Um espectro rondou a eleição: a luta de classes. Foi assim que uma disputa presidencial rotineira se transformou em batalha épica. A campanha do medo foi feita pelos dois lados, mas os rituais de exorcismo foram bem diferentes. No imaginário eleitoral de oposição, Dilma Rousseff representou o projeto de uma redistribuição de renda e de riqueza para quem está embaixo à custa de quem está em cima. Era a ameaça de uma redistribuição de fato – e não apenas a melhoria geral dos padrões de vida sem concentração de renda, o pacto estabelecido por Lula. Do lado governista, a oposição foi carimbada como um retrocesso, uma ameaça de perda dos avanços dos últimos dez anos. O imaginário eleitoral da situação grudou em Aécio Neves a pecha de “playboy” e “filhinho de papai”, representante secular da exclusão.
O que está em jogo é uma conta simples de fazer. Não está mais à vista a possibilidade de que alguém melhore sem que alguém piore. A economia mundial patina. E o governo não tem mais condições de continuar se endividando para compensar a falta que faz um pibão. No grande acordo estabelecido no governo Lula, alguém só pode ganhar se todo mundo ganhar. E agora? Se esse acordo foi inviabilizado, o que garante que uma ex-guerrilheira não vá querer “quebrar o contrato” e alterar na marra a grade de classes? Esse o medo real que alimenta as fantasias delirantes de cubanização do país.
Enquanto não for possível que todo mundo melhore ao mesmo tempo, então que todo mundo fique parado onde está, sem perdas nem perdedores. Foi essa a diretriz que sustentou o imaginário oposicionista. Melhorias adicionais de padrão de vida nessas condições adversas não devem vir mais do Estado, mas unicamente da conquista individual, continua o discurso. A obrigação do Estado de melhorar a saúde, a educação e a segurança tem aí o sentido de produzir “igualdade de oportunidades”, exatamente para que “o esforço e o mérito” se sobressaiam e sejam recompensados. Nasceu, enfim, um liberalismo pós-Lula, com discurso e base social próprios: o liberalismo que o país foi capaz de produzir. Essa a grande novidade da eleição. Não por acaso, Aécio foi o primeiro candidato do PSDB, desde 2002, a enaltecer o período de governo de Fernando Henrique Cardoso.
O que não quer dizer que o eleitorado de Dilma tenha votado a favor de um acirramento da luta de classes e de um novo padrão de distribuição de renda. Isso em nenhum momento esteve em causa, não dessa maneira. O eleitorado de Dilma se divide em dois grandes grupos. Quem a escolheu o fez porque apostou na manutenção do pouco que tem (são os eleitores que formam o “rochedo lulista”, na expressão de André Singer) ou porque acreditou que a candidata poderia lhe dar condições para consolidar sua recente ascensão social (caso do andar intermediário, a chamada classe emergente). Também o imaginário situacionista do medo tem sua lógica e sua base material. Foi o trabalhismo que o país conseguiu produzir.
A divisão radical entre as candidaturas aconteceu de cima a baixo. A cisão mais visível foi a das redes sociais, entre os pitboys do Leblon e os pichadores do prédio da Veja. Mas nesse front o que houve foi apenas uma guerra de posições, cada trincheira convencendo suas próprias tropas da justeza de abater o inimigo. As batalhas decisivas para o resultado ocorreram de fato ali pelo meio da tabela de classes, na faixa do eleitorado que está além do Bolsa Família e aquém da segurança em relação à posição social recém-conquistada. É uma faixa do eleitorado que o Datafolha classifica como “classe média intermediária”, estimada em algo como um terço do eleitorado.
Não são poucas as pessoas desse meião que se sentem presas em uma espécie de armadilha social. As escolas e universidades que frequentam dão diplomas que não significam avanços reais; o emprego que têm não significa abertura de perspectivas futuras no mercado de trabalho; os salários que recebem não correspondem ao esforço que fizeram por eles. Mais grave, sabem que a melhoria de seu padrão de vida tem bases frágeis. Muitas vezes veem a si mesmos (e assim são vistos pelo andar de cima) como intrusos, exercendo funções para as quais não têm preparo, como se ocupassem uma posição social que não têm qualificação para sustentar.
A parcela desse eleitorado que aderiu à oposição tem uma visão muito particular da ameaça de regressão na escala social. Em termos de despesa do Estado, defendem que a melhoria da qualidade dos serviços públicos tenha prioridade em relação a qualquer outra despesa, inclusive em relação à ampliação de programas de distribuição de renda. O raciocínio é: se mais pessoas continuarem chegando ao lugar em que estão sem que elas mesmas consigam subir, vai haver um brutal aumento da concorrência – pelos mesmos empregos, pelas mesmas vagas na universidade – sem que novas perspectivas reais se abram. O voto pelo congelamento da grade de classes foi essencialmente defensivo, contra um novo tipo de competição social, visto como potencialmente predatório.
A parcela desse mesmo eleitorado que escolheu Dilma interpretou como ameaça mais iminente um ajuste recessivo forte e imediato, identificado com a candidatura tucana. Como seu problema não é o da subsistência – como se pode dizer do “rochedo lulista” –, mas o da fragilidade de sua ascensão social recente, o voto aqui foi orientado pelo temor de que políticas econômicas restritivas comprometam os empregos e diminuam ou eliminem programas que podem significar a única chance de consolidar a posição recém-alcançada. Foi um eleitorado que mirou diretamente alvos tão diferentes quanto a continuidade dos concursos públicos, o Pronatec, a melhoria do ensino médio e do ProUni, a manutenção do fluxo de crédito oferecido pelos bancos públicos, o Minha Casa, Minha Vida incluído.
As duas metades desse mesmo eleitorado enfrentam problemas bastante semelhantes. Mas interpretam suas dificuldades e vislumbram soluções de maneiras muito diferentes. Não por acaso, também essas duas metades irreconciliáveis estiveram lado a lado nas ruas durante as revoltas de junho de 2013. Representá-las como uma unidade, porém, não está à vista. Foi o que tentou, sem sucesso, Marina Silva.
Como a Constituição Federal, também as revoltas de junho podem ser reivindicadas por qualquer das forças políticas em disputa. Desde que se tenha em mente que só é possível representá-las como unidade se for de maneira metafórica. É preciso escolher qual “Junho” se pretende defender. As ruas revelaram polarizações que há muito tinham deixado de existir de fato no sistema político. Mostraram à esquerda a possibilidade de mobilizações de massa que pareciam improváveis; à direita, que a rua também é dela. A mesma direita que foi presença pública ostensiva na eleição, como é de se esperar de uma direita democrática.
Tudo somado, o fiel da balança foi o eleitorado que mais ascendeu em anos recentes. Tendo ou não escolhido Dilma, será um segmento crítico para o destino do próximo governo. Tem uma fatura especial a cobrar. É a faixa do eleitorado que mais facilmente poderá aderir à oposição em 2018, caso não seja convencida de que foram pagas as parcelas possíveis das promissórias feitas pela candidata. É uma faixa do eleitorado que pode vir a aderir seja ao liberalismo repaginado de Aécio, seja a uma versão reciclada de Marina. Ou a uma eventual aliança entre as duas forças.
Com o controle da inflação pelo Plano Real, a desigualdade enfim ocupou o centro da agenda política. No governo Lula, houve crescimento sem concentração de renda (ao contrário do que havia ocorrido nos anos de crescimento econômico acelerado da ditadura, por exemplo), o que favoreceu sobretudo a melhoria do padrão de vida dos mais pobres. A partir de agora, o que está em jogo é a própria grade de classes, a estrutura distributiva. Exceto em condições econômicas excepcionalmente favoráveis, melhorar o padrão de vida de quem está embaixo envolve mexer nas distâncias entre os andares sociais. Ou não. Essa é a luta de classes que o país conseguiu produzir. Junho de 2013 foi o marco inaugural dessa nova fase.
Assim como em junho de 2013, ao longo de 2014 muita gente se espantou com a virulência dos ataques e das defesas das diferentes posições. Muita gente se espantou com a própria virulência, aliás. Talvez essa agressividade toda encontre formas de expressão menos brutais do que se viu nessa eleição. Seria um grande avanço na convivência democrática. O que não dá para esperar é que a virulência desapareça, dada a dimensão e a agudeza dos conflitos envolvidos. E, vamos e venhamos, o que aconteceu foi que o país da cordialidade finalmente resolveu abrir seu coração em público. Pode-se não gostar da própria imagem no espelho. Mas é um sinal inequívoco de vitalidade democrática. A presença pública ostensiva da direita aí incluída.
Marina ainda quis convencer na base da “união das pessoas de bem”. Mas, quando o espectro da luta de classes assombra as escolhas, Mahatma Gandhi é só um retrato na parede. Marina apostou no retrato. E ficou fora do segundo turno. Foi Aécio quem se mostrou à altura da tarefa. Bateu quando e como foi necessário. À diferença de Alckmin em 2006 ou de Serra em 2010, teve de disputar com Marina um lugar no segundo turno. Não hesitou em participar da pancadaria contra a candidata do PSB, de maneira a mostrar que era ele o adversário à altura de Dilma. Claro que abusou do perfil clássico do conservadorismo brasileiro, sem classes nem luta; abusou da conversa de fio de bigode do “conciliador”. Mas mostrou ser um político que entendeu muito bem que esse figurino é apenas uma parte do papel, aquele que embrulha para presente o cerne racional da virulência atual, que é distributivo.
A polarização voltou. Vai haver oposição de verdade, tanto da parte do PSDB quanto de Marina. Isso não acontecia pelo menos desde 2006, quando a oposição passou a ser só para inglês ver, atuante apenas em períodos eleitorais. O que não quer dizer que o sistema político tenha mudado radicalmente e que o Congresso agora se divida em dois blocos de partidos claramente contrapostos. A virulência da disputa social ainda não rearranjou o sistema político no sentido das ruas. No mundo da política oficial, o superbloco de apoio ao governo – de qualquer governo – continua onde sempre esteve, continua onde o PMDB sempre está. A eleição ainda está restrita ao síndico do superbloco de apoio parlamentar. Em um sistema político pemedebizado, polarização quer dizer simplesmente que a disputa pelo cargo de síndico é para valer e não só para constar.
Na reta final do primeiro turno, Marina perdeu algo como quinze pontos percentuais. Perdeu o voto útil que num primeiro momento a considerou como a única candidatura capaz de vencer Dilma. Mas manteve a votação expressiva que tinha obtido na eleição de 2010, o que é uma novidade na história das eleições presidenciais a partir de 1994. E reforçou sua determinação oposicionista ao apoiar Aécio no segundo turno. Resolveu descer do muro do seu próprio eleitorado, os 20% que não querem ver sua escolha restrita à alternativa PT ou PSDB.
A aliança com Eduardo Campos em outubro de 2013 já indicava essa mudança. Marina começou um movimento que o PT levou vinte anos e quatro eleições presidenciais para realizar: passar da “ética na política” para a “política como ela é”. Com a morte de Campos, ela foi obrigada a fazer essa travessia em menos de dois meses, sem dispor de nada parecido com a base social e a história do PT. Não conseguiu. Mas o fato de não ter passado ao segundo turno não tira a sua enorme importância política. A questão é que destino vai dar a seu cacife eleitoral.
A novidade no campo oposicionista é a convivência de duas forças políticas de relevância. O que permite prever que haverá oposição constante e efetiva ao longo do segundo mandato de Dilma é menos o histórico do PSDB nesse quesito – que é pífio – e muito mais o fato de que, se o partido não ocupar esse espaço, Marina irá fazê-lo. Vai haver competição pela liderança da oposição, o que tende a acirrar a pancadaria contra o governo a partir do segundo ano de mandato. Além disso, tanto Marina quanto Aécio não vão ocupar cargos executivos nos próximos quatro anos nem terão compromisso direto com nenhum governo. Terão muito mais margem de manobra para fazer oposição, já que reduziram consideravelmente sua dependência do governo federal.
O segundo mandato de Dilma vai sofrer o pão que o Judiciário amassou com os desdobramentos do escândalo da Petrobras. Não bastasse isso, vai ser um tempo de vacas magras, com uma economia mundial claudicante e sujeita a instabilidades crônicas. Para não falar da série de promissórias sociais que a candidata assinou durante a campanha, muito difíceis de quitar. As agruras que passará com o PMDB e com o pemedebismo do sistema político merecem um capítulo à parte.
E, no entanto, nem só de Aécio e Marina vai viver a oposição. O PSDB tem ainda Geraldo Alckmin – sem contar o indefectível José Serra, sempre alerta. Para entregar o que prometeu, Alckmin vai precisar do governo federal. Mas governa São Paulo. Porque perdeu Minas Gerais, Aécio ficou com as mãos mais livres para ser oposição. Mas também com os braços mais curtos. Sem São Paulo, está de mãos atadas. Os bastidores da formação de um novo governo são sempre interessantes de acompanhar. Mas do ponto de vista da formatação da disputa de 2018, os movimentos de bastidores decisivos serão realizados no campo oposicionista.
Marina vai negociar sua adesão a uma frente de oposição? Ou, ao contrário, vai firmar-se em raia própria, explorando as fraturas internas do PSDB? Firmará acordos com que forças? Vai usar o novo partido, o Rede Sustentabilidade, para tentar produzir um novo arco de alianças? Ou vai apostar em uma frente de oposição alternativa, a ser construída a partir do PSB?
Aécio vai tentar negociar desde já um acordo com Alckmin? Vai procurar Marina? Sem o governo de Minas Gerais, onde vai conseguir espaço para seu grupo político mais próximo? São algumas das dúvidas que só as movimentações concretas dos personagens envolvidos irão dirimir. Mas formular as perguntas corretas é essencial para procurar entender os rearranjos que o próximo mandato presidencial vai produzir. Uma coisa é certa: do ponto de vista da oposição, o risco maior está agora em uma guerra interna autodestrutiva. É uma possibilidade que não deve ser desprezada.
Do lado da situação, a principal dúvida é a relação entre Dilma e Lula. Dados os desafios listados, a presidente tem a alternativa de dividir seu governo com Lula desde já, ou ser obrigada pelo sistema político a fazê-lo, mediante as chantagens de praxe. Mas o que Lula tem a oferecer é bem mais do que um seguro contra as desestabilizações da base parlamentar, colaborando na construção do megabloco de apoio congressual que considera necessário para governar. Se a perspectiva de reeleição garantia alta governabilidade no primeiro mandato, sua impossibilidade agora reduz consideravelmente a margem de manobra no segundo. Contar desde já com o esteio de um candidato altamente competitivo para 2018 pode funcionar como substituto da perspectiva de uma recandidatura e garantir a Dilma a governabilidade que não terá de outra maneira.
A nomeação para o Ministério da Fazenda será o indicador mais importante de todos. É sabido que Dilma manteve Guido Mantega porque assim pôde prescrever diretamente a política econômica. É difícil imaginar que vá abrir mão de comandá-la. E é esse o caldo que pode entornar de maneira terminal para o lado do candidato Lula. A luta de classes que a eleição explicitou bate direto na canela do andar de cima do eleitorado, aquele do bordão da “credibilidade” e da “previsibilidade” para “o investimento privado”. Para um governo acusado de tentar mandar na economia, de praticar “capitalismo de Estado” e “nacional-desenvolvimentismo”, a gestão Dilma foi de um economicismo cândido. Viu o empresariado embolsar as desonerações que recebeu sem a contrapartida de aumentar em nada o investimento. Assistiu da arquibancada a um movimento mais ou menos coordenado de congelamento do investimento. Perdeu feio a queda de braço em relação às taxas de retorno de concessões de serviços públicos, depois de longos e desgastantes embates. E tudo o mais que se conhece.
Não adianta contar só com a caneta. Ou com a maturação das novas concessões e dos investimentos públicos realizados ainda no primeiro mandato, mesmo que sejam de grande relevância. Também não é suficiente saber que o movimento mais ou menos coordenado de resistência à política econômica tem limite e que não poderá continuar no segundo mandato, pelo menos em um primeiro momento. Porque a divisão de 2014 não vai se dissipar com o fim da eleição. A começar pela oposição à política econômica. É aqui que a relação entre Dilma e Lula vai ser decisiva.
No imaginário de futuro projetado por Lula a partir de seu segundo mandato, é estratégico manter a liderança do PT até 2018 por uma razão muito especial: é a partir dali que se espera que o país se torne de fato exportador líquido de petróleo. O paraíso prometido da riqueza do pré-sal continua a guiar o projeto de longo prazo do partido. É conhecida a disciplina de Dilma, sua disposição de “servir a um projeto”, de “cumprir uma missão”. Desde cedo ela teve claro que faria um governo “de transição”, que deveria servir a um projeto maior. Mas as escolhas táticas agora serão divididas com Lula. É dessa acomodação que vai depender a cara do próximo mandato.
A última piauí publicou carta de Cássio Loredan Barbosa com um simpático pedido de atualização de análises que apresentei aqui mesmo, em novembro de 2013 (“A volta da polarização?”). Como bem lembrou o leitor, propus ali a ideia de que a nova oposição representada pela aliança entre Eduardo Campos e Marina deveria ser entendida pelas lentes de uma nova tática eleitoral do PT. O partido lançava candidaturas próprias ao governo nos seis maiores colégios eleitorais do país, com nomes novos, muitos deles em consonância com a diretriz de uma troca de guarda geracional. Alexandre Padilha em São Paulo era o maior exemplo disso.
A tese do texto era simples: o PT pretendia dar um abraço de tamanduá no PMDB. Cabeças de chapa fortes em eleições estaduais puxam votos para deputados federais e senadores. O PT tinha a expectativa de eleger uma grande bancada na Câmara – falava-se em números assombrosos, 110 deputados – e pelo menos manter o equilíbrio de forças no Senado. Tudo isso, se possível, com redução da bancada do PMDB na Câmara. Se desse certo, o PT transformaria todos os demais em partidos médios, o PMDB em especial, e seria o único partido considerado grande.
O movimento complementar veio da novidade própria do governo Dilma, que jogou gasolina na fogueira de um sistema político não apenas fragmentado, mas tendente à fragmentação. O governo estimulou abertamente a formação do PSD e do PROS, com a expectativa não apenas de abrir caminho para a adesão de quadros antes identificados com a oposição, mas também, se possível, para diminuir a força do PMDB – além de, em alguma medida, tentar neutralizar a candidatura de Eduardo Campos.
A jogada consistia menos em atrair deputados do PMDB para os novos partidos do que tentar diluir sua zona de influência, bem mais ampla do que a própria base partidária. Simultaneamente, o governo procurou estimular as dissensões internas do PMDB, especialmente entre as bancadas da Câmara e do Senado. Fez acordos financeiros e eleitorais com peças importantes do PMDB no Senado, por exemplo, às costas do vice-presidente Michel Temer, que, ao perceber as manobras, imediatamente reassumiu o posto de presidente do partido, posição da qual se encontrava licenciado.
O resultado foi um fiasco eleitoral sem precedente para o PT em eleições proporcionais. E um aumento da fragmentação partidária no Congresso, sem que sequer tenha havido fortalecimento das bancadas dos maiores partidos. O Senado ficou mais ou menos igual. Em termos de governos estaduais, o PT alcançou um saldo ligeiramente positivo, dada a conquista de Minas Gerais. Mas, em Minas, o PT não apenas não enfrentou o PMDB como se aliou a ele. Levou. Nos seis maiores colégios estaduais – algo como 60% do eleitorado –, o único em que o PT enfrentou o PMDB e mesmo assim ganhou foi a Bahia. No geral, a divisão dos colégios eleitorais por partido também está mais fragmentada.
O PMDB devolveu o abraço de tamanduá do PT com um beijinho no ombro. Não só continuou no mesmo lugar, em sua posição de rochedo do pemedebismo do sistema político, como fortaleceu sua posição de polo de aglutinação do superbloco de apoio ao governo, de comissão de frente do pemedebismo generalizado. Não é de espantar que se tenham fortalecido as bancadas disso e daquilo – da bala, da bola, ruralista, evangélica, religiosa e assim por diante. Ou que sejam tão ou mais conservadoras que as anteriores, independentemente dos nomes dos partidos pelos quais se elegeram.
Fazer com que a disputa da eleição de síndico do condomínio seja para valer é melhor do que uma disputa encenada, pelo menos dá um alento para uma democracia ainda pouco democrática. Mas não resolve a questão de fundo do conservadorismo de um sistema político pemedebizado. A oposição nem sequer consegue manter uma bancada congressual que não seja mera franja de uma megabancada de apoio ao governo. É aí que a volta da polarização para a eleição de síndico pode não significar nada além de um novo impulso e de uma nova máscara para a geleia geral do pemedebismo.