sábado, 11 de maio de 2013

As florestas ficaram mais frágeis

estado de são paulo

Fernando Reinach
Charles Robertson passou 20 anos, entre 1870 e 1890, estudando os insetos que polinizavam as flores de Carlinville, uma pequena cidade nos Estados Unidos.
Para cada uma das plantas que estudou, Robertson identificou todas as espécies que visitavam suas flores. Descobriu que 109 espécies de insetos polinizavam 26 espécies de flores. Como cada espécie de inseto visita mais de uma espécie de planta e cada flor é visitada por mais de um inseto, Robertson identificou um total de 532 pares de flores/insetos e produziu o mais antigo e completo mapa de interações entre as plantas e seus polinizadores.
Cento e vinte anos se passaram e Carlinville perdeu parte de sua mata para a agricultura. Em 2009, um grupo de cientistas voltou à cidade e repetiu o estudo de Robertson nas matas remanescentes.
A comparação dos resultados de 1890 com os de 2009 é a única medida direta que dispomos sobre o impacto da agricultura sobre a rede de interações que une plantas e polinizadores. Se você não gosta de más noticias, é bom parar por aqui.
Mais de 90% das plantas dependem de insetos para reproduzir. Os insetos dependem do néctar e as plantas dependem do transporte de pólen para produzir frutas e sementes. Nas grandes plantações, essa rede é semelhante, mas muito mais simples. Os agricultores dependem de colônias de abelhas para garantir a produção de frutas e os produtores de mel precisam alimentar suas abelhas com o néctar. A produção de frutas na Califórnia depende de 1,5 milhão de colmeias que são transportadas todos os anos de diversos Estados dos EUA para a região. As abelhas trabalham algumas semanas e voltam para casa. Esse aluguel de abelhas complementa a renda dos produtores de mel. No resto do mundo, não é diferente.
Nos últimos anos, com o aparecimento de novas doenças e o uso inadequado de inseticidas, aumentou o número de abelhas que morrem todos os anos, dificultando a recuperação das colmeias. O resultado é uma crescente falta de abelhas. Não sabemos como resolver o problema. Alguns inseticidas já foram banidos, mas tudo indica que essas medidas não serão suficientes. E sem abelhas podemos dar adeus às frutas.
No limite, a sobrevivência de parte de nossa agricultura pode depender de polinizadores presentes na natureza. Mas será que eles não foram dizimados no último século? A resposta está nas informações coletadas em Carlinville.
Comparando os dados de 1890 com os de 2010, os cientistas observaram que somente 125 das 532 interações ainda estão presentes (24%). Mas, como 121 novas interações foram observadas em 2009, o número atual de interações é 246. Conclusão: nos últimos 120 anos, desapareceram 46% das interações entre insetos e plantas nas matas de Carlinville.
Das 407 interações que desapareceram, 45% ocorreram por causa do desaparecimento de espécies de abelhas. Em 1890, havia 109 espécies. Hoje são 54. Por outro lado, o número de plantas envolvidas nessas interações permaneceu constante. Outras interações desapareceram em decorrência de mudanças de sincronia entre os insetos e plantas.
Plantas que floresciam na mesma época em que os insetos eclodiam agora florescem mais tarde em função das mudanças climáticas. O fato é que a rede de polinização dessas florestas diminuiu, e muito. Se em 1890 cada espécie de planta possuía diversos polinizadores, agora conta com um número menor de opções, o que torna o ecossistema mais frágil e menos resistente a mudanças.
Nossos antepassados contavam com a ajuda de dezenas ou centenas de insetos para garantir a reprodução em seus pomares. A agricultura moderna conta com pouquíssimas espécies de abelhas. Um processo semelhante está ocorrendo nas florestas. À medida que a biodiversidade é reduzida, as florestas perdem polinizadores. Com nossa agricultura e nossas florestas ficando mais frágeis, o risco de um colapso aumenta. Aos poucos, estamos cavando nossa própria cova.


Laertevisão e Quadrinhos

folha de são paulo

LAERTEVISÃO      LAERTE
LAERTE
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
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DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE
DIK BROWNE

Poesia e insolência - José Castello


O Globo - 11/05/2013

Trancas, aldravas, cadeados: o real
se fecha à força da linguagem. É
neste vão, entre a palavra que insiste
e o mundo que resiste, que
um poeta escreve seus versos.
“Como uma virgem, a casa se fecha”,
descreve Alexandre Barbosa de Souza, paulista
de 40 anos, que agora reúne seus escritos de
uma jovem vida inteira em “Livro geral” (Companhia
das Letras). Traça, com isso, a linha de
sua maturidade. A linha de uma resistência —
pois se o real não cede, a palavra não cede também.
A poesia, no fim, é um combate. Luta na
qual nem poeta, nem mundo vencem — só a palavra
se ergue.

Acompanho, com ansiedade, o avançar de
Alexandre ao longo de seus cinco livros. Tutor
inútil e tardio, escolto, passo a passo, o nascimento
de uma voz. A poesia é um exercício de
transfiguração: aos poucos, a palavra toma o lugar
da máscara. Há uma “revoada de pombas escuras”
— isto é, há o real que se alvoroça. Entre
elas, “atrasada, a pomba branca”. Sim: a poesia
(pomba branca) sempre chega tarde demais. Em
sua apresentação, um preciso Sérgio Alcides me
dá a palavra que procuro: a poesia é um “interino”.
Um substituto, um sobressalente, algo que
ocupa o lugar do que não pode estar ali. E a
mim, como leitor, resta aceitar essa ausência.
Mais ainda: maravilhar-me com ela.

Sem esmorecer, Alexandre trabalha com o
perdido: com as sobras, os vestígios, os rastros
do real. Descreve sua aventura: “Bem-te-vi,
bem-te-vi./ Te vi mas te perdi./ Bem que procuro/
Onde nunca te vi”. A palavra é só a sombra
de algo que não se alcança. Palavra-iceberg, a
poesia exibe apenas uma pequena ponta daquilo
que carrega. Alexandre, o poeta, sabe que
trabalha “no profundo do céu que desconheço”.
Trabalha — a palavra é dele também — como
um “sonâmbulo”, que se levanta, anda e fala durante
o sono. Também Alexandre escreve em
uma região intermediária, alheia à lógica do
dia. Move-se (as palavras continuam a ser suas)
em um “insustentável firmamento”. Ali, eu (espantado)
o sigo.

Os poemas se alargam sobre o vazio, provocando
alguma angústia, não só em que escreve, mas
em quem os lê. A poesia é uma procura feita com
recursos inapropriados. Nada funciona muito bem
— e, no entanto, o poeta continua a escrever. Diz
Alexandre: “Adormeço pensando:/
Também a lua procura o
céu”. Ela exige lentidão e delicadeza
para aceitar tantos silêncios,
pausas, lacunas. “Silêncio do
que não vi,/ A vida no seu avesso”,
ele diz. Volta a falar da lua —
insiste, sem medo, nesta imagem
banal: “A lua/ Como seu
corpo seco/ Responde a uma
questão antiga”. Ocorre-me que
esta pergunta original, que persiste
não só em seu livro, mas em toda uma existência,
pode ser: “Onde estou?” O poeta não conhece
a resposta, mas segue em sua escrita. É isso
o que intriga: que a poesia se faça “apesar de”.

Imita o aventureiro de que ele mesmo nos fala:
pousa entre o santo (o desconhecido) e o tinteiro
(a escritura). Espremido, instala “seu sábio coração;
de madeira da China”. Ali impõe seu artifício.
Para chegar às palavras, não precisa de muito além
de uma luz branda. Uma lua. Diz: “Basta-me a luz
sem entalhe/ E a lucidez sem portada”. Algo que
não se pode pegar, mas que está ali. Penso então,
assombrado, que Alexandre é jovem demais para
pensamentos tão arcaicos. Costumamos acreditar
que só na velhice extrema se chega, de fato, às origens.
Ele desmente isso. Conhece
o pássaro que em “seu bico de
louça/ tem as curvas que aprisionam/
seu canto”. Trata-se de
um pássaro artificial que, furioso,
sobe e desce escadas. “O que
o faz assim —/ Que ele não voe,
talvez nem saiba —/ É a lembrança
de um céu muito pesado”.
O peso do mundo, contudo,
não impede o poeta de soprar
seu invento. Versos frágeis,
amassados pela noite, ainda assim (ou por isso)
cintilam. O sol os derreteria.

A poesia surge justamente onde o poeta perde
alguma coisa. Nasce de um extravio. Mais uma
vez, a apresentação de Sérgio Alcides é certeira
ao apontar a presença do luto nos versos de Alexandre.
Qual é o objeto da poesia? O que ela deseja
aprisionar? Trata-se de algo que se perde no
momento mesmo em que ele tenta pegar. Portanto:
de uma derrota. Volto aos versos: “Ando
pelas terras,/ Sabendo levar no peito o coração/
Aberto a qualquer falta”. Estou agora nos
poemas escritos entre 1993 e 2003. Alexandre
era só um garoto. Indiferente à cronologia, mais
forte que si mesmo, ele impõe as palavras no
lugar da ausência. Não deve ter sido fácil. Não é
fácil para ninguém, mas é o que todo poeta
busca. Mesmo esbarrando, a maior parte do
tempo, em uma porta trancada.

Deparo com momentos preciosos assim :
“Outro dia sonhei com uma caixa/ Vazia/ Sextavada
por dentro/ Como para conter um diamante/
Mas não havia nada dentro”. É com o vazio
que a poesia, todo o tempo, se defronta. O
diamante — o real — não cabe na palavra. Mesmo
na mais perfeita, mesmo naquela (sextavada)
que ponto a ponto o copia. Não há encaixe.
O ranger produzido pela luta do poeta com as
palavras é, enfim, o poema. Alexandre, em nenhum
momento, se ilude: “O que quer o coração?/
(...)/ Nenhum atinge a perfeição/ E a si
mesmo conhece”. O que mais fazer com um coração
que se fecha, senão doá-lo? “Eis o que fazer:
entrega o coração aos outros/ Sem ostentação:
dominá-lo/ Contraria seu ritmo”. O coração
(o poema), que é imperfeito e que nem
mesmo seu dono domina, existe para a doação.
Nenhum de nós verá o próprio coração e, no
entanto, é ele que nos mantém vivos.

O poeta, por fim, é aquele que não se esquece
“de quando não havia caminho algum”. Trilhando
essa via inexistente — porque trancada — ele
persiste na escrita. Daí os preconceitos que, ainda
hoje, cercam os poetas, tidos como sujeitos
obcecados pelo que não podem ter. Como “lunáticos”.
Talvez por isso a lua retorne, com tanta insistência,
aos versos de Alexandre. Para afirmar
sua insolência. Toda poeta é insolente, todo poeta
é atrevido: quer sempre mais do que tem. Mais
do que pode. Dessa insistência, alguma coisa lhe
é devolvida. A poesia que Alexandre — mesmo
em plena noite — traz tão perto de si.

Nível de gás carbônico no ar atinge marca histórica

folha de são paulo


DO GUARDIAN
DE SÃO PAULO

Pela primeira vez na história humana, a concentração do dióxido de carbono na atmosfera passou a marca das 400 ppm (partes por milhão). A última vez que tanto gás-estufa estava no ar foi há muitos milhões de anos, quando o Ártico não era coberto de gelo, o Saara era coberto por savana e o nível do mar era até 40 metros mais elevado do que hoje.
A medição não significa que, instantaneamente, haverá mais problemas ou doenças relacionadas ao CO2. A questão tem todo um contexto simbólico.
Nas últimas décadas, os cientistas assinalaram que, para evitar um aquecimento excessivo da Terra, esse limite não deveria ser ultrapassado. O resultado de agora demonstra, em um certo sentido, que os esforços para controlar as emissões de carbono provocadas pelo homem estão falhando.
Editoria de Arte/Folhapress
Para Rajendra Pachauri, chefe do IPCC (painel do clima das Nações Unidas), atingir os 400 ppm é um marco "que nos lembra a rapidez com a qual aumentamos a concentração de gases-estufa na atmosfera".
"No começo da industrialização, a concentração de CO2 era de 280 ppm. A esperança é que cruzar esse marco vá trazer consciência da realidade científica da mudança climática e de como a humanidade deve lidar com esse desafio."
"É simbólico, é um ponto para parar e pensar sobre onde estamos para onde estamos indo", afirmou Ralph Keeling, que supervisiona as medições feitas em um vulcão no Havaí e que foram iniciadas pelo pai dele em 1958.
"É como fazer 50 anos: é um alerta para tudo o que está acontecendo na sua frente o tempo todo."
As estações de monitoramento no topo do vulcão Mauna Loa, no Havaí, são comandadas pelo US National Oceanic and Atmospheric Administration e pelo Instituto de Oceanografia Scripps.
Os dados divulgados nesta sexta (10) mostram que a média diária ultrapassou 400 ppm pela primeira vez nesse meio século de medições.
Os níveis de CO2 sofrem picos a cada ano sempre em maio.
Análises de ar fóssil, que fica preso no gelo, indicam que esse nível de gás carbônico não é visto na Terra a cerca de 3 milhões de anos, desde o Plioceno. Naquela época, a média global de temperaturas era de três a quatro graus mais alta do que hoje e oito graus mais elevada nos polos.
Os corais sofreram um processo grande de extinção, enquanto que as floresta cresceram perto do Ártico, onde hoje existe tundra.
"Acho que é possível que essas mudanças de ecossistema se revertam", afirmou Richard Norris, que trabalha com Keeling no instituto Scripps.
O clima terrestre leva tempo para se ajustar ao calor aprisionado pelos altos níveis de gases-estufa e pode levar centenas de anos até que as calotas polares derretam até terem o tamanho pequeno que tinham no Plioceno e até o nível do mar se elevar.
Mas a rapidez com a qual os níveis de gás carbônico estão subindo --talvez 75% mais rápido do que no período pré-industrial-- nunca havia sido vista em recordes geológicos e alguns efeitos da mudança climática já estão sendo vistos, com ondas de calor extremas e inundações mais prováveis de ocorrer. O recente verão úmido e frio na Europa foi ligado a mudanças nas correntes de ar de grande altitude, por sua vez ligados ao derretimento mais rápido do gelo no Ártico, que bateu sua marca mais baixa em setembro.
"Estamos criando um clima pré-histórico em que sociedades humanas enfrentarão riscos enormes e potencialmente catastróficos", disse Bob Ward, diretor do Instituto Grantham de Pesquisa de Mudança Climática, da Escola de Economia de Londres.
"A marca de 400 ppm é uma marca grave e deveria servir de alerta para todos nós apoiarmos tecnologias de energia limpa e reduzir as emissões dos gases-estufa antes que seja muito tarde para nossos filhos e netos", disse o cientista Tim Lueker.
NO BRASIL
O pesquisador Jefferson Simões, diretor do Centro Polar e Climático da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), diz que a marca de 400 ppm já era esperada e que, no atual nível de emissões, a tendência é que a curva não pare de subir.
"Na verdade, havia até uma espécie de aposta entre os observatórios para ver quem faria a primeira medição da média de 400 ppm", disse o pesquisador.
"O importante disso não é o número em si. Ele é mais uma comprovação de que estamos provocando alterações sérias no ambiente", diz ele.
Segundo o cientista, não costuma levar muito tempo para que as concentrações de dióxido de carbono se equilibrem em toda a Terra. Ou seja: em breve a concentração maior do gás deveser detectada nos outros observatórios, inclusive nos que são operados por pesquisadores brasileiros.
"Nós acompanhamos esses dados todos os dias na Antártida. E já percebemos esse aumento. Estamos muito próximos dos 400 ppm também."

O suicídio literário de Karl Knausgard

estado de são paulo

Norueguês vem à Flip falar sobre a polêmica série autobiográfica 'Minha Luta', que resultou em sua retirada da ficção

Maria Fernanda Rodrigues - O Estado de São Paulo
Um escritor insatisfeito com o resultado do trabalho de uma manhã olha fixamente para o piso do escritório que acabara de alugar e vê nos nós da madeira a imagem de Cristo. Ele levanta, vai passar um café e é imediatamente levado para uma tarde qualquer da infância: ele, sozinho na sala, vendo um rosto no mar enquanto o noticiário da TV mostra o local do naufrágio de um barco; ele correndo para contar sua visão ao pai no jardim.
Karl Knausgard - Reprodução
Reprodução
Karl Knausgard
Não é assim que começa o primeiro volume da série Minha Luta, do norueguês Karl Ove Knausgard. Mas foi aí que o autor encontrou a conexão entre o passado e o presente e conseguiu concluir um projeto frustrado ano após ano durante uma década - escrever uma ficção sobre o pai. E o que era um experimento literário resultou numa grande briga familiar. Porque essa história que ele tanto queria contar, sobre a transformação de um homem de família num bêbado e sua derrocada, só saiu na forma de não ficção.
O protagonista é Karl Ove Knausgard e os personagens, familiares, amigos, a mulher, a ex-mulher, os filhos. Todos ali, expostos com seus nomes verdadeiros. "Minha família tentou proibir o livro. A questão ética foi levantada - mas não porque escrevi alguma mentira sobre eles, mas porque escrevi tão abertamente sobre meu pai", conta o autor, de Beirute, onde participou esta semana do Hay Festival. Ele é um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty, em julho, quando lança, aqui, A Morte do Pai (Companhia das Letras). Ele, porém, não considera sua iniciativa antiética. "Não revelo nada sobre ninguém, só sobre meu pai e minha avó, que já estão mortos", diz. Mesmo assim. Contar a intimidade de sua família não pegou bem. No entanto, como todo livro polêmico, a obra virou best-seller na Noruega.
Knausgard não assistiu a essa reação toda. Enquanto escrevia, não leu as resenhas, não viu televisão. "Estava tentando me proteger. Tenho um lado autista, que não se preocupa com ninguém, e por isso pude continuar." Hoje ele não fala mais com a família, exceto com a mãe e o irmão, que ficaram bravos no início, mas acabaram aceitando.
"Essa é a história mais importante da minha vida e eu tinha que escrevê-la", conta. Quando começou o livro, aos 40, ele já era pai e essa figura em que seu próprio pai se transformou pesou sobre ele como uma ameaça. "Se isso aconteceu com ele, poderia ter acontecido comigo."
Durante toda a narrativa, o que vemos é a tentativa de um encontro com esse pai ausente mesmo quando presente. Um encontro do autor com ele mesmo e a descoberta de sua identidade. E isso se dá na infância e adolescência, que ocupam a primeira parte do livro, no tempo presente, da escrita da obra, e num passado não muito distante, quando a tão esperada, porque previsível, notícia da morte do pai chega e ele volta para casa com o irmão para enterrá-lo.
O cenário que encontram é de guerra. O apartamento da avó, para onde ele se mudara depois de algumas tentativas de tratamento, está destruído, com garrafas de bebida barata pelos cantos, pilhas de roupa suja, urina e fezes no sofá, vômito no tapete. Essa descrição poderia ser usada para a própria avó de mais de 80 anos, ela também abandonada, que encontrou o filho morto na poltrona.
"Enquanto escrevia sobre minha infância, fui tomado por uma alegria, a alegria desse tempo, mas foi emocionalmente difícil escrever sobre ele e sobre morte", conta. Tudo o que está na obra aconteceu, garante, embora confesse não se lembrar exatamente dos diálogos - e abusa deles.
Abusa também das descrições, por vezes, desnecessárias. Levou, por exemplo, seis páginas para dizer como era ruim na guitarra e outras seis para contar como o primeiro show de sua banda foi um desastre. Escreve, ainda, coisas do tipo: "O banho não me ajudou em nada, então desliguei o chuveiro e me enxuguei com uma toalha grande, passei um pouco de desodorante nas axilas, me vesti e fui à cozinha para ver as horas, secando o cabelo com uma toalha menor". Há outras passagens como essa nas 512 páginas deste primeiro volume, que era para ser único.
"Quando terminei, percebi que havia um estilo ali de contar histórias sobre a vida cotidiana, sobre o que acontece entre os grandes momentos, e resolvi continuar." Em dois anos escreveu os cinco primeiros títulos. O derradeiro levou mais um ano - ele traz um ensaio de 400 páginas sobre Mein Kampf, obra de Hitler que serviu de inspiração para o título da série - outra polêmica. "É a minha luta, a luta diária de todo mundo. Mas ao mesmo tempo é uma luta universal, ideológica. Queria um título que conectasse todos esses demônios", explica. "Foi uma forma de dizer dane-se eu não me importo, que foi como me senti enquanto escrevia", completa.
O autor não imaginou que tinha tanto fôlego e que sua vida renderia tantos volumes. "Fui ingênuo, não percebi o tamanho do que eu estava fazendo, mas isso foi totalmente necessário para mim." Mas agora disse chega. Com a série Minha Luta - por enquanto, a Companhia das Letras só comprou os direitos dos dois primeiros títulos -, ele se aposenta da ficção.
"Quando tinha 19 anos, frequentei um curso de escrita criativa e uma das regras era não chegar ao principal conflito de sua vida. Era o que queria fazer. Queria esvaziar tudo, e a isso dou o nome de suicídio literário. Não quero escrever outro romance." Se voltar a escrever, ficará com os ensaios ou talvez se arrisque na ficção científica. "Você só escreve ficção quando está infeliz, quando há algo quebrado, e espero que meus filhos não queiram ser escritores porque aí saberei que algo está errado." As crianças, de 9, 7 e 6 anos, e a mulher também virão à Flip.
Se valeu a pena? "Sim, mas eu não seria capaz de ir lá de novo. Não, não quero voltar", conclui. 

Unicamp planeja mais bônus à rede pública

folha de são paulo

Proposta a ser apresentada prevê que pontos via ações afirmativas cheguem a 10% da nota média dos ingressantes
Ideia é incluir bônus já na 1ª fase do vestibular, o que não é feito hoje; mudança pode valer neste ano, diz reitor
SABINE RIGHETTIDE SÃO PAULOA Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) deve apresentar em breve uma proposta para aumentar os bônus atualmente concedidos no vestibular a egressos de escolas públicas.
O programa de ação afirmativa da universidade concede desde 2004 um total de 30 pontos de bônus na segunda fase do vestibular (são duas) aos candidatos que cursaram os ensinos fundamental e médio na rede pública.
Os que se autodeclararam pretos, pardos e indígenas ganham dez pontos a mais.
Esses 40 pontos equivalem a cerca de 6% da nota média obtida por um estudante aprovado para medicina ou 7% em engenharia. Conforme a Folha apurou, a ideia é que a pontuação chegue a cerca de 10% da nota.
A ideia, de acordo o reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, é incluir o bônus já na primeira fase do vestibular.
Para calcular o aumento dos pontos extras estão sendo feitas projeções com base nos vestibulares anteriores.
As propostas ainda serão discutidas no Conselho Universitário e precisam ser aprovadas pelo grupo para serem implementadas.
"As simulações estão em bom nível. Se houver consenso, a ideia é que [o novo bônus] seja aplicado no próximo vestibular", diz Jorge.
O aumento da bonificação, diz o reitor, está sendo feita com cautela para que o desempenho de quem entra na universidade via ação afirmativa não seja muito inferior em relação aos demais.
"As simulações apontam que podemos aumentar a pontuação de maneira significativa sem perder qualidade. A pergunta agora é até que ponto podemos aumentar essa pontuação?"
A estudante de ciências sociais Juliana Portes Thiago, 40, que entrou na Unicamp em 2007 via ação afirmativa, gostou da novidade sobre o possível aumento do bônus.
De acordo com ela, muitos estudantes de escolas públicas "nem tentam" ingressar em universidade públicas porque acreditam que não vão passar. "Fiquei 13 anos parada depois do ensino médio. Fui motivada a voltar por causa da ação afirmativa."
Em estudo recente, a Unicamp mostrou que os alunos ingressantes via ação afirmativa tiveram desempenho igual ou melhor dos egressos de escolas particulares.
O estudo avaliou as notas dos estudantes em sete áreas do conhecimento. Em três delas --engenharias, medicina e humanas--, as notas daqueles que entraram via ação afirmativa foram superiores às dos demais ingressantes.
Questionado sobre a proposta do governo de São Paulo, que pretende aumentar a quantidade de egressos de escolas públicas nas universidades estaduais paulistas via Pimesp (Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista), o reitor da Unicamp disse que é "a favor da inclusão".
"Não somos contra termos 50% de alunos vindos de escolas públicas. Mas não queremos perder a qualidade."
Em abril, a USP também anunciou que deve aumentar o bônus a egressos de escolas públicas no vestibular.

    AÇÕES AFIRMATIVAS
    COMO É HOJE:
    Pontos são acrescidos à nota final do vestibular:
    30 para estudantes dos ensinos fundamental e médio públicos
    10 para quem também se autodeclarar preto, pardo e indígena
    40 é o total de pontos possíveis, o que equivale a 6% da nota total obtida pelo aprovado em medicina ou 7% da nota total em engenharia
    COMO FICA:
    Nova bonificação será incluída na primeira fase
    Total do bônus do candidato deve chegar a 10% da nota final
    30 % dos alunos da Unicamp, aproximadamente, são de escolas públicas

    Walter Ceneviva

    folha de são paulo

    Ensino: o direito e as cotas
    Em todas as etapas, sabe-se da diferença entre frequentadores das escolas particulares e das públicas
    Passados dois meses da retomada das aulas, do ensino fundamental ao superior, surgiram informações sobre cotas de ingresso nos cursos universitários. Vieram mais pormenorizadas, comparando não cotistas e cotistas. Acrescentaram dados sobre os que, em número crescente, abandonaram os cursos em que ingressaram.
    As avaliações deduzidas não propiciaram todos os dados concretos, mas, mesmo assim, chegaram a dar atenção à quantidade significativa dos que não seguiram em frente, mal preparados ou não preparados para acompanharem as aulas. Foi uma das formas do desconforto gerado.
    Temos, assim, momento oportuno para retomar o diálogo com o leitor sobre cotas e o grande número dos brecados pelo semáforo vermelho da insuficiência. A avaliação não ignora as queixas contra a situação criada.
    No conjunto dos fatos se encontra o direito, realizado ou prejudicado, dos que intervieram nessa corrida. Ela integra o reconhecimento dos próprios alunos, dos pais aflitos, desde que se consolidou a impossibilidade de seus filhos chegarem à compreensão mínima das matérias dadas.
    Em todas as etapas, sabe-se da diferença entre frequentadores das escolas particulares e das públicas, até baterem à porta de ingresso na universidade. O ideal da igualdade do tratamento, para todos alunos, esbarra, com as cotas, em parâmetros tão diversos, que prejudicam a avaliação de direitos e obrigações.
    Não há estatísticas confiáveis, mas, nas escolas mais reputadas, chega a haver a jubilação do aluno depois de tropeços seguidos no meio do caminho. No polo oposto, a aprovação semiautomática é pior. Não qualifica o mérito do aluno. O que antes aparecia apenas na batalha dos vestibulares vai mais longe. Chegará, após a formatura, ao sacrifício dos clientes, ante serviços mal prestados ou não prestados.
    O critério das cotas mostra seu lado justo para muitos que não teriam a mesma possibilidade de acesso. Por outro lado, o aumento quantitativo dos cotistas eleva a estatística da má profissionalização.
    O exemplo mais notório --talvez mais dramático-- ainda pode ser colhido no Exame de Ordem, ao fim do curso jurídico. Seu índice de reprovações provocou providência salutar. Cerca de cem escolas tiveram vedado o prosseguimento de suas aulas de direito, ante as insuficiências reveladas. Tentativas semelhantes, embora tímidas, em áreas das ciências médicas e exatas, indicam números maiores dos desprovidos de conhecimento compatível com a exigências profissionais.
    A realidade excede limites da estatística. Quando uma espécie de "exame de ordem" for imponível na liberação profissional de outros campos do saber, as reprovações aparecerão no ingresso ou nos primeiros tempos do curso. Na área do direito, nem mesmo a aprovação no Exame de Ordem corresponde definitivamente à capacitação para a carreira.
    É aceitável a crença de que, em outros segmentos profissionais, os índices de aprovação/reprovação/desistência mostrariam resultados semelhantes, atingindo áreas da saúde, da segurança, da educação, como um todo. É o universo final do parâmetro de qualidade a ser pesquisado. Beneficiará a todos e contribuirá para a orientação do cotista quando chegar à carreira profissional e seus naturais espinhos.


    LIVROS JURÍDICOS
    IPTU
    AUTOR Kiyoshi Harada
    EDITORA Atlas (0/xx/11/3357-9144)
    QUANTO R$ 45 (216 págs.)
    O IPTU na Constituição e no Código Tributário Nacional e aspectos controvertidos do imposto e da teoria geral do fato gerador resumem os quatro temas para os quais Harada oferece seus estudos. São sete capítulos --o último dedicado a uma avaliação prática da legislação voltada, especialmente, para apuração do valor venal.
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    EDITORA Atlas
    QUANTO R$ 69 (296 págs.)
    O objetivo pedagógico do autor não prejudicou o aprofundamento doutrinário das questões atinentes a liberdades e igualdades constitucionais da cidadania. A rigor, o objetivo de compor a teoria geral e a teoria especial de cada um dos temas foi bem atendido.
    FARMACOLOGIA
    AUTOR Marcos de Almeida Camargo
    EDITORA Saraiva (0/xx/11/3613-3344)
    QUANTO R$ 69 (306 págs.)
    Em oportuna iniciativa editorial, a Saraiva criou a coleção "Perito Criminal Federal", coordenada por Flávio Rodrigues Calil Daher e Marcelo Fernando Borsio. São textos voltados para concursos na área dos temas de interesse da União. O autor deste primeiro volume é perito criminal federal e professor da Academia Nacional de Polícia.
    A JURISDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO TST NA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA
    AUTORES Kátia Magalhães Arruda e Rubem Milhomem
    EDITORA LTr (0/xx/11/2167-1100)
    QUANTO R$ 70 (351 págs.)
    O ministro Augusto César de Carvalho assinala, no prefácio, a densa pesquisa e investigação doutrinária e jurisprudencial como traços da obra. Assim é no repasse das súmulas 126, 297 e 422, completado por pressupostos da CLT.
    RECURSOS NO PROCESSO CIVIL
    AUTOR Fernando Valladão Nogueira
    EDITORA Del Rey (0/xx/31/3284-5845)
    QUANTO R$ 42 (126 págs.)
    Valladão Nogueira serviu-se de sua longa experiência de advogado na área processual civil para sintetizar o que há de importante nesse campo.
    CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE
    AUTOR Luiz Carlos Forghieri Guimarães
    EDITORA Letras Jurídicas (0/xx/11/3107-6501)
    QUANTO R$ 43 (164 págs.)
    O tema do subtítulo ("Capitalização dos contratos bancários") é abordado em minudente apreciação.

      Alexandre Vidal Porto

      folha de são paulo

      A educação pela guerra
      Os inimigos dos brasileiros são pelotões de políticos corruptos, juízes vendidos e empresários desonestos
      O primeiro contato que tive com a guerra foi por meio do cinema. Cresci em São Paulo, achando que a guerra só existia nos filmes ou no passado --nos livros de história geral. A possibilidade de um conflito armado não tinha qualquer implicação para mim e só se cumpriria em países distantes do Brasil.
      Como cidadão brasileiro, considerava-me imune à guerra. Sentia orgulho em mencionar a estrangeiros, incidentalmente, que o último conflito em que o Brasil se havia envolvido diretamente fora a Guerra do Paraguai (1864-1870).
      Claro que participamos da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais, contudo, na minha visão cinematográfica, havíamos sido coadjuvantes. Haverá quem se lembre da quase Guerra da Lagosta (1961-1963), quando Brasil e França mobilizaram recursos bélicos em disputa causada pelo tal crustáceo, na costa pernambucana. Mas, no caso, a situação se resolveu sem que fosse disparado um tiro sequer.
      As marcas deixadas pelas guerras no imaginário do povo brasileiro são brandas. A guerra é, sobretudo, um conceito abstrato. A imagem do estrangeiro nunca se contaminou com a noção de inimigo externo. Em relação a outros povos, a inclinação natural dos brasileiros manteve-se pacífica e conciliadora.
      No Japão, as marcas da guerra são mais concretas. Em Tóquio, a 300 metros de minha casa, faz uns meses, encontraram, alojada na parede de sustentação de um prédio, uma bomba norte-americana não detonada, lançada na Segunda Guerra. Em Hiroshima, no ano passado, conheci um senhor cujos dentes permanentes nunca haviam nascido. Aos 67 anos, continuava com dentes de leite, porque sua mãe fora exposta à radiação das bombas atômicas. Esse senhor tem filhos e netos que manterão viva sua memória.
      É natural que, no Japão, esteja mais claro o entendimento de que o conflito armado leva ao caos e ao aniquilamento, e que suas consequências são trágicas e duradouras; que o povo japonês tenha mais bem delineada a noção de que a luta contra um inimigo comum exige coordenação e coesão social, seja para derrotá-lo, seja para reconstruir o que ele destruiu.
      Essa educação pela guerra ensina que, numa sociedade, a derrota de um é a derrota de todos e que a superação de desafios comuns exige ação coletiva. Uma lição positiva tirada de algo odioso.
      Parte de nossa coesão nacional poderia, da mesma forma, ser forjada na luta conjunta contra inimigos comuns. Seria necessário ter em mente, porém, que os maiores inimigos do povo brasileiro não falam outra língua, nem estão além das fronteiras.
      Nossa guerra é interna. Os exércitos não se encontram em campos opostos. Estão misturados e usam o mesmo uniforme.
      Os inimigos dos brasileiros são pelotões de políticos corruptos, juízes vendidos e empresários desonestos. São os criminosos que pilham o progresso do país e deixam miséria e injustiça no rastro de suas tropas. São todos os que semeiam mazelas que, encadeadas, transformam cidades em áreas deflagradas. São eles os que devemos combater.