segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Protestos violentos - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico - 17/02/2014

Protestos com uso da violência física não têm nenhuma justificativa - nem utilidade - em regimes democráticos


A discussão da violência na política não é trivial. Ela se justifica e pode até ser um imperativo moral, quando se vive numa ditadura desumana. Revoltar-se contra o nazismo era o que deveria fazer qualquer ser humano decente. Mas a violência deixa de ter cabimento quando há Estado de Direito e, além do mais, democrático, com o governo eleito pelo povo - como hoje acontece no Brasil.

Mesmo assim, há setores da opinião que defendem ou desculpam o uso da violência. Sua principal justificativa é a violência da polícia. Creio que todos temos visto as listas de pessoas mortas ou desaparecidas em função da violência policial. Mesmo as UPPs do Rio de Janeiro, que têm sido apresentadas como um sucesso em matéria de segurança pública, portam em seu passivo o desaparecimento do pedreiro Amarildo. E é exemplar o recente vídeo de Fábio Porchat, em que o humorista - vestido à paisana, com um amigo idem - aborda uma viatura da polícia com a truculência que muitos policiais empregam contra os moradores da periferia. Ele nos deixa com um riso amargo, porque por trás da graça sabemos que há uma dura verdade. E pior, sabemos que Fábio Porchat foi ameaçado de morte, justamente por esse vídeo, razão pela qual lhe presto aqui minha solidariedade, embora não o conheça pessoalmente.

Mas quer isso dizer que a violência contra a polícia, contra "o Sistema", seja legítima?

Nem a violência do Poder justifica protesto violento

Penso que vale a pena lembrar aqui o padre Hélder, como foi conhecido ao longo da vida aquele que passou seus últimos anos como arcebispo de Olinda e Recife, homem franzino que foi uma das lideranças morais do País em tempos da ditadura militar. Pois bem, ele sempre condenou o recurso à violência, que na década de 1970 se chamava luta armada.

Sua explicação era simples. Dizia ele que há uma violência número 1, que se constitui no uso constante da força bruta - e de instrumentos legais mais discretos - contra os mais pobres. O Brasil, como muitos países, tem esse pecado de origem. Ele não aparece só no desaparecimento de Amarildo. Está presente até quando dois professores, no alto da hierarquia universitária, trocam mensagens pelo Facebook ridicularizando um suposto pobre que está na sala de espera do aeroporto. "Aeroporto virou rodoviária", diz uma; "acabou o glamour do avião", responde o outro. O irônico é que o alvo da zombaria na verdade é advogado e procurador de uma cidade mineira - não é um pobre. Mas os posts insensatos mostram que a maioria da população não é bem-vinda em lugares, como aeroportos e shopping centers, que pertenceriam às classes média e alta. Isso é violência, embora ela somente se torne física se e quando chegam os seguranças para enxotar o mal-vindo.

Dos que recorreram à luta armada, contra a violência número 1, no começo da década de 1970, dizia dom Helder que praticavam a violência número 2 - que ele também condenava. Esses atacavam os sustentáculos do poder: militares, policiais, torturadores. Eram chamados de terroristas, o que está errado - terroristas difundem o terror, indiscriminadamente, no meio de populações civis. Mas o arcebispo era contrário também a essa violência. Lembro ouvi-lo, na TV francesa, dizendo que bom no uso das armas é quem já pratica a violência, a número 1. Vai um estudante de Ciências Sociais vencer no tiro um atirador do Exército? Sem chance! Ele apenas se oferece, tolamente, para lutar no terreno em que certamente perderá para o inimigo. Pois é na palavra que funciona melhor a oposição à ditadura, o movimento que luta contra "a desordem estabelecida", para usar o termo do existencialista cristão Emmanuel Mounier. Em suma, os autoritários são melhores na violência, especialmente armada, e os democratas na palavra. Então, usemos a palavra!

Para mim, este argumento é decisivo. Se somos bons de discurso, esta é nossa arma. Faria exceção para o nazismo, que só caiu devido a uma guerra - mas vejam que o comunismo caiu, não em campos de batalha mas devido ao descontentamento dos cidadãos, expresso em falas clandestinas que finalmente se tornaram públicas. A palavra é poderosa.

Helder Câmara passava então à violência número 3. Esta era a resposta do Establishment armado à violência número 2, à violência que se dizia "do oprimido" (e que, no caso do Brasil, foi obra de uma minoria, sem conseguir o apoio - justamente - dos oprimidos). As ditaduras, alegando lutar contra um terrorismo que por sua vez reagia à suspensão da democracia, faziam a escalada da agressão. Operação Bandeirantes, esquadrão da morte, tortura foram exemplos dessa violência terceira. Felizmente, isso acabou, ou na verdade, reduziu-se muito. E baixou graças a muita luta, quase toda ela civil e desarmada.

O Brasil hoje é uma democracia. Tem falhas. Perdura uma grande exclusão social, apesar dos avanços dos últimos anos. Além disso, os serviços que o Estado deve à sociedade são prestados com pouca qualidade, o que tem a ver com ineficiência, más prioridades, corrupção e, sobretudo, pouco peso político da cidadania. Mas a cultura e as instituições democráticas que construímos permitem que a luta se dê pela palavra. Já a violência física põe fim a toda conversa, toda negociação, toda comunicação. Ela vai, portanto, na direção oposta do que alega quem a defende nas ruas. Impede a discussão. Impede a própria esquerda de promover campanhas políticas em prol de uma mudança política e social. É justamente na Colômbia, o único país sul-americano que tem uma guerrilha ativa, que é maior a rejeição popular à esquerda. Será coincidência? O uso da violência física deve sempre ser exceção, nunca a regra.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br


TeVê

Estado de Minas: 17/02/2014

TV paga



 (Paris Filmes/Divulgação)
Guarde este nome

Revelação do cinema até um tempinho atrás, a jovem atriz Saoirse Ronan cresceu e hoje, às vésperas de completar 20 anos (em 12 de abril), é uma das estrelas mais cobiçadas de Hollywood. Por causa disso é relevante conferir o talento da moça em A hospedeira, aventura que estreia esta noite, às 22h, no Telecine Premium. A trama se desenvolve em um planeta sem problemas climáticos, fome e violência, mas dominado por alienígenas que vivem como parasitas nos corpos humanos.

Conheça o cinema da
libanesa Nadine Labaki

Um vilarejo no Líbano é cenário de um conflito brutal entre cristãos e muçulmanos, deixando muitas perdas às famílias. Esta é a trama de E agora, aonde vamos?, dirigido e estrelado por Nadine Labaki, às 22h, no Telecine Cult. No mesmo horário, o assinante tem mais seis boas opções: O capitão Corelli, no Glitz; Minority reporte – A nova lei, na MGM; Ameaça terrorista, no Max Prime; O último desafio, no Telecine Pipoca; Amostras grátis, na HBO 2; e Bird, no TCM. E ainda O último jantar, às 21h, no Comedy Central; e Homem de Ferro 2, às 22h30, na Fox.

Intervenções urbanas
são notícia no Futura


De hoje a sexta-feira, às 17h, no Canal Futura, será apresentada a série de reportagens “Intervenções artísticas urbanas”, dentro do Jornal Futura. Juliana Wexel e equipe vão mostrar obras e propostas artísticas que dialogam com público e tratam de questões sociais, como a mobilidade urbana e a sustentabilidade ambiental, nas ruas do Rio de Janeiro e São Paulo.

O vilão é quem narra a
trama em Godforsaken


O suspense policial Godforsaken: assassinos verdadeiros retorna hoje ao canal +Globosat, em uma segunda temporada, na faixa das 21h. A produção é baseada em histórias reais de assassinatos que aconteceram na Europa, mas tudo narrado pelo ponto de vista do criminoso.

Série Truques da mente
de volta hoje no NatGeo


Também em nova temporada, Truques da mente reestreia hoje, às 22h30, no NatGeo. E este terceiro ano será aberto com episódio duplo, com Jason Silva oferecendo um olhar abrangente do cérebro. O objetivo do cidadão é mostrar como ele nem sempre reage de acordo com a idade de uma pessoa.

Para matar a saudade
do professor Raimundo


No Viva, a série Toma lá, dá cá e a clássica Escolinha do Professor Raimundo estão de volta numa maratona de hoje a sexta-feira. Segundo a emissora, os programas de Chico Anysio como Professor Raimundo são inéditos e serão exibidos sempre às 20h, com reprise no domingo, a partir das 19h45. Já os episódios da galera do Edifício Jambalaya vão ao ar às 20h45.

Portela abre esta noite o
carnaval do Canal Brasil


O Canal Brasil abre hoje sua programação especial de carnaval com o documentário O mistério do samba, às 19h. Com direção de Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda e as participações especiais de Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho, o longa focaliza a Velha Guarda da Portela, com Marisa Monte conduzindo parte das entrevistas.



Caras & Bocas  Simone Castrosimone.castro@uai.com.br

Sílvia (Nathalia Dill) recupera a memória e se lembra de quem é seu grande inimigo    (Renato Rocha Miranda/Divulgação)
Sílvia (Nathalia Dill) recupera a memória e se lembra de quem é seu grande inimigo

Vilão que se cuide!

Manfred (Carmo Dalla Vecchia) bem que tentou, mas suas armações foram por água abaixo. Em Joia rara (Globo), Sílvia (Nathalia Dill), finalmente, vai recuperar a memória e se lembrar que foi o vilão e não Franz (Bruno Gagliasso), como ele tentava incriminar, quem provocou o seu acidente de carro. Presa na mansão dos Hauser, agora comandada por Manfred, Sílvia pede que seus amigos que cuidaram dela quando do acidente a ajudem a fugir. Quando está prestes a escapar, Manfred aparece e Sílvia tem que inventar uma desculpa. O novo jardineiro da mansão, então, procura Viktor (Rafael Cardoso), diz que Sílvia se lembrou de tudo e que Manfred não a deixa sair. Franz diz ao delegado que se entregará, mas que antes a polícia precisa tirar Sílvia da mansão. Na delegacia, Sílvia acusa Manfred. Depois, ela revela a Viktor que planejou o assalto à joalheria da família com Manfred. O rapaz decide contar ao pai, Ernest (José de Abreu), como Manfred comprou as ações da fundição.

GRUPO DE RAP É ATRAÇÃO DO
REDE JOVEM DE CIDADANIA


O Fúria Negra, grupo de rap formado em 2002, em Belo Horizonte, é a atração do Rede jovem de cidadania desta segunda-feira, às 17h30, na Rede Minas. Os músicos fizeram um vídeo mostrando a realidade da comunidade do Aglomerado das Pedras, composto por sete vilas, nas quais residem aproximadamente 20 mil moradores. A intenção inicial do vídeo era proporcionar a gravação do videoclipe Dias melhores, uma música composta pelo grupo. Mas surgiram novas ideias e o trabalho se transformou em uma oportunidade de levantar discussões em torno da comunidade.

AUTOR DESCARTA INCESTO
NA TRAMA DE EM FAMÍLIA


Helena (Julia Lemmertz) e Luiza (Bruna Marquezine) vão disputar o amor de Laerte (Gabriel Braga Nunes), na novela Em família (Globo). Uma dúvida, porém, está no ar: a jovem é ou não é filha de Laerte? Na transição da segunda para a terceira fase, não ficou claro se, afinal, Helena continuava grávida do namorado. No capítulo em que Neidinha (Jessica Barbosa) é estuprada, ao chegar em casa suja e descabelada, Helena passa mal e aperta a barriga, lembra? Pois, naquele dia, ela perdeu o bebê. No capítulo de quarta-feira tudo será esclarecido. Luiza é filha de Virgílio (Humberto Martins). Em tempo: o reencontro entre Helena e Laerte será no capítulo que vai ao ar dia 25, quando, no enterro de Itamar (Nelson Baskerville), eles se reencontrarão em Goiânia.

FAUSTÃO FARÁ SUA ESTREIA
NO SAMBÓDROMO CARIOCA


Só mesmo uma grande amizade para levar Fausto Silva a desfilar na Marquês de Sapucaí. Ele topou sair na escola de samba Beija-Flor, que vai homenagear José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que já foi um dos poderosos da Globo. Será que o apresentador do Domingão do Faustão vai mostrar samba no pé?

VÍDEO SHOW RECEBE HOJE
A ATRIZ ADRIANA ESTEVES


A Globo estreia hoje a inversão de horários do Vale a pena ver de novo e Sessão da tarde. Com isso, logo depois do Vídeo show, será exibido o filme Marley e eu e na sequência a novela Caras & bocas. Para tentar segurar a audiência e não deixar que o Vídeo show a derrube, como vem ocorrendo, a convidada da atração será Adriana Esteves, que vai receber homenagem por sua carreira, com destaque para personagens como a Catarina de O cravo e a rosa e, claro, a vilã Carminha, de Avenida Brasil.

SURPRESA DO MANECO
Autor de Em família, já anunciada como sua última novela, Manoel Carlos revelou que prepara uma surpresa para o telespectador. Em entrevista à revista Caras, ele contou que vai aparecer como ator na trama. O novelista estreou na TV em 1951, no programa Grande teatro Tupi, na extinta TV Tupi, em que também trabalhou como ator. "Achei bacana ter atuado, gostaria de relembrar, é uma ideia que vou aproveitar", adiantou ele, sem revelar detalhes do personagem.

PLATEIA

VIVA  - O Globo repórter mostrou pessoas que prosperam no verão, algumas bem ao estilo “se vira nos 30”. Ótimo!

VAIA  - Em família, Virgílio (Humberto Martins), pelo visto, continua com aquele ar apático e reticente da juventude. 

Alceu Valença lança o disco Amigo da arte

Só alegria
 
O cantor e compositor Alceu Valença lança o disco Amigo da arte, que traz repertório dedicado às diferentes manifestações do carnaval pernambucano


Walter Sebastião
Estado de Minas: 17/02/2014


Para Alceu Valença é preciso defender as raízes do carnaval para evitar a pasteurização e a
Para Alceu Valença é preciso defender as raízes do carnaval para evitar a pasteurização e a "glamourização do lixo cultural"

Está disponível apenas para compra digital disco muito especial: Amigo da arte (Deck Discos), que traz as músicas de carnaval de Alceu Valença. O mais famoso folião do carnaval pernambucano não economizou verve, boa música e poesia. É CD 100% Alceu Valença. Tem frevos antológicos, mas também apaixonada defesa da cultura popular do Brasil, enfatizando as muitas músicas carnavalescas que fazem a folia na terra natal do músico. Tem maracatus, cirandas e caboclinhos. A maioria das composições é de Alceu, mas há alguns clássicos no repertório. O que se ouve, de forma que emociona, é saudação ao carnaval dos poetas e suas musas, da alegria e busca do amor e da felicidade, que, terminado, deixa saudade no coração.
Alceu Valença reage à indagação sobre demora para fazer o disco de carnaval, algo tão próximo de seu universo. “Para mim o tempo não existe, passado, presente, futuro é ao mesmo tempo”, afirma. Depois justifica: por ter participado de todos os discos do projeto Asas da América, concebido por Carlos Fernando, com artistas os mais diversos cantando canções do carnaval pernambucano, achava que trabalho assim iria se chocar com o projeto do parceiro recém-falecido e homenageado no disco. Reouvindo as gravações, realizadas em Portugal, observando relações entre o Recife antigo e Lisboa – “vi semelhanças entre o frevo dos blocos e o fado” –, reconsiderou. Gravou, inclusive, clipe da música O homem da meia-noite na capital portuguesa.

“Amigo da arte traz o lirismo e a loucura do carnaval pernambucano. É panorama de uma festa que não tem nada a ver com a da Bahia. O sotaque é outro”, explica Alceu, estabelecendo ainda diferenças com a folia carioca. E se esparrama de afeto pela diversidade de manifestações do Recife, pela variedade de frevos, blocos malucos que cruzam as ruas, pela poesia portuguesa “na língua do povo”. “Na minha terra os poetas populares são eruditos”, defende. E tira o chapéu para o compositor Capiba. “É o meu imaginário que bate no imaginário do povo brasileiro. E lá existem raízes lusitanas, indígenas, negras. Nossa alma é alma, não soul”, afirma.

“Ser amigo da arte é gostar da arte e não ser simplesmente um boneco da indústria do entretenimento. A pessoa precisa saber que um jingle tem uma loja por trás, é pensado, é matemático, feito a partir de um briefing. Arte, para mim, existe na canção que sai do coração para a boca. Me interessa o que é arte verdadeira”, afirma Alceu Valença. Menino nascido no “sertão profundo”, traz na lembrança o encanto que sentiu ao ver variados tipos de blocos passarem diante da porta da casa dele, na Rua Palmares, ao se mudar para o Recife com 10 anos. Cultivou na juventude o hábito de passar o carnaval em Pernambuco, não só vendo os grupos da capital, mas também visitando cidades próximas, onde pôde ver e ouvir caboclinhos e maracatus e outros grupos.

O entusiasmo com o “carnaval atemporal” de Olinda, onde se pode ouvir ainda hoje a música dos anos 1920 e frevos do século 19, vem junto com constatação dolorida: “Tudo isso está ameaçado. Só se ouve o batidão, o bate-estaca. Embolada virou rap, samba-canção se tornou balada. Onde está o frevo? E o maracatu? Universal é só o que vem da América do Norte?”, indaga. “Temos carnaval sofisticado, que ninguém conhece. Vivemos sob ditadura da mídia que toca um gênero só, o do Rio de Janeiro”, afirma indignado. “Não estou entrando na questão da qualidade ou dizendo que a música de Pernambuco é melhor, mas cada lugar tem o direito a seu carnaval. Precisamos voltar para nossas raízes ”, afirma o cantor e compositor, criticando o que chama de “glamourização do lixo cultural”.

Catarse “Não nego as minhas raízes, crio a partir delas algo original. É por fazer isso que sou Alceu Valença, não Bob Marley, nem Paul McCartney ou Mick Jagger”, afirma o pernambucano. O artista têm 68 anos e nasceu em São Bento do Una, interior de Pernambuco, mas frisa que ama outras três cidades: Olinda, Rio de Janeiro e Paris. Formado em direito, em 1969, desistiu das carreiras de advogado e jornalista para se dedicar à música. “Vivi cercado de artistas verdadeiros, por isso decidi fazer arte. Meu pai não queria que eu me dedicasse à música, mas não obedecia. Não obedeço a ninguém até hoje. Faço o que quero”, garante.

Entre as lembranças de infância, ligadas ao carnaval, destaca ter visto o pai conversando com o maestro e compositor Nelson Ferreira (1902-1976), especialista em frevos e diretor artístico do selo Mocambo (o único no Brasil dos anos 1950 fora do eixo Rio-São Paulo). “Era um mito que estava na minha casa. Um homem que era reflexo para o povo e vice-versa.” Com emoção lembra-se de show, no Marco Zero, no Recife, carnaval fora de época registrado em DVD: “Foi uma catarse. Eram 160 mil pessoas mostrando que não tinham vergonha da cultura delas”. Está previsto para ser lançado antes do carnaval o clipe O homem da meia-noite e a versão física do disco Amigo da arte.

CONVITE


 (Tropicana/Divulgação)

A capa do disco Amigo da arte reproduz convite de casamento de Alceu Valença com Yanê Montenegro, desenhado pela pintora Marisa Lacerda. A imagem sinaliza diálogo do novo trabalho com o disco Maracatus, batuques e ladeiras (1994), que também tem capa com desenho da artista.


Palavra de especialista

Rodrigo Toffolo - Regente da Orquestra Ouro Preto


Simplesmente brasileiro

Existe na música de Alceu Valença um sentimento de brasilidade forte. E quando dizemos Brasil é preciso lembrar que se trata de país grande, com diversas formas de falar, comer, viver, vestir. Alceu é daqueles artistas que passam sentido de nação, que fazem a pessoa se sentir brasileiro ao ter contato com sua arte. São composições benfeitas, bem pensadas e desafiadoras, mas que soam simples, que falam diretamente a nós. E conseguir soar simples é o segredo da boa música e das grandes figuras.
(Em maio será lançado o DVD Valencianas, com Alceu Valença e Orquestra Ouro Preto.)


Três perguntas para... Alceu Valença, músico


O carnaval é parte da sua formação musical?
Ele é uma das referências da minha música. Tudo meu é pessoal, porque é vivenciado. Tenho o Nordeste profundo, o sertão profundo, caminho de Pernambuco a Minas pela margem esquerda do São Francisco, onde se estabeleceu a civilização do couro. Sei cantigas medievais, aboios dos vaqueiros. Quando fui para o Recife, morei na Rua dos Palmares, onde, durante o carnaval, passavam todas as manifestações. O que ouvi foi o frevo de orquestra, as pessoas cantando em coro, carnaval em que não se fazia muita bagunça. A diversidade do carnaval pernambucano se fundiu à minha personalidade, que também é assim.

Qual é a alma do carnaval?

A alegria que passa em quatro dias, uma alegria passageira. Como o ser humano é alegre e nostálgico, isso se reflete nas músicas. É como diz a música de Luiz Bandeira: “Ó quarta-feira ingrata/ chega tão depressa/só pra contrariar/ quem é de fato/ um bom pernambucano/ que espera um ano/ e se mete na brincadeira/ esquece tudo quando cai no frevo/ e no melhor da festa chega a quarta-feira”. O carnaval traz momentos lúdicos, mágicos. Você pode fantasiar, pode ficar bêbado, fazer merda. É ótimo.

Onde você passa os dias de folia?

Em Pernambuco: Olinda e cidades próximas. Tudo que está no disco Amigo da arte tem nas ruas de Recife: frevo de canção, de bloco, de orquestra; afoxé; ciranda; maracatu rural e baque virado. À noite, o Marco Zero é um grande quartel-general do frevo, especialmente bom, porque não tem arma, tudo é só brincadeira. É o meu carnaval. Sou dos que acham que não tem essa história de um carnaval ser melhor do que o outro. O do Rio é o do Rio e o de Olinda o de Olinda. Ouro Preto tem um carnaval maravilhoso, que tem de ser cultuado. Cada um tem o seu jeito e o direito de ser o que é.

Eduardo Almeida Reis-Inacreditável‏

Inacreditável 
 
Depois do almoço, acendo imenso puro de Havana e encaro o teclado ouvindo Beethoven. Gosto muito 
 
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 17/02/2014




Telefonema de um amigo mineiro residente em Bangcoc, Tailândia, às 8h40 daqui, 17h50 de lá, dia 27 de janeiro de 2014. Na véspera e na antevéspera, em toda a semana anterior, a imprensa nos falou dos protestos tailandeses contra a primeira-ministra Yingluck Shinawatra, não raras vezes chamada primeiro-ministro, da “guerra” nas ruas de Bangcoc, essas coisas que embalam o telejornalismo brasileiro. Pausa para explicar que Yingluck Shinawatra é um pitéu, iguaria como raramente se viu ou se vê na condução dos destinos de um país. Dá de mil a zero nas outras. Pois muito bem: pergunto ao amigo mineiro como estão as coisas por lá e ele me diz que não há “absolutamente nada”, que faltam 10 minutos para as seis da tarde e sua mulher está na rua fazendo compras com uma amiga. Ele recomendou que as duas voltem para casa depois das seis, porque, às vezes, há uns apitinhos noturnos. E disse mais: perigosa, mesmo, é Belo Horizonte, onde nasceu e foi criado. Claro que a Tailândia tem problemas; não há país que não os tenha. Vou mais longe: nunca houve grupo humano que não os tivesse. Em defesa do antigo Reino do Sião, seja dito que tem uma administradora da melhor palatabilidade, um pitéu desejado pelos homens que ainda gostam de mulheres. A partir desse fato a gente pode ampliar o noticiário internacional e philosophar sobre a atração midiática pelo noticiário ruim, ainda que seja inventado ou aumentado. Será que vende revistas e jornais? Será do gosto dos telespectadores? Tenho minhas dúvidas e me despeço por aqui, deixando que o leitor tire suas conclusões a partir do episódio tailandês.

Influenciação

Com todo o respeito, pergunto ao leitor: qual é o seu nível de influenciação, de se deixar influenciar? Confesso que sou muito influenciável – no bom sentido, naturalmente. Até hoje não me deixei influenciar pela roubalheira que vai por aí. Nunca vendi uma linha das colunas que escrevo há quase meio século. Sei de casos de profissionais engavetados. Sempre que um amigo me manda um texto do fulano, deleto sem ler e pergunto ao remetente do e-mail: “Você acredita no fulano?”. Foi jornalista de talento, mas faz tempo que anda na gaveta. É hoje um talento engavetado e não é o único. Paciência. Não sou palmatória do mundo e me limito a deixar de ler seus textos. Mas sou influenciável, sim, como neste momento, em que vejo aqui na mesa do computador o CD de Beethoven: Symphony nº 9, regência de Carlo Piantelli. Já ouvi a Nona um caminhão de vezes. O motivo de o CD estar aqui foi o Manhattan connection, quando fiquei sabendo do documentário de 74 minutos sobre aquela sinfonia, produzido por um californiano que só tomou conhecimento da existência de Beethoven aos 20 anos. Até então ouvia rock. Tenho a Nona regida por maestros mais conhecidos que Piantelli, mas o CD dele foi o primeiro que encontrei nas estantes. Depois do almoço, acendo imenso puro de Havana e encaro o teclado ouvindo Beethoven. Gosto muito. É impossível não gostar de Beethoven. No tal documentário, segundo disseram no Manhattan, há grupos de 10 mil, 20 mil japoneses cantando a Nona, paixão quase universal. Ressalvado o aiatolá Ruhollah Khomeini, autor do Livro verde, deliciosa obra que ensina, entre outras coisas igualmente úteis, a posição que muçulmanos devem adotar na hora de fazer cocô. Perguntado sobre Beethoven e Bach, o santo homem respondeu: “Não conheço”.

O mundo é uma bola

17 de fevereiro de 1600: o papa Clemente VIII condena o filósofo Giordano Bruno à morte, na fogueira. Nascido Ippolito Aldobrandini, Clemente VIII era advogado e foi aluno de São Felipe Neri. Em 1602, com a bula Incrustabile Divine, Clemente VIII fundou a Congregatio de Propaganda Fide (Congregação para a Propagação da Fé). Também foi ele o responsável, em 1592, pela solução do conflito em torno do texto oficial da Bíblia publicando a Vulgata. Em 1596, reeditou o Index Librorum Prohibitorum, mas teve a virtude de liberar o consumo de café na Europa. Giordano Bruno foi teólogo, filósofo, escritor e frade dominicano nascido em Nola, Reino de Nápoles, em 1548, churrasqueado em Roma em 1600. Donde se conclui que advogados e frades dominicanos sempre foram muito perigosos. Em 1800, desempatando o resultado das eleições norte-americanas, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos decide que Thomas Jefferson será o presidente e seu concorrente Aaron Burr Jr., o vice. Em 1867, o primeiro navio atravessa o Canal de Suez. Em 1941, mostrando que 17 de fevereiro não é dia bom para a fradaria, o frade franciscano polonês Maximiliano Kolbe é preso pela Gestapo, porque abrigava e protegia muitos refugiados, incluindo cerca de dois mil judeus. Em 1956, o Território Federal do Guaporé teve seu nome alterado para Território Federal de Rondônia, hoje estado que tem fornecido brilhantes políticos ao Piscinão de Ramos. Em 1943, nasceu Fernando Gabeira, texto rápido e brilhante, pai de bela surfista.

Ruminanças

“Tenho um instinto para amar a verdade, mas é apenas um instinto” (Voltaire, 1694-1778).

SAÚDE / MUITO ALÉM DO PESO » A culpa não é da fome‏

A culpa não é da fome
 
Fatores emocionais estão intimamente ligados ao grave sobrepeso da população. Por essa razão, atendimento psicológico é fundamental para compor o tratamento multidisciplinar


Luciane Evans
Estado de Minas: 17/02/2014






Não foi só a comida e a falta de exercícios físicos que levaram Graça Aparecida Domingos, de 45 anos, a chegar a 178 quilos. Com diabetes e pressão alta, a mulher, que sai de Ibirité, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, para ir à capital toda semana em busca de um psicólogo e nutricionista, diz que teve obesidade de grau 3 depois que seu marido assassinou a filha deles, de 1 ano e 3 meses, há 10 anos. "Com esse golpe da vida, não cuidei mais de mim. Tive depressão e descontava tudo na comida. Não tinha controle sobre isso. Só consegui me levantar quando meu ex-marido foi preso, há pouco tempo", revela. A história de Graça é um exemplo do que a medicina já considera como um dos passos no caminho da obesidade: os fatores emocionais.

Sem uma única causa definida, a obesidade é decorrente de questões multifatoriais, ou seja, ela é fruto de várias vertentes que podem estar agindo isoladamente ou em conjunto. Entre elas, está a ingestão aumentada de calorias, diminuição da atividade física, idade, fatores genéticos e emocionais. Mas o psíquico já se tornou para os médicos um dos gatilhos-chave para o excesso de peso.

"Os outros fatores podem ser controláveis se a cabeça estiver bem. Se não estiver sã, nada resolve. É claro que vai chegar a um ponto em que a pessoa vai precisar de uma cirurgia, mas, se a mente não estiver saudável, mesmo depois de um procedimento cirúrgico, o paciente volta a ganhar peso", comenta o professor do Departamento de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro da diretoria da Associação Mineira de Psiquiatria Frederico Garcia.

Neste segundo dia da série especial do Estado de Minas “Muito além do peso”, a doença é analisada por especialistas sob o aspecto psicológico dos obesos com o grau mais elevado da doença e, consequentemente, o de maior risco de vida. Como o EM mostrou ontem, muitos mineiros, com diagnóstico para esse nível máximo da enfermidade, têm saído de suas cidades em busca de tratamentos psicológicos e nutricionais, já que dizem não encontrar esse tipo de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) nas localidades onde moram.

Quando atendidos na capital, muitos, inclusive, conseguem emagrecer mais de 30 quilos com ajuda dos profissionais. Por que esse atendimento é tão importante? Em que o tratamento psicológico pode contribuir para a perda de peso? "O que move esse paciente ao alimento não é fome", afirma o médico endocrinologista e doutor em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Rodrigo Lamounier.

Considerando o problema complexo, Lamounier lembra que a genética tem um papel importante nesses casos, mas "não podemos atribuir o aumento no número de pessoas obesas no mundo a esse fator. A carga genética da população demora séculos para mudar, e há 20 anos estamos vendo uma explosão no número de casos de obesidade".

Ele ressalta que, muitas vezes, a alimentação tem mais a ver com a questão de preenchimento de outras coisas que não são a fome. "A pessoa preenche aquela angústia e vazio com a comida. Mas, à medida que vai perdendo o controle, começa a ser rejeitada pela sociedade, é vista como preguiçosa", comenta. Com isso, de acordo com ele, as pessoas que sofrem com a doença acabam se isolando cada vez mais. "É um círculo vicioso. Há a rejeição, surgem os problemas de limitação e outros decorrentes do sobrepeso. E ela desconta nos alimentos", analisa.


"A pessoa preenche aquela angústia e vazio com a comida. Mas, à medida que vai perdendo o controle, começa a ser rejeitada pela sociedade, é vista como preguiçosa", Rodrigo Lamounier, endocrinologista

Alimentação, sedentarismo e o lado psíquico influenciam

Uma decepção como a de Graça, com a morte de seu bebê, de acordo com o psiquiatra Frederico Garcia, pode ser considerada o transtorno de estresse adaptivo, em que o paciente passa por uma perda e isso o faz comer mais. Ele afirma que são vários os pontos que desencadeiam a obesidade, sendo o primeiro a má alimentação, depois a vida sedentária e o terceiro psíquico. "Há muitas pessoas que sofrem de hiperfagia bulímica, que é a forma patológica de comer. Quando ela tem crises, come sem ter prazer, até chegar a sensação de empazinamento. Ela para de comer e tem mal-estar, e espera ter a sensação de vazio para comer tudo de novo. A outra situação é a depressão e a ansiedade. No caso da primeira, algumas pessoas têm aumento do apetite e, como estão deprimidas e não conseguem sequer se levantar por causa disso, vão se fechando, sem ir a uma academia ou se movimentar. Hoje, para diagnosticar uma depressão, um dos sintomas avaliados é justamente o aumento no apetite", acrescenta Garcia.

No transtorno de ansiedade, segundo o psiquiatra, o paciente tem uma sensação de medo de que algo vai ocorrer de errado. "Muitas vezes, ele tem alteração no apetite e do metabolismo, o que pode causar a obesidade", diz. Por essa quantidade de fatores psíquicos que podem levar a um aumento de peso, Garcia defende que para um tratamento da obesidade, antes de tudo, é preciso discriminar sua causa. "Se for um problema endócrino, como hipotiroidismo, deve ser tratado como tal. Mas, se é uma obesidade secundária, o certo é tratar o transtorno psquiátrico antes da obesidade ou de pensar em cirurgia."

REDES SOCIAIS Um fenômeno que tem contribuído para melhorar os transtornos psicológicos em obesos com grau 3 da enfermidade é, segundo a psicóloga voluntária no Núcleo Mineiro de Obesidade (Nuobes) Sandra Vaz Lisboa, as redes sociais. "Os obesos já se sentem excluídos da sociedade e encontraram em páginas como Facebook um ‘lugar’ onde podem ser o que querem. Mas há riscos nisso. Há ali muitos grupos de discussões que mostram obesos que emagreceram rápido após a cirurgia, que perderam tantos quilos e outras histórias. Quem não conseguiu o mesmo resultado se sente frustrado e isso é um perigo", comenta a psicóloga.

Sandra morou 13 anos nos Estados Unidos, onde trabalhou com a educação dos pacientes. "Vejo que no Brasil não existe um programa eficiente para a perda do peso. Há medicamentos, atividades físicas e nutricionistas. Mas como fazer isso? Como falar para um obeso sobre isso?", comenta. De acordo com ela, existem estratégias para esse tratamento. "Todos que atendo falam sobre depressão e ansiedade. Eles se sentem excluídos da sociedade, sentem que as pessoas estão rindo deles e, assim, não se sentem à vontade de ir a uma academia ou caminhar nas ruas. E vão se fechando e evitando os amigos, e o que sobra a eles para serem felizes? Comida. A psicologia tem que fazer um caminho de volta para essas pessoas, propor metas e socializar esses pacientes", diz.

Problema multifatorial

A obesidade não é considerada uma doença mental. É uma enfermidade multifatorial, na qual aspectos hereditários, metabólicos, ambientais, comportamentais e psicológicos interagem de um modo ainda não totalmente compreendido pela medicina. Veja quais os transtornos psicológicos que podem ajudar a desencadear a obesidade severa:


GLOSSÁRIO

» Estresse adaptativo


Indica um evento ou acontecimento que exige do indivíduo uma reação adaptativa
à nova situação. No caso do obeso, a não superação do ocorrido pode desencadear a compulsão por comida.

» Hiperfagia


É um episódio em que o indivíduo com bulimia tem ataques de excesso alimentar, incluindo na maioria das vezes doces e alimentos com alto teor calórico, tais como sorvetes ou bolos. Durante esse episódio o indivíduo perde o controle, seguido de uma calma repentina. Essa calma é sempre seguida de raiva de si mesmo. No caso do obeso, muitos vomitam e esperam a sensação de vazio para comer tudo de novo.