terça-feira, 13 de agosto de 2013

Dengue e outros descasos - Claudia Collucci

folha de são paulo

Dengue e outros descasos


 
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Caso 1 - Ana, 22, foi levada por moradores a um hospital da zona norte de São Paulo. Desnutrida e desidratada, a jovem estava com dengue. Ficou internada dois dias e teve alta. Acionados, os agentes de saúde foram procurá-la no endereço que constava no registro hospitalar para orientar moradores sobre prevenção e procurar criadouros do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue.
No endereço, havia um cemitério. De início, os agentes pensaram se tratar de um engano ou de uma brincadeira de mau gosto. Mas ao questionarem um coveiro descobriram que, sim, Ana morava num barraco nos fundos do cemitério.
Além de Ana, outras quatro pessoas (dois casais) vivem há quatro anos no local em barracos improvisados. Não há água, luz ou esgoto. Só lixo e mato. Todos são usuários de crack. Um rapaz é HIV soropositivo, o outro tem tuberculose. Ninguém recebe tratamento médico. Ah, sim! Foram encontrados vários criadouros do mosquito da dengue no terreno.
Caso 2 - Agentes de saúde recebem uma reclamação de moradores de que uma casa estava abandonada e possivelmente cheia de criadouros do Aedes. Ao chegarem ao imóvel, eles se deparam com duas idosas, encolhidas no sofá velho, assistindo à TV. A primeira, de 83 anos, é a dona da casa. A segunda, de 65 anos, é a sua cuidadora.
Ambas vivem sozinhas em uma casa de quatro cômodos bastante deteriorada. Dois quartos ficam fechados. Estão cheios de entulhos, papéis e móveis que, de tanto cupim, desabaram, aos pedaços. A mais velha, diabética, escaras pelo corpo e imobilizada na cama/sofá, conta que os móveis e os papéis pertenciam ao genro e à filha, ambos já mortos. A neta é quem a "visita", uma vez por mês, para levar mantimentos. É também quem "administra" a aposentadoria de um salário- mínimo da avó.
A cuidadora de 65 anos, hipertensa e com artrose, é também responsável por fazer a comida. Vive no lugar há anos, mas diz que, sozinha, não consegue fazer a limpeza. Ah, sim! No quintal, foram encontrados vários focos do mosquito da dengue.
As duas situações reais foram relatadas por uma funcionária da Prefeitura de São Paulo. São apenas duas histórias dentre tantas outras que fazem parte do seu dia a dia. Dengue, nesse contexto, parece até um "mal menor". Como falar sobre prevenção nesses ambientes? Qual o sentido de orientar sobre o risco de pneus e latinhas cheios de água para quem vive doente no meio do lixo?
A funcionária tem razão para estar angustiada e triste. Ela procurou ajudar essas pessoas, informando os casos a serviços sociais do município. Mas, de antemão, sabe que dificilmente haverá solução para eles. Em uma cidade como São Paulo, há casos ainda mais escabrosos na fila de espera. Histórias como a de Ana e das velhinhas são só mais duas.
Em tempo:
A capital paulista enfrenta um aumento no número de casos de dengue. De janeiro até o início deste mês, foram registradas duas mortes e 2.457 casos da doença --mais do que o dobro de 2012. O aumento se deu em bairros mais periféricos da cidade. Rio Pequeno, na zona oeste, e Cangaíba, na zona leste, lideram o ranking.
Avener Prado/Folhapress
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site.

Mirian Goldenberg

folha de são paulo
Em busca de um autor desconhecido
Gosto da palavra "velho" e acho importante usá-la para combater estigmas
Circula pela internet um texto assinado por mim com o título "Sexalescentes". Ele tem sido reproduzido e enviado por e-mail para inúmeras pessoas. Existe até uma versão musical no Youtube.
O texto diz que está surgindo uma nova faixa social: a dos "sexalescentes", pessoas de mais de 60 anos que rejeitam a palavra "sexagenário" porque envelhecer não está nos seus planos.
São homens e mulheres independentes que procuraram e encontraram a atividade que mais gostam e conseguiram se sustentar com ela.
Alguns nem sonham com a aposentadoria. E os que já se aposentaram gozam plenamente cada dia, sem medo do ócio ou da solidão.
Nesse universo de pessoas saudáveis, curiosas e ativas, a mulher tem um papel de destaque. Ela aprendeu a respeitar a própria vontade, enquanto as suas mães só puderam obedecer aos homens. E conquistou espaços na sociedade que as suas mães nem sequer sonharam ocupar.
Algumas optaram por viver sozinhas, outras escolheram carreiras que sempre foram masculinas, muitas tiveram filhos, outras não. Mas cada uma fez o que quis --apesar de não ter sido nada fácil-- e continua a fazer o que quer.
O texto conclui afirmando que, hoje, as pessoas de mais de 60 anos estreiam uma idade que não tem nome. Antes seriam velhos; agora já não são.
Tenho recebido muitas mensagens com elogios a "Sexalescentes".
Só que nunca escrevi tal texto.
É verdade que algumas ideias são semelhantes às que tenho apresentado em meus artigos. Mas, ao contrário do autor (ou autora?) de "Sexalescentes", gosto da palavra "velho" e acho importante usá-la justamente para combater o estigma que cerca a velhice. Também gosto de usar "ageless", "sem idade" e "inclassificáveis" para me referir aos que estão inventando uma forma mais feliz de experimentar o envelhecimento. Chamo as mulheres mais velhas de "coroas poderosas".
É muito estranho ver o meu nome em um texto que não é meu. Mais estranho ainda é receber elogios por algo que nunca escrevi.
Algum leitor sabe de quem é a ideia de "Sexalescentes"? Se sim, peça para ele (ou ela?) sair do armário e assumir a autoria.
Aposto que o texto foi escrito por uma "coroa poderosa". E você?

"rentrée sociale" - Vinicius Torres Freire

folha de são paulo
Manifestações, segundo tempo
Até a eleição de 2014, vai ser muito difícil saber do destino, das causas e das consequências de junho
NA FRANÇA, setembro é o mês da "rentrée sociale". Depois das férias de verão, vêm a volta ao trabalho, a volta às aulas ("rentrée scolaire") e a volta [do protesto] social. "Rentrée sociale" é quase intraduzível não apenas pela dificuldade idiomática mas também porque não temos algo semelhante às férias quase coletivas da França nem a tradição de protesto social.
Teremos "rentrée sociale" de agosto a setembro, após as férias dos estudantes, grupo maior das grandes passeatas de junho? Há manifestações "grandes" marcadas de amanhã até 7 de setembro, ao menos.
A pergunta é especulativa ou mal posta. Especulativa pelo motivo óbvio. Mal posta porque os protestos de junho parecem ter suscitado autodescobertas sociais e políticas. Não está em questão apenas uma re-volta da estudantada.
Em junho, a maioria dos manifestantes e simpatizantes não sabia que queria ir às ruas, que aprovaria as "manifs" e desaprovaria governantes em massa. O povo era "infeliz e não sabia", na frase do cientista político André Singer em coluna nesta Folha.
Depois da detonação maior do protesto, a coisa mudou. Grupos de manifestantes reconheceram suas diferenças políticas e sociais e até se estranharam. Grupos de interesse muito específico passaram a fazer manifestações quase diárias. Movimentos sociais da periferia fizeram "manifs" mas margens da cidade rica. Centrais sindicais e outras organizações mais antigas e politizadas tentaram espanar a poeira da sua burocratização.
Enfim, parte da massa amorfa de junho coalhou em novos blocos. Grupos tradicionais querem aproveitar o momento. Governo e oposição partidária calculam como lidar com os "seus" manifestantes.
Todos viram que o sistema político pode balançar. Quase ninguém parecia saber bem o que estava fazendo (para não dizer que havia burrice mesmo). Mas muita gente viu que "causou", como diz a gíria.
A incógnita maior é a maioria menos engajada, para quem junho pode ter sido apenas um destampatório, uma explosão similar à dos antigos quebra-quebras de bonde e ônibus do século passado. Não quer dizer que tenham ficado indiferentes ou intocados pelos gritos de junho. No entanto, podem não estar dispostos a voltar para a rua, mas para a inércia do repouso.
A maioria menos engajada talvez esteja à espera dos discursos de quem convoca novos protestos, de sua capacidade de organização e de criar um projeto político de fôlego.
A princípio, gatilhos e motivos de irritação não faltam, da crescente preocupação com o emprego a escândalos, como o metrô tucano ou os finalmentes do mensalão.
O que não se pode dizer é que "acabou". Dois meses é um tempo ínfimo em política maior. As pessoas aprendem com os protestos; recusam, aceitam ou criam identidades políticas, refazem o cálculo dos seus interesses. Sempre o fizeram, e podem fazê-lo de modo ainda mais intenso agora, com tantos meios de comunicação disponíveis, tanta oportunidade de se afirmarem e reivindicarem reconhecimento público (ou apenas narcísico, de "sub da sub da subcelebridade").
Até pelo menos a eleição do ano que vem, e olhe lá, vai ser muito difícil estimar causas e consequências de junho.
vinit@uol.com.br

    Fora da lei, 11 capitais negam tempo livre a professores

    folha de são paulo
    (FÁBIO TAKAHASHI, NATÁLIA CANCIAN, RAFAEL TATEMOTO E RAYANNE AZEVEDO)

    Municípios ignoram exigência de horário para docente planejar aula
    Prefeituras alegam falta de verbas; apenas Macapá ainda não paga o valor mínimo de R$ 1.567 de salário-base
    DE SÃO PAULO
    Cinco anos após ser aprovada no Congresso, a lei que fixa condições mínimas aos professores de escolas básicas públicas não é cumprida em 12 das 27 capitais. Uma delas não paga o piso salarial e as outras 11 não concedem jornada extraclasse mínima.
    A regra determina piso salarial de R$ 1.567 no ensino fundamental e médio (jornada de 40 horas semanais).
    Também exige que o docente fique 1/3 do período fora das aulas, para preparação de atividades, por exemplo.
    Levantamento da Folha com secretarias municipais de Educação aponta que em 11 capitais o período extraclasse é inferior ao exigido (Belém, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis, Maceió, Manaus, Natal, Recife, Salvador, São Paulo e Vitória). Em relação ao valor do salário, Macapá paga R$ 1.345 --menos que o piso, portanto.
    A lei visa melhorar condições de trabalho dos docentes em atividade e atrair mais jovens para o magistério.
    A maior dificuldade para se cumprir a regra da jornada extraclasse é que ela requer contratação de docentes, pois os professores já em atividade teriam que dar menos aulas.
    Segundo a Undime, que representa secretários municipais de Educação, gestores buscam cumprir a regra, mas alegam falta de verbas.
    "Todo mundo vai ter de ceder nesse processo", disse a presidente da Undime, Cleuza Repulho, referindo-se a prefeituras e sindicatos.
    SANÇÃO
    A lei não prevê sanção automática ao gestor que descumpra a regra. Ao sancionar a norma, o então presidente Lula afirmou que só cabe punição se comprovada a desonestidade do administrador.
    Pesquisador da USP em direito administrativo, Gustavo Justino de Oliveira entende que a própria legislação sobre improbidade prevê punição a quem desrespeita lei como a do piso do magistério. Um passo necessário é o pedido do Ministério Público.
    Já Carlos Ari Sundfeld, pesquisador da PUC e da FGV, vê como exagerada uma ação de improbidade em casos que não se caracterizem má fé. Diz, porém, que há respaldo legal para que docentes peçam cumprimento da lei.
    Resolução do Conselho Nacional de Educação estabeleceu 2015 como prazo final de transição. A regra, porém, não tem força de lei.
    Há divergências sobre o alcance da lei do piso. "Atividade intelectual, principalmente como a docência, exige reflexão e preparação", disse o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara.
    Já Ilona Becskeházy, consultora em educação, considera ser mais importante a definição de currículo claro para as escolas, melhoria nos materiais e infraestrutura.
    OUTRO LADO
    Redes municipais dizem que vão se adequar à norma
    DE SÃO PAULOAs capitais que descumprem a lei do magistério dizem buscar a adequação, mas esbarram na falta de recursos.
    Única capital que não paga o valor salarial mínimo, a Prefeitura de Macapá diz que o pagamento é compensado com gratificações, que podem aumentar "em até quatro vezes" o salário docente.
    A lei do magistério, porém, fixa piso para o salário-base. "Há uma série de penduricalhos [gratificações]. Se formos pagar o piso-base, quebra a prefeitura", afirmou a secretária de Educação, Antônia Costa Andrade.
    A rede paulistana diz que apenas parte dos professores não tem o 1/3 da jornada fora da aula (os com contrato de 30 horas semanais). Mesmo eles, afirma a prefeitura, podem migrar para jornadas que já cumprem o que prevê a lei.
    Florianópolis e Belém dizem que, como não conseguem deixar todos os professores 1/3 da jornada fora da sala de aula, pagam gratificações para compensar.
    A capital catarinense afirma que os professores dos anos finais do fundamental já estão enquadrados na lei. E que os demais estarão adequados até 2015.
    Campo Grande, Maceió, Natal, Recife e Salvador dizem que também estão em processo de adequação.
    A Prefeitura de Cuiabá afirma que seu percentual de jornada extraclasse ao menos cumpre lei municipal (20%).
    As redes de Manaus e Vitória não explicaram por que descumprem a regra.
    O Ministério da Educação afirma reconhecer a dificuldade de implementação da lei, mas diz que não tem o poder de fiscalizar as prefeituras, que têm autonomia.

    Jornada afeta professor e aluno, diz docente
    DE SALVADOR
    A baiana Ivone Anunciação Souza, 43, não se conforma. Ela trabalha na rede municipal de Salvador, que descumpre a lei dos professores e não lhe dá um terço de sua jornada para preparar aulas ou corrigir provas.
    Ivone, que ensina em dois turnos (à noite, para jovens e adultos), diz que isso compromete a qualidade do curso e de sua vida.
    "Nós também temos relações interpessoais e nosso futuro. Isso tudo fica prejudicado quando se tem uma pilha de provas para corrigir ou três empregos", diz.
    Em 2011, o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou que a reserva do chamado terço extraclasse é constitucional.
    "Assim como vocês, repórteres, precisam de tempo para apurar uma história e depois escrevê-la, o professor precisa para fazer seu planejamento pedagógico", diz.
    O professor Arlindo César, 24, concorda.
    "Por enquanto não tenho filhos e estou sem namorar. Como conseguirei ter uma vida normal no ritmo que levo?", questiona.
    ANÁLISE
    Da intenção à realidade, ainda há uma grande distância
    MARCELO LEITEDE SÃO PAULOCom a adoção de um piso salarial nacional para professores de educação básica, há cinco anos, a sociedade brasileira emitiu sinal inequívoco de que deseja pôr termo à progressiva proletarização dessa profissão decisiva para o desenvolvimento do país e de seus cidadãos. Da intenção à realidade, todavia, vai uma grande distância.
    A boa notícia do levantamento realizado pela Folha está na razoável obediência à norma salarial pelas redes municipais de ensino nas capitais. Só em Macapá se observa descumprimento.
    O valor do piso também é respeitado pela maioria das secretarias estaduais de Educação, indicam levantamentos anteriores. Falta porém, uma pesquisa sobre as outras 5.544 cidades do país, que indicará se esse padrão mínimo de remuneração determinado pela lei "pegou" ou não.
    Não seria arriscado dizer, tomando só as capitais e as redes estaduais de ensino, que a maioria dos alunos de educação básica no Brasil já conta com professores que recebem o piso. Embora acarrete um ônus e tanto para prefeitos e governadores, seria leviano concluir que está tudo bem. Longe disso.
    Em primeiro lugar, o piso de R$ 1.567 não pode ser considerado alto. Equivale a 2,3 salários mínimos, é verdade, mas fica abaixo do salário médio nacional de R$ 1.793 (dado de 2011) divulgado em maio passado pelo IBGE, com base no Cadastro Central de Empresas (Cempre).
    Se comparado com a média dos que têm diploma de nível superior (R$ 4.135), como se exige da quase totalidade de docentes de educação básica, o piso dá uma medida mais objetiva do prestígio social conferido à categoria: o trabalho do professor vale não muito mais do que um terço (38%) do que ganham outros profissionais com a mesma titulação.
    QUALIDADE
    De um ponto de vista qualitativo, então, a realidade é ainda mais preocupante.
    O levantamento constatou também que só 16 das sedes de unidades da Federação cumprem outro dispositivo menos lembrado da lei 11.738: a obrigação de reservar um terço da jornada de 40 horas semanais para trabalho fora da sala de aula.
    Para dar uma educação melhor, o professor precisa de tempo para preparar aulas, fazer cursos e atualizar-se sobre novos conhecimentos, livros didáticos e técnicas de ensino na sua área.
    Se ficar oito horas por dia em classe, a tendência é que repita sempre a mesma aula. Ou, pior, que siga sem refletir as receitas prontas, sem adaptá-las aos alunos de carne e osso que tem diante de si.
    O piso salarial representa um avanço importante para a educação brasileira. Mas o país ainda está muito aquém do teto do que é possível e necessário realizar para que se eleve acima do pântano de mediocridade em que afunda.

      Rosely Sayão

      folha de são paulo
      Aprendizado e angústia
      Com o incentivo de um adulto, a criança consegue encarar melhor o difícil processo de aprendizado
      Ficar concentrado em algo que exige muito de nossa atenção tem sido cada vez mais difícil e doloroso. Vivemos num mundo que nos diz, incessantemente, que precisamos ter satisfação logo, que a dor precisa ser evitada e/ou suprimida, que a felicidade é a melhor escolha.
      Quando tentamos nos concentrar em uma tarefa árdua, logo percebemos que as distrações presentes em nosso entorno são, quase sempre, bem mais sedutoras, não é verdade? Dá vontade de beliscar algo gostoso, de atender a um telefonema nada importante, de ler as mensagens que chegaram, de buscar algo na internet etc.
      Pronto: está armada a cilada que tem como objetivo nos retirar da situação incômoda em que estávamos. Ter de realizar algo que não é nossa escolha no momento e que exige esforço e tempo de dedicação perturba, angustia, provoca insatisfação. E é disso que queremos fugir.
      Claro que, ao agirmos assim, a situação irá se complicar porque, afinal, aquela tarefa precisará ser realizada mais cedo ou mais tarde. Aí é que entra o exercício da maturidade. Realizamos um esforço ainda maior para dar conta de nossa responsabilidade porque sabemos que ela é intransferível.
      A criança sofre esse contexto muito mais do que o adulto. Imagine, caro leitor, uma criança ao fazer uma lição ou ao aprender algo que dizemos que ela precisa saber.
      Certamente você já testemunhou uma cena desse tipo. Ela decide apontar o lápis, organizar seu material à mesa, pegar (dezenas de vezes) algo necessário na mochila... Além disso, sente fome e vontade de ir ao banheiro, olha para sua borracha e se lembra de uma outra que tanto queria mas não tem.... E assim ela segue, sem saber que o seu comportamento visa unicamente escapar da angústia que ela enfrenta.
      Nós, que aqui estamos há muito mais tempo do que ela, fomos tão tomados por esse mesmo contexto, que nem sempre nos damos conta de que a criança precisa de nossa ajuda nesse momento. Ela precisaria saber, por nossa condução, que ela pode comer mais tarde, que não precisa de tanto material por perto, que a vontade de ir ao banheiro pode ser postergada etc.
      Ao contrário, tratamos de atender a todas as suas solicitações na tentativa de "limpar" a situação para que a criança consiga, finalmente, se dedicar ao que precisa. Tudo o que conseguimos ao agir assim é estimular a criança a escapar de outros modos de sua missão.
      Há um grupo de crianças que confunde a angústia que a toma nesse momento com dor. Dor física: dor de cabeça, dor de barriga, dor na mão, por exemplo, são reclamações frequentes de crianças que enfrentam a angústia de ter de aprender algo.
      Como a lógica médica passou a reger nossas vidas, damos toda atenção a tais dores, que não são inventadas pela criança, é bom ressaltar: são confundidas por ela.
      Quase todas as escolas hoje têm enfermaria; a qualquer hora do dia, se você passar por lá, caro leitor, encontrará alguma criança com tal reclamação, tanto quanto muitas outras no banheiro, no bebedouro, vagando pelos corredores.
      Elas deveriam ser encorajadas a ficar em classe e a enfrentar a angústia que o aprendizado provoca. Com nossa ajuda, com nosso apoio, com nossa firmeza e carinho, elas podem enfrentar tal desconforto por conta própria e seguir em frente.
      O resultado seria o crescimento da autoestima, que se desenvolve à medida que a criança adquire confiança em sua capacidade de colocar em ato seu potencial.

      Tv Paga


      Estado de Minas: 13/08/2013 


      Na mira da lei

      Os fãs de Arquivo X nunca vão se esquecer de Gillian Anderson (foto). A atriz, que interpretou a agente Dana Scully na telinha de 1993 a 2002 e acabou levando a personagem para o cinema, está de volta em The fall, série policial que estreia hoje, às 23h30, no canal GNT. Ela faz o papel da detetive inglesa Stella Gibson, chamada pela polícia da Irlanda para investigar os crimes de um assassino em série. Criada por Allan Cubitt, a série tem apenas cinco episódios nesta primeira temporada.

      Conheça Carrie Bradshaw
      ainda adolescente, no Glitz
      Outra novidade de hoje é The Carrie diaries: a atração vem sendo exibida pelo Boomerang, mas estreia às 21h, no Glitz. A série retrata o amor que a jovem Carrie (Anna Sophia Robb) tem por Nova York e a paixão pelo amigo Sebastian Kydd (Austin Butler). Logo de cara, a garota tem que lidar com a morte da mãe e com a dificuldade de realizar um sonho. Dica para quem não se tocou: é a mesma personagem do cultuado Sex and the city, só que na adolescência. Na fase adulta ela foi interpretada por Sarah Jessica Parker.

      Cinemundi em nova fase
      com produções argentinas
      Depois de um bom tempo sem programação regular e de qualidade, a sessão Cinemundi volta revigorada do Telecine Cult. E vem com seleção de filmes argentinos que serão exibidos todas as terças-feiras, na faixa das 22h. Para começar, o ótimo drama O homem ao lado, de Mariano Cohn e Gastón Duprat, com Eugenia Alonso, Daniel Aráoz e Rafael Spregelburd nos papéis principais. A trama: Leonardo é um designer bem-sucedido e esnobe, que mora em uma casa construída por um famoso arquiteto, sempre recebendo visitas indesejadas. Quando seu rude vizinho decide construir uma janela, ele percebe que seus problemas eram mais simples do que imaginava.


      Ação, drama e comédia na
      programação de cinema
      Outro destaque de hoje do pacote de filmes é Seleção brasileira, no Canal Brasil, às 22h, com o drama Rânia, dirigido por Roberta Marques, sobre uma adolescente que sonha se tornar bailarina. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Armadilha, no Telecine Pipoca; Pela vida de um amigo, no Glitz; Desejos, no ID; Menina dos olhos, no Sony; Prometheus, no Telecine Premium; Conan, o bárbaro, no Telecine Action; O vencedor, no Telecine Touch; e Click, na Warner. Outras atrações: Um homem misterioso, às 20h , no Universal; O procurado, às 20h25, no Megapix; A corrente do bem, às 21h, no Boomerang; Inverno da alma, às 21h10, no Max; e Watchmen – O filme, às 22h15, no FX.

      Miranda revela o que há
      de mais bacana na música

      O produtor musical Carlos Eduardo Miranda é o personagem de hoje da série Back track, às 21h, no canal VH1. Ele explica como ajudou a criar o selo Banguela Records, em 1995, revelando bandas como Raimundos, e sua participação como jurado de programas de TV como Ídolos e Astros. Analisa também o mercado musical em um mundo tomado pelo download e as novas descobertas no mundo do tecnobrega paraense. Tudo com muita irreverência, marca registrada do produtor.

      MARIA ESTHER MACIEL » O memorioso‏

      O mapa do mundo estava em sua cabeça: lembrava-se de todas as cidades que visitara


      Estado de Minas: 13/08/2013 


      Sempre fui meio desmemoriada. Costumo anotar quase tudo num caderninho que carrego na bolsa, de forma a burlar o esquecimento: desde frases ou ideias que me ocorrem de repente, até listas de tarefas importantes dos próximos dias e coisas imediatas para resolver. Às vezes, ainda costumo escrever bilhetes para mim mesma e deixá-los sobre a escrivaninha, preocupada com os prazos e compromissos. Mesmo porque, gosto de ser pontual.

      É justamente por usar, o tempo todo, artifícios para manter acesa a memória das coisas (ou as coisas da memória) que admiro as pessoas memoriosas. Não à toa, um dos personagens literários que mais me impressionam é Irineu Funes, de um conto de Jorge Luis Borges. Para quem não se lembra, o personagem é um rapaz que, após sofrer um acidente, perde a capacidade de esquecer. Desde então, não consegue mais se desvencilhar das lembranças de tudo o que viveu, leu, viu, ouviu, sonhou e imaginou ao longo do tempo, passando a viver mentalmente em meio ao acúmulo de suas próprias recordações. Ele chega a dizer: “Mais recordações tenho eu sozinho que as que tiveram todos os homens desde que o mundo é mundo”. E, de fato, ele se lembra dos mínimos detalhes de tudo, como conta Borges de forma magistral.


      Não foram poucas as vezes que chamei José Olympio – meu companheiro, que partiu no mês passado – de “o meu Funes”, por causa de sua memória prodigiosa. Quem o conheceu de perto sabe do que estou falando. Ele se lembrava de praticamente tudo, com minúcias. Nomes, sobrenomes, datas, endereços completos, números de telefones, títulos de livros, filmes e obras de arte, placas de carros, detalhes de acontecimentos do passado e do presente, tudo isso ele mantinha vivo na memória. O mapa do mundo estava em sua cabeça: lembrava-se de todas as cidades que visitara, com seus nomes de ruas percorridas, bairros e arredores. E também registrava dados sobre lugares a que nunca tinha ido, pois adorava os mapas e os estudava com fervor.


      Lembro-me de uma vez que fui sozinha a Tóquio e me perdi num dos bairros, sem conseguir identificar os nomes dos lugares, escritos em japonês. Mas como sempre acontecia, José Olympio tinha se preocupado em estudar o mapa e os guias da cidade com antecedência, só pelo prazer de se imaginar lá também. Assim, peguei o telefone e liguei para ele, contando mais ou menos onde estava e perguntando sobre o melhor caminho de volta. Tão logo situou o lugar, ele me passou as coordenadas, sugerindo-me, ainda, um bom restaurante lá perto. Isso, sem nunca ter ido nem sequer uma vez ao Japão.


      Não bastasse a memória fabulosa, José Olympio ainda era conhecido como um homem “enciclopédico”. Sabia tudo sobre tudo. Meu filho Ricardo costumava chamá-lo de “minha enciclopédia particular” nos momentos em que precisava de referências para alguma pesquisa. Dispensava até mesmo o Google e a Wikipédia, pois José Olympio tinha as informações na ponta da língua e ainda as passava com detalhes interessantes e divertidos. Aliás, o humor era outra de suas qualidades. Mesmo sendo um homem sério, ele tinha o dom de fazer rir.


      É por essas e várias outras coisas que ele vai ficar na memória dos que o conheceram. Até mesmo na dos desmemoriados.

      Tereza Cruvinel-Emendas e sonetos‏

      Com a recuperação inicial da popularidade, e evitando o salto alto, a presidente Dilma estará mais fortalecida para negociar a recomposição da base de apoio 



      Tereza Cruvinel


      Estado de Minas: 13/08/2013 


      Com os pontos recuperados na pesquisa Datafolha, na aprovação ao governo e nas intenções de voto, a presidente Dilma Rousseff estará fortalecida nas negociações com o Congresso sobre a agenda complexa do momento. Se não voltar ao salto alto, pode avançar no essencial, a recomposição de sua base de apoio. A recuperação não deve bastar, entretanto, para evitar a aprovação, pela Câmara, da emenda constitucional que torna compulsória a liberação das emendas parlamentares ao Orçamento. A maioria parece decidida, mas essa mudança é grave demais para ser aprovada na base da pirraça à presidente. Com o perdão da paráfrase, a emenda (constitucional) pode piorar o soneto. E isso já não é dito só pelos governistas e auxiliares da presidente. O líder municipalista Paulo Ziulkoski teme que o mecanismo aumente a discriminação entre os municípios. O deputado Márcio França (PSB-SP) prevê o surgimento de enorme aparato burocrático para gerir as liberações.

      Estudo da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) constatou que, do total de 5.568, apenas 1,2 mil municípios receberam, nos últimos 10 anos, algum dinheiro originário de emendas parlamentares, sendo que 629 cidades nem foram objeto de qualquer proposta. Em média, foram liberados 16,9% das emendas anualmente. Melhor seria para o país, diz Ziulkoski, que preside a entidade, se os recursos reservados para as emendas fossem destinados diretamente aos municípios, através de um fundo especial, com carimbo do setor em que seriam aplicados. Como cada congressista pode alocar até R$ 15 milhões em obras e projetos, o valor global chegaria, hoje, a R$ 8,9 bilhões.

      Proposta semelhante é defendida por Márcio França, por motivos diferentes. Hoje, embora o percentual de liberações nunca ultrapasse os 25% das emendas, os procedimentos técnicos e burocráticos já envolvem quase 10 mil funcionários, nas três esferas da federação. Os recursos das emendas só podem ser transferidos depois da assinatura de um convênio, que vem a ser o instrumento jurídico de mais complexa tramitação e gestão da execução. “O que se gasta com essa burocracia equivale a boa parte dos recursos movimentados. Com a liberação impositiva, imagine-se o tamanho do aparato burocrático e o custo de sua manutenção.” O que ele sugere é que cada deputado possa destinar os valores correspondentes às suas emendas ao FPM, com clara identificação dos municípios e dos setores beneficiados. Mas, se é para saúde, por exemplo, caberá ao prefeito decidir se fará um posto ou comprará uma ambulância, segundo suas necessidades.
      Essas e outras fórmulas alternativas resolveriam alguns problemas. Não deve mesmo o governo fazer uso das emendas para premiar aliados e punir adversários, no conhecido toma lá dá cá. Mas não pode também o Legislativo impor a liberação, independentemente do estado das contas públicas. Quem deve zelar por elas é o Executivo. Outra forma de destinação e transferência propiciaria também melhor fiscalização, livrando prefeitos e parlamentares das recorrentes suspeitas de corrupção no trato das emendas.

      Afora esse tema espinhoso, e vencida a tentação do salto alto, Dilma já pode mesmo exibir a velha desenvoltura. Pois, se não recuperou tudo o que tinha, os adversários também não avançaram. Exceto Marina Silva, que corre contra o tempo para viabilizar seu partido.

      Sugestões ao Leão


      Na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, dois projetos polêmicos relacionados ao Imposto de Renda. Um, do senador Neuto de Couto (PMDB-RS), diz respeito às famílias e parece razoável. Eleva de 21 para 28 anos a idade para permanência dos filhos como dependentes. Há quem diga que hoje a adolescência termina aos 30 anos. Na classe média, os filhos se formam, vão fazer pós-graduação e só depois ingressam no mercado de trabalho.


       O outro, de Cristovam Buarque (PDT-DF), levantará poeira. Sugere que todos os ocupantes de cargos eletivos tenham suas declarações anuais de rendimento submetidas à malha fina da Receita. Os que lidam com dinheiro público devem ser mais fiscalizados, diz Cristovam. O senador Francisco Dornelles, sem dúvida a maior autoridade em questões tributárias no Congresso, diz que a proposta é inconstitucional, por reservar aos agentes públicos tratamento tributário desigual em relação aos demais contribuintes.

      Prova para os médicos


      Com o aumento da aprovação popular ao Programa Mais Médicos, também detectado pelo Datafolha, a Comissão Mista Especial do Congresso encarregada de examinar a medida provisória que trata do assunto já não fala em rejeitá-la. Mas um ponto ainda vai dar pano para mangas ali. O vice-presidente da comissão, deputado Francisco Escórcio, diz ter constatado, junto a seus parentes, a disposição para impor aos médicos estrangeiros alguma forma mais rígida de avaliação. Ou o exame Revalida, do MEC, ou alguma prova específica. O governo é contra. Acha que isso atrasaria demais as contratações e a produção de resultados em favor da saúde.

      Ecos da travessia


      Aqueles que, como eu, não puderam ler todos os capítulos de A história de Mora, publicados por O Globo, poderão ler agora, em livro, a biografia romanceada de Ulysses Guimarães, que o jornalista Jorge Bastos Moreno lança amanhã em Brasília, na livraria Saraiva do Pátio Brasil. Ele faz de Mora, mulher de Ulysses, uma narradora sagaz e espirituosa. Os que viveram a travessia da noite da ditadura terão muito a recordar. Os que nasceram na democracia, muito a aprender, especialmente sobre aquele que foi o grande timoneiro.

      Em perfeita harmonia (Duo Assad)‏

      Duo Assad, formado pelos irmãos Sérgio e Odair, se apresenta hoje em Belo Horizonte. No repertório, compositores brasileiros e temas clássicos em arranjos para dois violões 



      Walter Sebastião

      Estado de Minas: 13/08/2013 

      “O melhor duo de violões existente, talvez em toda a história. Nenhuma antecipação poderia ter me preparado para a impressionante flexibilidade e completa unanimidade dos irmãos brasileiros.” Comentário estampado no jornal norte-americano The Washington Post referindo-se ao Duo Assad. Sérgio tem 56 anos e mora nos Estados Unidos; Odair, de 60 anos, vive na Bélgica. Juntos, andam mundo afora apresentando clássicos do violão, não só europeus e norte-americanos, mas brasileiros da gema, como Garoto, Dilermando Reis, Ernesto Nazareth, João Pernambuco, Baden Powell, Egberto Gismonti, Heitor Villa-Lobos. Um pouco desse repertório, além de composições de Fernando Sor (1778-1839) e Jean-Philippe Rameau (1682-1764), estão no programa do concerto que os irmãos realizam hoje, às 20h, no Teatro Bradesco.

      O perfil dos autores, conta Sérgio, é basicamente de violonistas que escreveram para violão solo. As peças ganharam arranjos da dupla para dois violões, com interpretação moderna. “Está infiltrado na execução das peças nossa versão, atual, para obras maravilhosas, muitas delas escritas há quase um século, tocadas quase sempre de uma forma só”, conta. O músico não coloca fronteiras entre o popular e o erudito. “Só gostamos de tocar música e o que mostramos é o nosso repertório. Criadores como Piazzolla preencheram de forma maravilhosa esses mundos”, observa. O disco mais recente do Duo Assad é Dance of the world (2013), com o cubano Paquito D’Rivera. O próximo álbum vai ser dedicado aos clássicos do violão popular brasileiro.


      Sérgio Assad falou ao Estado de Minas, por telefone, de São João da Boa Vista, interior de São Paulo, onde mora dona Ica, matriarca de uma família de muitos artistas. “Estou curtindo mãe”, brinca Sérgio, contando que pelo menos duas vezes por ano ele e o irmão estão por lá. A cidade fez homenagem à família, criando no ano passado a Semana Assad, com shows e oficinas que movimentam a vida cultural da região.


      “É um lugar musical. Já existe aqui, há 20 anos, a Semana Guiomar Novaes, que também nasceu em São João”, observa Sérgio. “Recebemos tudo com muita alegria e como homenagem ao nosso pai, que sempre cultivou a música na cidade. É mais reverência à música do que a nós. Ficamos felizes por ser evento dedicado ao instrumental. Contribuir para ampliar o espaço para a música instrumental é muito bom”, avalia. A família Assad, além de Sérgio e Odair, pode se orgulhar do talento da irmã mais nova, Badi Assad, violonista e compositora com carreira reconhecida internacionalmente.

      Duo Assad
      Hoje, às 20h, Teatro Bradesco,
      Rua da Bahia, 2.244, Savassi,
      (31) 3516-1360. Ingressos: R$ 50 e R$ 25.

       

      três perguntas para...

      sérgio assad
      violonista e compositor



      1 - Quais são os momentos marcantes na trajetória do Duo Assad?
      Somos marcados pela mistura dos autores eruditos e populares. Viemos de escola tradicional do choro, crescemos nesse ambiente. Nosso pai era relojoeiro de profissão e adorava tocar. Ganhou um cavaquinho numa rifa, não sabia o que fazer com ele, comprou discos, ouviu e tirou de ouvido 400 choros. Quando fomos fazer estudos acadêmicos – meu pai não impôs, mas nos dirigiu nesse sentido –, levamos na bagagem o que tínhamos. E fomos ter aulas de violão clássico com a professora argentina Monina Távora. Ela ouviu e disse: a partir de agora, vamos tocar música séria. Deu um nó na nossa cabeça, pois é difícil negar as próprias raízes. Então, continuamos tocando escondido dela autores populares e procurando alternativas sobre o que fazer. Inclusive, porque há poucas composições escritas para dois violões. E encontramos Radamés Gnatalli, Egberto Gismonti, Piazzolla. Montamos repertório com uma parte clássica e outra de compositores latino-americanos e isso acabou dando a nossa cara. Nos anos 1970, tal caminho estava na contracorrente, não se permitiam coisas híbridas, era como se estivéssemos em cima do muro. Nunca estivemos em cima do muro. Música só tem duas: a boa e a ruim.

      2 - Heitor Villa-Lobos, Pixinguinha, Garoto, Dilermando Reis, Ernesto Nazareth e João Pernambuco: o que impressiona nesses autores?
       São clássicos do violão popular brasileiro. João Pernambuco, por exemplo, criou coisas originalíssimas, sem copiar ninguém. Villa-Lobos fez o mesmo. Eles inventaram coisas e é preciso ser muito inteligente para criar assim. A recepção às composições deles, em qualquer lugar do mundo, é grande. Buscar coisas novas é algo intrínseco ao ser humano. A Argentina também tem muitos criadores bons. Mas, no Brasil, o número de gente criativa é muito maior. O jazz parou nos anos 1970, a música brasileira continua evoluindo. Fizemos um disco com o cubano Paquito D’Rivera. Ele adora música brasileira e disse, se referindo ao Brasil: “Não é fácil ser Tom Jobim na terra dos compositores, em lugar onde todo mundo é compositor”. Achei muito bonito.

      3 - Como é atuar em duo?
      Eu e o Odair tocamos juntos desde o primeiro dia, já são 48 anos. Dizem para não contar o tempo, mas conto sim. Começamos no interior de São Paulo, com o nosso pai, e aprendemos rápido o repertório dele. Depois, sem ter nem um ano de instrumento, estávamos na TV Record tocando com Jacob do Bandolim no programa da Elizeth Cardoso. Quantos tocaram com Jacob? Existimos como duo até 1990. Depois começamos a ser convidados para várias formações. Como temos o hábito de tocar juntos, se entra um terceiro ele tem de se adaptar a nós, já que são dois instrumentistas que entendem a música da mesma forma. Brigas existem e fazem parte da vida, mas a gente esquece. O êxito de um duo está ligado à harmonia entre as pessoas. Atritos ficam mais fáceis de resolver quando se tem ligação de sangue. 

      Cientistas brasileiros desvendam regeneração hepática com insulina

      Mecanismo celular desvendado 


      Pesquisadores da UFMG descrevem, como a insulina estimula a multiplicação das células. Descoberta abre novas possibilidades de tratamento para o câncer e outras doenças
       




      Humberto Siqueira


      Estado de Minas: 13/08/2013 

      Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) fizeram uma descoberta que está chamando a atenção de cientistas de todo o mundo. Durante pesquisas de regeneração hepática com a insulina, o pesquisador e pós-doutorando André Oliveira percebeu que alguns receptores de insulina, marcados por meio do processo de imunofluorescência, que os faz brilhar, estavam no núcleo das células. O questionamento, óbvio, era como e por que eles chegaram até lá.

      Investigando o fenômeno, a equipe fez uma descoberta que deverá mudar os livros de fisiologia humana. A insulina, além da função metabólica, em que capta e armazena nutrientes para nosso organismo utilizar como combustível, tem outra função até então desconhecida: ela entra na célula por meio de um receptor específico. “É como uma chave e uma fechadura. A insulina é a chave e tem uma fechadura na célula, que é seu receptor. Uma vez conectado, esse receptor vai com a insulina para dentro do núcleo da célula. Lá dentro, a insulina estimula a liberação de cálcio, que, por sua vez, dá início ao processo de multiplicação celular”, explica a professora e pesquisadora Maria de Fátima Leite, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). A novidade está documentada em imagens em movimento.

      O cálcio tem o papel de regular a taxa de proliferação da célula, o que é um processo fisiológico importante na sobrevivência do ser humano. É por meio dela que o ser humano ganha estatura, cicatriza ferida, entre várias outras situações normais do organismo. “A proliferação celular é considerada um efeito mais tardio da insulina, e esse mecanismo foi desvendado. Mostramos, em nosso estudo, como a insulina regula a regeneração hepática. O fígado é um órgão com alto potencial regenerativo, processo fisiológico importante, visto que é um órgão desintoxicador do nosso corpo. Para exemplificar, ao se removerem dois terços do fígado em seres humanos, o órgão regenera (volta à sua função normal) em algumas semanas, ou seja, a multiplicação das células hepáticas é muito alta. Essa regeneração está condicionada a estímulos que vêm de hormônios ou de fatores de crescimento”, pondera Gustavo Menezes, professor de biologia celular da UFMG. “É por isso que os diabéticos, que não produzem insulina, enfrentam maior dificuldade para a cicatrização de ferimentos”, completa Maria de Fátima.

      Pela primeira vez, uma equipe descreveu exatamente como a insulina estimula a proliferação celular. E a descoberta abre novas possibilidades de tratamento para o câncer, por exemplo. Ainda segundo Maria de Fátima, esse fenômeno de multiplicação celular é crucial na saúde e na doença. “Mostramos que o cálcio é um requisito necessário para as células carcinogênicas (que se multiplicam em alta velocidade) replicarem. Então, nesse caso, usamos terapia gênica para reduzir a quantidade de cálcio no núcleoplasma das células, com o objetivo de baixar também a multiplicação celular. Associamos a terapia gênica com a radioterapia e obtivemos sucesso, observando uma diminuição na taxa de sobrevida das células carcinogênicas, o que indica menor taxa de recidiva do câncer. Foi um estudo in vitro, realizado em células, e já estamos bem avançados nos estudos in vivo, em animal”, detalha.

      TERAPIA A multiplicação celular por meio do chamado maquinário de cálcio, ocorre numa velocidade muito alta. Nessa avaliação de tratamento, a equipe constatou que o efeito foi apenas nas células cancerígenas, que estão se multiplicando rapidamente. Outra abordagem que a descoberta permite se dá no tratamento para os casos de processo de falência do fígado. “Apesar de se recuperar muito rapidamente, alguns processos, como a cirrose e a fibrose, destroem o órgão ainda mais rápido. Podemos estudar como ativar esse mecanismo de multiplicação celular pela insulina, para acelerar ainda mais o processo e reverter o quadro. Pode-se evitar a necessidade de transplantes e salvar vidas com isso, já que uma pessoa com o fígado comprometido não vive mais do que uma semana”, esclarece Menezes. Há ainda a hipótese de se criar uma pomada à base de insulina para aplicar em ferimentos e auxiliar na cicatrização, que, basicamente, depende de uma multiplicação celular.”

      O estudo, publicado na última edição da revista Hepatology, órgão da Associação Americana para Estudos sobre Doenças Hepáticas, mostra, em termos técnicos, como uma subpopulação dos receptores de insulina se transloca da membrana plasmática para o interior da célula e, ao chegar ao núcleo, ativa a maquinaria de cálcio intranuclear, que regula a taxa de multiplicação celular. A novidade está documentada em imagens em movimento. “Já se sabia que a insulina é um fator de crescimento, mas não se conhecia o mecanismo pelo qual esse hormônio regula a proliferação de células hepáticas”, reitera a pesquisadora.

      Compartimentos intracelulares


      Reconstrução tridimensional de células marcadas com anticorpos e sondas fluorescentes permitem visualizar diferentes compartimentos intracelulares. Célula superior mostra membrana plasmática em vermelho, núcleo em azul e a proteína de interesse (verde) indicando translocação proteica da membrana plasmática para o interior nuclear (imagem capturada pela pós-doutoranda Erika Alvarenga). O painel inferior mostra um hepatócito (azul) binuclear, o envelope nuclear em verde e marcação intranuclear do DNA em vermelho

      SAIBA MAIS: Gel nanotecnológico
      Uma das pesquisas que derivam desse trabalho é a produção de gel, para uso tópico, que usa nanotecnologia para estimular a rápida regeneração de tecidos e, assim, promover a cicatrização de feridas. Realizado em parceria com o professor Rodrigo Resende, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, o estudo é subsidiado pelo edital Capes/SUS e tem como principal alvo pacientes diabéticos. A intenção é produzir o medicamento, que deve chegar à população a preço baixo. O gel, com estruturas de nanocarbono, está sendo desenvolvido em parceria com o Departamento de Física. “Mostramos como a insulina estimula a proliferação celular, atividade fundamental
      na cicatrização”, comenta a pesquisadora.


      Cientifiquês/português
      Imunofluorescência
      Processo que usa anticorpos específicos para o receptor estudado, que vai reconhecer a proteína desse receptor e se “ligar” a ele, podendo ser rastreado por absorver e emitir luz ultravioleta (UV), permitindo sua observação ao microscópio de fluorescência.

      Organelas
      A célula é como nosso organismo em miniatura.  As organelas presentes na células são como nossos órgãos. Temos organelas específicas para a respiração da célula, por exemplo.

      Terapia gênica
      Trata-se de uma construção genética feita em laboratório, que usa um vírus, por exemplo, como veículo de entrada para informações genéticas na
      célula ou no indivíduo.

      Clovis Rossi

      folha de são paulo
      O ocaso da rainha Cristina
      Resultado das primárias dá a entender que é quase impossível que a presidente possa obter a re-reeleição
      A hipótese de re-reeleição de Cristina Kirchner parece ter sido sepultada pelos resultados das primárias realizadas domingo.
      É verdade que a FpV (Frente para a Vitória, a coligação inventada pelo kirchnerismo) obteve a maioria relativa dos votos, mas, mesmo que a vitória se repita na eleição para valer, em outubro, não será o suficiente para alcançar os 2/3 em cada Casa do Congresso necessários para reformar a Constituição de forma a autorizar uma segunda reeleição.
      É sintomático que, na retórica usualmente triunfalista do kirchnerismo, um de seus expoentes, o intelectual Ricardo Forster, tenha jogado "para depois de 2015" o debate sobre a reforma da Constituição.
      É o ano em que termina o mandato de Cristina. Para obter um novo período, ela precisaria de uma vitória esmagadora nas eleições de outubro, que renovam metade da Câmara e um terço do Senado.
      As primárias realizadas no domingo eram tidas como uma grande pesquisa de opinião pública para a votação de outubro.
      Se foi assim, Cristina perdeu, mesmo nas contas de um colunista do "Página 12", o jornal que a apoia incondicionalmente: "O governo obteve menos votos do que os calculados, na maioria dos distritos e no total geral", escreveu Mario Wainfeld.
      Acrescentou: "O resultado conseguido pela Frente para a Vitória e seus aliados de ferro esteve abaixo de 30%, que é um piso baixo para a sua história e suas pretensões".
      Se é esse o ânimo entre os simpáticos à presidente, é natural que no polo contrário haja euforia. O jornal "Clarín", a principal oposição ao governo, brada: "O kirchnerismo sofreu ontem a pior derrota eleitoral na década que está no poder, e que, a dois anos do fim do segundo mandato de Cristina Kirchner, parece antecipar o final de um ciclo político".
      De fato, é razoável supor que se trata do início do fim do ciclo mais longo de um único sobrenome na Presidência da Argentina.
      Os Kirchner completarão 12 anos no poder, os quatro primeiros (2003/07) com Néstor, os oito seguintes com Cristina.
      Nem o general Juan Domingo Perón, o patrono do casal, chegou a tanto. Em seus três períodos, totalizou dez anos de governo, tantos quanto Carlos Menem, que governou de 1989 a 1999.
      É óbvio que, em democracia, só se consegue durar tanto no poder mostrando serviço, o que os Kirchner fizeram: içaram a Argentina da mais grave crise econômico-social de sua história.
      Se, agora, o ciclo chega ao fim, é porque Cristina brigou com gente demais simultaneamente, dos ruralistas a seu vice no primeiro mandato, do "Clarín" ao líder sindical Hugo Moyano.
      Essa percepção esteve muito presente na avaliação do grande vencedor das primárias, Sergio Massa (com quem, aliás, Cristina também se desentendeu, depois de tê-lo içado a chefe de gabinete): "Os que nos acompanharam [nas primárias] disseram basta' ao confronto na Argentina".
      Só a eleição legislativa de outubro começará a dizer se Massa será de fato a cara de um eventual novo ciclo.
      crossi@uol.com.br

        Ex-soldado relata tortura a filho de Zuzu Angel na Base do Galeão

        folha de são paulo
        DITADURA
        DO RIO - O ex-soldado da Aeronáutica José Bezerra da Silva disse ontem, na sessão conjunta das comissões Nacional da Verdade e estadual do Rio, que viu Stuart, filho da estilista Zuzu Angel, ser torturado na Base Aérea do Galeão.
        O evento reuniu ex-militares e parentes de militares da FAB perseguidos na ditadura militar (1964-1985). Segundo Bezerra da Silva era um dos pontos de tortura no regime.
        "Ele [Stuart Angel] não suportou respirar o gás do cano de escapamento do jipe dos militares. Quatro contra ele. Fui reclamar e acabei torturado. Os militares que não concordavam com o regime foram perseguidos pelos oficiais da Aeronáutica." Bezerra da Silva serviu na Base do Galeão de 1971 a 1979. Ele disse não saber o que foi feito com o corpo de Stuart.
        Ele contou que no local havia três pontos de tortura. Pessoas conhecidas eram levadas para o subterrâneo da base.

        Painel - Vera Magalhães

        folha de são paulo
        Estado mais leve
        O PSDB vai apostar na defesa de uma agenda liberal nas propagandas de TV que serão exibidas neste semestre. O objetivo é ligar o presidenciável Aécio Neves (MG) à defesa de um governo que gaste menos com custeio e mais com serviços. Pesquisa do partido mostra que 64% dizem que serviços particulares funcionam melhor que públicos, e 89% rejeitam mais impostos para financiar a saúde. O discurso será pregar o padrão de eficiência do setor privado na gestão pública.
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        Aperto O PSDB também contratou uma pesquisa de intenção do voto, feita pelo instituto Ideia. Nela, Dilma Rousseff aparece com 29,8%, seguida por Marina Silva (25,1%), Aécio (16,6%) e Eduardo Campos (5,3%).
        Folga Já as pesquisas do PT mostram crescimento de 30% da aprovação de Dilma desde o fim dos protestos. Ela tem 38% de avaliação positiva. Tinha 57% antes de junho, foi a 30% e agora tem 38%.
        Blitz 1 Dirigentes da Rede vão inundar cartórios eleitorais para tentar acelerar a criação do partido. Até quinta-feira, entregarão mais 100 mil assinaturas para validar, num total de quase 700 mil. São necessárias 492 mil.
        Blitz 2 A sigla também decidiu garantir 17 comissões estaduais provisórias, contra a exigência mínima de nove.
        Clã Ultrassonografia confirmou que o quinto filho de Eduardo Campos (PSB) é um menino. Por decisão da mãe, Renata, se chamará Miguel, em homenagem a Miguel Arraes, avô do governador.
        Patrocínio O ex-presidente Lula confirmou presença no lançamento da candidatura à reeleição do presidente nacional do PT, Rui Falcão, hoje, em Brasília.
        Fim da linha O adiamento do leilão do trem-bala, anunciado ontem pelo governo, sempre contou nos bastidores com o apoio do ministro Guido Mantega (Fazenda).
        Jurisprudência 1 A defesa de José Dirceu solicitou que seja designado novo relator para os embargos de declaração do mensalão. Os advogados citam decisão do próprio Joaquim Barbosa, que, depois de assumir a presidência do STF, deixou a relatoria de ação contra o senador Jayme Campos (MT) com base no regimento interno.
        Jurisprudência 2 Nos embargos de declaração a defesa de Dirceu anexou, ainda, voto de Barbosa em que o relator do mensalão diz que são cabíveis embargos infringentes (que podem rever em parte a decisão) quando há ao menos quatro votos divergentes. Ele é contra esse recurso no caso do mensalão.
        O delator... Há cerca de 15 dias, Roberto Jefferson depôs por mais de quatro horas na Polícia Federal no inquérito que investiga a suspeita de envolvimento do ex-presidente Lula no mensalão.
        ... fala Jefferson, que delatou o esquema em 2005, falou à delegada Andréa Pinho e ao auxiliar, Luiz Flávio Zampronha. "Eu repeti que nunca tratei de conversa de Portugal Telecom com Lula nem com Palocci. Essa conversa comigo foi feita através do Dirceu", disse à coluna.
        Digital Quem conhece os bastidores da trama envolvendo suposto esquema de corrupção na Petrobras vê o dedo de Jorge Luz nas informações divulgadas. Luz é um lobista com ligações no PP, via Mário Negromonte e Pedro Correa, e entre petistas, como Vander Loubet.
        Eu, não O ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, reage à tentativa de circunscrever o caso à sua gestão e lembra que o primeiro a vetar João Augusto Henriques na diretoria internacional da empresa foi ele.
        com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
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        TIROTEIO
        "Do exagerado tamanho do bico do tucano já tínhamos conhecimento. A surpresa é a boca 30% maior do que o imaginado."
        DO DEPUTADO ESTADUAL ENIO TATTO (PT), primeiro-secretário da Assembleia de São Paulo, sobre a investigação de formação de cartel no governo do Estado.
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        CONTRAPONTO
        Entre dois poderes
        Em uma apresentação da CPI do Tráfico de Pessoas da Câmara, em maio, o promotor de Justiça Ariomar José Figueiredo da Silva se empolgou e transformou a sala da comissão em um tribunal. Acostumado a falar diante de um grupo de jurados, acabou se confundindo ao se dirigir aos deputados:
        --É por isso, senhores do júri...
        --Nós não estamos ainda, por ora, julgando nada -- interrompeu o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA).
        --Foi um ato falho, ato falho! Isso vem de 20 anos de atuação! -- justificou o promotor.

          Chega de propaganda sectária e O mantra da juventude [Tendências/debates]

          folha de são paulo
          CARLOS MELO E EUGÊNIO BUCCI
          Chega de propaganda sectária
          O desafio não poderá ser resolvido por uma presidente só e solitária. Ele apenas será equacionado com diálogo entre correntes diversas
          "Só o governante que respeita as leis de sua gente e a divina justiça dos costumes mantém sua força porque mantém sua medida humana. Em mim só manda um rei: o que constrói pontes e destrói muralhas." (Sófocles)
          Assim como a liberdade exige as ruas e as praças, a política exige o diálogo. Falamos aqui do diálogo de verdade, da vontade de buscar entendimentos, não de proselitismos ou de persuasões maliciosas.
          A máquina de comunicação do governo federal, com farto dispêndio de recursos públicos, não pode ser entendida como esforço de diálogo algum, pois não cultiva a capacidade rara de ouvir.
          Quando muito, constitui um martelar de ideias prontas e respostas fechadas: o sectarismo ideológico em forma de propaganda. Onde abunda o marketing insensível (pois existe o bom marketing), falta diálogo franco, aberto e desarmado.
          Os problemas do Brasil não serão sanados com platitudes publicitárias. Menos ainda com dramatizações em defesa de um governo que, de resto, ninguém quer derrubar.
          As regras do jogo não estão ameaçadas. Portanto, uma retórica sofismática e emocional em torno de reconhecidas conquistas não faz sentido. Os dotes de comunicador popular que sobram em Lula e que faltam impiedosamente em Dilma já não dão conta do recado e soam insinceros: o buraco é mais embaixo e a saída se dará pelo alto.
          Não obstante, foi nos fármacos da marquetagem que a presidente da República buscou remédio para sua primeira reação às manifestações de junho. Recapitulemos. As ruas expressaram um descontentamento amplo e profundo com a ineficiência do Estado brasileiro. De início, a máquina pública se refugiou na indiferença burocrática. Depois, as autoridades, a presidencial e outras, foram se arriscar na linguagem do espetáculo. Deu errado.
          O pronunciamento da presidente, tentativa de jogar para a plateia, não funcionou. Prometeu realizar, sem a participação do Congresso, uma reforma política. Apostou tudo numa saída quase mágica: um discurso fatal, uma bala de prata da oratória.
          Não deu certo, claro. Faltaram-lhe o engenho, a arte, o diálogo. Não apenas com manifestantes, mas com partidos e instituições; diálogo com a sociedade civil, seja ela organizada em moldes tradicionais, seja com novos atores.
          Ir à TV não basta, mostrou o malogrado discurso presidencial. Sem querer, Dilma assumiu a responsabilidade não apenas pelo quinhão de crise que lhe cabia, mas por várias outras crises que não eram da sua esfera. Inadvertidamente, adotou uma postura autocrática, centralizadora, quase bonapartista.
          O que conseguiu foi ferir o brio do Congresso Nacional. Não que parlamentares e partidos estejam isentos de responsabilidades. Todos, ou quase todos, são responsáveis ou cúmplices, mas o desprezo pela institucionalidade e a falta de interlocução com a sociedade não nos conduzirão a bom termo.
          O monólogo pode degradar em solilóquio. O desafio tem isso de fascinante: não poderá ser resolvido por um lado só, por um só partido, por uma presidente só e solitária. Ou será equacionado com diálogo entre correntes diversas, com vistas ao aprimoramento institucional, ou não será vencido. A polarização do debate deu seus cachos, mas já cansou.
          O país precisa de pontes, não de muralhas. Precisa de denominadores comuns, mais do que de confrontos; conversas de boa-fé, não ameaças. Posições ideológicas diferentes não precisam buscar a eliminação uma da outra. Podem encontrar caminhos comuns para o estabelecimento de uma agenda nova, comprometida com uma democracia mais inclusiva e próspera.
          Não precisamos ir longe: este artigo só foi possível graças ao diálogo entre pontos de vista distintos.
          Diálogo não arranca pedaço. Numa escala maior, poderia render benefícios muito mais duradouros ao país e à nossa gente.
            TAÍS GASPARIAN E MÔNICA GALVÃO
            O mantra da juventude
            Apesar de reiterar direitos já assegurados, o Estatuto da Juventude ao menos traz segurança para a regulação federal da meia-entrada
            O Estatuto da Juventude, recém-promulgado após quase dez anos de discussão, apresenta mais um rol de boas intenções do que de políticas públicas a serem aplicadas.
            De novo mesmo, o que há é a regulamentação da meia-entrada.
            Todos os direitos previstos no estatuto já constam de outros dispositivos legais, entre eles a Constituição. E uma lei não é suficiente para fazer com que as pessoas, jovens ou não, usufruam desses direitos.
            É simples: não basta alardear que os jovens têm direito ao SUS, se não há estrutura que o garanta. Pouco sentido tem a declaração de que têm direito à mobilidade, à segurança e à tecnologia, se nada disso é efetivo, como se a química caneta/papel pudesse transformar a realidade.
            A exemplificar a tolice, um dos dispositivos define que jovem é aquele que tem entre 15 e 29 anos. Que não se queira ser jovem com mais de 29 anos porque, por lei, agora está cabalmente proibido.
            Quando, em 1990, foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente, existia um propósito: não havia segurança acerca dos direitos garantidos às crianças e aos adolescentes, consideradas as diversas limitações legais à sua autonomia. Com o ECA, a criança passou a ser reconhecidamente titular de direitos.
            Mas com a pessoa maior de idade, como é o caso do jovem tal como definido no novo estatuto, não se passa o mesmo. Todo o rol de direitos nele reiterados não serve de nada além do que repetir o que já era certo, ao menos no plano da lei. Quem sabe sua entoação repetitiva, como um mantra, sirva para nos alçar a um país melhor.
            A novidade da lei foi, finalmente, trazer alguma regulação em nível federal da meia-entrada. Garantiu-se o pagamento de meia-entrada para espetáculos esportivos, de lazer e de entretenimento aos jovens estudantes ou de famílias de baixa renda, limitando o benefício a 40% dos ingressos disponíveis.
            Em que pesem as críticas que se possa fazer ao estatuto, ao menos ele traz alguma objetividade e segurança para essa questão antes objeto de controvérsias e conflitos. Estabeleceu-se definição clara dos beneficiários --jovens de baixa renda e estudantes-- e como se dará a comprovação dessa condição.
            Ainda mais: ao estabelecer que será disponibilizado um banco de dados para consulta dos nomes dos estudantes beneficiários, garantiu-se um mínimo de transparência e possibilidade de fiscalização de um benefício que era, até então, objeto de notória e disseminada fraude.
            Ao regular aspectos básicos, o estatuto obriga Estados e municípios a adequarem suas legislações sobre o tema. Desde logo, fica suspensa a eficácia das leis que tragam disposições que lhe sejam contrárias.
            Exemplo do cipoal legislativo nacional, as diversas leis existentes, nos níveis federal, estadual e municipal, contribuíam para as controvérsias acerca do benefício ao estabelecer diferentes formas de comprovação de titularidade, de limitações ao número de ingressos a serem disponibilizados, de percentuais de desconto etc.
            O estatuto assenta pelo menos algumas dessas questões. Já dizia Thomas Jefferson, e aqui cabe a lembrança, que a aplicação das leis é mais importante que a sua elaboração. Resta saber o que nos aguarda.

              Vladimir Safatle

              folha de são paulo
              No fim da linha
              "Se for confirmado cartel, o Estado é vítima." Esta é uma frase que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pode anexar ao seu compêndio.
              Ela poderá vir na mesma página de outra que gosto muito, proferida à ocasião de mais uma ação espetacular de sua polícia: "Quem não reagiu, está vivo". As duas têm em comum a mesma capacidade de tentar, digamos, usar o óbvio para esconder o absurdo.
              De que há um cartel comandando a construção do me- trô de São Paulo não precisávamos esperar as últimas semanas para desconfiar. O caso Alstom roda nas cortes europeias há anos, com denúncias substantivas contra o governo paulista.
              Notícias que davam conta de concorrências forjadas frequentaram as páginas dos jornais mais de uma vez. Devido a elas, o presidente da companhia estadual de metrô chegou a ser afastado pelo Ministério Público por suspeita de fraude em licitações, para em seguida ser reconduzido e, meses depois, pedir demissão.
              Com uma lista dessas nas mãos, não era difícil juntar os pontos e perceber que havia indícios extremamente plausíveis de que o Metrô paulistano se tornara um celeiro de propinas para o partido que governa São Paulo há tanto tempo que a maioria até parou de contar.
              Não são poucos os paulistas que esperam uma devassa capaz de explicar por que, afinal, o Metrô ultimamente aparece mais nas páginas policiais do que nas páginas dedicadas à inauguração de obras públicas.
              De fato, o Estado é vítima em toda essa história, como bem lembrou o governador. Falta perguntar de quem. Pois, ao que tudo indica, o Estado é, neste caso, vítima de seu próprio governo.
              É difícil acreditar que um cartel dessa monta passe décadas a operar no Estado sem que seu governo simplesmente não soubesse de nada. Claro que os membros do governos poderão dizer: "Eu não sabia". Já vimos esse filme antes, só que em outro canal.
              De toda forma, temos diante de nós um belo instante para recuperar a luta contra a corrupção, para além do udenismo que a colonizou nos últimos tempos.
              Até o momento, tentou-se atrelar a indignação popular ao raciocínio seletivo de quem acusa seus inimigos corruptos para proteger seus amigos igualmente corruptos.
              Agora que a exigência de uma outra política aparece de maneira ampla, o fastio com a corrupção pode ser uma arma importante para a conscientização da necessidade de uma reinvenção democrática radical.
              Neste modelo de democracia que temos, com suas relações incestuosas entre empresariado e classe política, todo inverno termina em um mar de lama.

                Carlos Heitor Cony

                folha de são paulo
                Os cartéis do Abrantes
                RIO DE JANEIRO - Num filme do qual não guardei o nome, um empresário está para falir e ser preso, fez imensa fortuna obtendo empréstimos cujas garantias eram os próprios empréstimos. Além disso, descobre que a mulher o trai e propõe a fuga para um país distante e com legislação econômica mais amena.
                A mulher atira-lhe na cara o fato de estar arruinado e em processo de prisão. O empresário, sabendo o que diz, responde que há muito dinheiro solto rolando pelo mundo, em poucos meses poderá recuperar tudo sem muito esforço. O filme é relativamente antigo, acho que de 1992, nada tem a ver com o caso que estourou agora no Brasil, mas cujos ingredientes são mais ou menos contemporâneos do cartel atribuído a uma companhia alemã e que, direta ou indiretamente, envolve governos paulistas daquele tempo.
                Evidente que sempre rolou dinheiro solto no mundo inteiro e, paradoxalmente, em tempos de crises econômicas. Sob o pretexto de enfrentar a recessão, os governos anunciam planos mirabolantes, desde a transposição de imensos rios até o reaparelhamento dos sistemas de transportes urbanos, incluindo trens, metrô, novos aeroportos, o diabo.
                Como se trata de governos honestos, são feitas complicadas licitações, na base do superfaturamento, mas as cartas estão previamente marcadas, os interessados sabem que, unidos, jamais serão vencidos. É o cartel. Todos ganham, inclusive os governos que obtêm assombrosos recursos para financiar campanhas eleitorais. Além dos intermediários.
                O empresário falido e corno que citei no início desta crônica conhece o mapa da mina. Sabendo que em determinado país serão feitas pirâmides gigantescas, nem espera as licitações que ele mesmo faz, juntando-se a outros empresários não necessariamente falidos e cornos.

                  Eliane Cantanhêde

                  folha de são paulo
                  Até agora, vazia
                  BRASÍLIA - Dúvida de setores diplomáticos: houve mesmo uma ameaça de novo 11 de Setembro, ou Obama precisava de justificativas para a espionagem?
                  O secretário de Estado, John Kerry, chega ao Brasil hoje com um discurso de autodefesa, mais ou menos assim: vão desculpando o mau jeito, mas, se a gente não espionar, não vai poder identificar ameaças e se prevenir, como agora.
                  Isso confirma que Washington precisa dizer alguma coisa ao Brasil sobre a espionagem antes da viagem de Dilma em outubro, mas não tem o que dizer. Precisa de subterfúgios, pois não vai jurar que nunca mais vai fazer isso, porque vai, sim.
                  Do lado de cá, o Brasil tem de manifestar indignação e cobrar explicações, mas também só por dever de ofício, sabendo que nada vai mudar. Reclamar na ONU? Mas quem é mesmo que manda na ONU?
                  Apesar do teatro, continua o empenho bilateral para que a espionagem não contamine a ida de Dilma, mas não é fácil achar temas e discurso para ela na "única visita de Estado a Washington neste ano", como os dois lados comemoram.
                  Com o baixo PIB brasileiro e a recuperação americana além das expectativas, não dá mais para Dilma querer ensinar aos países ricos como se faz. Com as manifestações por educação e saúde, também é improvável que ela anuncie a compra dos caças da FAB, que seguem como o trem-bala: de adiamento em adiamento.
                  E, como os dois países discordam quanto ao Irã, por exemplo, a política externa é outro campo minado. Kerry e Patriota, Obama e Dilma vão acabar falando mesmo é de Copa, Olimpíada, segurança e da lenga-lenga da identidade de dois países amigos, democráticos, multirraciais.
                  A não ser que o governo Obama avance no apoio a uma vaga permanente do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, a viagem de Dilma aos EUA será tão irrelevante quanto à que Obama fez ao Brasil, cheio de gracinhas e vazio de conteúdo.

                  Helio Schwartsman

                  folha de são paulo
                  O mundo como ele é
                  SÃO PAULO - "Quem sai na chuva é para se queimar", dizia Vicente Matheus. Como ainda estou recebendo e-mails irados por ter aventado a possibilidade de haver razões biológicas para explicar o número desproporcional de judeus entre os laureados com um Prêmio Nobel, lanço uma provocação fresquinha.
                  Saiu ontem na "Personality and Social Psychology Review" a primeira metanálise a avaliar estudos sobre inteligência e religiosidade. Miron Zuckerman e colaboradores compararam 63 trabalhos publicados entre 1928 e 2012 e concluíram que há uma correlação negativa entre habilidades cognitivas e o grau de crenças religiosas. Não é uma correlação muito forte --fica entre -0,20 e -0,25 para estudantes universitários e a população geral--, mas é significativa.
                  Segundo os pesquisadores, há três interpretações possíveis para esses achados. Pessoas inteligentes são menos conformistas e têm maior probabilidade de opor-se a dogmas. Elas também privilegiam o raciocínio analítico, não o intuitivo, o que mina crenças religiosas. Por fim, os mais inteligentes não têm tanta necessidade dos "produtos" que a religião entrega, como autocontrole e ligações que proporcionam segurança.
                  O que isso significa? Que precisamos pesquisar mais, para descobrir qual (ou quais) das explicações é a que vale e para levantar e testar hipóteses alternativas. E, mesmo que chegássemos à improvável conclusão de que a melhor forma de promover a inteligência é fechando igrejas, isso de modo algum nos autorizaria a restringir cultos e perseguir padres. Só que o argumento para nos opor à redução de liberdades (e ao racismo, sexismo etc.) é moral e não baseado em pretensas realidades naturais, como a bondade intrínseca da religião ou a igualdade entre os homens.
                  Se queremos que a ciência tenha alguma utilidade nessa empreitada, pesquisadores devem ser incentivados a descrever o mundo como ele é, não como gostaríamos que fosse.
                  helio@uol.com.br