Estima-se que, na próxima década, cerca de 100
bilhões de máquinas estejam conectadas à internet. Mas a previsão não
significa que haverá 10 computadores funcionais para cada pessoa no
planeta. Na verdade, o número indica como a expansão da rede deve
englobar um número crescente de dispositivos que, originalmente, não
faziam parte do mundo conectado. Geladeiras, aparelhos de
ar-condicionado, lâmpadas e carros estão entre as ferramentas que,
gradativamente, aprenderão a usar a rede para captar e interpretar
informações com o objetivo de antecipar as necessidades dos usuários,
num fenômeno chamado de internet das coisas (IoT, na sigla em inglês).
No
entanto, o potencial desse futuro tecnológico é ameaçado por um
problema de comunicação: equipamentos com funções diferentes, feitos por
fabricantes diferentes, quase sempre falam linguagens diferentes. Por
isso, um consórcio europeu dedicou os últimos três anos à criação de uma
linguagem única, que permita às máquinas se comunicarem de uma maneira
eficiente.
Dessa forma, equipamentos que já trabalham com base em
informações retiradas da rede, como temperatura ambiente ou umidade do
ar, vão contar também com dados coletados por outras máquinas em um
ambiente privado. Isso significa que uma lâmpada poderia comunicar ao
ar-condicionado quando os moradores da casa estão presentes, ou que o
forno micro-ondas trabalhasse em parceria com a geladeira.
“Um
micro-ondas e uma geladeira são máquinas, e máquinas hoje em dia são
inteligentes. E nós podemos fazê-las ainda mais espertas permitindo as
chamadas comunicações de máquina para máquina”, explica Sofoklis
Kyriazakos, pesquisador da Universidade de Allborg, na Dinamarca. A
instituição de ensino dinamarquesa é uma das sete organizações que se
uniram no projeto europeu BETaaS, criado para desenvolver a linguagem
unificada entre equipamentos. O plano, iniciado em 2012, foi concluído
há poucos dias e contou com investimento de 3,3 milhões de euros.
A
tecnologia máquina para máquina (M2M, ou machine to machine, em inglês)
é uma dinâmica que dispensa a intervenção humana. Kyriazakos dá como
exemplo um sistema automático de irrigação, que, com base no M2M, é
capaz de funcionar por conta própria e de forma mais eficiente do que um
dispositivo comandado por um humano. Basta colocar os irrigadores em
contato com sensores inteligentes, que informem o dispositivo sobre a
umidade do ar, a temperatura ambiente e a possível presença de pessoas
no local.
BABEL Esse “diálogo” diminui a
distância entre os mundos virtual e real e garante que a informação
trocada entre as máquinas seja estável e livre de erros. “A internet das
coisas é baseada no conceito de que a conexão pela internet fornece
tanto o acesso a dados remotos de sensores quanto o controle remoto do
mundo físico. Isso abriu portas para o desenvolvimento de várias
soluções de monitoramento e controle que resolvem problemas em áreas
específicas”, ressalta Belen Martinez Rodriguez, pesquisadora da empresa
Tecnalia, que faz parte do consórcio BETaaS.
Além do grupo
europeu, há outras iniciativas que procuram desenvolver uma linguagem
eletrônica que facilite a conectividade entre dispositivos. Há
diferentes grupos apoiados por companhias como a Intel, a Microsoft e a
Google que atualmente concorrem pelo título de protocolo-padrão da
internet das coisas. Mas esses padrões tendem a atender aos interesses
de cada uma das empresas envolvidas no projeto, o que tem resultado numa
verdadeira torre de Babel, em que diferentes tipos de aparelhos
competem entre si.
“Embora essas iniciativas ofereçam plataformas
horizontais, elas não cumprem requisitos importantes para a internet
das coisas, como qualidade de serviço, confiabilidade e
contextualização. Além disso, essas plataformas são baseadas em
arquiteturas de nuvem centralizada, o que pode ser difícil de combinar
com características da internet das coisas, como alta mobilidade, grande
número de anotações e baixa latência”, ressalta Martinez.
ABERTO Para
superar essas limitações, o projeto europeu procura oferecer um modelo
de referência que funcione em qualquer situação, com aparelhos de
qualquer marca. O software foi testado com sucesso em dois cenários
hipotéticos: um no qual a plataforma foi usada para controlar um sistema
de irrigação em um jardim, e outro em uma infraestrutura da dimensão de
uma cidade inteligente. Nas duas situações, o funcionamento dos
aparelhos era ditado com base nas informações colhidas por outras
máquinas.
A comunicação eficiente entre os aparelhos da cidade
inteligente permitiu, por exemplo, que um motorista encontrasse um carro
em um estacionamento alertando um sistema que intensifica a iluminação
do poste localizado próximo ao veículo. A internet das coisas ainda
poderia ser usada para acessar o transporte público, reservar quartos de
hotel e até mesmo receber dicas personalizadas de programas culturais
com base na localização do usuário e da previsão climática.
“Isso
vai mudar a forma como vivemos e trabalhamos”, declara, em comunicado,
Ramjee Prasad, diretor do Centro de Teleinfraestrutura da Universidade
de Aalborg. “Consumidores vão desfrutar de um grande número de serviços
inovadores, enquanto, de uma perspectiva de negócios, nós podemos gerar
valor explorando objetos conectados à internet para a criação de novas e
inovadoras aplicações”, ressalta Prasad.
A plataforma BETaaS
também foi projetada como um sistema de código aberto, que pode ser
acessada e modificada por qualquer usuário ou empresa. “Uma comunidade
de plataforma open source é um caso vantajoso para todos, pois há
pessoas que usam e exploram a plataforma e que também vão se beneficiar
do trabalho incremental que for produzido”, aponta Sofoklis Kyriazakos.
“Em palavras simples, a disponibilidade da plataforma BETaaS vai
permitir que os primeiros usuários trabalhem nela, e o que fizerem será
explorado para melhorá-la”, resume.
O modelo é similar ao usado
no sistema operacional Linux: quanto mais pessoas usarem a linguagem,
mais eficiente ela se tornará. O desenvolvimento de uma plataforma de
código aberto também é mais veloz e barato do que um produto criado por
uma única empresa. O trabalho do BETaaS se limita a criar um produto
mais simples, enquanto os detalhes relacionados a problemas específicos
ficam a cargo da experiência dos próprios usuários.