domingo, 17 de fevereiro de 2013

Tradução de James Joyce faz sucesso na China

folha de são paulo


JONATHAN KAIMAN
DO "GUARDIAN", EM PEQUIM

Depois de passar oito anos traduzindo para o chinês o primeiro terço de "Finnegan's Wake", romance de James Joyce célebre por ser de compreensão tão difícil, Dai Congrong aceitou que era um trabalho feito por amor, e não por dinheiro.
O texto do livro desafia abertamente as convenções gramaticais e é repleto de trocadilhos plurilíngues. O livro começa com: "riverrun, past Eve and Adam's, from swerve of shore to bend of bay, brings us by a commodius vicus of recirculation back to Howth Castle and Environs" ("riocorrente, depois de Eva e Adão, do desvio da praia à dobra da baía, devolve-nos por um commodius vicus de recirculação devolta a Howth Castle Ecercanias", em tradução de Augusto de Campos).
Ng Han Guan/Associated Press
Outdoor publicitário anuncia a tradução chinesa do livro "Finnegan's Wake" de James Joyce em Pequim
Outdoor publicitário anuncia a tradução chinesa do livro "Finnegan's Wake" de James Joyce em Pequim
Por isso mesmo a professora de 41 anos de idade da Universidade Fudan, em Xangai, reagiu com incredulidade quando, depois de chegar às livrarias no mês passado, a tradução virou inesperado sucesso de vendas na China.
Promovido numa campanha ampla em outdoors, o primeiro volume de "Fennigen de Shouling Ye" esgotou sua primeira tiragem, de 8.000 exemplares, e chegou ao segundo lugar de uma lista prestigiosa dos livros mais vendidos em Xangai, perdendo apenas para uma biografia de Deng Xiaoping.
Vendas de 30 mil exemplares de um livro são vistas como "motivo de comemoração", segundo a editora chinesa Gray Tan, de modo que 8.000 exemplares vendidos em um mês fazem de James Joyce um sucesso enorme. Ian McEwan, por exemplo, é considerado muito bom em tradução chinesa, mas foram impressas apenas 5.000 cópias de "Reparação".
"Fiquei e ainda estou espantada", comenta Dai. "Achei que meus leitores seriam acadêmicos e escritores. Não imaginei que o livro tivesse recepção tão ampla."
Dai conta que sua apreciação por "Ulysses" começou quando ela era estudante de doutorado na Universidade de Nanjing, no final dos anos 1990; o livro ganhou sua primeira tradução ao chinês em 1995. Incentivada por seu orientador acadêmico, em 2004 ela decidiu assumir a tradução de "Finnegan's Wake"; dois anos mais tarde, assinou um contrato de tradução com uma agência editorial.
REFLEXÃO
James Joyce chegou à China recentemente. Sob Mao Tse-tung, sua obra era rejeitada, vista como literatura ocidental burguesa; "Retrato do Artista Quando Jovem" só foi traduzido ao chinês em 1975, um ano antes da morte de Mao. E não foi por falta de demanda. Quando a versão chinesa de "Ulysses" chegou às livrarias, quase 20 anos mais tarde, 85 mil exemplares foram vendidos em pouquíssimo tempo.
Dai diz que os leitores chineses apreciam as reflexões de Joyce sobre a natureza cíclica da história, os relacionamentos entre seus personagens masculinos e femininos e o simples desafio de interpretar sua prosa. Ela descreve a tradução do famoso estilo narrativo de Joyce, seguindo o fluxo de consciência, como um desafio enorme.
"As coisas que eu perdi são principalmente as frases, porque as frases de Joyce são tão diferentes das comuns", diz a tradutora, explicando que, em muitos casos, ela as decompôs em orações mais curtas e simples. Se não o tivesse feito, o leitor médio "pensaria que era uma tradução errada. Por isso minha tradução é mais clara que o livro original."
Mesmo assim, ela se esforçou ao máximo para manter a maior fidelidade possível ao original. "Por exemplo, há uma frase em 'Finnegan's Wake' sobre 'mão gaga', que pode significar trêmula. Se eu a traduzisse como 'mão trêmula', seria ok --seria uma boa frase em chinês. Mas eu a traduzi como 'mão gaga'. A gramática chinesa não permite que se unam 'gagueira' e 'mão', mas eu fiz isso, assim mesmo."
Inicialmente, Dai sentiu-se intimidada com a escala do empreendimento --a tradução francesa de "Finnegan's Wake" levou 30 anos para ser concluída--, e houve momentos em que pensou em desistir. "É uma espécie de tortura", ela comentou. "Na China, a tradução não é vista como uma realização acadêmica. Preciso publicar primeiro e depois dedicar meu próprio tempo à tradução."
Ela se desentendeu com o marido muitas vezes (ele queria que ela fosse dormir, e ela queria ficar acordada e traduzir) e teve dificuldade enorme em conciliar o projeto com sua vida familiar. "Meu corpo sofreu por trabalhar, trabalhar todas as noites. Fiquei com a aparência mais velha do que deveria. Meus olhos escureceram, e minha pele também não estava boa."
Seu contrato cobre os dois terços do livro que ainda faltam, e, apesar das muitas horas de trabalho, Dai não pensa em desistir. "'Finnegan's Wake' é um livro grandioso. Depois de lê-lo, passei a pensar: 'Este (outro) escritor usou uma frase tradicional demais, demasiado simples. Se ele pudesse fazer mais experimentos com suas frases, poderia expressar coisas diferentes."
"'Finnegan's Wake' me fez pensar que James Joyce é um escritor que nunca se satisfazia com o que já tinha realizado", ela prossegue. "Sua energia é muito forte."
Isso é algo que Joyce e ela têm em comum.
Tradução de CLARA ALLAIN.

Cidade que trabalha e morre de tédio - ROBERTO ARLT

folha de são paulo
tradução GUSTAVO PACHECO


SOBRE O TEXTO Este texto, de 15 de abril de 1930, integra série publicada por Roberto Arlt entre 2 de abril e 29 de maio daquele ano no diário argentino "El Mundo". O conjunto das "Águas-Fortes Cariocas" será lançado pela primeira vez em livro, com tradução e organização de Gustavo Pacheco, em setembro, pela Rocco.
*
No conceito de todo cidadão que respeita os direitos da preguiça, porque também a preguiça tem direitos segundo os sociólogos, o café desempenha um lugar proeminente na civilização dos povos. Quanto mais uma raça for fã de ficar de papo pro ar, melhores e mais suntuosas cafeterias terá em suas urbes. É uma lei psicológica, e não há o que fazer: assim dizem os sábios.

AQUI SE TRABALHA
Nós, habitantes da mais linda cidade da América (me refiro a Buenos Aires), acreditamos que os cariocas e, em geral, os brasileiros, são gente que passa o dia inteiro de pança pro sol, desde que "Febo aparece" até a hora em que vai roncar. E estamos redondamente enganados. Aqui as pessoas trabalham, sem brincadeira. Ganham o pão com o suor da testa e das outras partes do corpo que também suam como a testa. Dão duro, dão duro no batente incansavelmente, e juntam o que podem. Suas vidas se regem por um princípio subterrâneo de atividade, como diria um senhor sério escrevendo artigos sobre o Brasil. Eu, por minha vez, digo que pegam no batente todo santo dia e nem sinal de sábado inglês! Aqui não há sábado inglês. O domingo como Deus manda, que Deus não inventou o sábado inglês. E ali se acabaram as festas. Trabalham, trabalham brutalmente e não vão ao café exceto por breves minutos. Tão breves, que quando você fica um pouco além da conta, é posto pra fora. É posto pra fora, não pelos garçons, mas sim pelo encarregado de cobrar.

E O CHAMADO CAFÉ "EXPRESS"?
Antes de mais nada, não se conhece o café "express", essa mistura infame de serragem, borra de café e outros resíduos vegetais que produzem uma mistura capaz de produzir uma úlcera no estômago em pouco tempo. Aqui, o café é autêntico, como o tabaco e as belezas naturais das mulheres.
Os cafés têm poltronas nas calçadas, mas na calçada não se serve café. É preciso tomá-lo lá dentro.
Lá dentro, as mesas estão rodeadas de cadeirinhas que dão vontade de jogar na rua com uma patada. Vi sentar um gordo, que precisou de uma cadeira pra cada perna. A mesinha de mármore é reduzida; enfim, parecem construídas pra membros da raça dos pigmeus ou pra anões. Você se senta e começa a ficar invocado. Uma orquestra de negros (em alguns bares) arma com suas cornetas e outros instrumentos de sopro um alvoroço tão infernal que você mal acabou de entrar e já quer sair.
Você senta e trazem o "feca". Sem água. Percebem? Em um país onde faz tanto calor, servem café sem água. Você engole um palavrão, e diz berrando:
- E a água? Vendem água aqui?
- "O senhor quer água gelada um copo de água gelada." E trazem a "água gelada" com um pedacinho de gelo. O copo é daqueles de beber licor, não água.
Você ainda não terminou de tomar o café, e um idiota vestido de preto, que passa o dia fazendo malabarismos com moedas, se aproxima da mesa e bate no mármore com um moedinha de mil réis. Mil réis são trinta centavos. Você, que ignora os costumes, olha o malandro e este olha de volta. Então você diz:
- Por que não bate no próprio focinho em vez de bater no mármore?...
É preciso desembolsar e ir embora. Pagar os seis centavos que custa o café e dar no pé. Se você quer ficar de bobeira, tem as poltronas da calçada. Ali são servidos bebestíveis que custam um mínimo de 600 réis (18 centavos argentinos).

"PAS" DE GORJETA
O garçom não recebe gorjeta. Ou melhor, ninguém dá gorjeta com o café. O homem que faz malabarismos com os cobres é o encarregado de cobrar, e por conseguinte o único que afana se é que rouba, porque este é um país de gente honrada.
De modo que o espetáculo que o olho do estrangeiro pode gozar em nossa cidade, que é o de vadios robustos tomando sombra duas horas em um café bebendo um "negro", é desconhecido aqui. As pessoas se dirigem às poltronas da calçada na hora da moda. O resto da multidão entra no café pra ingerir uma xicrinha de "feca" e se manda. Aqui se trabalha, se dá duro e se leva a vida a sério.
Como fazem? não sei. Homens e mulheres, pequenos e grandes, negros e brancos, todos trabalham. As ruas fervem como formigueiros nas horas de maior movimento.

CONCLUSÕES
Se a metáfora não fosse um pouco atrevida, diria que os cafés daqui são como certos lugares incômodos, onde se entra apressado e se sai mais rápido ainda.
Cidade honrada e casta. Não se encontram "mulheres de má fama" pelas ruas; não se encontra nem um só café aberto à noite; não há jogatina, não há coletores de apostas. Aqui, as pessoas vivem honradissimamente. Às seis e meia todo mundo está jantando; às oito da noite os restaurantes já estão fechando as portas... É como eu disse antes: uma cidade de gente que trabalha, que trabalha incansavelmente, e que na hora de ir embora, chega em casa extenuada, com mais vontade de dormir que de passear. Esta é a absoluta verdade sobre o Rio de Janeiro.

Em "O Som ao Redor", todos temem a própria sombra

Lucia Nagib
especial para a folha de são paulo

RESUMO Para crítica Lúcia Nagib, longa-metragem de Kleber Mendonça Filho dialoga com cinema brasileiro por meio da subversão de símbolos e de recursos narrativos consagrados por autores como Glauber Rocha. Já Mauricio Puls vê no filme a dissolução do Brasil coronelista numa era de profunda transformação social.
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O segredo de "O Som ao Redor" está numa fórmula simples, mas de difícil execução: a perfeita integração de forma e conteúdo.
O próprio limite do quadro fílmico é suficiente para universalizar a prisão da classe média --de Recife, do Brasil, do mundo. Basta replicar esse quadro numa multiplicidade de blocos de apartamentos, de janelas e grades sobrepostas, de azulejos e ladrilhos quadriculados recobrindo interiores, de telas digitais que decrescem do televisor de 40 polegadas à câmera de vigilância, ao laptop e ao telefone celular.
O universalismo do filme é uma mera questão de quadro, escala e proporção, propriedades que o cinema manipula melhor que qualquer outro meio. Assim como o cineasta japonês Yasujiro Ozu (1903-63) universaliza o drama familiar ao comparar garrafas de saquê ao pilar de um templo ("Era Uma Vez em Tóquio", 1953), em "O Som ao Redor" o plano de uma massa de arranha-céus se conecta a um conjunto de garrafas vazias na sala de estar em que um casal dorme depois da festa e do amor, miniatura exemplar do que ocorre nas centenas de apartamentos ao redor.
Divulgação
Cena de "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho
Cena de "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho
Assim, embora limitado a uma rua de Recife, "O Som ao Redor" produz identidade regional e nacional. Mas, para isso, usa o reverso do paisagismo grandioso que caracterizou o Brasil no cinema novo e depois no cinema da retomada, o sertão imenso e as imagens de mar prometendo, e continuamente frustrando, a realização utópica do paraíso sonhado pelos colonizador europeu.
O "travelling" que acompanha a corrida de Manoel em direção ao mar nunca visto, em "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (Glauber Rocha, 1964), no qual o crítico Ismail Xavier identificou a teleologia da história, é aqui substituído pela câmera que persegue uma menina de patins na garagem de um prédio, ziguezagueando entre os carros e afinal chegando a um pátio murado repleto de babás e crianças encalacradas. Não há saída nem finalidade para o movimento reto, que se interrompe na imagem, tomada através da cerca, de um serralheiro instalando outra grade no vizinho.
Mesmo a bola que um guri insiste em chutar para além dos muros tem seu percurso cortado pela roda de um carro que a esmaga. O mar, ali na esquina, tornou-se invisível, escondido atrás dos arranha-céus em que se enclausuram os membros do clã de Francisco, dono da maioria dos imóveis no local. Antigo senhor de engenho, autêntico e repugnante homem cordial de que nos fala Buarque de Holanda, Francisco é o único que se arrisca a um banho noturno no mar infestado de tubarões.
Que o assunto é o país fica claro já nas imagens de abertura, uma série de fotos de arquivo de trabalhadores da zona canavieira, que o espectador descobre ao longo do filme constituírem os predecessores dos personagens vivos atuais, o "punctum" barthesiano que, como uma flecha da história, vem ferir os agentes do presente. Barthes fala do "retorno do morto" na fotografia, e Freud do "retorno do reprimido", ativo tanto no inconsciente individual quanto na esfera social.
Em "O Som ao Redor", o retorno do passado submerso se dá na forma de personagens cotidianos dotados de um duplo fantasmagórico. É o menino negro, seminu, clone do "menino-aranha" real, que escala árvores e muros e povoa os pesadelos da menina abastada, reclusa em seu quarto. E são os guardas-noturnos que se infiltram nos edifícios cercados e monitorados que se revelam os filhos vingativos de um agricultor assassinado pelos capangas de Francisco. Já havíamos encontrado esse personagem mefistofélico que, vindo das baixas esferas, penetra a festa dos ricos corruptos em "O Invasor" (Beto Brant, 2002), e o desastre não foi menor.
Mas não há drama nenhum, e muito menos nostalgia, nessa história que necessariamente termina em morte. A propalada superficialidade dos atores vai além da má atuação recomendada por Brecht para que o intérprete se distancie do personagem que representa. Aqui, os atores comungam da superficialidade dos seus personagens. Forma e conteúdo se unem outra vez, e desta vez para mostrar que o "status quo", se não é exatamente bom, também não é necessariamente ruim.
Parece-me auspicioso que a dona de casa Bia, esquecida na cama pelo marido que ronca e atormentada pelo uivo do cachorro do vizinho, arranje alternativas de satisfação sensual e sexual, ainda que seja com o fetiche da mercadoria que Marx condenava. Como o esperto prisioneiro comum que faz chegar a sua cela as drogas, os celulares e as armas de que necessita, Bia compra maconha do entregador de água e a fuma soprando a fumaça na mangueira de um aspirador de pó apoiado na janela.
Ainda mais inventiva, ela se masturba aproveitando-se da trepidação da máquina de lavar roupas. Nisto o filme se compara à sexualidade mirabolante de outra obra-prima pernambucana, "Amarelo Manga" (Cláudio Assis, 2003).
Sexo é também um invasor em "O Som ao Redor". Está no axé, tocado a todo volume pelo vendedor ambulante de CD, que canta "pega na banana" para a vizinhança inteira ouvir; no desenho animado assistido pela netinha da empregada doméstica, mostrando Iansã em lúbrico frenesi; no elevador em que o casal João e Sofia se agarra e que o zelador contempla em sua guarita pelo circuito de televisão.
Os sons e as imagens do mundo lá fora que se filtram e se infiltram, para deleite onanístico de personagens enclausurados conferem um sopro de vida ao universo árido e feio dos blocos de apartamentos. Aliás, os filhos pré-adolescentes de Bia, sofisticados nerds que aprendem chinês e discutem economia, parecem conhecer e aceitar as idiossincrasias da mãe; a cena em que Bia, deitada de bruços no sofá, se deixa massagear pelos filhos nos pés e nas costas é de dar inveja a muitas mães.
FANTASMAGORIA
Equivalentes às janelas, frestas e telas por onde penetram os laivos do mundo exterior, quartos, corredores e elevadores são caixas acústicas de um universo interior que se extravasa. Michel Chion chamou de "acousmêtre" o som cinematográfico sem fonte identificável na imagem que, por isso, tem poder de onisciência e onipresença. A fantasmagórica mistura de sons que acompanha muitas das imagens --rumor de vozes, máquinas, ondas, pássaros-- sem motivação na diegese parece ao mesmo tempo rodear e derivar dos personagens.
Mais uma vez, é a forma cinematográfica fazendo história, como na cena em que João e Sofia visitam Francisco no engenho. Uma sesta na rede dá o tom semionírico a uma fascinante descida ao hades profundo do Brasil. As portas dos quartos da casa-grande vazia e abandonada são uma a uma abertas pelo casal, que ouve os passos do avô no andar de cima como os de uma alma penada. O périplo se estende ao vilarejo local, culminando num cinema em ruínas em que ainda se ouve a trilha sonora de um filme com gritos de mulher.
Fantasia a um só tempo trágica e paródica, o fim do cinema aqui anunciado, em sintonia com o restante do filme, é inteiramente despido de páthos. Sua função é confirmar o império da contenção, dos gadgets e da miniatura que, queira-se ou não, é a realidade atual.
O guarda-noturno Clodoaldo afirma que sua arma é o celular. Alter-ego do cineasta, ele assiste e manipula, com sangue-frio, na minúscula tela do aparelho, o assassinato de um de seus pares num bairro de Recife, captado por uma câmera de segurança. A primeira imagem que temos de Clodoaldo é no monitor da câmera de segurança de Anco, tio de João e o único a ainda residir numa casa em meio às torres ao redor. Voyeur de voyeurs, vítima que logo irá assassinar, pressente-se que, no final, Clodoaldo terminará assim, como mera imagem captada pela câmera de segurança ao morrer.
"O Som ao Redor" é a irresistível somatória dessas réplicas. Com sua multiplicidade de telas e lentes, é uma alucinante "mise-en-abîme" em que todo mundo se parece e teme a própria sombra. É registro documental do que foi, testemunho do que é, pressentimento preocupante, mas necessário, do que virá.

Obra retrata fim do coronelismo no país

MAURICIO PULS
DE SÃO PAULO

Após tantos prêmios, não resta dúvida de que "O Som ao Redor" é o filme brasileiro mais significativo desde "Cidade de Deus" (2002). Nenhuma outra obra dos últimos anos produziu retrato tão abrangente da sociedade nacional, que de certo modo condensa a trajetória do país no período republicano.
O pano de fundo histórico aparece já na sequência de fotos de um antigo engenho de açúcar no Nordeste --que recordam as películas do cinema novo, com suas paisagens empobrecidas habitadas por personagens de Graciliano Ramos.
Essas imagens arquetípicas logo cedem lugar à crônica de uma rua da zona sul de Recife, em tudo igual aos bairros nobres das metrópoles do Sudeste. A maior virtude da obra consiste em captar a metamorfose daqueles tipos que povoavam os grotões em moradores de uma via asfaltada e arborizada, em permanente rixa com os vizinhos.
Por que tais filmes são tão raros no Brasil? Desde 2003, muitos críticos já apontaram a superioridade do cinema argentino em relação ao nosso, atribuindo o fato a deficiências dos diretores locais, supostamente presos a temáticas repetitivas e propensos a realizar obras esquemáticas e moralistas.
Explicações assim, porém, dissociam o sujeito do objeto, desconsiderando o fato de que os cineastas não estão diante do mundo que buscam compreender, mas dentro dele. Por que uma nação não consegue conhecer a si mesma?
A razão desse subdesenvolvimento artístico encontra-se no próprio "O Som ao Redor". O filme mostra como as mudanças no Brasil se processam vagarosamente, por meio de deslizamentos sutis na hierarquia social --como a transformação do velho senhor de engenho em um especulador de imóveis urbanos, e a conversão de camponeses em guardas noturnos.
FATALISMO
Como observou o filósofo Carlos Nelson Coutinho (1943-2012), essa estagnação social difunde na intelectualidade uma visão de mundo fatalista, pois a história se apresenta como obra do destino. Pouquíssimos artistas chegam a entender os países que adotam essa política de conciliação com o atraso, porque o presente está sempre encoberto pelo passado. E, como as obras de arte só aparecem aí de forma esporádica, tais nações não conseguem criar uma tradição artística orgânica.
Em contraste, cineastas de países sacudidos por crises traumáticas têm diante de si uma matéria-prima muito diversa. Nesses momentos as estruturas do antigo regime são demolidas velozmente, e os alicerces do novo mundo são percebidos com nitidez. Não é por acaso que fortes impulsos de renovação do cinema surgiram após guerras mundiais (Alemanha, Itália, Japão), revoluções (Rússia, Irã) ou fiascos coloniais (França). Sem o colapso de 2001, dificilmente o cinema argentino seria o mesmo.
No Brasil, ao contrário, as mudanças não se processaram com rapidez nem com clareza. A partir do século 19, os escravos foram substituídos por assalariados que, embora formalmente livres, estavam submetidos ao poder pessoal do proprietário e constituíam sua principal base eleitoral. Mas não a única. O resto da população rural também dependia dos coronéis para ter acesso a serviços públicos.
Todo esse imenso subproletariado era conservador, pois sua privação material o predispunha a trocar seu voto por pequenos favores. Ao analisar o filme "Os Fuzis", de Ruy Guerra (1964), o crítico Roberto Schwarz já havia percebido esse fenômeno: "A massa dos miseráveis fermenta, mas não explode".
Esse vínculo secular só começou a se desfazer após a eleição de Lula em 2002, como mostrou André Singer em "Os Sentidos do Lulismo" (2012). As políticas de redução da pobreza possibilitaram a ruptura dos laços políticos entre os partidos conservadores e a população excluída. O grande mérito de "O Som ao Redor" foi tornar visível esse processo de decomposição. Talvez agora o caminho esteja livre para os novos cineastas.

Empreguetes. Só que não - Pedro Butcher

folha de são paulo


ESPECIAL PARA A FOLHA

A novela "Cheias de Charme" ainda estava no ar, em setembro do ano passado, quando o Festival de Brasília exibiu o documentário "Doméstica", de Gabriel Mascaro, antítese absoluta da visão simpática e glamourosa da vida das empregadas domésticas pelo filtro da Globo.
Desde sua estreia em Brasília, "Doméstica" tem percorrido festivais internacionais (como o International Film Festival Documentary, em Amsterdã, na Holanda, considerado o mais importante dedicado ao gênero) e nacionais (o mais recente foi a Mostra de Tiradentes, em Minas, que sob a curadoria do crítico Cleber Eduardo se consolidou como centro nervoso da nova produção independente brasileira). Agora, o filme aguarda uma brecha no concorrido circuito de salas brasileiro, com lançamento previsto para o segundo semestre, com distribuição da Vitrine Filmes.
Matheus Cabral/TV Globo
Thais Araújo, Isabelle Dummont e Leandra Leal interpretaram as empreguetes da novela "Cheias de Charme"
Thais Araújo, Isabelle Dummont e Leandra Leal interpretaram as empreguetes da novela "Cheias de Charme"
"Doméstica" não mereceu prêmios do júri de Brasília, e talvez não seja difícil entender o porquê dessa primeira rejeição em solo materno. Como os outros filmes de Gabriel Mascaro --possivelmente o cineasta mais provocativo da nova geração pernambucana--, "Doméstica" tem um efeito altamente perturbador. Trata-se de um raro exemplar da recente produção cinematográfica brasileira capaz de mexer com as entranhas de quem o vê.
A característica mais forte dos trabalhos de Mascaro é uma recusa à tendência apaziguadora tão arraigada na nossa cultura. "Doméstica" é seu filme mais bem resolvido nesse sentido. Ao contrário, por exemplo, de seu documentário "Um Lugar ao Sol", ataque às elites feito de entrevistas-armadilhas com moradores de coberturas, a opção pelo confronto, em "Doméstica", não traz travos de ressentimento. O truque está no "dispositivo" encontrado pelo diretor para conduzir o filme.
Em vez de recorrer a recursos tradicionais do documentário como entrevistas e registros de cenas cotidianas, Mascaro preferiu sair de cena e entregar a câmera aos jovens filhos dos patrões, todos entre 15 e 17 anos, pedindo que eles registrassem suas empregadas durante uma semana. Entre as condições impostas estava a obrigatoriedade de registrar o momento da negociação da imagem.
Das dezenas de jovens que entregaram o material bruto à produção, sete, de cinco cidades diferentes --Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Manaus--, entraram na montagem final, todos com características muito diferentes entre si. Em uma segunda etapa, o material foi retomado pelo diretor e o montador (Eduardo Serrado), que construíram a narrativa do filme, uma coletânea de diários cinematográficos.
A multiplicidade dos retratados contempla o amplo espectro social do país. Vemos desde uma tradicional família de classe média alta até a empregada de uma empregada, moradora de uma favela. Vemos também o raríssimo caso de um homem que assumiu sem pudores a tarefa de empregado doméstico depois de ter sido abandonado pela mulher.
Cada episódio ilumina e destrincha aspectos das relações sociais, profissionais e afetivas no Brasil e revela, ainda, como eles se embaralham e se complicam. Mascaro faz questão de dizer que seu filme não é um documentário sociológico ou mesmo antropológico, mas etnográfico. Mas se o diretor foge como o diabo da cruz das visões universalistas e generalizantes --"Não fiz um filme sobre o Brasil", faz questão de dizer--, é difícil não enxergar nas histórias apresentadas pelo filme um tecido comum à sociedade brasileira e às transformações que ela vem sofrendo, estabelecendo diálogos com a leitura do "Brasil cordial" descrito por Sérgio Buarque de Hollanda em "Raízes do Brasil" e à permanência de características da sociedade escravocrata apontada por Gilberto Freyre em "Casa Grande e Senzala".
Evidentemente, é preciso entender esses autores dentro de suas próprias complexidades. A empregada que dorme na casa dos patrões, bem como a própria arquitetura das casas com seus "quartos de empregada", são uma continuidade evidente da sociedade escravocrata analisada por Freyre; as relações de afeto que se desenvolvem, principalmente entre os filhos dos patrões e as empregadas, são um retrato vivo do "Brasil cordial" de Sérgio Buarque de Hollanda, ou seja, aquele em que as relações passam, antes de tudo, pelo coração e pelo afeto, com todas as consequências perversas que esse tipo de primazia pode representar (no caso, ligações afetivas que muitas vezes escamoteiam relações profissionais altamente problemáticas).
PATRÃOZINHO
A maior riqueza do dispositivo do filme é colocar o "patrãozinho" em uma situação de poder que, nos documentários em geral, costuma estar nas mãos do documentarista. Mais interessante ainda é que os jovens estão justamente em uma fase em que começam a aparecer esses primeiros questionamentos. O fato de estarem munidos com uma câmera, observando de uma perspectiva diferente situações que lhe pareciam corriqueiras, provoca uma nova significação daquele olhar, e o despertar --ou não-- de uma nova consciência.
Dessa forma, a ética do documentário reflete a ética interior de cada família, e, sobretudo, daquele jovem. Ao mesmo tempo, da parte das empregadas, aceitar se tornar objeto de um filme pode significar tanto mais uma obrigação ou uma oportunidade de "se inventar" para a câmera --e, nesse sentido, "Doméstica" se alinha ao que seriam as novas grandes tendências do cinema documental, a chamada "autoficção" e o "cinema de performance".
Outro ótimo documentário pernambucano que recorreu a um dispositivo semelhante, ainda que com objetivos e resultados completamente diferentes, foi "Pacific", de Marcelo Pedroso (2009). Codiretor, com Gabriel Mascaro, de "KFZ 1348" (documentário que acompanha a "vida" de um fusca), e montador de "Um Lugar ao Sol", Pedroso editou "Pacific" a partir de um farto material colhido entre registros amadores feitos pelos tripulantes de um cruzeiro marítimo para Fernando de Noronha. O resultado é uma narrativa divertidíssima e ao mesmo tempo acidamente crítica a determinados aspectos da classe média emergente.
Mas se "Pacific" sofria com o amadorismo da imagem e do som característicos dos vídeos amadores --o barulho do vento batendo no microfone da câmera é uma constante--, um dos aspectos mais surpreendentes de "Doméstica" é a qualidade do material. São raros os momentos em que a câmera treme excessivamente e o áudio é incompreensível. Volta e meia, surgem até mesmo enquadramentos e movimentos de câmera muito interessantes, como, por exemplo, o jovem que coloca a câmera dentro de um armário da cozinha, ou outro que focaliza os detalhes de fotos espalhadas na parede de um quarto.
No debate que se seguiu à exibição do filme em Brasília, Mascaro esclareceu que não houve milagre. Assim que começou a receber os primeiros materiais (as filmagens foram feitas com a mesma câmera, separadamente), o diretor se apavorou. "Não vai ter filme", pensou. Eram horas e horas de registro preguiçoso em que pouca coisa poderia ser aproveitada. Antes de passar a câmera à segunda família, acrescentou ao equipamento um tripé e um microfone um pouco mais sofisticado, e pediu aos produtores que ensinassem seu manuseio básico aos jovens (Mascaro, pessoalmente, não teve qualquer contato com os personagens do filme).
A partir daí, o material se revelou bem mais interessante. "Doméstica" traz momentos antológicos, alguns realmente devastadores, como o relato da empregada que aceitou o pedido de sua patroa para abdicar das folgas e trabalhar seguidamente durante três meses para cuidar de uma pessoa doente, sem saber que aqueles seriam os últimos três meses de vida de seu próprio filho, que morreu assassinado. Ou a entrada em cena do empregado doméstico, que provocou autênticas revelações na plateia masculina de Brasília (um espectador confessou ter achado estranhíssimo ver a imagem de um homem lavando louça, dando-se conta de que, até aquele momento do filme, não havia achado estranhíssimo ver as mulheres lavando louça).
"Doméstica" tem humor e delicadeza, mas, também, um profundo efeito de denúncia. É revelador de toda a tensão que desponta desse tipo de relação tão característica do Brasil, entre o afeto e a exploração do trabalho, entre a cordialidade e a subordinação. Seu resultado é diametralmente oposto, por exemplo, ao de "Domésticas", o filme que Fernando Meirelles codirigiu com Nando Olival, lançado em 2001. Para além do "s" que distingue os títulos, as diferenças são abismais, pois ainda que "Domésticas" tenha um crivo crítico, continua sendo uma comédia suave e apaziguadora. Mascaro vai na carne da questão e a encara em toda sua complexidade.
Por fim, "Doméstica" deve ser percebido também como um documentário histórico, na medida em que registra um tipo de relação em plena transformação, que tende a se profissionalizar paralelamente às mudanças econômicas e sociais do país. O que faz do filme de Mascaro, como bem definiu certa vez o cineasta português Pedro Costa, o "registro de uma sensibilidade humana em um momento em que ela pode desaparecer".

Pobre brasileirinha! - Roberto Arlt

folha de são paulo

tradução GUSTAVO PACHECO

SOBRE O TEXTO Este texto, de 4 de maio de 1930, integra série publicada por Roberto Arlt entre 2 de abril e 29 de maio daquele ano no diário argentino "El Mundo". O conjunto das "Águas-Fortes Cariocas" será lançado pela primeira vez em livro, com tradução e organização de Gustavo Pacheco, em setembro, pela Rocco.
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Passei por uma experiência dolorosa.
Cada vez que subia as escadas da pensão onde moro, vinha ao meu encontro uma índia cor de café, que me fazia sinais com as mãos para que subisse devagar. Hoje, intrigado, perguntei:
-- Mas, que diabos está acontecendo, que não dá nem pra caminhar? -- e a servente me respondeu:
-- A mocinha está muito doente.
-- Quem é a mocinha?
-- A filha da patroa.
-- Posso vê-la?
Me deixaram entrar.
A DOENTINHA
Em uma cama larga, sobre um amplo travesseiro, repousava a cabeça de uma moça de 19 anos. Grandes olhos negros, cabelo cacheado emoldurando as bochechas. Cumprimentei-a, e ela moveu ligeiramente os lábios. Observei-a de relance. Tinha a garganta envolvida em um lenço; debaixo dos lençóis brancos, se adivinhava um pobre corpo enfraquecido.
Amigas, maduras como grandes frutas, a rodeavam. Me apresentaram:
-- Este senhor é o jornalista argentino, o novo pensionista.
-- O que ela tem? -- perguntei. Me explicaram. Pleurisia, a garganta, enfim, essas meias palavras que disfarçam a doença terrível. Tuberculose pulmonar e laringite. Com razão não falava. Sorri e disse essas palavras tristemente doces que a gente se considera obrigado a dar a uma pobre criatura que nenhuma força humana pode salvar.
Ela me olhava e sorria. Achava graça no idioma, como a nós o português nos faz rir. Por momentos, um golpe de tosse a fazia estremecer sob os lençóis, e as amigas solícitas a rodeavam.
Quando saí me dedicou um sorriso que só existe nos lábios das doentes incuráveis.
Entrei em uma florista e pedi que preparassem um buquê de rosas brancas, e à tarde dei à índia servente para que levasse a ela. Que ao menos tivesse no quarto um pedaço de primavera. E que fosse um argentino quem tivesse levado"¦
ESTA NOITE
Esta noite tossiu muito. Mas tanto, que quando desci e entrei no dormitório, as amigas a seguravam, desvanecida, entre os braços. Tinha a cabeça caída sobre o ombro da índia, de cujos olhos caíam lágrimas.
A mocinha brasileira vai morrer. Dezenove anos! E saí à rua entristecido, pensando.
"É uma injustiça. Deus não existe. Essas coisas não deviam acontecer."
Repeti exatamente tudo o que diz um homem quando cai sobre sua cabeça uma grande desgraça. E no entanto quase não conheço essa criatura. Eu a vi pela primeira vez ontem pela manhã; mas havia tanta doçura em seus olhos escurecidos que senti pena por essa vida que escapava do seu peito, minuto a minuto.
Com razão me diziam pra caminhar devagar. Ela não consegue dormir. A cada momento é acordada pelos bondes que passam fazendo barulho. Se não são os bondes, é a tosse. E, com esse calor, o dia inteiro na cama! Está tão fraca que já não consegue caminhar. Só conserva a carinha totalmente oval e os grandes olhos, que falam, porque a garganta já quase não tem cordas vocais.
Agora vou visitá-la todos os dias. Digo ao entrar, "Como vai a menina?". E ela ri; porque deixou de ser menina há um bom tempo e já é senhorita.
Eu sei que acha graça do idioma "argentchino". Fica me olhando"¦
Então digo que o Brasil é muito bonito, que ela precisa ter esperanças na Nossa Senhora que tem na cabeceira (eu, falando de Nossa Senhora!); que não deve se afligir, que logo estará curada, que essas doenças assim são muito fantásticas, que já vai ver, logo poderá se levantar e sair pra passear.
Ela me olha em silêncio. Compreende que estou mentindo. Olha a Nossa Senhora, as amigas e sorri. Não é possível enganá-la. Ela sabe qual será o passeio que a espera. O último".
E me lembro do sanatório Santa María, nas serras de Córdoba. Me lembro das 500 mocinhas que, no Pavilhão Penna, estão prostradas como essa mocinha de 19 anos, para quem a vida só devia ser felicidade. E, de repente, uma pena enorme me sobe do coração até a garganta. O sorriso e as piadas me escapam, e saio pra rua dizendo, como diria um pobre negro ou um pobre branco, que não entende de livros nem de filosofia:
"E depois dizem que Deus existe. Coisas assim não deviam acontecer."
Evandro Carlos Jardim/Reprodução
Água-forte de Evandro Carlos Jardim Crédito: Evandro Carlos Jardim/Reprodução
Água-forte de Evandro Carlos Jardim Crédito: Evandro Carlos Jardim/Reprodução

Uma semana de glória - Tom Zé [Memórias que viram histórias]

folha de são paulo

ARQUIVO ABERTO
Arquivo Pessoal
Tom Zé (2º da dir. para a esq. em pé) antes de jogo pelo E. C. Cruzeiro, onde atuava como lateral direito, em 1961
Tom Zé (2º da dir. para a esq. em pé) antes de jogo pelo E. C. Cruzeiro, onde atuava como lateral direito, em 1961
Uma semana de glória
Irará, 1958
TOM ZÉComo na imprensa quase não há mais quem tenha acompanhado a Copa do Mundo de 1950, vale a pena dizer que me emocionei com aquelas seguidas vitórias com placares de seis e sete gols.
Eu estava em Nazaré das Farinhas na final. Foi uma tarde mortal. O primeiro tempo de Brasil e Uruguai terminou em 0 a 0, o que era uma grande decepção porque a expectativa era que goleássemos.
Quando Friaça fez aquele 1 a 0 aos dois minutos do 2º tempo, meu tio João, que era coletor federal em Nazaré, subiu numa cadeira, rodando a camisa no ar e repetindo: "Com o empate nós ganhamos! Agora eles têm que fazer dois!"
E eles fizeram...
Depois do gol de Ghiggia, tio João conferiu o relógio: faltavam 11 minutos. Ele vaticinava: "Agora esse time vai começar a jogar e vai botar cinco nesses uruguaios!".
Os comentários depois diziam que os uruguaios marcaram severamente Zizinho e que o time perdeu a rota sem ele para armar.
Quando o Circo Voador me leva para cantar no Rio, me hospeda no mesmo hotel Paysandú onde ficou a seleção uruguaia de 1950. Na calada da noite, fico imaginando as conversas entre Máspoli, Varela, Ghiggia e Schiaffino; imagino que sussurravam para não desrespeitar o incomensurável luto nacional.
Eu ainda era menor de idade quando foi fundada a Liga de Futebol de Irará, na Bahia. Os times eram América, Pirajá, Bonsucesso e União. Eu torcia pelo Pirajá, que era o time do meu tio Beto, mas o América ganhava tudo.
Foi nesse mesmo Pirajá que eu tive uma semana de glória em 1958. Eu servira o Exército no ano anterior, no severo 19º Batalhão de Caçadores -"onde filhinho chora e mamãe não vê". O fato é que depois de um ano como soldado ganhei uma forma física que nunca poderia ter alcançado.
Ao ser dispensado do serviço militar e voltar para Irará, fui chamado para a seleção da cidade, que jogaria em duas semanas contra a de Serrinha. Eu seria o centroavante do selecionado.
Nós tínhamos um ponta-esquerda canhoto, o Delker, e armamos uma jogada que me deu a maior fama naquelas duas semanas de preparação. Delker está na foto, é o segundo agachado da esquerda para a direita. Eu sou o último em pé, à direita, ao lado do técnico Vandinho, que serviu pela FEB na 2ª Guerra. Do meu lado direito está Dega, meu primo, que chegou a jogar no Esporte Clube Bahia.
Como eu era "center-for", muita gente me dizia para marcar o beque central. Admirado, perguntava: não é o caso de fugir dele? Mas o "técnico" se punha a argumentar, e eu calava a boca. O centroavante ficava um pouco adiantado, e os dois pontas numa linha atrás dele.
Quando Delker recebia uma bola no meio do campo, se eu corresse para a esquerda, ficava um enorme espaço entre o lateral direito e o centro da defesa. Porque o zagueiro central tinha que ficar na sua posição, na meia-lua da área. Com a minha forma física de então foi possível que nós dois acabássemos com todas as defesas durante os treinos.
Eu fazia um ou dois gols por treinamento e algumas belas jogadas com Delker. Fiquei famoso entre os entendidos de futebol em Irará.
No dia do jogo nada deu certo; a fama acabou, quando fui substituído no primeiro tempo.
Essa foto já é de outra fase, de 1961. Passei a jogar em uma posição mais humilde, lateral direito, cuja única função naqueles tempos era marcar o ponta-esquerda.

    Do Prata à Guanabara - Sylvia Colombo

    folha de são paulo

    LITERATURA
    Do Prata à Guanabara
    Arlt e a arte de andar pelas ruas do Rio
    SYLVIA COLOMBORESUMO
    Conhecido pelos romances de vanguarda e por seus textos sobre as ruas da Buenos Aires moderna, autor argentino tem crônicas escritas no Rio de 1930 reunidas em livro. Fino observador dos tipos populares e da nova paisagem urbana, Arlt se deixa seduzir pela capital brasileira, não sem manifestar críticas.
    -
    "Assim acontece ao leitor passar pela rua e ver coisas como essas: um menino lavando os pés em um dormitório. Uma senhora penteando-se frente a um espelho. Um negro descascando batatas. Um cego repassando um rosário em uma cadeira de palhinha. Um padre velho meditando em uma rede, deixando de lado seu breviário. Duas moças descosendo um vestido. Um homem com pouca roupa."
    Quem descreve essas cenas de um Rio de Janeiro caseiro, quente e popular na alvorada dos anos 1930 é um observador atento dos tipos urbanos, um filho de imigrantes europeus de passagem pelo Brasil que se tornaria um dos autores mais importantes da Argentina no século 20.
    Então com 30 anos, Roberto Godofredo Christophersen Arlt (1900-1942) já se destacava como escritor e jornalista em sua Buenos Aires natal. Escrevia crônicas para o jornal portenho "El Mundo" e havia lançado um dos dois romances que lhe dariam projeção internacional, "Os Sete Loucos" (1929) -o outro seria "Os Lança-Chamas", de 1931.
    O trecho acima é parte de uma das 39 crônicas escritas por Roberto Arlt no Brasil. Os textos foram publicados quase diariamente, entre os dias 2 de abril e 29 de maio, e permaneciam inéditos em livro. No segundo semestre deste ano, porém, as crônicas serão reunidas no volume intitulado "Águas-Fortes Cariocas", a sair pela coleção Otra Língua, da editora Rocco.
    Organizada pelo escritor Joca Reiners Terron, a série tem como objetivo trazer títulos e autores de fora do cânone latino-americano. Na primeira leva, em maio, estarão o argentino César Aira, o uruguaio Mario Levrero e o salvadorenho Horacio Moya. As águas-fortes de Arlt -acrescidas do artigo "Com o Pé no Estribo", em que, em 8 de março de 1930, o escritor anuncia o início da viagem-, chegam às livrarias em setembro.
    O organizador da edição e tradutor do volume é o diplomata Gustavo Pacheco. Responsável pelo setor cultural da embaixada brasileira em Buenos Aires, Pacheco descobriu os textos quase por acaso. Lendo uma biografia do autor, soube da existência das crônicas sobre o Rio. "Procurei alguma compilação que contivesse esses artigos e fiquei surpreso ao descobrir que eles nunca haviam sido publicados em livro. Resolvi, então, ir à hemeroteca da Biblioteca Nacional argentina e ver se eles dispunham dos originais. Encontrei uma coleção de 'El Mundo' em microfilme que continha todas as 'aguafuertes' escritas no Brasil.".
    Arlt seguiria com suas viagens e publicaria outras "aguafuertes", galegas, asturianas, madrilenhas, uruguaias e as mais famosas, as portenhas. Todas, porém, já saíram em livro, salvo as brasileiras.
    O escritor mantém, ao longo dos textos, uma recusa a conjecturar muito a respeito do que vê. Seu relato é o de quem observa, apenas. Ou, como escreveu a ensaísta argentina Beatriz Sarlo sobre as "Aguafuertes Porteñas", "produz seu personagem e sua perspectiva", "tornando-se, ele próprio, um 'flâneur' modelo".
    Desde o primeiro texto, já anuncia: "Não levo guias nem mapas, apenas, como introdutor magnífico para o viver, dois ternos, um para tratar com pessoas decentes, outro esfarrapado e sujo, o melhor passaporte para poder me introduzir no mundo subterrâneo das cidades que têm bairros exóticos".
    No Rio, Arlt teve um cotidiano mais ou menos fixo. Durante o dia, andava e recolhia impressões. Fazia ginástica na Associação Cristã de Moços e, à noite, ia religiosamente à Redação do diário "O Jornal", onde escrevia a crônica que enviava a Buenos Aires.
    ENTUSIASMO
    De início, o escritor revela grande entusiasmo por estar no Brasil. Descreve o Rio de forma elogiosa e exaltante. Em comparação com Buenos Aires, diz, as relações são mais informais, há mais igualdade entre homens e mulheres, mais belezas naturais, menos conflito e "grosseria", em suas palavras. Esta, afirma, seria um traço do portenho que "desnaturaliza muitas coisas belas, inclusive destruímos a feminilidade da mulher portenha".
    Também se fascina com o português: "Há que se ouvir uma 'menina' conversando, é a coisa mais deliciosa que se pode imaginar". A todo momento, faz referências ao clima e à boa relação dos cariocas com os espaços abertos. "Quando o leitor sai de sua casa, está na rua, não é verdade? Bom, aqui, quando você sai à rua, está na sua casa."
    São frequentes os comentários negativos com relação aos negros, que ele praticamente nunca tinha visto antes e a quem chama de "animaizinhos". Sente-se envergonhado por observá-los. "Parei junto aos negros e comecei a olhá-los. Olhava e não olhava. Estava perplexo e entusiasmado frente à riqueza de cores. Para descrever os negros é necessário frequentá-los; têm tantos matizes! Vão desde o carvão até o vermelho-escuro do ferro na bigorna."
    Os críticos literários que estudam Arlt apontam que o fato de ser filho de imigrantes sempre o fez sentir-se um pária no universo das letras argentinas. Ao mesmo tempo, essa característica o identificou com os tipos populares e o fez repudiar a pose da intelectualidade. Até o fim de sua curta vida, Arlt se manteve alheio aos círculos intelectuais e fiel às suas origens de classe média baixa do bairro de Flores, habitado por famílias de trabalhadores e imigrantes.
    Durante sua temporada no Brasil, um jornal local o descreveu como um escritor argentino interessado em conhecer "a pátria do venerado Castro Alves". Arlt se indigna, diz que não conhece Castro Alves e reafirma que não veria nenhum intelectual durante sua estada no Rio de Janeiro. "Eu, se fosse vê-los, teria que dizer que são uns gênios, e eles, por sua vez, dirão que tenho um talento brutal."
    O repúdio à intelectualidade estava também relacionado à sua própria falta de vínculo com as instituições educacionais. Tendo abandonado a escola aos oito anos de idade, virou desde cedo um autodidata, leitor assíduo de teatro e literatura russa. Aos 16, deixou a casa dos pais; no mesmo ano, publicaria seu primeiro conto, "Jehovah". Foi mecânico e operário de fábrica até entrar no jornalismo, ofício com o qual pagava as despesas de sua vida dedicada à literatura.
    No Rio, aos poucos, Arlt vai mudando de opinião com relação à cidade. Os textos elogiosos à arquitetura, aos costumes e à natureza vão dando lugar a uma crítica feroz ao provincianismo, à ignorância e até ao forte calor do Rio. Lembra que, na Argentina, os operários são mais instruídos, e os sindicatos têm bibliotecas, algo que no Brasil não acontece. "O trabalhador não lê, não se instrui, não faz nada para sair de sua paupérrima condição social."
    Buenos Aires vai surgindo em cores mais positivas. Arlt evoca os cafés e o costume, que existe até hoje, de passar horas neles, lendo ou conversando, algo que no Brasil não acontecia. Pior: no Brasil, se uma pessoa ficasse muito tempo numa mesa, era expulsa. Arlt comenta também a imprensa. "Aqui, não há jornal com tiragem diária de 150 mil exemplares. Compare isso com a tiragem dos nossos rotativos e o leitor terá uma ideia de quanto se lê em Buenos Aires e quanto não se lê no Rio."
    A comparação numérica segue e inclui editoras e teatros. No final, o resumo: "Somos os melhores".

      O Mapa da Cultura - Isabel Coutinho

      folha de são paulo

      DIÁRIO DE LISBOA
      O MAPA DA CULTURA
      Conserva gourmet
      Os portugueses, a crise e os enlatados
      ISABEL COUTINHOOuvem-se passarinhos lá fora. A árvore em frente ao balneário público de Santo Estêvão está sem folhas, mas os pássaros chilreiam em despique com os pombos na janela de um prédio em ruínas.
      A vizinha não está a ouvir fado aos berros nem tem a televisão ligada nos concursos e telenovelas. Alfama até parece um paraíso. Não fosse o título no jornal: "Lisboa amanheceu a cheirar mal e ninguém sabe porquê". E a notícia: "Partes da cidade amanheceram nesta terça-feira envoltas num intenso odor a ovos podres ou lixo, fruto da combinação da meteorologia e de uma fonte de poluição que até às 12h30 ninguém sabia dizer qual era".
      Este é o ano em que deixámos de ter ilusões: vivemos num país ao som dos passarinhos, mas abre-se a janela e cheira a ovos podres.
      No mês passado, os portugueses fizeram contas para saber quanto vão perder no ordenado por causa do aumento de impostos. Alguns tiveram ainda de decidir se querem receber metade dos subsídios de Natal e de férias parcelados ao longo do ano ou não. Para atenuar o choque. Chamam-lhe a "ilusão dos duodécimos" ("até parece que passamos a ganhar mais, mas é uma miragem" explicava a revista "Visão"). Seja como for a conclusão é simples: o salário encolheu.
      A PALAVRA DO ANO
      E vamos mudando hábitos. Cortando aqui e ali. Deixámos de assinar a SportTV -o canal que transmite vários jogos de futebol pela TV a cabo- e passamos a ir ver os jogos ao café. Deixámos de ir ao ginásio e descobrimos que a zona ribeirinha é perfeita para treinar. Passámos a levar o almoço para o trabalho, na marmita. A gasolina está cara e por isso nunca houve tanta gente a andar de bicicleta em Lisboa. Muitos passaram a fazer as compras on-line porque é mais fácil comparar preços e já ninguém liga às marcas. Aproveitam-se todos os cupões de desconto e já ninguém se sente acabrunhado por pedir ao empregado do restaurante para levar os restos para casa.
      Uma palavra para resumir tudo isto? "Entroikado". Pelo menos foi assim que pensaram os portugueses que participaram numa votação organizada pela Porto Editora para a eleger a palavra que melhor representa o ano de 2012.
      O adjectivo "entroikado", que segundo a entrada do dicionário da Porto Editora, tem o sentido de : "1) obrigado a viver sob as condições impostas pela troika (equipa constituída por responsáveis da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional e que negociou as condições de resgate financeiro em Portugal); e 2) coloquial: que está numa situação difícil; tramado, lixado."
      NA TERRA DA SARDINHA
      Lembro-me de ouvir o escritor Miguel Real, que vive em Sintra, dizer que a partir do dia 16 de cada mês a câmara recolhe dos caixotes do lixo latas de conserva em catadupa. O dinheiro falta e as pessoas compram conservas porque é mais barato. Outrora comer conservas era "uma coisa de poupadinhos" mas mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
      Em Lisboa, há agora restaurantes só de conservas. Podem até ser gourmet, como o Can the Can - Canned Food Goes Gourmet, na renovada praça do Comércio. Ou tradicionais, como o famoso bar de conservas Sol e Pesca, no Cais do Sodré, que teve direito a destaque no programa "No Reservations" de Anthony Bourdain em Lisboa. Veja o programa em bit.ly/Iybk02.
      O chef quis encontrar-se com António Lobo Antunes e teve a ideia de o levar a uma casa de fados, a Tasca do Chico. Ninguém lhe disse que o escritor detestava fado porque lhe lembra o antigamente e nem ouvir Carminho o consegue fazer esquecer os tempos da ditadura, em que não havia futuro. Tempos que parecem estar cada vez menos longe.
      MÚSICA COM LATA
      Mas as conservas estão na moda. A loja da Conserveira de Lisboa, na rua dos Bacalhoeiros, na Baixa de Lisboa, teve a ideia de convidar 13 músicos portugueses para desenvolverem o design de uma lata de conserva à sua escolha.
      O projecto chama-se "Música com Lata" e acontece até ao final do ano. Janeiro foi o mês da cantora de jazz Maria João (que escolheu recriar a lata do polvo fumado em azeite), este é o mês do fadista Camané, março será do guitarrista Norberto Lobo, abril, do rapper Chullage, maio, de Pedro Jóia, e junho, de Manuela Azevedo em dueto com Sérgio Godinho.
      Na terceira terça-feira de cada mês, às 19h30, o músico lança a sua "lata" (em edição numerada e limitada de 500 latas) na Conserveira de Lisboa (conserveiradelisboa.pt). Haja música com lata e sobreviveremos.

        Entrevista Robert Darnton

        folha de são paulo

        Dos enciclopedistas aos bibliotecários
        O acervo digital dos EUA vem aí
        LUCAS FERRAZRESUMO
        Diretor do complexo de bibliotecas da Universidade Harvard comenta o lançamento da Biblioteca Pública Digital dos EUA, em abril, que vai pôr em rede o acervo em domínio público de dezenas de bibliotecas acadêmicas. Criado como antítese do Google Books, o projeto da DPLA é financiado por recursos privados.
        -
        O iluminismo é o principal tema de estudo do historiador americano Robert Darnton, 73, autor de vários títulos sobre como a difusão do conhecimento alimentou revoluções no século 18. É de certa forma inspirado nos ideais dos enciclopedistas que Darnton comanda ele também uma revolução.
        Como diretor do imenso complexo de bibliotecas da Universidade Harvard, ele encabeça a criação da DPLA (Digital Public Library of America, sigla para biblioteca pública digital americana), que a partir de abril vai reunir e compartilhar gratuitamente na internet o acervo e obras de milhares de bibliotecas e universidades do país.
        A DPLA é a resposta de Darnton e da academia à violação de direitos autorais representada pelo Google Books, que lucra com os livros repassados para a rede.
        "Vamos fazer diferente", diz Darnton, que vê a biblioteca digital como o seu projeto mais ambicioso, algo a ser feito "por séculos".
        O debate em torno do livro na era das tecnologias digitais foi tema de "A Questão dos Livros", coletânea de textos que lançou no Brasil em 2010, pela Companhia das Letras. Pela mesma editora, lançou no ano passado "O Diabo na Água Benta", no qual aborda outro assunto importante em sua produção intelectual, o jornalismo -em especial, a imprensa clandestina que veiculava insultos e difamações mas também denúncias políticas de um e outro lado do canal da Mancha no século 18.
        Irmão e filho de jornalistas, diz manter o encanto pelo ofício, que chegou a exercer nos anos 1960: foi repórter de polícia do "The New York Times" e teve como colega de editoria um dos maiores jornalistas americanos vivos, Gay Talese -de quem diz não ser muito fã.
        Em seu escritório na Wadsworth House, no campus de Harvard, onde recebeu a Folhapara esta entrevista, Darnton comentou algumas obras que retratam a história do jornalismo nos Estados Unidos. Seu pai, Byron Darnton, é citado em várias delas. Ao cobrir para o "New York Times" a Segunda Guerra Mundial (1939-45) no Pacífico, Byron foi atingido num bombardeio e tornou-se um dos primeiros jornalistas americanos mortos no conflito.
        Folha - Como estão os preparativos para o lançamento da DPLA, que o sr. anunciou para abril?
        Robert Darnton - Não queremos gerar falsas expectativas: de início não teremos todo o material digitalizado. Levará tempo. Teremos 2 milhões de livros liberados pelo domínio público. Vamos começar modestamente. Espero que cresça mais e mais. É um trabalho que deve ser feito por séculos.
        O início envolve a digitalização de coleções especiais, principalmente as de Harvard. Temos uma enorme quantidade delas nas 73 bibliotecas da universidade, são mais de 18 milhões de volumes. Estamos escaneando livros, manuscritos e fotografias de diferentes assuntos.
        Há acervos sobre mulheres, imigrações e obras sobre doenças epidêmicas, por exemplo; e há coleções históricas importantes, sobre a era medieval e sobre fotografia, com imagens da Lua e da escravidão, como fotos de escravos que nasceram na África e foram levados para os EUA.
        Qual o maior problema que estão encontrando?
        Montamos um escritório para discutir a questão legal e convidamos pessoas de diferentes instituições, de várias partes do país, que costumam enfrentar o mesmo tipo de problema: o óbvio, dinheiro, além de dúvidas relativas à tecnologia, à organização, ao conteúdo digitalizado e ao público que vai utilizar tudo isso. Mas a questão legal é a mais importante. Não podemos violar os direitos autorais.
        A ideia é que a DPLA seja a antítese do Google Books?
        Exatamente. O Google tenta fazer a mesma coisa, mas sob a lógica do lucro. O Google veio a Harvard para discutir a cópia de livros, quando eles começaram a digitalização. Eles também foram à NYPL (sigla em inglês da Biblioteca Pública de Nova York) e às universidades Stanford, do Michigan e da Califórnia.
        Harvard disse que eles poderiam digitalizar alguns livros -aqueles em domínio público, não os protegidos por lei. Mas as demais universidades deram permissão para que copiassem o que quisessem, e eles começaram a fazer isso.
        A Liga dos Autores e a Associação Americana de Editoras foram à Justiça contra a empresa. Após três anos de negociação secreta, fecharam um acordo com o Google, mas a Justiça de Nova York vetou, por entender que infringia a lei de direitos autorais.
        Vamos fazer diferente, não vamos ganhar dinheiro, queremos apenas servir o público com livros abertos na internet.
        Quantas bibliotecas e universidades americanas terão acervos digitalizados na DPLA?
        Não tenho ainda um número certo, mas são milhares. Todas as bibliotecas abertas para pesquisa no país estarão envolvidas. Mas levará tempo: no início, serão todas as que já têm material digitalizado. Obviamente, todas que tiverem coleções anteriores a 1923 poderão participar.
        A DPLA poderá usar livros publicados após 1923, se autores e editoras concordarem com a abertura das obras na internet, gratuitamente?
        Sim, temos um programa para tentar convencê-los a ceder obras para a base da DPLA. Muitos livros deixam de ser lidos após alguns meses no mercado; eles morrem. Autores, claro, querem leitores. A maioria das obras não tem valor financeiro cinco ou seis anos depois da publicação, e os proprietários dos direitos podem ficar felizes ao ver seus livros disponíveis.
        O fato de que as universidades e instituições envolvidas no projeto da DPLA tenham visões diferentes sobre o futuro do livro e sobre como usar a internet não é um problema?
        É um problema potencial. Mas há coisas sendo feitas. Há uma coalizão de fundações, que vão nos prover dinheiro, e há as bibliotecas e universidades, que vão disponibilizar os acervos.
        Estamos concebendo uma estrutura tecnológica que permita harmonizar todas as coleções digitais em um mesmo sistema. Superada essa questão, será o momento de reunir livros e coleções, por exemplo, do Alabama e da Dakota do Norte numa mesma base. É muito trabalho.
        O site já está funcionando experimentalmente, mas ainda não há nada aberto ao público. No dia 18 de abril vamos lançá-lo com uma cerimônia na Biblioteca Pública de Boston.
        O governo norte-americano não apoia a DPLA?
        Não, é um projeto completamente independente do governo, gerido por fundações privadas. Não há envolvimento público.
        A principal política, mesmo nas universidades privadas como Harvard, é abrir as bibliotecas para compartilhar conhecimento intelectual ao redor dos Estados Unidos e do mundo.
        É difícil para as pessoas da Europa ou da América Latina compreenderem, porque muita gente fora dos EUA, para tocar esse tipo de projeto, depende do governo. Mas este é um país em que não devemos ter fé no governo ou no Congresso para prover um bom serviço gratuito ao público.

          Assexuados, bichas & cia.

          folha de são paulo

          COMPORTAMENTO
          Assexuados, bichas & cia.
          A nova geração gay nas universidades dos EUA
          MICHAEL SCHULMANTRADUÇÃO CLARA ALLAIN
          RESUMO
          Após a luta por direitos civis nos anos 60 e o desbunde dos 70, chega à maioridade geração que busca se afirmar com designações o mais abrangentes possível. Agênero, bigênero e intersexos estão entre as denominações abrigadas sob a nova sigla LGBTQIA, que já ganha espaço oficial em universidades dos Estados Unidos.
          -
          Em março do ano passado, Stephen Ira, aluno do Sarah Lawrence College, postou um vídeo no site We Happy Trans, que divulga "visões positivas" sobre a condição dos transgêneros. No vertiginoso monólogo, um descabelado Stephen, em seu quarto na residência universitária, declarou-se "bicha, guerreiro nerd, escritor, artista e um cara que está precisando cortar o cabelo" e discursou sobre tudo, de seus ícones de estilo
          (Truman Capote e "qualquer pessoa de identificação masculina que use meia três-quartos ou cinta-liga") a sua zebra de brinquedo.
          Stephen, cujo nome de batismo é Kathlyn, é o filho de 21 anos de Warren Beatty e Annette Bening, e por isso o vídeo tornou-se viral e foi visto quase meio milhão de vezes. Mas só por isso. Com sua eloquência livre, movida a adrenalina, mais parecia um grito da nova geração de ativistas de gênero pós-gays, dos quais Stephen representa um raro rosto público.
          Stephen e seus pares vêm forjando uma identidade política que volta e meia destoa da cultura gay do "mainstream". Se o movimento gay hoje parece ter como foco o casamento gay, a geração de Stephen busca algo mais radical: virar de ponta-cabeça os papéis e superar o binômio macho/fêmea. A questão não é quem eles amam, mas quem são -ou seja, sua identidade, diferente da mera orientação sexual.
          Mas que nome dar ao movimento? Se já se usou "gays e lésbicas" para agrupar diversas minorias sexuais -e, mais recentemente, a sigla LGBT, para incluir os bissexuais e transgêneros-, a nova vanguarda quer uma abreviação abrangente. "Os jovens de hoje não se definem no espectro do LGBT", disse Shane Windmeyer, fundador do Campus Pride, grupo estudantil de defesa da causa, com sede em Charlotte, na Carolina do Norte.
          Parte da solução é acrescentar letras à sigla, e a bandeira dos direitos pós-pós-pós-gays tem ficado mais longa -ou frouxa, para alguns. A sigla que está pegando, em especial nos campi de ciências humanas ou artes, é LGBTQIA. A mesma letra pode designar diferentes coisas. O Q pode ser de "questionador" ou de "queer" (bicha), termo que foi pejorativo até sua apropriação por ativistas gays, nos anos 90. I é de "intersexos". E o A simboliza tanto "aliado" (simpatizante) como "assexuado".
          A Universidade do Missouri, em Kansas City, tem seu Centro de Recursos LGBTQIA que, entre outras coisas, ajuda os alunos a localizar banheiros "de gênero neutro" no campus. O Vassar College tem um Grupo de Discussão LGBTQIA nas tardes de quinta. A Universidade Lehigh promove sua segunda Conferência Intercolegial LGBTQIA, seguida por um Baile Queer. O Amherst College tem um Centro LGBTQQIAA, no qual cada grupo ganha sua própria letra.
          "Há uma geração muito diferente chegando à maioridade, com concepções completamente diferentes de gênero e sexualidade", disse Jack Halberstam (antes Judith), professor transgênero da Universidade do Sul da Califórnia e autor, mais recentemente, de "Gaga Feminism: Sex, Gender, and the End of Normal" (Feminismo Gaga: sexo, gênero e o fim do normal).
          "Quando você vê termos como LGBTQIA, é porque as pessoas enxergam tudo o que não se enquadra no binômio e exigem que seja criado um nome para elas", diz. Com a profusão de novas categorias, como "genderqueer" ["gênero bicha"] ou "andrógino", cada uma dotada de uma subcultura on-line, montar uma identidade de gênero pode ser um verdadeiro trabalho do tipo "faça você mesmo".
          Oito calouros da Universidade da Pensilvânia se reuniram no ano passado, frustrados com a inexistência de um grupo que os representasse. A universidade já tinha duas dúzias de grupos de gays, incluindo o Negros Gays, a Aliança Lambda e o J-Bagel, a "comunidade judaica LGBTQIA". Mas nenhum tem como foco a identidade de gênero (o mais próximo disso, o Trans Penn, era composto por professores e pós-graduandos).
          Richard Parsons, 18, transgênero masculino, descobriu isso no Gay Affair, evento patrocinado pelo Centro LGBT local. "Saí decepcionado", comentou o prolixo calouro de cabelo curto, óculos de armação de metal e roupas de mauricinho. "Era um Centro LGBT, mas todos eram homens gays."
          Pelo Facebook, Richard e outros fundaram um grupo chamado Penn Non-Cis, abreviação de "não cisgênero". "Cis" significa "do mesmo lado que", e "cisgênero" denota aqueles cujo gênero coincide com seu corpo biológico; logo, se aplica à maioria. O grupo de Richard procura representar todos os outros. "É uma insurreição de calouros", disse Richard.
          BIGÊNERO
          Em novembro, cerca de 40 alunos lotaram o Centro LGBT para o evento inaugural do grupo. O microfone estava aberto a todos. Os organizadores panfletaram convites oferecendo "camisinha de graça! Protetor labial de graça!". Kate Campbell começou a apresentação: "Há um cenário LGBT muito dinâmico aqui. Mas ele engloba sobretudo o LGB, e não muito o T. Queremos mudar essa situação". Os alunos leram poemas e trechos de diários e cantaram baladas. Então subiu ao palco a espevitada Britt Gilbert, com sua franja loira, seus óculos de aro grosso e sua camiseta de banda de rock. Queria falar sobre "bigênero". "Alguém quer dizer ao público o que acha que é isso?" Silêncio.
          Britt explicou que ser bigênero é manifestar tanto a persona masculina quanto a feminina, quase como ter um "pênis que possa ser colocado e tirado". "Há dias em que acordo e penso: 'Por que estou neste corpo?'" contou. "Em geral, acordo e penso: 'No que eu estava pensando ontem?'."
          Britt explicaria mais tarde que ouviu o termo "bigênero" pela primeira vez da boca de Kate, que por sua vez o viu no Tumblr. As duas se conheceram e ficaram amigas durante o período de orientação aos calouros. No colégio, Kate se identificava como "agênero" (sem gênero) e usava o pronome "eles" ("they", que é neutro em inglês); agora ela vê seu gênero como "uma mancha amorfa".
          Já a evolução de Britt foi mais linear. Cresceu num subúrbio na Pensilvânia e nunca aderiu às normas de gênero. Quando era criança, adorava a cantora e atriz Cher e achava "boy bands" revoltantes. Ao jogar videogame, não queria escolher um avatar masculino ou feminino. No ensino médio, começou a se descrever como bissexual e saiu com meninos. No ensino médio, saiu do armário e assumiu-se lésbica. Seus pais acharam que era uma fase -até que ela levou a namorada, Ash, para casa. Mas Britt ainda não tinha se resolvido.
          "Eu tinha certeza de gostar de meninas, mas não de ser menina", disse Britt. Às vezes, saía de vestido e ficava pouco à vontade, como se estivesse fantasiada para o Halloween. Em outros dias, sentia-se ótima. Não estava "presa no corpo errado", como se diz -só não sabia que corpo queria. Quando Kate lhe falou do termo "bigênero", a identificação foi imediata. "Antes de saber o que era, eu já sabia o que era", disse Britt, acrescentando que o termo é mais fluido que "transgênero", mas menos vago que "genderqueer" -que pode abranger todo tipo de identidade de gênero não tradicional.
          De início, só comentou com Ash, que respondeu: "E você demorou tanto assim para entender?". Para os outros, não era tão fácil entender. Assumir-se lésbica até que tinha sido simples, disse Britt, "porque as pessoas sabem o que é". Ao chegar à Universidade da Pensilvânia, ficou aliviada ao conhecer calouros que passaram por processos parecidos.
          Um deles era Richard Parsons, o membro mais politicamente lúcido do grupo. Richard foi criado como menina na Flórida e entendeu que era transgênero quando estava no ensino fundamental. Certo verão, quis dividir o quarto na colônia de férias com um amigo transgênero, mas sua mãe não deixava. "Ela disse: 'Você está dizendo que ele é homem, não quero você dividindo quarto com um homem'. Respondi: 'Acho que eu talvez também seja homem'."
          Depois de muito choro e muiotas brigas domésticas, Richard e sua mãe fizeram as pazes. Quando ela perguntou como deveria chamá-lo, ele não soube responder. Escolheu "Richard" e depois acrescentou Matthew, pois significa "dádiva de Deus". Ao chegar à universidade, já enfaixava os seios havia mais de dois anos e tinha dor nas costas. No evento inaugural, contou uma história dolorosa sobre o ataque de pânico que teve ao ser levado ao vestiário feminino no centro de saúde da universidade.
          Mesmo assim, elogiou a universidade pelos alojamentos "de gênero neutro". O plano de saúde da faculdade inclui cirurgia de mudança de sexo, algo que "influenciou em muito minha decisão de contratar um seguro-saúde da Penn no ano que vem", disse.
          REDAÇÃO
          Se dez anos atrás o Centro LGBT quase não era usado, em 2010 a universidade começou a tentar atrair candidatos cujas redações mencionavam temas gays. Em 2012, a revista de notícias gay "The Advocate" classificou a Penn entre as dez universidades mais abertas a transgêneros. Um número crescente de universidades, sobretudo no nordeste dos EUA, vem se abrindo a estudantes que fogem das convenções de gênero.
          Segundo pesquisa do grupo Campus Pride, ao menos 203 campi permitem que alunos transgêneros dividam o quarto com colegas do gênero de sua preferência; 49 têm um processo de mudança de nome e gênero nos registros da universidade, e 57 cobrem terapia hormonal. Em dezembro, a Universidade de Iowa tornou-se a primeira a acrescentar a opção "transgênero" no formulário em que o candidato assinala o seu sexo.
          Mas nem mesmo essas medidas conseguem atender às exigências dos alunos, que vêm contestando os currículos, assim como fizeram os ativistas gays nos anos 80 e 90. Em vez de protestar contra a ausência de cursos de estudos gays, eles criticam as restrições que veem nos já existentes.
          Vários membros do grupo Penn Non-Cis vêm se queixando de um seminário de redação que fizeram, intitulado "Mais Além de 'Will and Grace'", que analisou personagens gays de seriados de TV como "Ellen", "Glee" e "Modern Family". A professora, Gail Shister, lésbica, criticou alunos que usaram LGBTQ na redação, dizendo que é frouxo, e propôs o termo "queer". Alguns acharam a sugestão ofensiva. Foi o caso de Brett Gilbert, para quem Shister "não aceita coisas que não entende". Por telefone, Shister disse que a crítica é de natureza estritamente gramatical. "Sou a favor da concisão", disse ela. "'LGBTQ não se pronuncia com facilidade. Então digo aos alunos: 'Não usem siglas com cinco ou seis letras'."
          Uma coisa está clara. Gail Shister, 60, que em 1979 se tornou a primeira redatora de esportes do jornal "Philadelphia Inquirer", é de uma geração diferente. "Francamente, sinto orgulho e inveja desses jovens, por crescerem numa época em que têm liberdade de amar quem quiserem", ela disse.
          Mesmo no evento com microfone aberto, as fronteiras da política de identidade eram transpostas e perdiam definição. A certo ponto, o calouro Santiago, da Colômbia, dirigiu-se aos presentes. Ele e um amigo refletiam sobre os limites do que ele chama de "LGBTQ plus".
          "Por que só determinadas letras entram na sigla?" indagou Santiago. Em seguida, desfiou uma lista de identidades de gênero, muitas delas tiradas da Wikipedia. "Temos nossas lésbicas, nossos gays", ele falou, prosseguindo "bissexuais, transsexuais, bichas, homossexuais, assexuais." Respirando fundo, continuou: "Panssexuais. Omnissexuais. Trissexuais. Agêneros. Bigêneros. Terceiro gênero. Transgêneros. Travestis. Interssexuais. Dois espíritos. Hijras. Poliamorosos."
          E concluiu: "Indecisos. Questionadores. Outros. Humanos." A sala explodiu em aplausos.
          Nota
          Texto originalmente publicado no jornal "The New York Times".

            O melhor da cultura em 7 indicações

            folha de são paulo

            ILUSTRÍSSIMA SEMANA
            O MELHOR DA CULTURA EM 7 INDICAÇÕES
            BRASILEIRO
            EXPOSIÇÃO | GERMANA MONTE-MÓR
            A artista plástica carioca apresenta "Da Cabra", série de trabalhos inspirados nos "Poemas da Cabra", de João Cabral de Melo Neto : telas, desenhos e esculturas feitas com asfalto, parafina e chumbo. Leia texto do crítico Tiago Mesquita em folha.com/ilustrissima.
            Galeria Marília Razuk (SP) de terça (20) a 16/3 | grátis
            CURSOS | MARIA ANTONIA
            "Afinal, o que É um Autor?" é o tema de curso do escritor Francisco Bosco em um dos três encontros sobre literatura, cultura e design no centro universitário, abordando os conceitos de direito autoral. O jornalista Paulo Nogueira ministra quatro aulas sobre literatura de viagem, e o designer Rodolfo Capeto fala das transformações da tipografia até a era digital. O valor de cada curso é de R$ 200. Informações em www.usp.br/mariantonia.
            Bosco | de terça a quinta, das 19h30 às 22h
            Nogueira | de amanhã a quinta, das 16h às 18hCapeto | de 26/2 a 28/2, das 19h30 às 22h
            ERUDITO
            LIVRO | DAS ARTES DA PENA E DO PINCEL
            "Reflexão sobre os significados, os usos e a produção de manuscritos adornados no Brasil durante o século 18", a obra de Márcia Almada busca identificar as relações com a cultura ibérica na produção de caligrafia e pintura. O estudo se baseia em diversos documentos, especialmente os Livros de Compromisso de Irmandades encontrados em Minas Gerais, Rio e em Portugal.
            Fino Traço | 308 págs. | R$ 100
            LIVRO | UMBERTO ECO
            Aos 77 anos, Umberto Eco se considerava um novato -ao menos na arte do romance, à qual se tinha lançado já na meia-idade, em 1980, com "O Nome da Rosa". Daí o título que o medievalista, teórico da literatura e ficcionista italiano deu a suas conferências no ciclo Richard Ellmann, da Universidade Emory (EUA), em 2008: "Confissões de um Jovem Romancista". Reunidas em livro homônimo, cuja edição brasileira chega amanhã às livrarias, elas enfeixam desde a descrição dos detalhistas métodos com que Eco compõe personagens e ambientes até fundamentos de sua teoria do leitor. Os temas se alinham segundo a infalível fórmula do autor de best-sellers de suspense erudito, pela qual nada é tão banal a ponto de não merecer um contraponto elevado. Com sua característica verve, Eco nunca deixa o leitor se esquecer de que o jovem romancista é, antes, um experiente acadêmico e orador. (Francesca Angiolillo)
            trad. Marcelo Pen | Cosac Naify 92 págs | R$ 48
            ESTRANGEIRO
            LIVRO | 40 QUESTÕES PARA UM PAPEL
            Encenador russo radicado em Berlim, que esteve no Brasil em 2011 e 2012 para dirigir "Eclipse", do grupo mineiro Galpão, Jurij Alschitz é também professor de atuação. Segundo o livro, como Sócrates e seus discípulos, o ator deve saber que nada sabe e partir da investigação para compor seu personagem, com o auxílio de 40 perguntas que, se como frisa o autor, não bastam para esgotar a criação, permitem conhecer diferentes ângulos do papel.
            trad. Marina Luizovna Nogaeva Tenório | Perspectiva | 120 págs. R$ 45
            LIVRO | CYPHERPUNKS
            Julian Assange, um dos fundadores do WikiLeaks, reuniu três outros ativistas para discutir conceitos como utilização de dados privados por Estados, censura na rede, militarização do ciberespaço e o poder desmesurado de empresas como Google e Visa -detentoras de informações sobre hábitos de consumo de seus usuários e clientes. As conversas de Assange com Jacob Appelbaum e Andy Müller-Maguhn,
            da associação de hackers Chaos Computer Club, e Jérémie Zimmermann, da La Quadrature du Net, organização europeia que defende o direito do anonimato
            on-line, estão divididas por temas em 11 capítulos.
            trad. Cristina Yamagami | Boitempo | 166 págs. | R$ 29
            POP
            PALESTRA | ENCONTRO COM JORGE MAUTNER
            Estrela do documentário "Jorge Mautner - O Filho do Holocausto", de Pedro Bial e Heitor d'Alincourt, o músico e escritor tropicalista inaugura a programação 2013 do Centro da Cultura Judaica, com palestra sobre o filme, sua obra literária e sua movimentada biografia. Retirar ingressos com uma hora de antecedência. Mais informações em culturajudaica.org.br.
            terça (20), às 20h30 | Centro da Cultura Judaica | grátis

              ILUSTRÍSSIMOS DESTA EDIÇÃO
              CLARA ALLAIN é tradutora.
              CLAUDIUS CECCON, 75, é arquiteto e cartunista.
              EVANDRO CARLOS JARDIM, 77, gravador, desenhista e pintor, é professor na pós-graduação em artes plásticas da ECA-USP.
              FERNANDA BRENNER,26, é artista plástica.
              FERNANDA MENA, 35, é editora da "Ilustrada".
              GUSTAVO PACHECO, 40, é diplomata e serve na Embaixada do Brasil em Buenos Aires.
              ISABEL COUTINHO, 45, é repórter do jornal português "Público".
              LUCAS FERRAZ, 28, é repórter da Folha.
              LÚCIA NAGIB, 55, é professora de cinema na Universidade de Leeds e autora de "World Cinema and the Ethics of Realism" (Nova York/Londres: Continuum, 2011).
              MAURICIO PULS, 52, é jornalista da Folha e autor de "Arquitetura e Filosofia" (Annablume) e "O Significado da Pintura Abstrata" (Perspectiva).
              MICHAEL SCHULMAN é jornalista da "New Yorker" e colaborador do "New York Times".
              RAFAEL CAMPOS ROCHA, 43, ilustrador e quadrinista, é autor de "Deus, Essa Gostosa" (Quadrinhos na Cia.).
              ROBERTO ARLT (1900-42), escritor argentino, autor de "Aguafuertes Porteñas".
              SYLVIA COLOMBO, 40, é correspondente da Folha em Buenos Aires.
              TOM ZÉ, 76, é músico.