OPINIÃO
MARCELO COELHOCOLUNISTA DA FOLHANo estacionamento, perto da estação Vila Madalena, o manobrista foi avisando. "Hoje ficamos abertos até as nove da noite." Acrescentou sorrindo, com sotaque bem nordestino: "É por causa da revolução".
Na Paulista, alguns manifestantes pareciam concordar. Só que o cartaz era em inglês: "It's revolution, baby". Imagino que não tenha sido por acaso, também, que um garoto estivesse de camiseta preta, com o célebre lema da Nike: "Just do it".
Bandeiras do Brasil, entretanto, predominavam, e como nos velhos tempos, muito estudante pintou a cara de verde e amarelo.
Cantou-se o hino nacional. Hino nacional? A passeata prosseguia, e os cartazes mudavam de tom. "O hino nacional não me representa. Representa a burguesia, os coxinistas e a violência."
Enquanto eu me perguntava o que serão os "coxinistas", outro cartaz, já no meio do bloco dos trotskistas (acho), ia mais longe.
"Nacionalismo é o caralho, este país é violento e sanguinário." As palavras do cartaz eram gritadas por vários manifestantes.
Mais difícil de ser gritado era o lema de outro cartaz, agora em sentido inverso.
"A política de importação está acabando com as indústrias do Brasil."
Será isso um exemplo de "coxinismo"? Se a palavra tem a ver com "coxinha", o que no meu tempo queria dizer "mauricinho", havia poucos engravatados, apesar de alguns idosos e crianças, na manifestação.
Duas senhoras de moletom pink esperavam instruções. Outra, mais ousada, apareceu com seus dois cachorrinhos brancos, não sei se poodles ou lulus. O agasalho dos "pets" eram duas pequenas bandeiras nacionais.
Ainda no capítulo mais comportado do evento, uma estudante postou-se em cima do canteiro, com um cartaz bem elaborado. "Direitos constitucionais com qualidade. Precisamos de líderes competentes e honestos." Arrém, arrém. "O jovem neste país está sendo levado a sério!" Arrém, de novo. No outro extremo, havia lemas mais concisos. "Meu cu é laico."
PEC 37
Tanto quanto Dilma, Alckmin e Haddad, um dos grandes vilões da passeata foi o pastor Feliciano. Também Renan Calheiros e, especialmente, a PEC 37 (que tira poderes do Ministério Público) estavam entre os alvos mais frequentes. Havia o convite para que o país parasse se a emenda constitucional for aprovada. Será possível? Tudo é possível, atualmente, com a mobilização facilitada pela internet.
"Saímos do Facebook", orgulhavam-se diversos cartazes. "Corruptos, vocês se preparem, vão cair um por um." De forma mais visual, um grupo apareceu de guarda-chuvas abertos: "está chovendo porco".
Contra a corrupção, pela reforma política, contra o capitalismo, não faltaram generalidades desse tipo. Solitário, um manifestante foi mais específico: "Voto distrital". E ponto final.
Para comentaristas mais idosos, como eu, isso até que era fácil de compreender. Menos clara foi esta mensagem: "O inibidor do MID já caiu". Explicaram-me que é referência a um videogame.
Do lado libertário, gritou-se muito que "o povo unido não precisa de partido". E também se pediu "um país sem catracas".
Enquanto outros manifestantes diziam "eu SEI por que protesto", um homem sozinho carregava um vasto cartaz de papelão, dizendo apenas uma palavra. "Lost".
Perdido? Havia palavras contra muita coisa, mas não é culpa de ninguém se, da Copa à conta de luz, há tanta coisa para ser contra. Todo manifestante, afinal, quer se manifestar. Mesmo que seja apenas para dizer, como em outro cartaz: "Mãe, não me espera para a janta".