sábado, 14 de dezembro de 2013

O laboratório de Fonseca - José Castello



O Globo 14/12/2013

OS LEITORES QUEREM LER FICÇÕES, MAS ESPERAM QUE ELAS ESTEJAM MANCHADAS PELO ASSOMBRO DO REAL


De origem árabe, a palavra
“amálgama” se refere não só à
liga de mercúrio com outro
metal, mas tem também o significado
mais amplo de ajuntamento,
combinação, fusão, e
ainda o de confusão. Essa mistura — esse amálgama
— de significados me ajuda a ler “Amálgama”
(Nova Fronteira), o novo livro de contos de
José Rubem Fonseca. Fala não só na mistura, em
um mesmo livro, de 34 textos curtos e bastante
heterogêneos, mas também de uma estética que
leva cada um desses escritos a vacilar entre vários
gêneros e a experimentar novos caminhos.

Nas narrativas de Fonseca, os acontecimentos
parecem ficar sempre pelo meio, quebrados,
adulterados. Descobrimos a verdade só para esquecê-
la, já que a verdade toda é sempre insuportável
— como lemos em “Segredos e mentiras”,
o texto que abre o livro. As palavras, em vez
de ajudar, muitas vezes afogam quem as diz. Admite,
de saída, o narrador: “Tenho uma tendência
à prolixidade, uso mais palavras e frases do
que o necessário e acabo me tornando enfadonho”.
Os contos de Fonseca não são enfadonhos,
ao contrário — mas, apesar dos textos brevíssimos,
seus narradores parecem sofrer, quase
sempre, de alguma dificuldade para expressar.

Voltando à ideia do amálgama, é bom lembrar
que, na química, o mercúrio é um elemento metálico
pesado e venenoso. Trata-se do único metal
que mantém a forma líquida à temperatura
padrão — o que acentua seu caráter de disfarce e
de segredo. Na mitologia, Mercúrio é o deus da
eloquência e ocupa um lugar “entre” — é um
mensageiro que circula de um lado para outro
traçando correspondências e transmitindo informações.
Todos esses significados acentuam o
caráter complexo do amálgama e se refletem
nos relatos de Rubem Fonseca.

São histórias simples mas que, muitas vezes,
se situam para além de qualquer entendimento,
o que se evidencia no brevíssimo relato de seis
linhas (poema?) chamado “Sentir e entender”.

Afirma Fonseca, sem qualquer medo do lugar comum:
“A poesia não é para ser entendida é para
ser sentida”. Aponta, assim, para um velado, mas
forte, caráter poético não só deste, mas dos escritos
que ocupam o livro. A tese se desenvolve em
um conto como “O espreitador”, a história de um
homem que persegue mulheres nas ruas acreditando
na origem benigna de sua fixação. Um dia,
um psiquiatra lhe sugere, ao
contrário, uma origem trágica
para seu vício — que ele, enfim,
não através do pensamento,
mas dos sentimentos, entende
ser a verdadeira. A verdade se
camufla. A lógica da verdade
pode ser um exercício de mentira.
A verdade pode estar nas
brechas.

Não são temas fáceis de enfrentar
e, por isso, Fonseca define o
escritor como um sofredor. É o
que sofre de ideias que não sabe que tem, de sentidos
que lhe escapam, de motivos que ignora. Está
dito em “Escrever”, pequeno relato em que o autor
se detém para pensar no que faz: “A ficção consome
corpo e alma. Os poetas também poderiam ser incluídos
aqui, se eles não tivessem pacto com o diabo”.
No caso dos poetas, o suposto pacto os salva. Já
os ficcionistas ficam absolutamente sozinhos com
seu destino. “O ficcionista quanto melhor pior, sofre
mais, depois de algum tempo não aguenta o sufoco”.
Os mais sensatos, ele prossegue, desistem. Para
Fonseca, desistir pode ser a maior sabedoria de um
escritor.

O escritor deve lidar com imenso cuidado com o
real. Está em “Sonhos”: enquanto conserva como
um segredo suas fantasias sexuais
com a psicanalista, um analisando
consegue se conservar inteiro.
Mas quando, incentivado
pela ideia de “dizer toda a verdade”,
ele as revela, o real se impõe
de modo avassalador — a analista,
para sua surpresa, cede — e os
sonhos se desmancham. Por isso,
como está no relato seguinte, “Fábula”,
só devemos nos referir à realidade
se a deformamos. O que
são as fábulas? São relatos que
aproveitam uma ficção alegórica para sugerir a verdade.
A ficção não diz a verdade, ela apenas a sugere.
Só deformando a realidade, torcendo-a um pouco,
conseguimos aceitá-la. Só a alusão — e nunca o
olhar direto nos olhos do real — salva um escritor.

Mas Rubem Fonseca também não confia inteiramente
nas fábulas. Pensando na célebre fábula de
Esopo, e ao contrário de seu autor, defende a preguiça
da cigarra contra o empenho da formiga.
“Qual é a lição, o preceito moral desta fábula?
Que cantar é um crime que merece ser punido?
Que a alegria é um mal a ser combatido? Que o
desejo e o amor devem ser execrados?” — ele se
pergunta. “Entre a formiga e a cigarra, quem é pior?”
O narrador termina seu relato negando que
as fábulas de Esopo sejam uma lição de moral e
de astúcia, e sugerindo que o leitor as jogue no
lixo. Defronta-se, assim, com os perigos inerentes
à alusão, que, ao remeter para vários lados simultâneos,
em vez de clarear pode cegar. Risco,
mas também grandeza da ficção.

São difíceis as relações de um ficcionista com a
verdade. Em “Best-seller”, depois de escrever um
grande fracasso — um livro que não vende nada
—, um escritor ouve de seu editor o conselho:
“Ninguém quer mais ler ficção, a ficção acabou”.
Ele lhe pede que, em vez de escrever fantasias,
passe a escrever histórias reais, já que os leitores
de hoje só se interessam pelo real. Decidido a seguir
o conselho de seu editor, o autor passa a experimentar
situações de risco pessoal, pensando
em depois relatá-las em seu livro “verdadeiro”,
para assim chegar ao leitor que tanto procura.
Numa de suas experiências com o real, ele quase
morre — e é o relato dessa pequena tragédia que
toma as manchetes dos jornais. Em consequência,
seu livro anterior, o fracassado (e ficcional)
“Rua do pecado”, passa a vender muito. É o seu
fracasso diante do real, desmentindo a tese do
editor, que empurra o sucesso de sua ficção. Os
leitores querem ler ficções mesmo, podemos
concluir, mas esperam que elas estejam manchadas
pelo assombro do real.

“Amálgama”, o novo livro de José Rubem Fonseca,
tem, assim, um forte caráter experimental.
Cada relato é uma experiência diferente em busca
de uma nova posição diante da escrita. Todos
parecem amputados — mas a verdade se diz
sempre pelo meio. É ali onde o ficcionista fracassa
que pode se abrir, sem que ele saiba disso, seu
verdadeiro caminho.

Travessuras do Menino Jesus - Luiz Mott



A Tarde/BA - 14/12/2013

Luiz Mott
Professor titular de Antropologia da Ufba
luizmott@oi.com.br


Como toda criança, ao se encarnar, o Menino
Jesus não estava isento das infantilidades
inerentes à meninice. Sua infância
foi mais revelada pelos muitos evangelhos
apócrifos do que pelos quatro canônicos
– sendo os não oficiais que informamos nomes
dos avós de Cristo: Ana e Joaquim. Quando eu
era menino, minha mãe assim narrava o primeiro
milagre de Jesus: que ao fazer passarinhos
de barro, uns moleques despeitados
tentaram destruí-los, ao que o Filhinho de
Deus, comum sopro, fez comque as avezinhas
voassem miraculosamente.


Foram, contudo, as santas virgens o alvo
predileto das traquinagens do Divino Infante:
realizou seu casamento místico com a mártir
santa Catarina, colocando preciosa aliança no
dedo de sua esposa. Muitos foramos pintores
desde a Idade Média que reproduziram cenas
de Jesuzinho mamando no virginal seio de
Maria. E é nesta posição, no regaço de sua
mãe santíssima, que ele fez sua principal e
bem-aventurada travessura: ao apertar com a
mãozinha a santa teta da Virgem Santíssima,
espirrou um jato de seu abençoado leite que
caiu ipso facto no purgatório, resgatando diversas
almas penadas que voaram lépidas
para o céu. São Bernardo de Claraval, o doutor
Melífluo, teve o privilégio de receber diretamente
em sua boca tão precioso néctar
mais doce que o mel.


A barroca franciscana santa Veronica Giuliani
dava de mamar ao Filhinho de Maria em
seu próprio seio. Santa Rosa Egipcíaca (+1771), a
liberta africana considerada pelo clero carioca
como “a maior santa do céu”, proclamava ter
sua carapinha penteada pelo Menino Jesus. Foi,
entretanto, a santo Antônio a quem Jesus bebê
mais mimou: apareceu ao santinho em forma
de “deslumbrante menino, qual Ganimedes”,
cobrindo-o de beijos e abraços. Oh glória!
No nosso Museu de Arte Sacra há belíssima
escultura de Jesus Menino peladinho
deitado num bercinho barroco, devoção
muito cara às freiras e beatas de antanho.
Feliz Natal a minhas leitoras e leitores.
Que não percamos nunca a alegria e
inocência do Menino Jesus!

Mandela e o colonialismo - JC Teixeira Gomes


 A Tarde/BA 14/12/2013

JC Teixeira Gomes
Jornalista, membro da Academia de Letras da
Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com


Nelson Mandela
se destacou na luta
pacífica contra esse
legado de horrores
[deixado pelo
colonialismo],
com destaque,
naturalmente,
para o apartheid


Entre todas as qualidades reconhecidas em Nelson Mandela, quero destacar a denúncia intrínseca contra o colonialismo inserida em sua trajetória política. Usei a palavra “intrínseca” porque Mandela jamais se revelou um adversário ostensivo da presença europeia na África. E o mundo sabe o que a sua África do Sul sofreu com a dominação dos ingleses e dos holandeses.

O colonialismo, cujo apogeu se verificou no século XIX, tendo obtido impulso original com as navegações lusas, foi uma fonte permanente de rapinagem econômica, discriminação cultural e religiosa, e sobretudo racismo. Historiadores europeus gostam de classificá-lo como instrumento de civilização. A ideia central é a de que as populações submetidas à dominação europeia eram atrasadas ou inferiores, tese fundamental da antropologia racista que amparou as teorias discriminatórias nazistas.

Além da falsa ideia de progresso, pois o colonialismo sempre foi predador (Portugal roubou no século XVI nosso pau-brasil e depois todo o ouro de Goiás e Minas Gerais), seus ideólogos, cinicamente, classificavam a ação europeia como “o fardo do homem branco”, ou seja, para eles dominar o mundo era apenas uma saga de privações e sacrifícios, longe de casa.

Se olharmos o passado histórico do colonialismo, veremos que ele somente gerou as sementes dos problemas que originaram duas guerras mundiais. Curiosamente, foi uma delas e a pior de todas, a segunda, que acelerou o processo de descolonização da África e da Ásia, pois, exauridos pela luta, países como a Inglaterra e a França já não podiam sustentar, inclusive moralmente, a posição de dominação que estavam combatendo na própria agressão de Hitler. O chefe nazista queria fazer com as nações da Europa exatamente o que secularmente elas faziam com o resto do mundo: subjugar, espoliar, discriminar.

Como todas as ações humanas têm dois lados, o colonialismo, a exemplo do comércio, foi também fator de intensificação de relações entre povos culturalmente diversos. Esse fenômeno no mundo ocidental começa com a expansão do Império Romano, mormente quando assimila a cultura grega, no mais fecundo processo de simbiose cultural que, vindo da Antiguidade Clássica, deságua no inigualável esplendor artístico do Renascimento.

As conquistas obtidas no campo das interações culturais, porém, foram diminuídas pelas práticas do racismo, sem dúvida o pior subproduto do colonialismo. O racismo estimulou em alto grau a discriminação religiosa, patente na destruição de templos budistas pelos portugueses na Ásia e pela superposição de igrejas sobre templos incas pelos espanhóis na América do Sul. Ao lado disso, a violência inexcedível dos conquistadores: o navegador luso Afonso de Albuquerque, apelidado de “o Terrível”, afundava navios muçulmanos repletos de crianças e mulheres e seus marinheiros saqueavam os cadáveres no mar, arrancando dos corpos anéis, correntes e dentes de ouro.


Os espanhóis Cortez e Pizarro ordenavam a seus soldados que lançassem mastins para estraçalhar incas, maias e astecas. Nas guerras em Angola, Moçambique e Guiné da década de 60, o governo de Salazar permitiu o uso de napalm contra os africanos, antecipando-se aos EUA no Vietnã, e soldados lusos enterraram combatentes africanos vivos como punição. Estive em Angola e Moçambique em 1966 e escrevi a grande reportagem no Jornal da Bahia "Uma guerra espanta as feras”, com relatos do que vi na África portuguesa.


Lembremos também que os ingleses fuzilaram populações civis indianas, os franceses torturaram os argelinos em luta pela sua independência, a Bélgica escravizava o Congo e fez do país uma “pavorosa colônia”, como relata a escritora inglesa Miranda Carter no notável livro Os três imperadores (Rio, Objetiva, 2013). Miranda assinala que a Europa sempre foi o mais violento continente da história e que reis e imperadores europeus, separados por intrigas e rivalidades, invariavelmente amavam a guerra, apoiados por uma aristocracia interesseira, ociosa e beligerante. Mandela se destacou na luta pacífica contra esse legado de horrores, com destaque, naturalmente, para o apartheid.


DEUSA Ana Cristina Cesar - João Paulo‏


Assinado, Ana Cristina C. 
 
João Paulo
Estado de Minas: 14/12/2013 


Ana era bela, culta e marcada pelo saturnismo das favoritas dos deuses       (Cecília Leal/IMS)
Ana era bela, culta e marcada pelo saturnismo das favoritas dos deuses

Há 30 anos morria Ana Cristina Cesar (1952-1983). Foi uma das maiores poetas de sua geração. Tinha 31 anos quando pulou de um prédio. Deixou quatro livros de poemas.

A geração de Ana Cristina fez uma poesia marcada pela informalidade. Reproduzia seus versos em mimeógrafos, tinha bandeiras políticas libertárias em meio ao consenso de um esquerdismo mais canônico e menos criativo.

Ana C., como também assinava, parecia estar em boa companhia. Mas sua poesia, embora parecida por fora, era muito diferente por dentro. Ela era singular. Mesmo que seus versos fossem atravessados pela fala do dia a dia, que seus poemas fossem coloquiais, que seus temas se aproximassem do lirismo meio underground dos amigos, sua dicção era outra.

Era outra sua raiz literária, e muito distinta sua visão de mundo. Em política, mesmo que expressasse certa força do feminino, não poderia nunca ser considerada feminista de queimar sutiãs. Ana tinha humor, mas distante do poema-piada oswaldiano. Suas edições caprichosas estavam em outro degrau de acabamento. O que no mimeógrafo era primeiro singeleza que se revelava estética, nela era uma opção sofisticada pelo minimalismo e sugestão.

A hora, passados 30 anos, é de ler e reler Ana Cristina Cesar. Por isso a bela edição de Poética, com a poesia completa da escritora, organizada mais uma vez na ponta dos dedos pelo poeta e amigo Armando Freitas Filho para a Editora Companhia das Letras, é uma das melhores notícias literárias do ano.

O livro chega poucos meses depois de Toda poesia, de Paulo Leminski (1944-1989), outro grande solitário de uma geração gregária. A obra poética completa do curitibano chegou a frequentar os mais vendidos. Leminski, contudo, era um mestre em comunicação, dominava os códigos do pop. Seu dia haveria de chegar.

Já Ana Cristina, no mesmo patamar de qualidade e isolamento, cozia mais para dentro. Sua sofisticação era exigente demais para ganhar as massas. Não seria capaz, acredito, de fazer letras de canções. Tudo que era tropicalista em Leminski era romântico e crítico em Ana. Sua poesia, mesmo embalada pela confissão, tinha sempre um momento que fugia ao real, como um despistamento. Um fingimento, como diria Pessoa.

Poética é um livro poderoso. O próprio nome dá a pista: não se trata de poesias completas, o que indica uma reunião de livros e poemas esparsos, mas de uma poética, de um jeito de ser e de um modo de expressão. Ana Cristina Cesar, ao escrever poemas tão pessoais e intransferíveis, ia tecendo ao mesmo tempo sua poética.

A trajetória de Ana C. foi semelhante à de muitas mulheres de sua geração. Formou-se em letras na PUC Rio, fez mestrado em comunicação na UFRJ e mestrado em tradução na Inglaterra. Colaborou com jornais e revistas literárias, traduziu literatura inglesa e seu primeiro livro publicado não foi de poesia, mas o ensaio Literatura não é documento, um estudo sobre a presença da literatura no cinema.

Sua primeira aparição como poeta em livro foi em 1976, no agora mítico 26 poetas de hoje, organizado por Heloísa Buarque de Hollanda. Foi uma espécie de tábua da lei da poesia marginal, com Heloísa fazendo o papel de Moisés. O primeiro livro com o nome de Ana na capa foi Cenas de abril, de 1979. Como lembra Armando Freitas Filho, não era poesia escrita nas linhas, mas nas “entrelinhas dos sentidos”.

Obra incompleta

O primeiro livro era fino, em todos os sentidos, denso, com versos que deixavam claro, à primeira leitura, que estava ali uma poesia feita de talento, inteligência e reflexão. Quando todo mundo se esforçava para ser diferente e original, Ana não mexia uma palha para impressionar com suas cenas. Ela desafiava o leitor em vez de diverti-lo ou oferecer um sentimento complacente de fazer parte de sua turma. Ana não tinha turma, as pessoas é que precisavam ir atrás dela.

Cenas de abril, em poucas páginas, tinha um pouco de tudo: pequenos poemas quase epigramáticos, trechos de diários, um guia semanal de ideias, um jornal íntimo e um texto em prosa. O feminismo, que Heloísa Buarque de Hollanda destacaria alguns anos depois, destoava das palavras de ordem e exigia, além da nova mulher, um novo homem para dar conta dela.

O segundo livro da poeta, Correspondência completa, de 1979, chegou assinado por Ana Cristina C., em pequeno formato (ele é reproduzido tal e qual em Poética, como um mimo) com a enigmática anotação: 2ª edição, mesmo que nunca houvesse sido publicada a primeira. Na verdade, a correspondência completa era composta de apenas uma carta, escrita por Júlia, para alguém que não sabemos quem é. Dois personagens citados, Gil e Mary, fazem leituras distintas do que vai escrito. É poesia, mas em prosa. Mas prosa inventiva, que parece deslizar da invenção para o humor, da sinceridade quase ingênua para a mais astuta observação.

O terceiro título de Ana Cristina Cesar é Luvas de pelica, de 1980. O texto radicaliza ainda mais o projeto híbrido da escritora, em fluxo que vai da prosa à poesia, da invenção à confissão. Em alguns momentos a reflexão é quase ensaística. Há uma levada jazzística, que às vezes parece improvisação, mas que não perde a base harmônica sobre a qual as ideias e a música verbal tecem suas melodias desviantes. Há muitas citações confessas e outras veladas, versos em inglês, trechos que parecem esboços.

Quando a Editora Brasiliense, a mais prestigiada da época, lança A teus pés, em 1982, Ana Cristina já está consagrada entre os marginais. A edição fez sucesso, ganhou resenhas nas principais publicações do país. O volume traz poemas inéditos e reúne os trabalhos anteriores. O livro ficou como a consagração de um modo poético que funde tensão e intensidade, militância e libertarismo, originalidade e vampirismo, intimismo e confissão, por vezes despudorada. Elegância e desprezo às convenções.

E estamos apenas no primeiro terço do caminho da Poética. Os quatro livros de poesia publicados em vida por Ana Cristina Cesar vão até a página 125, as restantes 275 são ocupadas pelos livros Inéditos e dispersos: poesia e prosa, de 1985; Antigos e soltos poemas e prosas da pasta rosa, de 2008; e de uma visita à oficina. O volume é completado por textos críticos de Viviana Bosi, Heloísa Buarque de Hollanda, Silviano Santigo, Clara Alvim e Joana Matos Frias, entre outros.

O fato de a posteridade ser tão rica e inclusive mais volumosa que os versos dados a conhecer em vida, parecem indicar o inacabamento essencial da obra de Ana Cristina Cesar. Sua poesia não era de ponto final. Melancólica, iluminada pelo sol negro, ela ressurge em outro tempo com as mesmas questões. Talvez agora estejamos prontos para ela.


De Ana

“O tempo fecha.
Sou fiel aos acontecimentos biográficos.
Mais que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos que não largam! Minhas saudades ensurdecidas por cigarras! O que faço aqui no campo declamando aos metros versos longos e sentidos? Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não sou mais veja, não sou mais severa e ríspida: agora sou profissional.”
A teus pés


Cartilha da cura
As mulheres e as crianças são as primeiras que
Desistem de afundar navios
A teus pés



Noite de Natal,
Estou bonita que é um desperdício.
Não sinto nada
Não sinto nada, mamãe
Esqueci
Menti de dia
Antigamente eu sabia escrever
Hoje beijo os pacientes na entrada e na saída
com desvelo técnico.
Freud e eu brigamos muito.
Irene no céu desmente: deixou de
trepar aos 45 anos
Entretanto sou moça
estreando um bico fino que anda feio,
pisa mais que deve,
me leva indesejável pra dentro das
botas pretas
pudera
Cenas de abril



Sobre Ana

“Nos textos em pauta, bem pouco inocentes, pode-se sentir a bisca de uma via alternativa para a discussão da condição feminina avançando, inclusive, no sentido do questionamento da condição masculina. Os pequenos temas se tornam complexos e adquirem nova dimensão pelo trabalho sobre os pontos nevrálgicos do ‘insondável mistério da alma feminina’.”

. Heloísa Buarque de Hollanda



“Ana Cristina encarava a modernidade. Talvez por isso tenha morrido cedo – pura passagem permanente – muitas asas e um desdém pelo que poderia ser raiz. O lugar que ocupa é na linha do horizonte – virtual e veloz.”

. Armando Freitas Filho



“A crítica tem sido unânime em isolar Ana Cristina Cesar dos restantes poetas marginais – uma marginalização que, afinal de contas, se torna inevitável perante qualquer grande artista que, justamente por ser grande, se distingue da geração que o viu nascer. Ana Cristina, astro trágico e excepcional da sua geração, gozou daquela ascendência saturnina que é sinal de destino incomum, e talvez tenha desaparecido tão cedo, aos 31 anos, para que uma vez mais se cumprisse a lei que Menandro enunciou: morrem jovens os que os deuses amam.”

. Joana Matos Frias


 jpaulocunha.mg@diariosassociados.com.br

DEUSA Adélia Prado - João Paulo E Carlos Herculano Lopes‏

Dentro e fundo
 
Adélia Prado lança livro de poemas, Miserere, no qual retoma o diálogo com temas como a religião, a passagem do tempo, a memória e a morte. Escritora mantém rotina em sua casa em Divinópolis

 

Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 14/12/2013 


Em seu novo livro de poemas, Adélia Prado conversa com Deus e convoca o leitor para ser testemunha       (Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Em seu novo livro de poemas, Adélia Prado conversa com Deus e convoca o leitor para ser testemunha
 

Quarenta anos depois de ter apresentado seus poemas a Affonso Romano de Sant’Anna, que entusiasmado com a leitura dos mesmos os mostrou a Carlos Drummond de Andrade, que por sua vez recomendou a publicação – o primeiro livro, Bagagem, sairia em 1976 com as bênçãos do poeta maior –, Adélia Prado, depois de três anos de A duração do dia, lança Miserere. O novo volume de poemas só vem confirmar sua condição de maior poeta viva do Brasil, ao lado do maranhense Ferreira Gullar, do padrinho mineiro Affonso Romano e do pantaneiro Manoel de Barros. A temática mística e religiosa que a tem inspirado continua forte.

Lançando mãos dela, Adélia explora, com sensibilidade à flor da pele, que às vezes chega até a doer, os eternos sentimentos humanos de abandono, solidão, alegria contida e, às vezes, desencanto, mas sem nunca perder a fé, a esperança e a vontade de viver em toda plenitude. Como em “Pomar”: “Os açúcares das frutas/ me arrombaram um jardim/ a meio caminho de trincar os dentes/ a doce areia, seus cristais de mel./ A vibração do que chamamos vida”.

Vivendo em Divinópolis, onde nasceu em 1935, se casou e criou família, Adélia Prado diz que sua poesia, independentemente dos rumos que tenha tomado desde Bagagem, a deixa muito feliz, porque o rumo é sempre o da beleza. “Drummond disse: ‘Poesia, o perfume que exalas é a tua justificação’. É só trocar perfume por beleza e continua perfeito. De 1976 para cá o que aconteceu foi, acredito, um aprofundamento. Novas experiências e você desce um pouco mais na ‘mina escura e funda’, com uma lanterna mais potente. Quanto maior a escuridão, mais preciso de luz. E a poesia é, como toda luz, pura generosidade. É a luz da divina luz”, diz Adélia. Esta “mina escura e funda”, no seu caso, foi se iluminando à medida que se aprofundava na escrita, que com o tempo foi se sofisticando, sem perder a simplicidade.

Já em 1978, dois anos depois da publicação de Bagagem, ela lançou livro que deu o que falar nas rodas literárias, O coração disparado. Em seguida, vieram novos volumes de poemas, como Terra de Santa Cruz, O pelicano e Oráculos de maio. Adélia se consagrou também na literatura infantojuvenil e na prosa, com Solte os cachorros, de 1979, Os componentes da banda, em 1984, O homem da mão seca, de 1994, entre outros.

Leitora constante da Bíblia desde a juventude, pois segundo ela não há como não visitar frequentemente as escrituras, com seus profetas e salmos, que oferecem um anúncio de salvação, Adélia confirma que o sentimento religioso e místico continua forte em Miserere. “Muita gente vive com o que podemos chamar de ‘uma fé natural’, que se vale dos afetos e valores numa medida mínima de proteção e conforto humanos. Não se desesperam e isto para mim é milagroso, inacreditável”, afirma.

Mas a sensualidade feminina, brejeiramente mineira, também é mostrada sem rodeios e nenhum medo de ser feliz, como no poema “A paciência tem limites”: “Dá a entender que me ama,/ mas não se declara./ Fica mastigando grama,/ rodando no dedo sua penca de chaves,/ como qualquer bobo./ Não me engana a desculpa amarela:/ ‘Quero discutir minha lírica com você’./ Que enfado! Desembucha, homem,/ tenho outro pretendente/ e mais vale para mim vê-lo cuspir no rio/ que este verso doente”.

Escritora exigente, que sempre revisita seus textos, Adélia conta, sobre o seu processo de escrita, que, pelo menos no seu caso, poucos poemas permanecem como chegam. “Só alguns nascem limpos. Aos outros dou um banho para tirar o sebo da criança. Da inspiração e seus excessos, tiro os excessos”, conta. Sobre a infância, também tão presente na sua obra, ela diz ser um lugar aonde vai sempre, cada vez com mais encantamento. “É onde quero ficar, onde a morte, Deus e a vida estavam em feliz unidade. Perdê-la é perder-me, é ficar velha sem cura, porque sem a alegria e os deslumbramentos que ganhei”, diz.

Sempre quietinha em Divinópolis, ao lado do marido, Zé de Freitas, com o qual está casada há muitos anos, Adélia diz que gosta de viver na cidade, já que a família quase toda está lá. Mas às vezes, por questões de ofício, também costuma viajar para participar de feiras de livros e bater papo com os leitores. “Fazer palestra é bom, tem audição e questionamentos, é um encontro sem nada acadêmico”, descreve.

Com o lançamento de Miserere, que chega hoje às livrarias, certamente terá de pegar novamente a estrada. Se gosta de viajar de avião? “Arrisquei outro dia”, conta. Para em seguida dizer que, na vida, o que importa é ter fé, “porque isso significa aceitá-la como um dom, cuja finalidade e sentido ultrapassam a pobreza de nossa razão e nos ensinam a comportar como criatura, com humildade e reverência”.

Miserere
. De Adélia Prado
. Editora Record, 94 páginas



Movimento dos lábios

João Paulo

O título do livro, em latim, Miserere, pode indicar muitas coisas: a proximidade da religião, com seu cheiro de coisa antiga e distinta; a aceitação do destino de sofredora; o pedido de misericórdia, um “tem piedade de nós” repetido como um mantra a cada constatação de uma dívida impagável. Adélia não usa as palavras sem pesar todos os sentidos. Miserere é um livro que vem sendo escrito com o passar dos anos, ele carrega toda a poesia de Adélia, todas as suas idades, todos os tempos que vão se juntando, o arco de uma vida com suas estações e direção ao fim.

Com 38 poemas, todos magníficos, Adélia Prado refaz sua ligação direta entre o sagrado e a poesia. Há um arranjo entre a beleza e a busca de sentido que transforma o projeto literário em uma empresa pessoal, um operoso caminho ascensional que se nutre das substâncias mais comuns: a memória, o prazer das coisas simples, a carne, o mistério e o encontro. A poeta parece ter deixado de lado o empenho em gozar o mundo para tentar se localizar nele. Achar seu cantinho. Sentir a comunhão com o próximo.
As referências se mantêm: Guimarães Rosa, na confissão da sapiência desconfiada; a Bíblia, em suas referências ao mesmo tempo dolorosas e gozosas; a vida besta drummondiana, misto de aquiescência e revolta; os signos da infância ou mesmo mais antigos, de um tempo anterior à fissão com o todo, a deixar seus convites para a recuperação da síntese no seio do todo.

Adélia Prado é mestra das palavras humílimas e senhora do sentido de verbos cheios de garbom, que usa parcamente. As imagens que brotam da fala da gente simples quase sempre perfazem o caminho da revelação: a beleza escondida, a inteligência penetrante, a sabedoria de viver. Cada poema de Miserere parece propor um tipo de conversa, que primeiro apresenta uma fatia do mundo, uma certeza ou dúvida íntima, depois se volta para o outro, para, por fim, tentar a síntese, fazer valer o tino de ser entre outros.

Se a poesia é trânsito, a poeta precisa aceitar para onde está indo. Adélia sabe. Por vezes, segura o passo: “Tão lírica minha vida/ difícil perceber onde sofri”; outras vezes mergulha no passado como quem vira as costas ao tempo: “Sou-lhe tão grata mãe/ sinto tanta saudade da senhora…” ; mas sem desmerecer o tempo que passou, ou nada disso teria sentido: “Minha mão tem manchas;/ pintas marrons como ovinhos de codorna”.

 Com o horizonte da morte sempre presente, cada vez mais à espreita, ela parece se lembrar a todo momento da mãe e do pai. Torna-se um pouco os próprios pais, sente em suas palavras eco do que ouviu e viveu com eles. De repente, temos a idade de nossos pais e ainda sentimos, em algum lugar do corpo, que somos crianças. A experiência da orfandade é uma recuperação da meninice: nunca estamos totalmente preparados para a solidão que nos alcança um dia. “Criancinha de peito, essa já sabe/ seu olhar muda quando desmamada”.

Há algumas imagens de grande força que se incorporam ao repertório adeliano com sua permanente sensibilidade para gerar o inusitado do sentido a partir dos momentos mais singelos: “Como o doido, bato a cabeça só pra gozar a delícia de ver a dor sumir quando sossego”; “Fiquei mais corajosa,/ igual a mulheres que julgava levianas/ e eram só mais humildes”; “as axilas do Deus de Michelangelo,/ profundas, musculosas, bravas,/ abundantes do suor de quem trabalha duro”.

A leitura de Miserere se parece com uma forma de oração. As palavras ao princípio fazem muito sentido e depois vão sendo tragadas pela beleza e passam a ter outra encarnação. Ao ler os lábios começam a se mover, como se tentassem formular um certo nome, indizível, mas sempre presente. Há a reza dos crentes, dos pensadores sem fé e das pessoas comuns. Ao longe só se vê o movimento dos lábios. Adélia põe as palavras na nossa boca. A poesia ensina o caminho do coração e da inteligência. E ainda clama por misericórdia. Só a poesia salva.


O pai

Adélia Prado


Deus não fala comigo
nem uma palavrinha das que sussurra aos santos.
Sabe que tenho medo e, se o fizesse,
como um aborígene coberto de amuletos
sacrificaria aos estalidos da mata;
não me tirasse a vida um tal terror.
A seus afagos não sei como agradecer,
beija-flor que sob meus olhos desabrocha,
três rolinhas imóveis sobre o muro
e uma alegria súbita,
gozo no espírito estremecendo a carne.
Mesmo depois de velha me trata como filhinha.
De tempestades, só mostra o começo e o fim.

Casa-grande e senzala completa 80 anos este mês com o mesmo vigor polêmico de quando foi lançada‏

A eterna referência
 
Obra-prima do sociólogo recifense Gilberto Freyre, Casa-grande e senzala completa 80 anos este mês com o mesmo vigor polêmico de quando foi lançada

 

Fellipe Torres
Estado de MInas: 14/12/2013 


O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre daria continuidade a Casa-grande e senzala com Sobrados e mucambos e Ordem e progresso (Arquivo DP/D. A Press)
O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre daria continuidade a Casa-grande e senzala com Sobrados e mucambos e Ordem e progresso



A história do Brasil passou a ser contada de maneira diferente há 80 anos, quando um jovem e polêmico sociólogo revolucionou a interpretação do país. Lançado em dezembro de 1933, Casa-grande e senzala, primeiro livro do pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987), quebrou barreiras ao aliar ciência e literatura, inovar no enfoque de infindáveis assuntos e na multiplicidade de fontes de informação sobre a realidade material e imaterial brasileira.

Surgido já com status de obra-prima, o ensaio coloca uma lupa em questões primordiais para a ressignificação da identidade nacional: sexo, trabalho, cotidiano, família, religião, política, gastronomia, cultura. O olhar crítico voltado para o período colonial confronta preconceitos, exalta a miscigenação das raças e investiga as origens de uma sociedade patriarcal. A abordagem dessas questões fez de Casa-grande e senzala um livro aclamado e combatido com a mesma veemência.

Se, por um lado, foi vastamente traduzido pelo mundo e reeditado mais de 50 vezes no Brasil, também chegou a ter exemplares queimados em vias públicas. Freyre foi ora exaltado e homenageado, ora acusado de pornográfico, subversivo, comunista. Oito décadas depois, a ambiguidade diante da obra permanece pulsante, mote para ausências inexplicáveis no âmbito acadêmico. Ademais, a leitura de Casa-grande e senzala é capaz, ainda hoje, de suscitar discussões sobre temas contemporâneos e inspirar reflexões a respeito de um Brasil em eterna transição, à espera de novas descobertas.

A cada roda de capoeira ou de samba, a cada prato de feijoada ou de bacalhau à Zé do Pipo, a cada maracatu ou caboclinho, o Brasil reafirma a condição de miscigenado. Difícil é se assumir brasileiro e não deixar transparecer influências culturais as mais diversas, sobretudo de origens indígenas, portuguesas e africanas. Essa condição aparece escancarada em Casa-grande e senzala, refletindo como a mistura das raças se fundiu em uma identidade nacional.

Para Tiago de Melo Gomes, professor da Universidade Federal de Pernambuco, a herança étnica mais relevante na visão de Freyre foi a negra. “Para ele, os africanos amoleceram e modificaram a herança que os portugueses trouxeram. Freyre acreditava que o Brasil é diferente porque os africanos releram as tradições europeias por seu próprio prisma, a começar pela religião católica, que aqui teria sido transformada em algo bem diferente do que se vê no resto do mundo”, diz o historiador.

A entrega da negra ao âmbito domiciliar, ressalta a antropóloga Fátima Quintas, amenizou as asperezas do dia a dia patriarcal da casa-grande. “A categoria infância, por exemplo, não existia no sistema canavieiro: a criança era suportada até os 7 anos; depois disso, o menino virava menino-diabo.” O próprio idioma português, destaca Fátima Quintas, teve essa influência.

“Segundo Freyre, a negra fez com as palavras o mesmo que com a comida. Retirou-lhes as espinhas, os ossos, as durezas, deixando somente a suavidade das sílabas moles – o dói passou a ser dodói; a bunda, bumbum; a criança recém-nascida, neném; o pai, papá; o sapato, papato. A duplicação das sílabas ameniza a fala, ofertando-lhe uma musicalidade de todo especial).”

Ainda hoje, lembra a antropóloga e presidente da Academia Pernambucana de Letras, o brasileiro muda a ordem pronominal imperativa em decorrência da súplica da negra (“me dê isso”, no lugar de “dê-me”, “me faça isso”, no lugar de “faça-me”). “O falar no Brasil tem forte influência da doçura africana”, diz.

Encontro de raças Casa-grande e senzala, na avaliação de Tiago de Melo, segue sendo o livro mais influente já escrito no Brasil. Construiu a imagem de que nossa cultura é fruto do encontro das culturas europeia, africana e indígena. “Freyre viu nossa particularidade exatamente nesse encontro.” A afirmação é ratificada pelo filósofo e doutor em teologia Inácio Strieder: “Freyre valoriza a miscigenação e a pluralidade racial. Esta tese ele defende não a partir de mitologias, mas a partir da realidade social e antropológica do povo”.

Com as suas teorias, diz Strieder, Freyre mostra visão otimista da miscigenação. “Os miscigenados não são inferiores, mas uma raça que possui os valores de várias outras. Os indígenas e os negros, por exemplo, nos legaram seu sistema de vida, sua linguagem, sua visão de mundo.”

“Da plasticidade do português, da sistemática cotidianidade da índia, da magia doméstica da negra”, diz Fátima Quintas, “o Brasil se enredou numa miscigenação saudável, que não se revela apenas étnica, mas transcende a barreira do racial para alargar-se em um caudal de variáveis indígenas, lusitanas, africanas.”

Gilberto Freyre, argumenta Inácio Strieder, foi o primeiro escritor a trazer autoestima ao povo brasileiro. “No Brasil não predomina uma raça inferior. Pelo contrário, somos um povo riquíssimo em potencialidades humanitárias e culturais. Ter sangue indígena, africano e europeu é motivo de orgulho.”


Para ler

»   Casa-grande e senzala
• De Gilberto Freyre, 52ª edição – comemorativa dos 80 anos de lançamento
• Capa dura, dois cadernos iconográficos, caderno colorido com fotos e documentos referentes à primeira edição e fortuna crítica com textos de Darcy Ribeiro e Roland Barthes, entre outros.
• Editora Global, 784 páginas, R$ 99


»   Casa-Grande E senzala em quadrinhos
• De Gilberto Freyre, Estevão Pinto, Adolfo Aizen, Ivan Wasth Rodrigues
• Editora Global, 60 páginas, R$ 45


»   Casa-Grande E senzala: O livro que dá razão ao Brasil mestiço e pleno de contradições
• De Mário Hélio
• Editora E Realizações, 200 páginas, R$ 29


»   As melhores frases de Casa-Grande E senzala – A obra-prima de Gilberto Freyre
• De Fátima Quintas
• Editora Global, 288 páginas, R$ 35


»   À mesa com Gilberto Freyre
• De Raul Lody
• Editora Senac, 128 páginas, R$ 61


»   Casa-Grande E senzala
• Série de quatro documentários em DVD, de Nelson Pereira dos Santos
• Distribuidora Bretz-Back Five
• Duração: 231 minutos, R$ 59,90


As ideologias de uma época


Em dezembro de 1933, quando foi lançado Casa-grande & senzala, ganhavam força na Europa as ideias de pureza racial defendidas pelo nacional-socialismo alemão ou, como nós o conhecemos, o nazismo. Ao contrário do proposto por Adolf Hitler, Gilberto Freyre creditava à mistura das raças a riqueza da cultura brasileira. Para o pesquisador Flávio Weinstein Teixeira, doutor em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não se pode, no entanto, fazer a correlação entre o livro e a ideologia nazista.

“No início dos anos 1930, o ambiente intelectual brasileiro não tinha em seu horizonte de preocupações o nazismo ou a eugenia. Pelo menos nada que justificasse uma obra de fôlego”, explica. Por outro lado, ele acredita ser legítimo dizer que a obra de Freyre dialoga com alguns dos pressupostos que estão na origem da eugenia, na época tidos como científicos.

“Eram concepções racistas que, desde meados do século 19, haviam penetrado de maneira muito forte nos meios científicos e intelectuais brasileiros e, por espantoso que nos possa parecer, no início dos anos 1930 persistiam como traço relevante nas explicações sobre o Brasil, sobretudo nas explicações acerca do atraso brasileiro.”

Para o filósofo e doutor em teologia Inácio Strieder, várias ideologias defendiam um embranquecimento do povo brasileiro. “Nessa década de 1930, os diplomatas brasileiros, pode-se dizer em sua totalidade, eram brancos, e seguiam a orientação do governo de mostrar ao mundo que o Brasil era um país de brancos.” Casa-grande e senzala surge na contramão desse pensamento e mostra que a população era, em sua maioria, plurirracial, “fruto da miscigenação entre três vertentes sanguíneas: a branca, a negra e a indígena”.

“Frente a este futuro mestiço da humanidade, já real no Brasil”, destaca Inácio Strieder, “a política deveria promover a igualdade e se orientar por princípios que garantissem uma democracia racial.” Gilberto Freyre se propõe a fazer uma crítica radical aos “pressupostos racistas por fundamento” que eram direcionados ao Brasil.

“Daí sua incisiva insistência de que a questão a ser considerada era de natureza social e cultural. Não havia atraso, havia uma especificidade de formação histórica a ser conhecida e destacada”, comenta Flávio Weinstein. Uma das muitas ousadias de Casa-grande e senzala, ele acrescenta, está em chamar atenção para a centralidade do negro na formação da sociedade brasileira.

Desigualdades Entre as críticas recebidas por Freyre, sublinha Inácio Strieder, está a de ter diluído na obra a desumanidade do regime escravagista e do genocídio indígena pelos colonizadores portugueses, e propalado que o Brasil se formou na convivência harmoniosa de três raças, resultando dali a democracia racial brasileira. “Freyre não afirma que o Brasil é uma democracia racial, mas vê no Brasil um chão propício para que a convivência entre os cidadãos brasileiros, de origem plurirracial e miscigenados, seja democrática. O que até hoje é um objetivo a ser conquistado. E somente quando isto for uma realidade teremos uma democracia racial.”

Embora tenham sido superados os pressupostos racistas que se entranharam nos meios intelectuais e científicos no Brasil, até hoje permanecem visíveis as desigualdades entre brancos e não brancos. Não à toa, políticas públicas de afirmação, como a reserva de cotas em instituições de ensino, por exemplo, são carregadas de polêmica ao forçar, com o braço da lei, a igualdade racial.

Existência tóxica - Inez Lemos


Existência tóxica 
 
Preocupação dos pais com a tendência dos jovens em ligar-se às tentações do vício, das drogas ao excesso de tempo dedicado ao mundo virtual, destaca a importância das referências e valores 

Inez Lemos
Estado de Minas: 14/12/2013 


Jovens, cada vez mais fissurados, se isolam em jogos virtuais: o vínculo com o objeto se transforma em dependência e sentido da vida (Frederic J. Brown)
Jovens, cada vez mais fissurados, se isolam em jogos virtuais: o vínculo com o objeto se transforma em dependência e sentido da vida

Como prevenir para que os filhos resistam às adicções – drogas, álcool, internet? A pergunta de uma mãe expõe o dilema que muitas vivem. Iniciamos pelas substâncias tóxicas. Como elas entram na vida dos jovens? É possível identificá-las como um aditivo narcísico, um ponto de apoio, um suporte. Elas chegam, muitas vezes, amparando uma crise de insegurança. Desconfiança, medo, incerteza. O mundo está cada vez mais inseguro e as profissões cada vez mais fragmentadas. Amigos, amores? Quem são? Festas ou baladas regadas a remédios controlados? Nas casas noturnas consome-se, como estimulante, Ritalina – medicação indicada no tratamento do chamado “déficit de atenção”. O ato aponta gozo em transformar o lícito em ilícito.

Prazer ou a luta incessante em escapar do vazio – pavor ao deparar com o caos interno. A dor é fato, toda faxina nas entranhas causa medo, insegurança. Ninguém amadurece emocionalmente sem enfrentar os leões que rosnam. O problema das adicções desvenda a fragilidade descomunal identificada entre os jovens. A ferida narcísica, o eu em frangalhos enlaça o parceiro – objeto que promete anular a dor de existir. E revela a necessidade de companhia na travessia. O vínculo com o objeto transforma-se em dependência. Como tamponar o buraco no meio do caminho? Se a passagem da infância ao mundo adulto e de responsabilidade não é tranquila, se a ameaça diante da autonomia os apavora, vale dizer que os jovens não estão sendo educados para assumir o duro fardo da existência?

A questão existencial caminha junto à questão cultural, uma é efeito da outra. O pensamento é resultado das condições materiais, ele não surge do nada. Vivemos a pós-industrialização. Se não há mais emoção na aquisição de objetos de consumo, outros objetos devem ser solicitados na busca por satisfação. Se o sensacionalismo está para além do consumo ordinário, exigimos, cada vez mais, algo extraordinário. Como e onde garantir sensação e excitação, quando tudo se tornou permitido?

A fissura se expande a outros campos, outros tipos de adicção – além do alcoolismo e da toxicomania. As paixões deslocaram-se. Muitas se tornaram tóxicas, o amor vampírico envolve pactos sinistros e promessas mortíferas. Como apostar em um futuro marcado pelo excesso e regado a venenos – drogas tarja preta? O olhar morto não vislumbra esperança. Todo amanhã é devir que exige garra na construção. Diferente da vida fácil, oferecida pelos pais. O barro da existência é amassado diariamente.

A fissura pelo máximo de prazer e sensação infinita provoca alguns delírios, efeito de uma falha no conceito de prazer. Presenciamos a loucura pelo fetiche, muitos são movidos pela ilusão de que estão sendo privados de um grande encontro. Logo, percebemos confusão entre prazer e adrenalina, a necessidade de se dopar e se anular com objetos maléficos. A fissura pela entrega, pela fuga, denuncia a alma mutilada.

Na era cibernética, a massa é convocada por um líder que, de plantão, controla, manipula e seduz o espaço virtual 24 horas. A sorte está lançada. Como resistir aos convites? O uso do objeto é livre. Poucos pais regulam o tempo diante das telas. Não há uma lei que proíbe o jovem de passar a noite diante de uma máquina. O viciado em redes é um adicto, como o toxicômano ou o alcoolista. O internauta não reconhece o vício, e os pais tampouco veem inconveniente na adicção virtual.

Ato repetitivo
Adicção é a compulsão por um objeto. O sujeito é dominado pelo ato repetitivo e irrefreável. Estabelece-se uma relação compulsiva – determinada pela fissura de se entregar ao objeto em total submissão. O corpo, escravo, obedece. Vários são os objetos de adicção ofertados pela sociedade atual, além das drogas de ação psicotrópica e o álcool. Podemos incluir: sexo, comida, tabaco, esportes, TV, computador, celular, trabalho, consumo, academia, jogo, entre outros. A questão não está nos objetos, mas na relação que se estabelece com eles, no uso que se faz deles. Uma vez que é utilizado de forma saudável, pontual, cumprindo apenas o papel que lhe é devido, nada a ressaltar. Contudo, quando o sujeito perde o interesse pelos outros objetos e se fixa no mesmo, direcionando a libido sempre a ele, reduz-se o campo de ação. Ocorre um empobrecimento do mundo externo e interno – uma vez que o viciado perde a liberdade de decidir entre usar ou não usar o objeto. Quando não se é livre para escolher, resta se submeter.

O psicanalista Decio Gurfinkel resgata a raiz etimológica da palavra: “O adictu era, na Roma antiga, a pessoa que, incapaz de saldar uma dívida, tornava-se escrava do credor, como forma de pagamento. Em outros termos, trata-se da antiga lenda do indivíduo que vendeu sua alma ao diabo, e ficou aprisionado e refém de seu salvador/algoz”. A relação de alienação coloca os objetos de adicção na posição de imprescindíveis. É quando ocupam o lugar da necessidade e não do desejo, provocando distorção no funcionamento pulsional. Se a relação com o objeto migra do desejo para a necessidade, constata-se uma inversão na lógica do prazer. É neste momento em que os convites se deslocam do: “Vamos sair, conversar e tomar um vinho?” para: “Vamos tomar todas?”.

A adicção, grosso modo, pode ser definida como o sintoma de um tempo em que o afeto, o pensamento e a reflexão sofrem uma atrofia. A moda é o indivíduo operacional, a tônica está na ação, nas atitudes e não nos sentimentos. Lidar com as fantasias tornou-se banal. Banaliza-se a vida interior, o foco é o desempenho. Todos são julgados pelo salário, pela profissão, pelo corpo. Pouco vale a forma que escolheram viver, se estão felizes, importa serem bem avaliados pelos auditores financeiros. Na lógica do agir, ingerir e consumir, pouco tempo resta para sentir e pensar. Meio ao excesso de teclas e botões, padece uma juventude carente de sentido. Angustiados, lutam por sobreviver ao déficit simbólico a que estão relegados.

A obsessão limita os movimentos do indivíduo, paralisando o olhar em uma só direção - congelando emoções e sensações. O sintoma do mundo coisificado é o empobrecimento afetivo e simbólico. O sangue corre para um só objeto, fazendo do obsessivo um demissionário da vida emocional. Dominado pela dúvida, procrastina, adia. Viver é apenas uma operação. Uma técnica a mais.

Pouca coisa vale além do mergulho mortífero no objeto – objeto causa de fissura. Porém, sem um ponto de basta, sem ruptura na cadeia pulsional, resta pouca esperança. Seja na impulsividade, agindo sem pensar, ou na obsessividade, deixando de agir por pensar demais, ambos acusam desajuste – dessintonia com o eixo subjetivo. A relação com o objeto de adicção sustenta o paradoxo – ao mesmo tempo em que alivia, conforta e provoca sensação de proteção, acusa, também, submissão à devoção e devoração do objeto – causado pela posição de escravo.

Sem referências
O efeito passageiro do ato adictivo o coloca na posição de objeto transitório e revela as consequências nefastas de uma relação parental frágil e danificada. O vínculo que estabelecemos com os objetos (drogas, álcool ou outros adictivos) denuncia a forma como fomos acariciados e amados pelos pais. Quando há ruído nas relações familiares, o sujeito fica exposto aos efeitos de um eu fraco, mal enraizado e carente de boas referências.

Para J. McDougall: “A necessidade de objetos externos em forma de sexualidade compulsiva ou de abuso de drogas é evidência de colapso dos processos de internalização. Os atos adictivos são incapazes de reparar a representação estragada, seja do pênis ou do seio, no que se refere à sua significação simbólica. Aliviam a angústia apenas temporariamente e, portanto, adquirem qualidade adictiva pelo fato de terem de ser continuamente buscados”.

Se somos marcados pela forma com que incorporamos vivências, afetos, se são eles que nos movem, aos pais resta o alerta: educar filhos é função que exige muita dedicação e responsabilidade. Não é tarefa para qualquer um. Muitos não querem arcar com tanto trabalho e implicação. É fundamental diferenciar o desejo de tornar-se pai ou mãe do desejo de cumprir com a paternidade/maternidade.

Se somos livres ao escolher entre ter ou não ter filhos, uma vez que os temos, o dever é oferecer boas referências, lembranças enraizadas no afeto. A criança que foi privada de uma relação boa com os pais, que incorporou fragmentos danificados, é forte candidato às adicções. O adicto é um visionário. Além de idealizar as qualidades mágicas do objeto, cria o conto de fadas para nele reinar. Quando o objeto é mais forte que ele, acaba se submetendo às suas bruxarias.

Inez Lemos é psicanalista.

Lucilia Neves, autora de obras de referência sobre a história republicana brasileira, lança seu terceiro livro de poemas


Bordado de afetos 

Lucilia Neves, autora de obras de referência sobre a história republicana brasileira, lança seu terceiro livro de poemas

Ângela Faria
Estado de Minas: 14/12/2013 


Minas Gerais, sua arte e sua gente são as referências da poesia de Lucilia de Almeida Neves Delgado (Geyzon Lenin/Esp. CB/D.A Press)
Minas Gerais, sua arte e sua gente são as referências da poesia de Lucilia de Almeida Neves Delgado

A poesia se infiltrou nas brechas da história. Primeiro veio Jardim do tempo, que reunia versos escritos até o fim dos anos 1990, depois foi a vez de Amor e asas, lançado em 2004. Hoje de manhã, a cientista política Lucilia de Almeida Neves Delgado autografa seu terceiro livro de poemas, Noites solares, na Livraria Ouvidor, na Savassi.

Conhecida por suas pesquisas sobre o trabalhismo, a historiadora já escreveu livros sobre Getúlio Vargas, a trajetória do PTB e o papel do tio Tancredo Neves na redemocratização. Também lançou a coleção O Brasil republicano (em parceria com Jorge Ferreira). Para Lucilia, a literatura ajuda a apurar o olhar dos cientistas. Muito jovem, a mineira aprendeu com Gorki, Dostoievsky, Fernando Pessoa e Jorge Amado a observar o mundo, as relações sociais e o jogo do poder.

Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Pedro Nava e Jorge Luis Borges fizeram a cabeça daquela jovem que gostava de política – “não de fazer, mas sim de estudar”. Ex-professora da Universidade Federal de Minas Gerais e da PUC Minas, ela dá aulas no Programa de Pós-graduação em História da Universidade de Brasília (UnB).

Versos da psicanalisada Lucilia falam de amor, erotismo e sacralidade. Memórias familiares remetem ao passado e ao futuro – ela dedica belas cartas ao pai e ao neto. Há nostalgia e esperança em meio a colares de pérolas, brincos, perfumes e canteiros de dálias. Relembranças dos tempos de juventude na São João del-Rei natal, em Juiz de Fora e em Belo Horizonte trazem de volta Marx, músicas de Jobim e sessões de Teorema. “Plantar revoluções/ Transgredir costumes/ Abraçar amores/ Mudar o mundo (...) Ter esperança/ Olhar a vastidão./ É urgente/ Reter o tempo/ Visitar o crochê de afetos”, convoca Lucilia em “Urgências”.

Cientista política acostumada a vasculhar as relações de trabalho de nosso Brasil “casa grande/senzala”, Lucilia faz versos para sua mãe preta: “Quando ela se foi/ Um pedaço de minha alma/ Desprendeu-se de mim/ Voou ao infinito/ Não podia deixar sozinha/ Na ventania da passagem/ Quem foi puro aconchego”. Poeta caro à autora, Manuel Bandeira também pôs sua Irene boa lá no céu.

Epifania Minas Gerais ressurge em nova roupagem sob o olhar epifânico de Lucilia, assinala a escritora Guiomar de Grammont na orelha do livro. As cidades são pontos do crochê de versos e memórias: Fernando Sabino, Clube da Esquina e bailarinos do Corpo em BH; cafés, esquinas e conversas infindáveis na juiz-forana Rua Halfeld; orgia de procissões com anjos em festa de Ouro Preto; foguetes em oração e o refinado mapa de luminosidades das comemorações da São João del-Rei natal. “Eu menina/ Anjo no outrora/ Nostalgia no hoje”, escreve ela.

Onipresente, Minas Gerais inspira “canções do exílio” da são-joanense radicada no Planalto Central. “Talvez pela saudade, talvez pela beleza da terra. Com certeza pela alegria de ser uma mineira que nasceu em São João del-Rei, cresceu em Juiz de Fora, sem tirar os pés da cidade natal, e construiu a vida de adulta por 33 anos em Belo Horizonte. Agora sinto que Brasília está me conquistando e trazendo novas perspectivas de vida, novos e inesperados encontros e talvez nova inspiração”, revela Lucilia.

A decisão de assumir publicamente o lado poeta se deve ao incentivo do marido, Maurício Delgado, professor universitário e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ele insistiu que a mulher lançasse o primeiro volume de poemas, no fim da década de 1990. “Aí tomei gosto. Mas é um gosto sem grandes pretensões literárias. Sem obrigações. Quero principalmente compartilhar o que escrevo com pessoas de quem gosto ou que cruzaram minha vida em diferentes momentos e de diferentes formas”, explica ela. E acaba entregando o ouro: “A historiadora ainda fala mais alto, mas já não existe sem a poeta”.

 (7 Letras/reprodução)

NOITES SOLARES
• De Lucilia de Almeida Neves Delgado
• 7 Letras, 126 páginas
• Lançamento hoje, às 11h, na Livraria Ouvidor Savassi, Rua Fernandes Tourinho, 253, Savassi, (31) 3221-7473.

Três perguntas para...
LUCILIA DE ALMEIDA NEVES DELGADO
Historiadora e poeta

Como a poesia e a história convivem dentro de você? A ciência política influencia seus versos? O olhar poético invade suas pesquisas?
Não sei se foi coincidência, mas as primeiras poesias que ousei publicar foram escritas na fase em que estava estudando, com maior profundidade, a relação entre história e literatura. Os versos mudam, sim, o rumo da prosa histórica, que se apoia em pesquisa documental e em interpretações e análises. Na poesia, posso ter maior liberdade criativa para traduzir o registro do cotidiano e das paisagens da vida e do viver.

Que poetas mais te influenciaram?
Três me tiraram do ar: Cecília Meireles, Pablo Neruda e Fernando Pessoa. Alguns poemas por eles escritos chegaram à essência do meu ser com a força de devastadora beleza. São fontes de inspiração, mas passo longe de sua grandeza. E é melhor que seja assim. Quanto ao estilo, meus versos são sempre livres. Mas penso que não me enquadro em nenhuma escola literária. Tenho uma certeza: não sou pós-moderna.

A literatura é uma forma de cair no mundo, de extrapolar os muros da academia?

A rotina da academia é, ao mesmo tempo, fascinante e difícil. Hoje, está muito burocratizada. Além disso, foi tomada por um produtivismo que pouco tem a ver com o humanismo. Penso que o novo formato da vida universitária tem um lado muito ruim para as áreas das ciências humanas e das ciências sociais, pois não favorece a reflexão, que precisa de tempo para amadurecer e se tornar consistente. A literatura, para mim, é respiração, pausa. Como leitura, é parte importante de quase toda a minha vida. Como escrita, tem sido liberdade e prazer.

Tv Paga


Estado de Minas: 14/12/2013 



 (Warner/Divulgação)

Briga de gigantes


Poucas vezes nos últimos meses houve uma disputa tão acirrada pela preferência do assinante quanto a que se anuncia para hoje à noite. A HBO vem com Argo, ganhador do Oscar de filme, edição e roteiro adaptado, com Ben Affleck (foto) na direção e à frente de um elenco que traz ainda Bryan Cranston, Alan Arkin e John Goodman, entre outros. A alternativa do Telecine Premium é Jack Reacher – O último tiro, com Tom Cruise, Rosamund Pike e Richard Jenkins. Os dois filmes serão exibidos simultaneamente às 22h.

Pacotão de filmes tem  para tudo que é gosto


Sábado tem como característica a formação de sessões especiais de cinema em várias emissoras. No Megapix, por exemplo, são quatro filmes tendo a água quase como um personagem: Perigo em alto-mar (18h25), Pânico no lago 3 (20h10), Anaconda 4 (22h) e Piranha (23h45). No Comedy Central, o simpático trapalhão Adam Sandler emenda Golpe baixo (13h), O paizão (16h), Espanglês (18h30) e Tratamento de choque (22h). No FX, quem faz hora extra é Mel Gibson, nos épicos O patriota (14h30) e Coração Valente (16h30). Na concorrida faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Invictus, na Warner; Marcas do passado, na MGM; Os sem-floresta, no Telecine Fun; Intocáveis, no Telecine Pipoca; Sherlock Holmes – O jogo de sombras, no Max HD; Céu vermelho, no Max Prime; Noites com sol, no Futura; e Instinto selvagem, no TCM. Outras atrações da programação: Os normais 2, às 19h45, no Viva; A morte passou por perto, às 20h35, no Telecine Cult; Atirador, às 21h55, no Universal; e Crítico, às 23h30, na Cultura.

Discovery Kids estreia  a série Peixonáuticos


Peixonáuticos é um jeito diferente de assistir Peixonauta, a premiada série de animação da TV PinGuim. Pois a nova produção, realizada em parceria com o canal Discovery Kids, estreia hoje, às 23h, com crianças interagindo com os personagens no Parque das Árvores Felizes. Elas vão plantar, cuidar dos animais, brincar, conversar, contar piadas, correr com a POP, dançar, cantar e fazer piquenique.

Descubra o que existe pra lá do sistema solar


O que existe além do sistema solar? Quem reponde são os especialistas entrevistados pela produção do canal History em “Nosso lugar na Via Láctea”, episódio inédito de O universo, hoje, às 19h. Usando técnicas de computação gráfica, o programa transporta o telespectador a lugares novos e misteriosos da galáxia, inclusive àqueles que eram desconhecidos até muito pouco tempo atrás.

Cantora Luz Marina dá  canja no Cultura livre


Na área musical, o grupo californiano AC DIV, um dos grandes nomes da nova geração do rap, participa do programa Manos e minas, às 17h, na Cultura. No mesmo canal, às 18h, o Cultura livre recebe a cantora e compositora sul-mato-grossense Luz Marina, que é filha da cantora Alzira Espíndola. Já a série Clássicos, às 21h30, apresenta um concerto da Orquestra do Teatro Bolshoi.

Sílvia descobrirá que foi Ernest o verdadeiro assassino da mulher e explodirá‏


CARAS & BOCAS » Filha do inimigo
Simone Castro

Estado de Minas: 14/12/2013 


Em Joia rara, Sílvia (Nathalia Dill) vai revelar sua verdadeira identidade para o amante (Renato Rocha Miranda/TV Globo-21/8/13)
Em Joia rara, Sílvia (Nathalia Dill) vai revelar sua verdadeira identidade para o amante

Por essa Viktor (Rafael Cardoso) não esperava: cada vez mais apaixonado por Sílvia (Nathalia Dill), ele romperá definitivamente com o pai, logo depois do nascimento do filho, em Joia rara (Globo). Franz (Bruno Gagliasso) descobrirá que a criança é do irmão e não sua, como pensava, e incentivará que o casal fique junto. Quando Ernest (José de Abreu) ficar sabendo do envolvimento de Viktor com sua nora, exigirá que ele deixe Sílvia. Viktor enfrentará o pai e o casal temerá pela reação do joalheiro. Eles então fugirão, se escondendo no ateliê de pintura do jovem. Lá, Sílvia contará a Viktor que ela é filha de Heitor Zampari, homem que foi acusado de matar a mãe dele. Depois da surpresa, Viktor sentirá raiva por conta das más intenções de Sílvia ao se infiltrar na sua família, mas em seguida a perdoará ao saber toda a história de seu pai. O romance, porém, durará pouco. É que a vilã sofrerá um acidente de carro e será dada como morta, pois o veículo explodirá ao cair de um precipício. Antes, Sílvia descobrirá que foi Ernest o verdadeiro assassino da mulher, mas não terá tempo de fazer a revelação.

PATRULHA SALVADORA
ESTREIA EM 11 DE JANEIRO


O SBT lançou em São Paulo a série Patrulha salvadora. Grande parte do elenco é formada por ex-integrantes da novela Carrossel, grande sucesso da emissora. Entre eles, Jean Paulo Campos, que interpretou Cirilo, e Larissa Manoela, a Maria Joaquina. A série, que terá uma primeira temporada de 13 capítulos, vai estrear em 11 de janeiro e irá ao
ar aos sábados.

GINO & GENO NO SHOW
SERTANEJO DA ALTEROSA


O Don & Juan e sua história, hoje, às 13h30, na Alterosa, recebe uma das maiores duplas da música sertaneja: Gino & Geno. Os músicos mostram sucessos como Mô deuso, Tô voltando, Bebo pra carai e Se quer matar o tio. Com os anfitriões, os convidados interpretam Amor distante.

NOVELISTA RECLAMA DE
DESCASO COM SUA TRAMA


O autor Aguinaldo Silva escreveu em seu blog sobre sua última novela, Fina estampa (Globo). Ele classificou de “descaso” a forma como foi tratada pela direção, mas não explicou se estava se referindo à direção da emissora ou da trama, a cargo de Wolf Maia. Vale destacar que Wolf também integrou o elenco, no papel do riponga Álvaro. “O melhor foi o reencontro com Lília Cabral, com quem fiz quatro novelas. E o pior foi o descaso com que a novela foi tratada, no seu terço final, pela direção. O telespectador não deve ter percebido, pois Fina estampa ainda é a maior audiência dos últimos cinco anos. Mas eu não perdoo”, afirmou.

RAFINHA BASTOS COM
UM PÉ NO CQC DA BAND


Depois da saída às pressas do CQC, há dois anos, por causa da polêmica em torno de uma piada de mau gosto que fez com a cantora Wanessa e o bebê que ela esperava na época, Rafinha Bastos pode voltar a integrar a bancada do humorístico da Bandeirantes. O site Notícias da TV divulgou que são fortes os rumores de que ele se juntará a Marcelo Tas e Marco Luque. Atualmente, Rafinha faz parte de A liga, também da emissora. O CQC, ainda segundo o site, terá duas baixas em 2014: Oscar Filho deixará a bancada, mas continuará com o quadro de denúncias “Proteste já”; e Mônica Iozzi, que se despedirá da reportagem.

CHAPADA GERAL

Susan Sarandon revelou, em entrevista a Andy Stone, que estava chapada em quase todas as premiações de que participou. O apresentador quis saber qual o maior evento em que ela esteve chapada. “Só um?”, disparou a atriz, que caiu na gargalhada. E completou: “Diria que estive chapada em quase todas, exceto os Oscars”. No rastro das premiações a que Susan, de 67 anos, foi indicada ou levou, a revista People fez as contas. A atriz teve oito indicações ao Globo de Ouro, cinco ao Oscar e quatro ao Emmy. Portanto, esteve chapada em público pelo menos 12 vezes.

VIVA
Félix (Mateus Solano), na versão pobre e vendedor de hot dog, cada vez melhor em Amor à vida.

VAIA
Anita (Bianca Salgueiro) aparece em dois lugares ao mesmo tempo em cenas de Malhação. Tosco.

ARNALDO VIANA » A moça e o maxixe‏


ARNALDO VIANA » A moça e o maxixe
Estado de Minas: 14/12/2013 




Restaurante, serviço self-service. Meio-dia, meio-dia e pouco. Ou um tanto para as 13h. A moça, bem vestida. Calças pretas, blusa branca estampada de flores amarelas. Cabelos alourados, presos. Um metro e sessenta e alguma coisa. Sapatos de salto de altura moderada. Pega o prato, encaminha-se às gôndolas de alimentos. Olha paras as bandejas com jeito de curiosa. Parece mesmo cuidadosa. Para diante do arroz integral. Examina-o. Decide se servir de meia colher. Ainda com o talher na mão direita, pensa um pouco, um pouco mais, antes de pegar outra meia colher. E segue contornando as gôndolas.

Para diante do feijão roxinho. De novo, o exame. Decide fazer o casamento culinário preferido do brasileiro: arroz com feijão. É tão cuidadosa ao se servir que parece contar os grãos. Evita o caldo. Devagarinho, dirige-se às saladas. Pega duas folhas de alface. Não sem antes levantar uma a uma, com o pegador, até a altura do peito, e examinar. Não viu a temível lagarta. Na bandeja adiante, algo vermelho, em cubos. Com o pegador, levanta um dos cubos. Não tanto quanto a alface. Vira de um lado, do outro. É moranga. Devolve-a.

Caminha lateralmente à gôndola, prato na mão esquerda, olhando as bandejas assim meio de esguelha. E vê algo meio verde, um tanto cascudo. Nem pega. Aproveita a chegada da funcionária que faz a reposição dos alimentos, e pergunta:

– O que é isso?
– É maxixe!
– Maxixe de quê?
– Como assim, maxixe de quê?
– Uai, como assim? Se fosse costela, poderia perguntar se seria de boi ou de porco, não? Moela não é de frango?
– Bem, maxixe é um vegetal!
– É mesmo? É gostoso?
– Há quem goste.
– E de onde vem o tal maxixe?
– Do mato. É nativo, meio selvagem. Dá muito no Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha.
– No mato?
– É assim. O boi o come, mas o organismo bovino não digere a semente. Assim, o boi, quando faz o chamado número dois, deixa a semente no chão, já adubada. Em pouco tempo nasce a rama.
– No esterco do boi? Eca!
– No esterco. A alface no seu prato também cresce adubada com esterco. Esterco de boi, de galinha, de porco…
– E esse negócio de rama?
– É no chão.
– No chão?
– Quando o maxixe é colhido, vem sujo de terra, assim como a alface.

A moça, com cara de espanto, entrega o prato à funcionária do restaurante e diz:

– Sempre gostei mesmo da comida que minha mãe sempre faz: arroz, feijão, bife e batata frita. Obrigada, querida. Vou comer um hambúrguer.
– E você sabe de que é feito o hambúrguer?
– Não. Mas sei de uma coisa: não leva maxixe nem alface.