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No palco do Teatro Lumière, em Cannes, em
2008, o cineasta Manoel de Oliveira ouve aplausos da plateia, que se
colocou de pé para recebê-lo. O diretor recebeu a Palma de Ouro pelo
conjunto da obra |
Foram muitos minutos
de pé, apoiado em sua bengala. Aos 99 anos de idade, quando recebeu a
Palma de Ouro pelo conjunto de sua obra no Festival de Cannes, o
cineasta português Manoel de Oliveira ocupou sozinho o palco do Grande
Teatro Lumière. De pé, a plateia de artistas presentes à homenagem não
dava mostras de querer parar de aplaudi-lo.
Quando finalmente
pôde falar, Oliveira agradeceu o prêmio e se despediu dizendo: “Cresci
ao longo de um século com o cinema, e hoje sei que o cinema é que me fez
crescer. Obrigado a todos. E viva o cinema!”.
Oliveira não
apenas cresceu com o cinema. Ele se tornou um dos maiores autores da
sétima arte. Ontem, quando morreu, aos 106 anos de idade, deixou uma
filmografia de ao menos 50 longas (entre ficções e documentários) e uma
assinatura reconhecível na história do cinema.
Em 2013, Oliveira
precisou ser hospitalizado duas vezes. Em julho, devido a problemas
pulmonares e, em dezembro, por causa de uma infecção bacteriana. O
diretor também sofria de uma doença cardíaca crônica. De volta a casa,
continuou trabalhando, segundo informou sua filha Adelaide Trêpa à
agência France Press, esclarecendo que o pai concluíra o roteiro de A
Igreja do diabo, inspirado em três contos de Machado de Assis.
ATLETISMO Manoel
Cândido Pinto de Oliveira nasceu em 11 de dezembro de 1908, no Porto,
filho de uma família da alta burguesia industrial. Considerado um mau
aluno, dedicou-se ao atletismo, mas só se interessou pelas artes aos 20
anos, quando ingressa na escola de atores fundada em Portugal pelo
cineasta italiano Rino Lupo.
Nesse período, Oliveira rodou seu
primeiro filme, o curta-metragem Douro, faina fluvial, de 1931. A
estreia em um longa de ficção só veio em 1942, com Aniki bóbó, sobre a
infância pobre na região do rio Douro.
Desiludido com o fracasso
da primeira ficção, Oliveira abandonou outros projetos e dedicou-se aos
negócios da família: vinho e indústria têxtil. Voltaria aos longas
apenas duas décadas depois, com Acto de primavera (1963), recriação da
Paixão de Cristo.
Conhecido por seu estilo rigoroso e reflexivo,
pelas cenas longas, com câmeras fixas, ausência de música e cenas de
sexo e violência, ao longo dos anos Oliveira encantou críticos de vários
países, mas espantou, muitas vezes, o público português.
Até os
70 anos de idade, o cineasta português Manoel de Oliveira era apenas uma
nota de rodapé nos livros de cinema. Representante de um país sem
tradição cinematográfica, era autor de apenas quatro longas-metragens,
alguns curtas e vários projetos não realizados.
A consagração
internacional veio com Amor de perdição, em 1978. A partir daí,
financiado pelo governo português, passou a filmar com maior constância.
Durante a década de 1990, lançou um filme por ano, atraindo prêmios e
homenagens de festivais de cinema – como Veneza e Berlim, além de
Cannes.
PARCERIAS Para qualquer outro
artista, a idade avançada representaria o fim. Para Manoel, tratava-se
apenas de um recomeço (mais um, numa carreira repleta deles). Dirigiu
longas como Os canibais (1988), A divina comédia (1991), Vale Abraão
(1993) e Um filme falado (2003) – confira outros títulos em quadro nesta
página. Trabalhou com grandes atores do cinema, como John Malkovich,
Catherine Deneuve e Michel Piccoli, um de seus grandes parceiros.
Após
a Palma de Ouro especial pelo conjunto da obra, Oliveira voltou a
Cannes com O estranho caso de Angélica, apresentado na mostra Um Certo
Olhar. O longa, coprodução brasileira que narra a história de um
fotógrafo contratado para tirar o retrato de uma moça morta, também
abriu a 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
O
cineasta participaria da cerimônia de abertura, mas, como se recuperava
de uma cirurgia para colocação de marca-passo, enviou um vídeo para
compensar sua ausência.
Próximo do fundador da Mostra, Leon
Cakoff (1948-2011), Oliveira costumava dividir com ele suas
inquietações. Contou, por exemplo, a razão do rompimento com o produtor
Paulo Branco, em 2004. O diretor achou que os direitos de exploração de
sua obra em DVD e TV não estavam sendo bem negociados. “E eu preciso
pensar no meu futuro”, concluiu.
Oliveira deixa a esposa, Maria
Isabel Brandão de Meneses de Almeida Carvalhais, quatro filhos e cinco
netos, um deles o ator Ricardo Trêpa.
FILMOGRAFIAConfira alguns dos títulos do diretor português
. Aniki bóbó (1942)
. Acto de primavera (1963)
. Benilde ou a virgem mãe (1975)
. Amor de perdição (1978)
. Os canibais (1988)
. Non, ou a vã glória de mandar (1990)
. A divina comédia (1991)
. Vale Abraão (1993)
.
A carta (1999)
.
Palavra e utopia (2000)
. Um filme falado (2003)
. Sempre bela (2006)
. Singularidades de uma rapariga loura (2009)
.
O estranho caso de angélica (2010)
. O gebo e a sombra (2012)
. Mundo invisível (segmento de do visível ao invisível) (2012)
. O velho do restelo (2014)
. Chafariz das virtudes (2014)