O INSS registrou em 2011 mais de 12 mil afastamentos por depressão, transtorno ansioso e estresse. Entre os problemas está a síndrome de burnout, marcada por desânimo grave, vazio interior e sintomas físicos
Augusto Pio
Estado de Minas: 25/11/2012
O afastamento de trabalhadores por transtornos mentais no Brasil subiu 2% no ano passado, atingindo a marca de 12.337 casos, segundo o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). No universo desses problemas, as doenças que mais se destacaram em 2011 foram episódios depressivos, transtornos ansiosos, reações ao estresse grave e transtornos de adaptação. Colaborando com o número crescente desses problemas está a síndrome de burnout, doença detectada e denominada pela primeira vez em 1974 pelo pesquisador e psicanalista norte-americano Herbert Freudenberger, que a definiu como sendo um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional.
A descoberta se deu depois de Freudenberger notar oscilações de humor e desinteresse pelo trabalho entre alguns de seus funcionários da área de saúde. Burnout significa queima (burn) e para fora, até o fim (out), ou seja, pode-se traduzir ao pé da letra como combustão completa. Em português, a tradução é algo parecido como “perder o fogo” ou “perder a energia”.
A prevalência da síndrome de burnout na população ainda é incerta, mas dados sugerem que ela acometa um número significativo de indivíduos, variando de 4% a 85,7%, conforme a população estudada. Um estudo desenvolvido pela Universidade de Brasília (UnB) em 2010, em uma população de 8 mil professores, indicou prevalência de 25% da síndrome.
Segundo a psiquiatra, psicanalista e membro da diretoria da Associação Mineira de Psiquiatria Gilda Paolielo, este é apenas um novo nome para um problema que sempre existiu. “George Miller Beard, médico americano do século 19, o descreveu como neurastenia, um mal-estar causado pelas exigências da vida moderna. Sigmund Freud o contestou, mostrando que o furo estava mais embaixo: considerava que o mal-estar seria consequência das repressões sexuais impostas pela cultura, uma espécie de preço pago pela humanidade para se tornar civilizada. Chaplin descreve o Burnout de forma brilhante e hilária em Tempos modernos, mostrando as consequências drásticas de uma sociedade massificada pela revolução industrial”, explica a especialista.
Gilda, que também é preceptora do curso de residência em psiquiatria do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), salienta que o quadro em geral começa com sinais de cansaço, desânimo em relação a atividades nas quais a pessoa encontrava prazer, chegando à anedonia (perda da capacidade de sentir prazer), comprometimento do sono, com sonolência diurna e insônia noturna. “Como a pessoa em geral não fica alerta a esses sinais de esgotamento e continua se ‘esticando’, o quadro vai evoluindo com sintomas depressivos, descaso com as necessidades pessoais, isolamento, irritabilidade, sensação de vazio interior, que se tenta preencher com mais e mais trabalho automatizado, trazendo como consequência um sério comprometimento do desempenho profissional e até uma paralisação forçada da vida.”
Manifestações físicas como dor de cabeça, enxaqueca, cansaço, sudorese, palpitações, pressão alta, dores musculares, insônia, crises de asma e distúrbios gastrintestinais podem surgir e estar associadas à síndrome. Clinicamente, diagnosticar a síndrome de burnout não é difícil, pois a pessoa sempre relata uma exaustão, levando ao comprometimento de sua atuação profissional e pessoal, chegando, `as vezes, a uma aversão ao ambiente de trabalho. “Há técnicas mais específicas para o diagnóstico, como questionários estruturados e outros métodos, como a Escala Likert. Muitas vezes, a própria chefia ou colegas de trabalho percebem as mudanças na pessoa e a encaminham para tratamento”, cita Gilda.
Estágios da síndrome de Burnout
Necessidade de se afirmar no trabalho;
Dedicação intensificada – com predominância da necessidade de fazer tudo sozinho;
Descaso com as necessidades pessoais, como dormir, comer, sair;
Recalque de conflitos – percebe que algo não vai bem, mas não enfrenta o problema;
Reinterpretação dos valores – isolamento, fuga dos conflitos;
Negação de problemas – os outros são desvalorizados e considerados incapazes;
Recolhimento;
Mudanças evidentes de comportamento;
Despersonalização;
Vazio interior;
Depressão – indiferença, desesperança, exaustão;
Colapso físico e mental.
Sai o entusiasmo, entra o tédio
Augusto Pio
Publicação: 25/11/2012 04:00
“Situações traumáticas no ambiente de trabalho, o chamado estresse pós-traumático, podem agir como gatilhos desencadeadores, como a gota d'água de situações desgastantes, que vêm se mantendo, fazendo eclodir a síndrome de esgotamento profissional”, explica o psiquiatra, mestre em biomedicina e professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Julio de Melo Cavestro, especialista em medicina do trabalho. Segundo ele, os sintomas podem surgir gradualmente: o entusiasmo é substituído por uma vivência de tédio, acompanhada de irritabilidade e mau humor.
“O quadro evolui com uma perda progressiva do interesse e da disposição para o trabalho e, posteriormente, vem um sentimento de desgaste emocional e esvaziamento afetivo, reação negativa, sentimento de diminuição da competência e do sucesso no trabalho. O diagnóstico dessas síndromes, associado ao preenchimento dos critérios anteriormente citados, leva ao diagnóstico da síndrome de esgotamento profissional ou burn out”, acrescenta Cavestro.
A doença atinge homens e mulheres, sendo que grande parte da população acometida pelo problema está ligada às áreas da saúde, como médicos, enfermeiros e cuidadores de idosos e doentes; educação, como professores das redes pública e privada; área de segurança (policiais, agentes penitenciários, transporte de valores); transporte (motorista de coletivo urbano); e na área financeira, principalmente os bancários. “A síndrome pode se apresentar e evoluir de diversas formas, dependendo da personalidade e da capacidade de reação do indivíduo frente às adversidades da vida. Cada pessoa responderá aos fatores estressores de acordo com suas vivências, sua capacidade pessoal de lidar com eventos desfavoráveis, sua saúde física e mental, suporte familiar e social e suas expectativas frente ao trabalho”, diz o psiquiatra.
Prevenir a síndrome de burnout envolve mudanças na cultura da organização, como estabelecer restrições à exploração do desempenho individual, diminuição na intensidade de trabalho, diminuição da competitividade, busca de metas coletivas que incluam o bem-estar de cada trabalhador. “Alguns pacientes relatam passar bem os fins de semana quando estão de folga, porém sintomas de desconforto como ansiedade, inquietação, tremores internos, diarreia e sensação de medo dão os primeiros sinais no anoitecer de domingo, justamente quando eles percebem que no dia seguinte terão que retornar à sua rotina. Outros apresentam os mesmos sintomas só de lembrar da empresa à qual estão vinculados. Uma paciente que tive sentia-se mal ao assistir aos anúncios publicitários da empresa onde trabalhava na televisão; outro evitava passar em frente a empresas semelhantes àquela no qual trabalhava”, conta.
ÓCIO Para Gilda Paolielo, a principal intervenção consiste em provocar um corte no circulo vicioso que a pessoa se impõe, pois, em princípio, é como se o cansaço provocasse uma espécie de entorpecimento que a impede de perceber os próprios limites. “Em quase 100% dos casos a pessoa deve ser afastada do trabalho e se submeter a uma terapia que lhe permita refletir sobre suas escolhas, seus hábitos de vida, que muitas vezes se impõem inconscientemente como fuga ou tamponamento de dificuldades em sua vida afetiva. Quando se chega a processos depressivos mais graves, a medicação é necessária. O mais importante é o paciente se permitir um reposicionamento na vida, abrindo espaço para o prazer, a convivência, as atividades físicas e o ócio indispensável”.
O que pode acentuar o quadro
Ambiente profissional nocivo;
Alterações na rotina de trabalho com sobrecarga ao trabalhador;
Papéis e funções conflitantes entre funcionários da empresa;
Ritmo de trabalho penoso, frustração, perda de controle ou autonomia na função laboral;
Falta de retorno ou reconhecimento ao trabalho realizado;
Insegurança econômica;
Falta de competência social;
Reação a uma sobrecarga emocional, ameaças de mudanças da jornada de trabalho.