MÁRIO RAMOS RIBEIRO
A política fiscal e a credibilidade do Banco Central
Reacendeu-se a faísca da desconfiança dos investidores sobre a independência do Banco Central. A política fiscal vem dominando a instituição, que perde assim a sua principal virtude: a fidúcia. Transforma-se em um leão desdentado.
A perda de confiança na capacidade operacional e técnica do BC é hoje bem medida pelo nervosismo que sacode a Bolsa de Valores e o mercado financeiro. As sucessivas intervenções no mercado cambial e, principalmente, a volatilidade do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2008 e 2012 só pioram o cenário.
Nesses cinco anos, as taxas de crescimento do PIB, medidas em termos anuais, foram 5,18% (2008); -0,2% (2009); 7,5% (2010); 2,7% (2011) e 0,9% (2012).
A altíssima volatilidade coloca no paredão a eficiência da política monetária do BC. Em um regime de metas de inflação -do qual já estamos nos afastando-, a diferença entre o produto potencial e o efetivo é uma das duas informações relevantes que fazem com que a taxa de juros nominal de curto prazo seja alterada.
É evidente que a política monetária não conseguiu diminuir os desvios entre o PIB potencial e o efetivo. Com isso, o BC se arrisca a perder a meta da inflação e ameaça punir com a elevação da taxa de juros nominal.
A segunda informação relevante é o risco de se ampliar o hiato entre a meta de inflação e a taxa efetiva de inflação. Aqui a situação também não é confortável. A inflação de fundo -ou inflação núcleo- também oscilou.
O professor Samuel Pessôa mostrou, em sua coluna na Folha, em fevereiro, que, em meados 2004, a inflação de fundo anual era de 7% e, em meados de 2007, ela caiu para 4%. Desde então, a inflação núcleo vem subindo até atingir os 6% no final de 2012.
A sensação é tamanha que o Comitê de Política Monetária (Copom) não consegue mais esconder o receio de que a inflação tenha mudado de patamar. Na ata da sua última reunião, fala em "desconforto" e "resistência" da inflação e sinaliza disposição para elevar as taxas de juros ao informar que irá acompanhar a "evolução do cenário".
As regras de política monetária usadas no regime de metas de inflação explícitas ou implícitas são procedimentos reativos. Elas descrevem como as taxas de juros devem reagir diante de variáveis como o PIB real e a taxa de inflação. Para serem ótimas, devem descrever o comportamento dos "banqueiros centrais" e, assim, imputar-lhes alguma reputação.
Mas esse esforço é inútil em um ambiente sem credibilidade. Variações erráticas do PIB e do hiato de inflação inabilitam a taxa de juros para exercer a função de controlar a inflação. Para retomar a confiança e ser eficiente no combate à inflação, o Tesouro Federal tem de colaborar, deixando de "lutar contra a crise internacional" (sic) e parar de combater moinhos.
É fundamental a criação de uma regra fiscal, a exemplo do que foi feito no Chile no governo de Michelle Bachelet (2006-2010). Na versão brasileira, seria interessante que o que excedesse o superavit primário fosse poupado em uma verdadeira política anticíclica. O superavit aumentaria nos períodos de expansão, formando uma provisão para os tempos de adversidade, e diminuiria em momentos de dificuldade.
O problema com essa regra é que ela exige maturidade política. Há consenso quanto ao que fazer nos tempos de recessão: gastar! Mas, infelizmente, na hora em que tudo está bem -e que o superavit deveria aumentar e a ordem do dia seria aumentar a poupança pública- a razão técnica se choca com a razão política. Por que perder popularidade com medidas austeras na hora da fartura?
Uma regra fiscal assim diminuiria a volatilidade do PIB. No dia em que começarmos a entender que poupar é fundamental, teremos uma regra fiscal. Talvez aí a taxa de juro volte a ser um instrumento de política monetária.
FABIO KANCZUK
A maquiagem dos impostos
Desonerações tributárias têm efeito provisório sobre o nível de preços. Somente com a elevação dos juros é possível controlar a inflação.
Antes de elaborar, deixe-me apresentar alguns "caveats" teóricos. Depois analisarei impactos econômicos e quantificarei minha conclusão.
Mas, antecipando, obtenho que a folga fiscal do governo é tão grande que é possível postergar a elevação de juros para após as eleições sem deixar a inflação furar o teto da banda, de 6,5%.
Ao responder a pergunta da
Folha, decidi assumir que ela se refere ao momento em que vivemos, com as políticas econômica e monetária atualmente presentes no Brasil. Se estivéssemos sob um regime de câmbio fixo, em que os juros flutuam livremente, o controle inflacionário se daria pelo câmbio.
Mesmo no regime de metas inflacionárias atualmente em operação, é possível fazer alguns truques monetários para substituir a alta nos juros. Por exemplo, elevações nos compulsórios bancários, controles sobre prazos e modalidades de crédito ou outras formas de indiretamente controlar a inflação. Mas, na prática, elas causam uma elevação nos juros ao tomador de empréstimo, ainda que a Selic fique parada.
Mas considerei que essas possibilidades não são formas válidas ou pelo menos não as que interessam na atualidade.
A verdadeira questão é se o governo pode controlar a inflação por meio das desonerações. Como um corte de impostos afeta a inflação?
O primeiro impacto de uma desoneração é relativamente óbvio. É pontual, rápido e reduz a inflação. Com menos impostos sobre o produtor, o custo de um bem ou serviço fica menor. Parte disso é repassado ao consumidor. É claro que os produtores gostariam de usar o evento para simplesmente aumentar suas margens de lucro. Mas a competição no mercado e a própria demanda dos consumidores fazem com que boa parte de uma desoneração seja passada para os preços finais.
O segundo efeito de uma desoneração vai em sentido oposto. Atua a longo prazo e eleva a inflação. Equivale a uma expansão fiscal, causada pela redução de impostos. Quando o governo gasta mais ou, alternativamente, reduz a quantidade de recursos que está tirando do setor privado, ele está estimulando a economia por meio de um impulso fiscal. O impacto disso é bem conhecido: a demanda aumenta e os preços sobem. O difícil é mensurar esse impacto, saber quando ele ocorre e em quanto ele eleva a inflação.
Uma particularidade desse segundo efeito é que ele é permanente, isto é, ele continua elevando a inflação para sempre. A razão é um pouco técnica. A piora no superavit primário ocorre só uma vez, mas há um efeito sobre a dívida e os juros que persiste com o tempo. O governo continua transferindo recursos para o setor privado, pois paga cada vez mais juros.
Embora pouco intuitivo, esse efeito é quantitativamente relevante mesmo no Brasil, em que somente uma minoria dos consumidores detém dívida pública.
Para quantificar os efeitos de uma desoneração, utilizei um modelo computacional que simula as atitudes de famílias e firmas que reagem inteligentemente a choques.
Por meio de uma desoneração típica, o governo pode gerar uma redução instantânea de 0,5% na inflação, mas piora o resultado fiscal em 0,5% do PIB. Aos poucos, o efeito desinflacionário desaparece e o governo tem de recorrer a outra desoneração. Contudo, eu obtive que isso só é necessário depois de alguns trimestres.
Dessa forma, recorrendo repetidamente a esse truque, é possível manter tanto a inflação como a dívida pública controladas, ao menos até a próxima eleição. Depois disso, a elevação dos juros ficaria mesmo inevitável.