sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Eleitor - Eduardo Almeida Reis

Eleitor


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 31/10/2014

Escrevo estas bem traçadas linhas três dias antes do segundo turno, depois de conversar com uma brasileira de 45 anos, que me disse: “Meu filho me pediu para votar no Aécio, mas eu vou votar na Dilma, porque o governo dela foi muito bom para mim”. Nada lhe perguntei: sua declaração de voto foi espontânea. Fumava meu charutinho e fumando fiquei, mas desandei a philosophar: conheço a brasileira há muitos anos, tempo suficiente para saber que não pode votar.

Ela e mais 20, 40, 80 milhões de eleitores sem as mais mínimas condições de escolher, pelo voto, as pessoas que devem governar o país. Falei 80 milhões? Esquece. Li em algum lugar que o nosso eleitorado passa dos 140 milhões e afirmo sem medo de errar: cerca de 130 milhões não têm condições de eleger ninguém. Têm seus títulos e a obrigação de votar, mas não têm condições de escolher. Preciso explicar por quê?

Abstinência
Deu no Ancelmo: “A pastora Sarah Sheeva, de 41 anos, filha de Baby do Brasil e Pepeu Gomes, que está há mais de 10 anos sem sexo, vai fazer uma conferência para mais de 2.500 solteiros, no dia 1º de novembro, no Palácio das Convenções do Anhembi. Na pregação, Sarah ensina as mulheres a não serem ‘cachorras’, e os homens a serem ‘príncipes’.

No fim do culto, vai fazer um baile barroco com música gospel: ‘Quero acabar com essa cultura maligna de que solteiro não é feliz. No baile, homens e mulheres poderão fazer amizades’. É. Pode ser” – conclui o jornalista nascido em Frei Paulo (SE), na microrregião do Carira, onde os freipaulistanos nunca passaram um dia sem sexo.

Sarah Sheeva Cidade Gomes (Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1973), que não é feia, é uma cantora, compositora, arranjadora, escritora, palestrante e pastora. Nasceu com o nome de Riroca, mudado em 1992 para Sarah Sheeva inspirada na filha de Nina Hagen, Cosma Shiva Hagen. Em 1991, Sarah iniciou sua carreira nos bastidores musicais como figurinista. Depois se tornou desenhista de alta costura. Em 1991, quando ainda se divertia no leito, Riroca teve a filha Rannah Sheeva.

Pausa para explicar que a comadre veio me chamar para o almoço. Depois do café expresso, acendo um Cohiba e volto à abstinência sexual da bela pastora. Acho que ela fez muito bem quando trocou seu nome de batismo, que rimava com um substantivo feminino muito ligado ao sexo, cuja etimologia, segundo Nascentes, vem do tupi pi'roka 'calvo, pelado'.

Voltei! Constato que este suelto vai para 264 palavras, por isso preciso encurtar o episódio da tarde em que recebi visita domiciliar de uma leitora. Assentando-se no sofá da sala, a primeira frase da excelente patrícia foi a seguinte: “Estou sem trepar há 14 anos”. Fui salvo pela funcionária doméstica de carteira assinada, linda morena até hoje minha amiga, que não arredou seus lindos pés do pedaço, marcando território como se fosse namorada do patrão, que infelizmente nunca foi.

Dia 1º de novembro é amanhã. Ainda há tempo de comprar passagem aérea BH-Congonhas para curtir o baile dos solteiros no Palácio das Convenções do Anhembi. Sarah Sheeva deve ser um figuraço e o leitor já é um príncipe. Boa viagem.

O mundo é uma bola
31 de outubro de 475: proclamação de Rômulo Augusto, o último imperador romano do Ocidente. Em 802, Irene de Atenas, imperatriz bizantina, foi destronada por Nicéforo I, o Logoteta. Que se pode esperar de um Logoteta? Vou ao Google para descobrir que Logoteta ou Geniko significava O Vitorioso. Nicéforo I morreu em 811: bem feito! Quem mandou destronar Irene de Atenas?

Em 1411, assinatura do Tratado de Ayllón, que sela a paz entre os reinos de Portugal e de Castela. Quase todos os dias temos notícia de assinaturas de tratados selando a paz entre Portugal e Castela, sinal de que se amam. Em 1517 Martinho Lutero publica as 95 teses de sua Reforma. Ninguém perde por esperar as teses do bispo R. R. Soares, craque em desencapetamento total.

Em 1803, os Estados Unidos compram oficialmente o território da Louisiana, cujo lema é “Com Deus todas as coisas são possíveis”. Andei por lá tentando aprender inglês e voltei fluente em espanhol, que já esqueci.

Em 2010, Dilma Vana Rousseff é eleita presidente do Brasil. Em 2011, a população da Terra alcança a terrível marca de 7 bilhões. É muita gente: não cabe. Em 1345, nasceu o rei Fernando; em 1391, o rei Duarte; em 1838, o rei Luís I, todos de Portugal. Se o leitor tiver paciência para calcular os períodos de gestação, descobrirá o dia do ano em que as rainhas gritavam para seus maridos e senhores: “Estou a vir-me!”, “Mata-me de prazer!” Hoje é o Dia do Saci.

Ruminanças
“Deus tem ojeriza àqueles que, ensinando a sua lei, não a observam” (S. João da Cruz, 1542-1591).

A vida passa - Carlos Herculano Lopes

A vida passa


Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 31/10/2014


Há pouco tempo, voltando de Salvador, com o Aeroporto Luís Eduardo Magalhães lotado (a fila de embarque para Belo Horizonte estava imensa), meu cunhado, Armando Freire, virou-se para mim e disse com um sorriso maroto: “Vamos, seu Carlos, para a fila especial?”. Ou seja: aquela que privilegia, por direito, mulheres grávidas, portadores de necessidades especiais, maiores de 60 anos, e vai por aí.

Olhei para ele assustado. “Como assim, eu entrar naquela fila, se ainda não cheguei lá?”, pensei, sem assimilar bem a ideia, que a princípio me pareceu, no mínimo, apenas brincadeira. Em seguida, caindo na real, e como se me olhasse no espelho, como devíamos fazer todos os dias: cabelos brancos, uma ruguinha aparecendo aqui e ali, semblante meio cansado, aceitei a sugestão, e lá fomos nós.

E não é que deu certo?. Embarcamos sem maiores problemas, enquanto nossas mulheres, com as quais o tempo foi mais generoso, tiveram de amargar a fila, digamos assim – das pessoas normais. Dentro do avião, devidamente acomodados, rimos bastante da situação, e algumas horas depois estávamos em casa. Não sem antes meu cunhado, que às vezes tem umas tiradas filosóficas, dizer com o mesmo sorriso maroto: “A vida passa, meu mano, e temos de aproveitar enquanto ainda estamos numa boa...”.

De volta à rotina, depois de curtir aquelas férias na Praia do Forte, uma das mais lindas do litoral baiano, com direito, entre outros passeios, a conhecer o famoso Castelo de Garcia D´Avila, soberba construção dos primeiros tempos da colônia, me esqueci daquela sugestão do Armando de lançar mão (mesmo faltando só um pouquinho) dos privilégios reservados aos da “melhor idade”. E continuei, sem problemas, a entrar na fila “normal” do banco, pagar passagem de ônibus, ingresso integral em teatros, e assim por diante.

Se estou contando tudo isso, é para dizer também que, mesmo tendo me esquecido, talvez por pura conveniência, daquele episódio do aeroporto de Salvador, não adiantou muito. Pois a história, dia desses, voltou a se repetir, de maneira diversa, quando tomei um ônibus na Praça Sete. Completamente lotado, pois era horário de pico, eu iria ficar no alto da Avenida Afonso Pena, onde tinha um compromisso.

Numa poltrona, deitada no colo da mãe, uma criança chorava, enquanto essa, na maior paciência, tentava acalmá-la: “Estamos quase chegando, filhinha, estamos quase chegando”. Ao lado delas, uma moça falava no celular, como se mais nada importasse. Numa outra cadeira, um homem obeso, usando óculos escuros, ocupava todo o espaço, e o restante de nós, dezenas de pessoas, viajava em pé.

Foi então que um garoto de cabelos negros, que estava absorvido com a leitura de um livro, levantou de repente os olhos, voltou-se para mim e, como raras vezes ainda ocorre, disse gentilmente, fazendo menção de se levantar: “Quer se sentar aqui, senhor?”. “Muito obrigado, amigo”, respondi. Daí a pouco dei o sinal e desci no ponto da Praça Milton Campos. À noitinha, quando cheguei em casa, liguei para meu cunhado, contei a ele o episódio e, como tinha ocorrido na capital baiana, voltamos a dar boas risadas.