Nova geração de escritores mineiros fala
da importância dos concursos literários e da dificuldade em publicar o
livro de estreia. Diversidade é a marca dos trabalhos
Carlos Herculano Lopes
Publicação: 18/06/2014
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Rafael Guimarães Abras, André Oliveira Zambaldi e Gustavo Fechus foram vencedores do Prêmio Jovem Escritor
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Ganhar um prêmio literário,
principalmente quando o autor está tentando começar a carreira, não
significa passaporte para a glória nem acesso imediato às grandes
editoras, mas pode fazer uma diferença e tanto. Além de aumentar a
autoestima do contemplado, dá a ele certa visibilidade e chance real de
ver algumas portas se abrirem. Em Minas, há seis anos, essa oportunidade
vem sendo oferecida aos candidatos a escritor por meio do Prêmio
Governo de Minas Gerais de Literatura, na categoria Jovem escritor
mineiro. Os candidatos apresentam o projeto e concorrem a uma bolsa de
R$ 42 mil para poder, com tranquilidade, num período de seis meses,
escrever o livro. Para concorrer ao prêmio, o postulante deve ter entre
18 e 25 anos, ser nascido no estado ou residir em Minas há cinco anos.
Um
dos que souberam aproveitar a chance e há algum tempo vem colhendo os
frutos do trabalho foi o escritor e psicanalista Carlos de Brito e
Mello, vencedor da primeira edição do prêmio, em 2008, com o projeto do
romance A passagem tensa dos corpos. Mineiro de Belo Horizonte, ele teve
o livro lançado no ano seguinte pela Editora Companhia das Letras, com
ótima recepção de público e crítica, além de ser finalista dos prêmios
São Paulo de Literatura, Portugal Telecom e Jabuti. Não teve
dificuldades para lançar o romance seguinte, A cidade, o inquisidor e os
ordinários, que saiu pela mesma editora no ano passado. Brito e Mello
estreou na literatura em 2007 com o volume de contos O cadáver ri dos
seus despojos, publicado pela Editora Scriptum.
Quem também está
em fase de finalização do primeiro romance, mas ainda não tem editora, é
o mineiro de Pouso Alegre Gustavo Fechus Monteiro, vencedor da mais
recente edição do Jovem escritor, no ano passado, com o projeto O
narrador, nome mudado para Óleo sobre tela – Edição comemorativa.
Graduado em letras pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), o
escritor de 24 anos diz que o melhor prêmio é a aposta feita em um texto
futuro. “Além de ser uma possibilidade, como é o meu caso, de poder
sair do anonimato e talvez conseguir lançar o livro”, diz.
Ainda
de acordo com Fechus, que estreou em 2010 com o livro Primeira pessoa,
escrito em parceria com sua mãe, a escritora Gislaine Buosi, sua
preocupação imediata é terminar de escrever Óleo sobre tela, ao qual vem
dedicando boa parte do seu tempo. “O processo de publicação é um outro
capítulo, talvez tão difícil quanto escrever, ainda mais para quem não
tem experiência em lidar com o mercado editorial, como é o meu caso”,
diz. Leitor assumido de autores como os argentinos Jorge Luis Borges e
Macedônio Fernandez, Gustavo Fechus adianta, sobre o livro, que se trata
de história comprometida com a narrativa de ficção e com a reflexão
conceitual sobre os elementos que constituem o gênero.
Artista
eclético e vivendo há sete anos em Mariana, o escritor, em paralelo à
literatura, investe com sucesso na carreira musical, como violinista. No
ano passado, foi vencedor do Prêmio Jovem músico BDMG, de música
erudita, e este ano ficou com o Prêmio Jovem instrumentista BDMG de MPB.
E já promete, para dezembro, fazer uma apresentação em Belo Horizonte.
Quem sabe não lança o livro junto?
Um sonhoQuem
também começa a ver realizado o sonho de publicar seu primeiro romance,
O sonho de Morfeu, projeto com o qual venceu o Jovem escritor em 2011, é
André Zambaldi. Nascido em Belo Horizonte, seu livro será publicado
pela Editora Asadepapel, com lançamento previsto para o início do
segundo semestre, com projeto gráfico de Marcelo Xavier. Formado em
história pela Ufop, onde ficou amigo de Gustavo Fechus, Zambaldi conta
que ganhar o prêmio significou uma mudança de perspectiva, um alento
para algo que até então não passava de um sonho. “Só consegui a bolsa na
terceira tentativa, já no limite da idade para concorrer, e tratei de
aproveitar”, conta.
Especialista em história medieval, leitor de
García Márquez, Umberto Eco, Dostoiévski e Saramago, André Zambaldi diz
que começou a se interessar pela literatura jogando RPG com os colegas
de faculdade. “Essa modalidade de jogo foi fundamental para que eu
pudesse tentar desenvolver uma mentalidade criativa e crítica, além de
me fazer interessar mais pela leitura”, revela o escritor.
Sobre
O sonho de Morfeu, ele diz tratar-se de história que começou a ganhar
corpo nos “conturbados tempos vividos em Mariana”. “O protagonista,
estudante de um curso de humanas na cidade, sofre com os tormentos do
excesso de conhecimento, materializados a ponto de se tornarem reais.
Tentei, como Virgílio fez com Dante, levar o leitor a algumas regiões do
inferno, vistas de maneira lúcida pelo personagem, que luta pelo
controle da própria alma”, adianta André.
No caminho
Publicação: 18/06/2014 04:00
Outro autor que está
com o primeiro romance pronto, O frágil toque dos mutilados, com o qual
faturou o prêmio em 2012, é Alex Sens Fuziy. O livro deve sair no ano
que vem pela Editora Autêntica, com prefácio de Márcia Tiburi. Nascido
em Florianópolis, Santa Catarina, em 1988, e há alguns anos vivendo num
sítio em Delfim Moreira, no Sul de Minas, o rapaz conta que vencer o
Jovem escritor deu a ele a certeza de que estava no caminho certo. “O
prêmio me deu uma visibilidade interessante e necessária, consegui
matérias em jornais e TVs, além do respeito de algumas pessoas
envolvidas com o meio literário. Também me ajudou a conseguir a
editora”, revela Alex.
Dizendo-se “escritor desde sempre”, pois
começou a esboçar suas primeiras histórias aos 13 anos – na época
adorava ler livros de mistério, suspense e terror – Sens Fuziy, antes de
começar a escrever O frágil toque dos mutilados, lançou dois livros de
contos, segundo ele de humor negro e realismo mágico: Esdrúxulas e
Trincada. Teve também poemas publicados em coletâneas e revistas
literárias virtuais.
Sobre o primeiro romance, que reescreveu
várias vezes, o autor diz tratar-se de drama familiar, que envolve um
conturbado reencontro entre irmãos que não se veem há três anos. “Um
deles tem um transtorno de personalidade e o outro é um alcoólatra em
recuperação. Somei a isso uma trágica morte por afogamento em torno da
qual gira boa parte das crises vividas pela maioria dos personagens. Não
é um romance fácil, tem um ritmo de diário, porque a história é narrada
durante 28 dias numa casa em frente ao mar, e carrega muitas das falhas
e das dores humanas”, conta o autor.
Na companhia de Carlos de
Brito e Mello, Marcelo Fechus, André Zambaldi e Alex Sens Fuziy estão
ainda Maria Zilda Santos Freitas, que foi contemplada em 2009 com o
projeto de romance Insetos, e Rafael Abras, que levou o Prêmio Jovem
escritor em 2010. Nascido em Divinópolis, 26 anos, formado em filosofia
pela PUC Minas, e atualmente terminando a faculdade de direito na UFMG,
Abras conta que seu romance, O último escritor, está pronto desde 2011,
mas ainda não conseguiu editora para publicá-lo. “Cheguei a enviar o
livro para várias, mas não tive resposta de nenhuma. Acho que nem
leram”, suspeita.
De bom astral, logo interagindo com os colegas
presentes ao encontro na Livraria Scriptum, em BH, Rafael Abras diz
ainda que tem muita vontade de lançar o livro. Mas não queria fazê-lo só
por vaidade e aguarda que algum editor se interesse em publicá-lo.
Sobre a premiação, disse que ficou muito feliz, pois não esperava sair
vencedor. “Para mim, que uma vez ganhei zero numa prova no colégio por
ter respondido a uma questão em versos, foi uma vitória e tanto”,
conclui.