Zero Hora 08/03/2015
Adolescente, passei de ano. Por média.
No
ano seguinte, fiquei em recuperação, mas passei de novo.
Já
não era tão obediente. Enfrentava os pais. Achei que assim viraria uma adulta.
Ilusão.
Transei
pela primeira vez. Aprendi o que era amor, porém mais adiante me atrapalhei com
a dor, não soube rimar os dois.
Comecei
a trabalhar. Ganhar dinheiro nos dá alguma independência, mas ainda não. Adulta
mesmo, ainda não.
Formatura,
o próprio nome diz. Formada. Feita. Pronta. Habilitada. Parece que sim, mas
ainda é uma ilusão, apenas nomenclatura, força de expressão.
Carteira
assinada, avancei na profissão e fui morar sozinha. Adulta, por fim. Mas tinha
medo na hora de dormir, não sabia preparar um reles macarrão, comia congelados
e a roupa ainda era lavada no tanque da família. Só morar sozinha não basta.
Ganhei
prêmios, fiz um nome, aumento de salário. Para logo ali na frente ser demitida
por ausência de esforço, a cabeça mais para poesia do que para prosa. Adulta eu
parecia, mas no fundo eu sabia que faltava.
Li
tudo o que caiu em minhas mãos. Velhos safados, romances policiais, literatura
feminista, novos autores, realismo fantástico. Peguei emprestado um monte de
sabedoria para elaborar a minha.
Sobrevoei
o oceano, viajei só com minha mochila, percorri países em trens, dormi na casa
de estranhos, fiz uma verba minúscula render dois meses e voltei sem nenhuma
cicatriz e com autoconfiança escapando pelos bolsos. Parecia adulta, mas então
as perguntas não respondidas voltaram a assombrar.
Dependia
de outros aniversários para declarar-me pronta.
Casei.
Virei a senhora de alguém, a senhora de mim mesma. Engravidei. Duas filhas.
Casa própria. Perigosamente, a vida ganhou um sentido.
Separei.
Recomecei. O sentido mudou.
Os
versos que fazia de brincadeira evoluíram para alguma coisa de verdade e eu
virei, de repente, escritora.
E
como escritora inventei respostas, amadureci em público, acreditaram em mim
mais do que eu mesma acreditava, estive muito perto, perto mesmo, de ser
declarada oficialmente adulta.
Um
dia antes da posse é que a gente descobre.
Não
é o amor sacramentado, não é o destino honrado, não é o rosto marcado, não é o
corpo amaciado, não é o sofrimento acumulado, não é o cérebro bem ensaiado, não
é a quilometragem rodada, não é nada disso que nos contaram.
Oficialmente
adulta me declarei no instante em que descobri que nenhum mistério se decifra e
que sempre saberei muito pouco. As perguntas se renovam, acumulam, vão e voltam
trazendo ainda mais indagação. Porém, a incerteza de repente deixa de assustar,
a vida vira um passeio, aprende-se a gostar das pausas, já não é preciso
nenhuma perseguição.
Oficialmente
adulta, por fim?
Pensando
bem, quase lá, mas ainda não.