundos. Isso não está em questão para ele. Há uma transmigração da alma por esses mundos todos. A partir daí ele trata de investigar.
      Por que o espiritismo encontrou terreno tão fértil no Brasil?
      A gente não sabe direito, não é possível saber ao certo, mas temos algumas ideias. Ele vem para o Brasil, civilização que já tem muito contato com o transe. O Brasil tem a religião majoritária, dominante, que é o catolicismo, europeu, branco, mas também tem uma grande contribuição na formação da cultura nacional das religiões africanas, das noções de transe, de incorporação, de reencarnação.
      Quando o espiritismo se constitui, no Rio de Janeiro e na Bahia, você já tem ali todas as religiões afro-brasileiras funcionando a todo vapor e toda a tradição indígena, dos pajés, da pajelança, do xamanismo, a ideia de que os espíritos ajudam. De um lado você tem isso. De outro, tem uma intelectualidade que quer se libertar da dominação católica.
      Deseja continuar religiosa, mas sem se prender a dogmas?
      Não diria nem a dogmas, sobretudo à autoridade do padre, do bispo, da paróquia, porque ela não domina só o mundo da religião, mas também o político.
      Vem daí a adoção do espiritismo pela classe média?
      Sem dúvida, até hoje isso é absolutamente correto, os dados mostram isso. Embora o kardecismo tenha se transformado numa religião, ele não perde aquela ideia de que você tem de estudar, tem de pesquisar, ler. Ninguém lê mais que o espírita. Você não se transforma num espírita praticante indo só às sessões, você tem de ler, tem de ter toda uma formação letrada, que é praticamente parte do perfil do bom espírita, do praticante. Você tem de ser primeiro alfabetizado, ter acesso a esse bem que, no Brasil, é um bem de pouco acesso, que é o livro. Você tem de ter gosto pela leitura. São coisas de classe média. Pode ter também aquele que é só cliente, e não praticante, vai lá para curar algo.
      A morte de Flávio Pierucci, neste ano, provocou em você algum sentimento religioso?
      O Flávio sempre foi um parceiro importante, fizemos muitas coisas juntos, política universitária. Vou pegar o que ele escreveu, o que estava inédito, e começar a organizar para publicar.
      Fiquei trabalhando o dia inteiro com o Ricardo Mariano, especialista em evangélicos que era o principal discípulo do Flávio em termos de teoria. Já estávamos pensando em organizar, pegar uma parte do material do Flávio e fazer um livro sobre um assunto a respeito do qual não havia nenhum livro publicado, mas artigos em revistas. Vamos organizar isso.
      Quando meu grande professor, o Cândido Procópio, morreu, a preocupação também foi pegar a parte inédita do trabalho dele, organizar e publicar. Ou seja, um pouca dessa ideia de que a posteridade se firma na obra em vida. Jamais pensei no Flávio em termos de espírito, nem pensei no Procópio em termos de espírito, nem em outros colegas meus que faleceram.
      Você enxerga a posteridade dele na obra que ele fez em vida?
      Sim, tanto que na primeira semana da morte dele nós já conseguimos publicar um pequeno trecho dele na "Ilustríssima". Estou preparando um texto sobre ele.

        O melhor da cultura em 8 indicações


        ILUSTRÍSSIMA SEMANA
        O MELHOR DA CULTURA EM 8 INDICAÇÕES

        BRASILEIRO
        LIVRO | SOCIOLOGIA DAS ARTES VISUAIS NO BRASIL
        Diferentes aspectos da arte brasileira -dos anos de formação nos séculos 19 e 20 à sua atual inserção internacional- são examinados por 16 cientistas sociais nesta antologia organizada por Maria Lucia Bueno. Relações internacionais, antropologia, arte pública e psiquiatria também estão entre os temas discutidos.
        Senac | 340 págs. | R$ 54,90
        EXPOSIÇÃO | ESTELA SOKOL
        Quatro peças em mármore e 20 pinturas são apresentados na mostra "Quadros e Esculturas". Nas telas, a artista paulistana não utiliza tinta, mas lâminas de PVC colorido e outros materiais sintéticos sobre chassis de madeira, criando tons sutis, "próximos de soluções de grandes pintores modernos, como [Giorgio] Morandi [1890-1964]", escreve o crítico Rodrigo Naves no texto do catálogo.
        Zipper Galeria | de sábado (10) a 8/12 | grátis
        LIVRO E MOSTRA | ALEGORIAS DO SUBDESENVOLVIMENTO
        O crítico Ismail Xavier reúne sua tese de doutorado e a sua tese de livre-docência da USP, publicada em 1993. O autor aborda obras do cinema novo e filmes marginais para discutir questões como luta de classes e ditadura. No lançamento, haverá, no Espaço Itaú da Augusta, bate-papo com o autor e com o psicanalista Tales Ab'Sáber, além de mostra com dez filmes, entre os quais "O Bandido da Luz Vermelha" e "Macunaíma", comentados no livro.
        Livro: Cosac Naify | 480 págs. | R$ 59
        Lançamento: quarta (7), às 19h30 | grátis
        Mostra: de amanhã até quinta (8) | de R$ 8 a R$ 22
        ERUDITO
        DEBATE | LITERATURA RUSSA
        Destaque na publicação de traduções do russo no Brasil, a editora 34 programou para as próximas quarta-feiras cinco encontros com especialistas e tradutores no país, como Bruno Gomide e Paulo Bezerra. Nesta quarta, os dois encontram Jerusa Pires Ferreira em homenagem a Boris Schnaiderman, criador do curso de literatura russa da USP.
        Centro Universitário Maria Antonia | de 7/11 a 5/12, sempre às quartas, às 20 | grátis
        LIVRO | JACQUES DERRIDA
        Vinte textos e entrevistas do filósofo francês (1930-2004) sobre desenho, pintura, fotografia, vídeo e cinema compõem o volume "Pensar em Não Ver". A antologia, publicada no Brasil em primeira mão, é organizada por Ginette Michaud, Joana Masó e Javier Bassas.
        Ed. UFSC | 480 págs. | R$ 46
        ESTRANGEIRO
        LIVRO | UM CHINÊS DE BICICLETA
        Ramiro Valestra, técnico de informática portenho, testemunhou a prisão de Li Qin Zhong, chinês acusado de incendiar lojas de móveis em Buenos Aires. Li sequestrou Valestra e o levou para Belgrano, o bairro chinês na capital argentina. Com o contato entre Li e Valestra, o escritor argentino Ariel Magnus compõe um retrato da imigração chinesa e do choque cultural.
        trad. Marcelo Barbão | Bertrand Brasil | 280 págs. | R$ 34
        POP
        REVISTA | ZUM#3
        A publicação do Instituto Moreira Salles traz sete ensaios fotográficos, entre eles o da americana Francesca Woodman, morta aos 22 anos, em 1981, em que exibe o próprio corpo. As imagens são comentadas pelo crítico americano Arthur Lubow. No lançamento da revista, haverá bate-papo com fotógrafos como Caio Reisewitz, Claudia Andujar e Mauro Restiffe no SP-Arte/Foto. Programação em sp-arte.com/programacao
        Revista: IMS | 180 págs. | R$ 45
        Lançamento: sábado (10), às 16h | grátis
        LIVRO | PALOMA VIDAL
        Portenha de nascimento (1975) e carioca de criação, a escritora é um dos destaques da nova geração de autores do país. Em seu segundo romance, "Mar Azul", ela parte da rotina de uma mulher no começo da velhice para retomar elementos que também abordou em seus livros de contos, como a memória e o exílio.
        Rocco | 176 págs. | R$ 30

          Jardinzinho e dois poemas


          IMAGINAÇÃO
          PROSA, POESIA E TRADUÇÃO

          Jardinzinho e dois poemas

          Dente-
          de-leão
          língua-
          de-vaca
          mão-
          de-onça
          saia-
          branca
          coração-
          negro
          pé-
          de-gato
          orelha-
          de-rato
          unha-
          de-cavalo
          brinco-
          de-princesa
          cu-
          de-cachorro
          boca-
          de-lobo
          cabeça-
          de-boi
          umbigo-
          de-vênus
          chapéu-
          de-sol
          cabelo-
          de-anjo
          olho-
          de-dragão
          comigo-
          ninguém-
          pode
          Museu
          Se houvesse
          um museu
          de momentos
          um inventário
          de instantes
          um monumento
          para eventos
          que nunca aconteceram
          se houvesse
          um arquivo
          de agoras
          um catálogo
          de acasos
          que guardasse por exemplo
          o dia em que te vi atravessar a rua
          com teu vestido mais veloz
          se houvesse
          um acervo
          de acidentes
          um herbário
          de esperas
          um zoológico
          de ferozes alegrias
          se houvesse
          um depósito
          de detalhes
          um álbum
          de fotografias
          nunca tiradas
          Aparador
          Sonho que estou de volta
          ao primeiro apartamento
          quando éramos jovens e tínhamos
          muito menos coisas
          e nem sabíamos que já éramos
          felizes como pensávamos que seríamos
          estás na minha memória
          jovem e alegre como numa fotografia
          talvez ainda mais jovem e mais alegre
          mais jovem do que jamais foste
          e mais alegre
          usas uma presilha
          no cabelo castanho e comprido
          invejo a presilha
          que está tão mais próxima do que eu
          do teu pensamento
          e dos teus cabelos
          da tua cabeça de cabelo e pensamento
          e invejo a fotografia
          que se parece tanto contigo
          talvez mais ainda do que tu mesma
          ouço as juntas que estalam
          como portas batendo
          sou hoje uma chaleira, uma pá, uns óculos
          esquecidos sobre o aparador
          sou o aparador
          esquecido de mim mesmo
          sobre o aparador está tua fotografia
          que nos sobreviverá

          Haddad e o Rei Leão


          ARQUIVO ABERTO
          O MAPA DA CULTURA

          Haddad e o Rei Leão

          São Paulo, 1998
          Divulgação
          A Lua e Scar, ou, na leitura do professor Haddad, a foice e o martelo
          A Lua e Scar, ou, na leitura do professor Haddad, a foice e o martelo
          RICARDO TEPERMAN
          Na adolescência, meus cabelos crespos eram fonte de insatisfação. Eu driblava o problema como podia: bonés, bandanas, chapéus de variados estilos e procedências.
          Em 1996, ao ingressar na faculdade, encontrei uma solução inspirada por meus pendores esquerdistas e francófilos: passei a usar uma boina preta, em inclinação de 45 graus. Virou um item indispensável. Podia sair sem meias ou até sem cueca, jamais sem a boininha.
          O adereço estava em harmonia com o cenário da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde eu cursava ciências sociais. Na candura dos meus 19 anos, sentia-me um misto de Sartre com Che e alimentava planos de ser presidente do país. Afinal, o cargo já estava com um de nós.
          Eu era terceiranista quando, em 1998, me matriculei na disciplina Seminários de Teoria Política Contemporânea, oferecida por Fernando Haddad. Já tinha sido aluno dele no ano anterior, quando começou a dar aulas na USP.
          Logo vi que tinha entrado numa fria. O debate girava em torno do fim da URSS e dos discursos políticos que se tornavam hegemônicos. Estava na pauta a formulação de uma resposta à tese de Francis Fukuyama sobre o "fim da história". Líamos Robert Kurz e outros cujos nomes não lembro, marxistas ou não. Não era a minha praia.
          Frequentando o curso semana sim, semana não, revi a sinceridade de meus interesses por política. A verdade é que minha boina era sobretudo um elemento de estilo.
          Guardo uma só lembrança das aulas: Haddad nos recomendando um filme. Não "O Encouraçado Potemkin" nem "Deus e o Diabo na Terra do Sol", mas "O Rei Leão".
          Quem não recorda a épica cena inicial? O dia rompendo nas savanas da África e os animais desfilando em harmonia pré-diluviana ao local onde o rei Mufasa apresentará o herdeiro do trono, o fofíssimo Simba. Tudo ao som da emocionante trilha, com os devidos ajustes étnicos, de Elton John.
          Eu tinha visto a animação na estreia, em 1994 -aliás, ano em que o "príncipe da sociologia" foi eleito presidente do país-numa sala do shopping Iguatemi, em companhia de dinamarqueses com quem participava de um programa de intercâmbio. Não parecia algo que interessasse aos leitores de Kurz.
          Ainda sem entender como Walt Disney e Elton John poderiam dividir a sala de aula com Trotsky e Rosa Luxemburgo, fiquei eletrizado com a proposta, que li em chave tropicalista. O professor explicou que assistira "O Rei Leão" com seus filhos, então crianças. Ao longo da sessão, tivera um "insight": havia um discurso ideológico consistente e articulado costurando a narrativa do blockbuster. Uma reatualização da Guerra Fria.
          O reino de Mufasa representaria o capitalismo, colorido, abundante e multicultural. O lema da canção "Hakuna Matata", interpretada por Timão e Pumba, era uma variação do "Don't Worry Be Happy" -uma ode à futilidade da sociedade de consumo. Do outro lado, depois do Cemitério dos Elefantes (onde Mufasa proibia o filho de ir), encontrava-se a cinzenta terra das hienas -o Bloco Oriental.
          Slavoj Zizek tem citado "The Circle of Life", canção-tema do filme, como algo que naturaliza a dominação capitalista: é normal, leões comem os outros animais.
          Mas Haddad ouviu o galo cantar primeiro. Para ele, a cena mais emblemática era aquela em que o vilão Scar mobiliza o exército de hienas para anunciar seu plano: matar o rei Mufasa e seu filho Simba. Outro número musical: "Injustiças, farei com que parem: se preparem! Fiquem comigo, e jamais sentirão fome outra vez!"
          Scar está no topo de uma pedra e, enquanto a horda de hienas desfila em fileiras fascistas, a "câmera" faz um travelling. O leão é visto em contraluz, tendo por trás uma lua crescente. Haddad não podia se conter: "Vejam com seus próprios olhos, não estou delirando: são a foice e o martelo da bandeira soviética".

            Tráfico voltou a Paraisópolis após polícia sair da favela


            Assim como hoje, PM ocupou a região em 2009; nesse intervalo, crime voltou

            Lista com nomes de PMs que seriam alvo de criminosos foi apreendida pela polícia no local nesta semana
            MORRIS KACHANI
            DE SÃO PAULO
            Em 2009, a Polícia Militar realizou uma operação em Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo, com as mesmas características da que foi desencadeada na última semana. Batizada de "Saturação", o objetivo era 'matar' a estrutura criminal da região, com foco no tráfico de drogas.
            Nesses três anos que separam as duas operações da PM, porém, o tráfico de drogas recrudesceu na favela da zona sul, onde moram cerca de 80 mil pessoas.
            Foi lá que a polícia apreendeu uma lista com nomes de PMs que seriam alvo da facção criminosa PCC. Até sexta-feira, 91 policiais haviam sido mortos no Estado, numa onda de violência que levou o governo federal a oferecer ajuda ao Estado de São Paulo.
            Segundo o major da PM Marcio Streifinger, que participa da operação atual, após a polícia deixar a região em 2009, demorou a voltar. "Quando a PM vai embora a tendência é uma situação de normalidade e o tráfico demora a se reestruturar"
            Desta vez, fazem parte da "Saturação" cerca de 500 PMs, 154 carros, 60 cavalos e 6 cães que ocupam a região.
            "É um trabalho de prevenção e repressão estritamente feito pela polícia -não existe assistência social nesse tipo de missão", explica o major Streifinger.
            Ele lembra que se trata de uma operação temporária, que pode durar até três meses. Não há previsão de instalação de uma base da PM no local.
            ÀS CLARAS
            Em Paraisópolis, o tráfico de drogas não mantém o domínio territorial (leia-se controle sobre meios de transporte e distribuição de gás) como ocorria em muitos dos morros do Rio de Janeiro. A onda de homicídios que acomete o cinturão da cidade também não chegou até lá.
            Mas ainda assim, a comercialização e o consumo de drogas acontecia às claras, apontam moradores. Isso além dos assaltos -só de um ano para cá, a loja das Casas Bahia, saudada à época de sua inauguração em 2009 como um marco de renovação na favela, foi vítima de dois.
            E ainda havia o baile funk fechando as quatro principais ruas de Paraisópolis, a todo volume de sexta-feira à madrugada de segunda.
            De forma velada, por medo de represálias, boa parte dos moradores ouvidos pela Folhaaprova a nova intervenção. Eles, no entanto, fazem ressalvas. A primeira delas é sobre o tempo restrito da ocupação.
            Há também críticas à falta de ações sociais integradas na favela."Ações pontuais da polícia não vão resolver os problemas. Temos um déficit de 5.000 vagas nas creches, por exemplo. Não temos um único cinema, clube ou faculdade", diz Gilson Rodrigues, presidente da União dos Moradores de Paraisópolis.


            Local recebe investimentos, mas gestão é alvo de críticas

            Desde 2006, R$ 594 mi foram investidos no local
            DE SÃO PAULO
            Fundada há mais de 60 anos por operários que trabalhavam na construção das mansões do Morumbi, Paraisópolis não tem sequer uma base fixa da Polícia Militar. Na favela, sete em cada dez habitantes têm menos de 30 anos.
            Pouco mais de um quarto das habitações do local conta com rede de esgoto. Muitas das 18 mil casas de alvenaria (a maioria sem revestimento) está em área de risco de desabamento ou alagamento.
            Apesar disso, a favela vive uma contradição. Dois meses antes de ser ocupada pela PM, Paraisópolis ajudou a Prefeitura de São Paulo a obter o mais importante prêmio da ONU na área de habitação, o Scroll of Honour.
            O portfólio de obras feitas em Paraisópolis pelo Programa de Urbanização de Favelas de São Paulo também já foi tema de exposições nas bienais de Veneza e Roterdã.
            No entanto, também há críticas à falta de gestão dos projetos implantados no local.
            "As construções são erguidas sem um plano de inserção social", afirma João Sette Whitaker, professor da Faculdade de Arquitetura da USP. "O maior exemplo disso é o número de remoções, que ultrapassa o número de habitações oferecidas."
            Com recursos dos governos federal, estadual e municipal, Paraisópolis recebeu desde 2006, de acordo com dados oficiais, R$ 594 milhões em investimentos de infraestrutura, equipamentos públicos e unidades habitacionais (serão 3.600 até 2014).
            A favela é recordista em número de ONGs atuantes -são mais de 60. Ali, há cursos de balé, orquestra, judô, culinária, além de uma unidade do hospital Albert Einstein e outra do colégio Porto Seguro, para a população carente.
            Em 2009, foi criada a "Virada Social", fruto de diálogo entre os governos municipal e estadual e a comunidade.
            Àquela época, na esteira da ocupação da PM na favela, foram definidas 126 ações do Estado na comunidade, como a construção de mais um CEU, um hospital, um parque, quadras esportivas e uma casa de cultura, entre outros.
            Destas, apenas 22 foram realizadas. As outras 104, ou 81%, ficaram no papel.

              Haddad começa a montar sua administração


              Petista volta de viagem e trabalha a partir de amanhã na definição de secretarias e de sua equipe na prefeitura

              São Paulo deve ganhar três novas pastas; outras terão suas funções redefinidas na nova administração
              EVANDRO SPINELLI
              DE SÃO PAULO
              Reforma administrativa e montagem de governo. Esses serão os temas principais sobre os quais o prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), vai se debruçar a partir de amanhã.
              Haddad viajou na quinta-feira com a família e deve retornar hoje a São Paulo. Amanhã ele volta ao trabalho. E definir quais secretarias serão extintas, quais cargos serão criados e quem vai dirigir cada pasta passa a ser o trabalho principal do petista.
              Gilberto Kassab (PSD) tem 29 secretários. Haddad prometeu criar três pastas: Secretaria da Promoção da Igualdade Racial, Secretaria de Políticas para as Mulheres e Controladoria-Geral do Município -esta última fruto da fusão da Ouvidoria com a Corregedoria-Geral do Município.
              As mudanças não devem parar por aí. As apostas são que o governo petista terá uma configuração completamente diferente da atual gestão, com menos secretarias.
              Um exemplo: a arrecadação da prefeitura e a execução orçamentária estão separadas. A Secretaria de Finanças cuida da receita. Planejamento cuida das despesas.
              Essas duas funções devem ser unificadas na gestão de Haddad sob o guarda-chuva de Finanças. Já a Secretaria de Planejamento deve voltar a ter a função antiga, de cuidar do desenvolvimento urbano e econômico da cidade.
              Se isso for confirmado, as secretarias de Desenvolvimento Urbano e Desenvolvimento Econômico serão extintas e suas funções serão incorporadas à pasta do Planejamento. Tudo exatamente como era na gestão petista de Marta Suplicy (2001-2004), quando Haddad trabalhou na Secretaria de Finanças.
              OUTRAS MUDANÇAS
              Há ainda a possibilidade de fusão das pastas de Governo e Relações Institucionais em uma única secretaria política, que provavelmente será comandada pelo vereador Antonio Donato, presidente municipal do PT e coordenador da campanha e da equipe de transição de Haddad.
              Outra pasta que deve ser extinta é a de Controle Urbano, que tem funções sobrepostas com as secretarias de Habitação e Subprefeituras.
              Também está em estudo a situação da secretaria da Copa do Mundo. O PC do B, da vice-prefeita eleita Nádia Campeão, quer continuar no controle das ações para a Copa na cidade, função que já exerce no governo Kassab.
              O partido reivindica ainda o comando das secretarias de Esportes e da SPTuris, empresa municipal de turismo, e admite incorporar as funções de articulação para a Copa em uma dessas duas áreas.
              SECRETÁRIOS
              Nenhuma mudança foi definida por enquanto. O próprio Haddad deve se debruçar sobre o assunto.
              Ele também começa nesta semana a conversar com os partidos que darão sustentação ao seu governo -PSB, PC do B, PP, PMDB, PSD e PHS, além do próprio PT.
              Com as reivindicações dos partidos e o novo organograma da prefeitura em mãos, Haddad vai começar a montar a equipe de governo.
              Donato disse que espera que os nomes dos futuros secretários sejam anunciados em dezembro, mas alguns deles devem sair antes.
              Além de Donato, são dados como certos no futuro secretariado os outros dois integrantes da equipe de transição, Luís Fernando Massonetto e Ursula Dias Peres.
              Professor no Largo São Francisco, Massonetto deve ficar com a área jurídica -Negócios Jurídicos ou a futura Controladoria-Geral.
              Amigo pessoal e homem de confiança de Haddad, ele também é cotado para a chefia de gabinete -exerceu esse cargo no Ministério da Educação- ou até para a Secretaria de Educação.
              Ursula, professora de finanças públicas na USP Leste, é hoje a mais cotada para a Secretaria de Finanças.


              Eleitor escolheu petista por desejo de mudança

              Pesquisa Datafolha mostra ainda que propostas para áreas de saúde e transporte renderam votos
              DE SÃO PAULO
              O desejo de mudança foi o principal motivo da eleição de Fernando Haddad (PT) para a Prefeitura de São Paulo. Mas não foi só isso.
              Suas propostas para as áreas de transportes, saúde e educação, a imagem de um político jovem, honesto e competente, a força do PT e a rejeição a Serra são os outros fatores que, reunidos, levaram Haddad à vitória com 55,57% dos votos válidos.
              As informações são de uma pesquisa Datafolha realizada em 29 de outubro, dia seguinte ao segundo turno da eleição municipal.
              As referências à inovação do então candidato -é novo na política, pode fazer mudanças, a cidade precisa de renovação, etc.- somam 23% dos motivos que levaram os eleitores a votar em Haddad.
              O fato de Haddad ser do PT foi a razão apontada por 16%. E 11% o escolheram por sua imagem pessoal positiva.
              Ele foi escolhido por 59% de seus eleitores por causa de suas propostas com a seguinte distribuição: 16% pelas promessas na área de transportes, 15% na área de saúde, 14% na educação e 14% por ter as melhores propostas, sem especificação.
              A rejeição a seu adversário no segundo turno, José Serra (PSDB), também não é desprezível: 11% disseram ter votado em Haddad por não querer que Serra fosse eleito.

                Versão local de Dorothy Stang, irmã Giustina vira referência


                Religiosa italiana acolhe as meninas e cobra polícia

                DA ENVIADA A SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM)
                A italiana Giustina Zanato, 63, é para as meninas indígenas uma espécie de versão amazonense de Dorothy Stang, missionária assassinada no Pará em 2005 e que dedicou parte de sua vida à defesa dos camponeses.
                Natural de Marostica, província de Vicenza, chegou ao Brasil em outubro de 1984.
                Ligada à Congregação das Irmãs Salesianas, da Igreja Católica, já enfrentou embates com pessoas do Judiciário e da polícia cobrando a punição dos suspeitos de abusar das meninas da região.
                "Denúncias foram feitas, mas não vimos o resultado. É muito triste pensar que quem se colocou ao lado da Justiça é injusto", diz a missionária.
                Desde 2008, a religiosa coordena o programa assistencial "Menina Feliz", que atende vítimas de violência sexual e abandono.
                Lá, as menores são abrigadas, recebem alimentação, educação e podem fazer cursos de artesanato, costura e também de informática.
                AMEAÇAS
                A missionária diz que familiares de duas dessas 12 meninas exploradas sexualmente se interessaram pelo dinheiro dos suspeitos."São famílias desestruturadas, o dinheiro se tornou uma segurança."
                Irmã Giustina prestou depoimento no inquérito da Polícia Federal e diz que não temer as ameaças.
                "Eu ando na cidade toda e não tenho medo. Sei que estou fazendo o meu papel como religiosa, como alguém que se sente parte da família indígena e que me acolheu tão bem no Brasil."
                Ela afirma que já teve vontade de se encontrar frente a frente com os homens suspeitos de comprar a virgindade das meninas da cidade.(K.B.)

                  Sexo por bombom


                  Casos de exploração sexual de garotas indígenas são denunciados desde 2008 em São Gabriel do Cachoeira, no Amazonas

                  Fotos Adriano Vizoni/Folhapress
                  Adolescente indígena, alvo de exploração sexual, hoje tenta se recuperar
                  Adolescente indígena, alvo de exploração sexual, hoje tenta se recuperar
                  DA ENVIADA A SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM)
                  A situação das meninas indígenas exploradas sexualmente é conhecida como um caso de impunidade na isolada São Gabriel da Cachoeira.
                  Na Polícia Civil, três inquéritos foram abertos, mas nenhum dos nove suspeitos foi preso nem indiciado.
                  O delegado titular da cidade, Normando da Barbosa, afirma que pediu a prisão de um suspeito, mas ele fugiu da cidade. Os demais nunca prestaram depoimento.
                  Os crimes de estupro de vulnerável e exploração sexual têm penas previstas de quatro a dez anos de reclusão.
                  A irmã Giustina Zanato, 63, presidente do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente, diz que os casos são denunciados desde 2008.
                  "Fomos procurar a Justiça. Lá disseram que deveríamos ficar quietinhos no nosso lugar, que isso acontecia todos os dias", afirma Giustina.
                  Promotora de Justiça de São Gabriel, Christina Dolzany diz que ouviu depoimentos de dez meninas. "É uma coisa animalesca e triste, algumas delas relatam que perderam a virgindade nessa situação de exploração."
                  Algumas meninas, segundo Christina, já estão recebendo assistência psicológica.
                  O procurador federal Júlio José Araújo Junior, que atua no direito indígena, determinou a abertura de inquérito.
                  "A investigação pela PF se deve muito pela insatisfação da sociedade com as investigações que não andaram [na Polícia Civil]. Os acusados são pessoas que têm certo poder dentro da cidade, o que intimida qualquer tipo de denúncia", disse o procurador.
                  O delegado titular em São Gabriel atribui a morosidade da investigação à dificuldade de encontrar as garotas. "Passamos 30 dias para localizar quatro meninas. Apenas uma delas fez o exame de corpo de delito para comprovar a conjunção carnal. Assim fica difícil, elas mesmo dificultam."
                  CABEÇA DO CACHORRO
                  São Gabriel da Cachoeira fica no Alto Rio Negro, região rica em minérios que abriga a maior população indígena no Brasil. São 22 etnias, daí 90% da população ser formada por índios, incluindo o prefeito e o vice-prefeito do município.
                  A região, também conhecida como Cabeça do Cachorro, é estratégica para as Forças Armadas do Brasil, pois é alvo do tráfico de drogas e de incursões de guerrilheiros.
                  Em muitas aldeias não há escolas e opções de sustento o que leva as famílias à cidade. Lá, encontram a exclusão.
                  Os brancos formam a elite, em sua maioria funcionários públicos e militares. Os índios sobrevivem com ajuda de programas sociais e moram em casebres de chão de terra batida e sem água encanada.
                  O alcoolismo e o suicídio entre eles são o maior drama social local.

                    Virgindade de meninas índias vale 20 reais no AM


                    Polícia Federal investiga casos de exploração sexual de adolescentes indígenas

                    Doze meninas prestaram depoimento à polícia em São Gabriel da Cachoeira; ex-vereador, comerciantes e militares são suspeitos
                    Fotos Adriano Vizoni/Folhapress
                    Adolescente indígena, alvo de exploração sexual, hoje tenta se recuperar
                    KÁTIA BRASIL
                    ENVIADA ESPECIAL A SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM)

                    No município amazonense de São Gabriel da Cachoeira, na fronteira do Brasil com a Colômbia, um homem branco compra a virgindade de uma menina indígena com aparelho de celular, R$ 20, peça de roupa de marca e até com uma caixa de bombons.
                    A pedido das mães das vítimas, a Polícia Civil apura o caso há um ano. No entanto, como nenhum suspeito foi preso até agora, a Polícia Federal entrou na investigação no mês passado.
                    Doze meninas já prestaram depoimento. Elas relataram aos policiais que foram exploradas sexualmente e indicaram nove homens como os autores do crime.
                    Entre eles há empresários do comércio local, um ex-vereador, dois militares do Exército e um motorista.
                    As vítimas são garotas das etnias tariana, uanana, tucano e baré que vivem na periferia de São Gabriel da Cachoeira, que tem 90% da população (cerca de 38 mil pessoas) formada por índios.
                    Entre as meninas exploradas, há as que foram ameadas pelos suspeitos. Algumas foram obrigadas a se mudar para casas de familiares, na esperança de ficarem seguras.
                    Folha conversou com cinco dessas meninas e, para cada uma delas, criou iniciais fictícias para dificultar a identificação na cidade.
                    M., de 12 anos, conta que "vendeu" a virgindade para um ex-vereado. O acerto, afirma a menina, ocorreu por meio de uma prima dela, que também é adolescente.
                    "Ele me levou para o quarto e tirou minha roupa. Foi a primeira vez, fiquei triste."
                    A menina conta que o homem é casado e tem filhos. "Ele me deu R$ 20 e disse para eu não contar a ninguém."
                    P., de 14 anos, afirma que esteve duas vezes com um comerciante. "Ele me obrigou. Depois me deu um celular."
                    Já L., de 12 anos, diz que ela e outras meninas ganharam chocolates, dinheiro e roupas de marca em troca da virgindade. "Na primeira vez fui obrigada, ele me deu R$ 30 e uma caixa com chocolates."
                    DEZ ANOS
                    Outra garota, X., de 15 anos, disse que presenciou encontros de sete homens com meninas de até dez anos.
                    "Eu vi meninas passando aquela situação, ficando com as coxas doloridas. Eles sempre dão dinheiro em troca disso [da virgindade]."
                    P. aceitou depor na PF porque recebeu ameaças de um dos suspeitos. "Ele falou que, se continuasse denunciando, eu iria junto com ele para a cadeia. Estou com medo, ele fez isso com muitas meninas menores", afirma.
                    Familiares e conselheiros tutelares que defendem as adolescentes também são ameaçados. "Eles avisaram: se abrirem a boca a gente vai mandar matar", diz a mãe de uma menina de 12 anos.

                      AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Um bem-te-vi no terraço‏


                      Estado de Minas : 04/11/2012 
                      Porque é primavera, os bem-te-vis voltaram ao meu terraço. Voltaram para se acasalar, construir um ninho, procriar.

                      Chegaram fazendo alarde, tomando conta do território. Vieram numa manhã, voando daqui para ali, como quem mede o terreno onde fariam seu futuro lar. Fizeram um ninho lá em cima, numa treliça de madeira junto à viga do prédio. Não pediram licença. Como em outros anos, simplesmente se instalaram como se nunca tivessem saído daqui.

                      A mulher havia me dito. A empregada havia comentado. Na verdade, o casal de aves tentou, antes, fazer o primeiro ninho perto daquele, mas desistiu na metade do caminho. Devem ter percebido que a casa não estava protegida das chuvas ou do vento. Pássaros entendem a natureza.

                      Outro dia, amanheci ouvindo um piado, era o filhote. Ou será que há mais de um? Fui ler algo a respeito e vi que em geral têm quarto filhos. Se Rubem Braga estivesse vivo, iria me consultar com ele. Rubem vivia naquela cobertura logo ali, uns quinhentos metros adiante. De lá ele me via, de cá eu o via. Um dia, me mandou até a foto que tirou do meu terraço refletido no espelho de um guarda-roupa dele. Sabia tudo de pássaros. Quando era meu companheiro no conselho editorial da Editora Francisco Alves, nos anos 1970, o único livro que levou para ser publicado era sobre pássaros.

                      Por isso, aqui em casa, o consultávamos. Era o nosso passarólogo, sabia o que deviam comer as aves, como zelar pelos filhotes. Naquela época, a empregada estava em pânico com os bem-te-vis, pois todas as vezes que ela assomava no terraço os bem-te-vis faziam voos rasantes sobre ela, como aqueles aviões dos filmes de guerra. Ela tinha que varrer com um chapéu ou bacia na cabeça. Mesmo assim, vivia em pânico.

                      Deve ser por isso que chamam essa espécie ave de tiranídeos, pois atacam para valer quem invade seu território. Por culpa de Rubem, cometi um erro quando vi, outro dia, o novo filhote de bem-te-vi emergir na treliça pedindo comida. Espalhei que tinha visto um sabiá. É que Rubem era o Sabiá da Crônica, como diziam, e deve ter ocorrido aquilo que nas universidades chamam de contaminação semântica. De repente, a palavra sabiá passarinhou em homenagem ao Rubem e se aninhou na minha frase.

                      Mas o filhote era um bem-te-vi com aquele peito amarelo, razão por que tecnicamente, em latim, acham que a cor sulfurosa lembra o “sulfuratus”.

                      Estava eu entretido em fotografar o filhote e seus pais, quando, lendo uns jornais que trouxe para o terraço, descubro a reportagem que diz ser esta a estação em que todas as aves obedecem gloriosamente às leis da natureza. Como cantava o Louis Armstrong, “as abelhas fazem isso”, “até os cangurus da Austrália fazem isso”. Portanto, dizia ele, nos incitando ao gesto do amor: “Let’s do it”.

                      Se esse nome bem-te-vi soa tão onomatopeico em nossa língua, pois parece repetir o que o pássaro diz, como será que nas outras línguas o chamam? Com efeito, fui lendo a respeito e descobri que em espanhol é mesmo parecido – bentiveo. Até em polonês guarda uma certa sonoridade com a nossa palavra: bentewi wielki, o mesmo em francês: tyran quiquivi.

                      Mas aí fui ver como era em alemão. Tomem nota, porque de repente pode aparecer no terraço de vocês um bem-te-vi vindo da Alemanha, e há que conferir o que ele canta, pois o nome dele lá é simplesmente schwefelmaskentyrann.


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                      MARCELO GLEISER



                      A morte do Nada

                      Desde o início, a filosofia pergunta se existe espaço vazio no Universo; agora, o Nada bateu as botas
                      É com grande pesar que vos informo da morte do Nada. Pois é, caro leitor, após mais de dois milênios de ambiguidades e confusões, parece que desta vez o Nada bateu mesmo as botas. São coisas que temos de aceitar em vista da evidência extremamente convincente vinda tanto da física das partículas elementares -que visa explicar a composição mais fundamental da matéria- como da astronomia. Comecemos com as partículas.
                      A questão da composição material do mundo é tão velha quanto a filosofia; foi Tales, o primeiro dos filósofos gregos, que perguntou: "Do que o mundo é feito?".
                      Desde então, a discussão girou em torno da questão do vazio ou, menos precisamente, do Nada: existe o espaço vazio, destituído de qualquer tipo de matéria ou substância? Ou será que algo o preenche, como o ar preenche nossa atmosfera?
                      Um tremendo vaivém se deu com o passar dos séculos, tema que volta e meia tratamos aqui neste espaço. Os atomistas gregos supuseram que existiam apenas átomos se movendo no vazio, enquanto que Aristóteles considerava a hipótese do vazio absurda: preencheu o Cosmo com uma quinta-essência, o éter que compunha os objetos celestes e, de forma difusa, enchia o espaço, tornando-o pleno.
                      Depois, veio Descartes com seus vórtices de uma substância fluida que enchia o universo, tese desmentida de forma muito lúcida por Newton no final do século 17. Atomista também ele, o mestre inglês provou claramente que, se alguma substância preenchesse o espaço, causaria fricção nas órbitas planetárias e o Sistema Solar não existiria como o vemos.
                      Veio, então, a luz como onda eletromagnética, no século 19, necessitando de um meio material para se propagar; o éter retorna, com essa função, até que, em 1905, Einstein demonstra sua inutilidade. Porém, em 1917, ele mesmo sugere que, se o Universo é esférico e estático, deveria ser preenchido por uma substância estranha, cuja função seria atuar como uma espécie de antigravidade, equilibrando a atração de todas as coisas. Mas o Universo não é estático e, em 1929, a tal constante cosmológica é deixada de lado. Provisoriamente.
                      No meio tempo, físicos de partículas descobriram os componentes básicos da matéria comum. Destes, o bóson de Higgs tem o papel singular de atribuir massa a todas as outras partículas. Para tal, encontra-se por todo o espaço uma espécie de ar que não é ar mas por onde todas as partículas de matéria se movem. E, ao fazê-lo, respondem à presença do Higgs com inércias próprias, como pérolas movendo ora em água ora em mel. O espaço, segundo a física do muito pequeno, não pode ser vazio.
                      E nem o Cosmo nas suas proporções maiores: em 1998, astrônomos descobriram que as galáxias se afastam de forma acelerada, levadas pela expansão cósmica como objetos numa enchente. A causa dessa aceleração, com efeito idêntico ao termo que Einstein inseriu e depois descartou nas equações de sua teoria da relatividade, é uma espécie de fluido preenchendo todo o espaço, primo do Higgs mas não ele, um outro tipo de éter, chamado provisoriamente de energia escura. Existimos numa natureza plena-plena de essências e mistérios.
                      MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI

                        Sem birra no museu - Walter Sebastião

                        Autora francesa dá dicas sobre as melhores formas de apresentar a arte para crianças. O primeiro passo é evitar imposições, pedantismo e passar tempo demais nas galerias 

                        Walter Sebastião
                        Estado de Minas : 04/11/2012 

                        Garota observa estátua instalada na escadaria do Museu Nacional de Bucareste, na Romênia

                        No livro Como falar de arte com as crianças, Françoise Barbe-Gall não repete enfadonhas cronologias nem alimenta o folclore sobre autores. Também evita compilar informações superficiais sobre épocas, temas e técnicas. Professora da Escola do Louvre, a francesa prefere estimular o contato direto com a imagem. Melhor para a garotada.

                        Dedicada à pintura, a obra traz boas dicas, inclusive para adultos. Françoise recomenda: um bom começo é abandonar antigos padrões de comportamento. Como, por exemplo, dizer às crianças que não se pode ir a tal cidade sem visitar determinado museu. O argumento parece bastante razoável, mas, na opinião dos pequenos, não tem o menor fundamento, avisa a professora.

                        A autora aconselha: interrogue as próprias lembranças antes de conversar com a garotada. “Se elas forem ruins ou simplesmente enfadonhas, melhor guardá-las. A memória do tédio é o tédio, e ele é contagioso”, brinca.

                        Outro conselho: banir o passeio em dias de chuva, pois isso supõe programa em espaços de arte só porque não há possibilidade de fazer algo mais divertido. Escolha um destino que não exija trajeto longo e não passe tempo demais lá dentro. “O passeio ao museu não é completo sem a visita à cafeteria. É como cinema sem pipoca ou sem sorvete. Se a instituição não tiver uma delas, procure-as nos arredores”, ensina a autora.

                        O melhor capítulo, “Temos o direito de não saber tudo”, traz ótimas questões sobre artistas, quadros, gêneros e técnicas. Contempla as novidades trazidas pelo século 20 enfrentando clichês incutidos na cabeça de muita gente. O volume tem fichas de 30 obras – da Anunciação, de Fra Angélico, a O rei dos zulus, de Jean-Mitchel Basquiat –, acompanhadas de fotos. Todas abordam dúvidas das crianças e dos adultos.

                         Como falar de arte para crianças aborda temas complexos com perspicácia, sofisticação e bom humor, sem pedantismo. Em “Despertar a vontade de ver quadros”, a autora explica que seu objetivo não é a introdução metódica do garoto no universo das artes visuais. “Se mais tarde a criança desejar adquirir cultura artística aprofundada, já é outra história. Ela dedicará a isso o tempo necessário e se sujeitará às exigências particulares da disciplina. Por enquanto, pense apenas em lhe proporcionar um prazer bastante simples, mas muito raro: o de ver bem”, conclui.

                        COMO FALAR DE ARTE COM AS CRIANÇAS
                        De Françoise Barbe-Gall 
                        Editora WMF/Martins Fontes
                        176 páginas, R$ 49,80