Transplante de micro-organismos presentes
no intestino de mulheres gordas fez com que ratos saudáveis ganhassem
peso. Descoberta pode ajudar em métodos contra a obesidade
Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 06/09/2013
Uma pesquisa
publicada na edição de hoje da revista Science sugere que o segredo do
emagrecimento pode não estar no excesso de exercícios e muito menos em
dietas restritivas demais. A chave para perder peso está dentro das
pessoas, no intestino. Com uma técnica ainda pouco utilizada pela
medicina – o transplante de bactérias –, pesquisadores dos Estados
Unidos demonstraram que a microbiota intestinal de indivíduos magros ou
obesos induziu fenótipos semelhantes em cobaias. Os resultados foram
além: os micro-organismos de doadores magros conseguiram reduzir o ganho
de peso em ratos obesos, e os resultados foram otimizados por meio de
dieta. A descoberta, acreditam os especialistas, abre caminho para o
desenvolvimento de dietas e probióticos que auxiliem no tratamento
contra a obesidade.
De acordo com Vanessa Ridaura, principal
autora do trabalho, as fezes de quatro gêmeas adultas, sendo os pares
formados por uma mulher obesa e outra magra, foram transplantadas em
ratos livres de germes. O processo também poderia ser realizado com a
inoculação de bactérias cultivadas a partir das amostras fecais das
voluntárias. Após algumas semanas, Ridaura registrou um aumento total no
tamanho do corpo e na quantidade de gordura das cobaias. A pesquisadora
conta que também reparou que fenótipos associados à obesidade
apareceram nos animais quando eles receberam a microbiota da doadora
obesa.
O mesmo não foi percebido nos ratos que receberam as
bactérias da gêmea magra. Esses, por sua vez, conseguiram manter o peso,
o que indica que a transmissão de características físicas é possível a
partir do transplante de bactérias intestinais. A segunda etapa da
pesquisa consistiu em colocar ratos obesos e magros na mesma gaiola.
Segundo Ridaura, a interação entre os dois grupos de animais permitiu
uma colonização bem-sucedida das bactérias dos ratos magros nos obesos, o
que impediu que os gordinhos ganhassem mais peso. Esses animais,
inclusive, conseguiram emagrecer, e os resultados foram muito mais
expressivos com a adoção de uma dieta pobre em gordura e rica em fibras.
Apesar das evidências, os cientistas desconhecem quais
bactérias estão envolvidas nesse processo. Análises das fezes dos ratos
indicaram que micro-organismos do gênero dos Bacteroides conseguiram ser
transmitidos das cobaias magras para as obesas, sugerindo que eles, em
grande parte, são responsáveis pela proteção contra o aumento da
adiposidade. Para Alan Walker, pesquisador de genoma e patógenos do
Wellcome Trust Sanger Institute, no Reino Unido, o curioso é que, quando
os camundongos obesos dividiram a jaula com os magros inoculados com
uma mistura simples de bactérias, incluindo as Bacteroides, não houve
diminuição da adiposidade. “Isso indica que interações bacterianas mais
complexas estão por trás da proteção contra o aumento de massa corporal e
podem estar associadas ao distúrbio metabólico”, especula o
pesquisador.
O cirurgião Carlos Domene, do Centro de
Gastroenterologia e Cirurgia Bariátrica e Metabólica do Hospital 9 de
Julho (SP), explica que, embora a medicina ainda não saiba exatamente
qual bactéria está envolvida no emagrecimento, já é conhecida a
importância desses micro-organismos para o funcionamento do corpo
humano. “O que sabemos é que existe uma influência da flora intestinal
no metabolismo e no organismo como um todo. Esses micro-organismos não
existem só para conviver pacificamente com a gente, mas nos ajudam a
absorver vitaminas. Consideramos hoje a flora intestinal como um sistema
orgânico e metabólico que integra o organismo como um todo”, detalha o
médico.
Técnicas incipientes Segundo Domene, as técnicas de
transplante fecal ainda são incipientes e restritas a alguns tratamentos
de doenças e infecções causadas por bactérias, como a diarreia crônica.
“No caso da obesidade, precisamos entender qual organismo está por trás
do emagrecimento e como ele pode ser usado para tratar as pessoas. É
preciso saber quem é quem para podermos isolar essas bactérias e
transformá-las em um produto comercial”, analisa. O médico cogita a
possibilidade de o transplante surtir menos efeitos em pessoas que já se
encontram em um estado grave de obesidade.
“Talvez, tenha mais
resultado em pessoas mais magras, mas não será muito eficaz em um grande
obeso. A obesidade é uma doença que não tem um único componente, mas
centenas deles. Por isso emagrecer é tão difícil. O tratamento aplicado
experimentalmente em animais, dentro de condições controladas, tem
efeito muito bom. Mas pode ser que não tenha um resultado brilhante fora
de um grupo controlado. Apesar disso, é muito interessante. Vamos
aprender muito com as novas descobertas”, acredita.
Uma das
principais atividades da microbiota intestinal é quebrar e fermentar
fibras ingeridas em ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), como acetato,
propionato e butirato, fonte de 5% a 10% da dose diária de energia. “O
estudo mostrou que a microbiota dos ratos magros produziu mais AGCC,
especialmente propionato e butirato, o que ajudou na digestão das
fibras. Isso não foi visto nos ratos obesos que se alimentaram com uma
dieta desregulada”, conta Walker. A equipe de Ridaura constatou que a
dieta, além das bactérias, é essencial para o emagrecimento.
Metabolismo
ajustado De acordo com a nutricionista Gisele França, professora da
Faculdade de Medicina de Petrópolis (RJ), a microbiota intestinal
auxilia na fermentação de carboidratos não digeríveis ou resistentes à
digestão, convertendo-os em AGCC, que são utilizados como nutrientes
para as células, principalmente as do intestino grosso. Dessa forma, o
ganho de peso em ratos obesos não resulta do aumento da absorção de
energia. Os resultados do estudo americano apoiam estudos anteriores que
mostram que, embora os AGCCs sejam uma fonte de energia, eles promovem a
magreza inibindo o acúmulo de gordura no tecido adiposo e aumentando
também o gasto de energia e a produção de hormônios associados à
saciedade.
Para Gisele, os resultados apresentados pelo estudo
americano foram muito significativos, porém esperados. Afinal, uma vez
que a microflora intestinal saudável é recuperada, pode-se observar
melhora no aproveitamento metabólico dos nutrientes e na saúde da mucosa
intestinal. “Há também uma diminuição nos quadros de disbiose
intestinal, uma alteração causada pela mudança na microflora intestinal
que induz a hiperpermeabilidade intestinal e é apontada como uma das
causas de obesidade, síndrome metabólica, alergias, doenças articulares,
entre outras. E esses fatores contribuem com a promoção da perda de
peso em indivíduos obesos”, pontua.
A nutricionista ressalta que a
melhor maneira para emagrecer é cultivar hábitos alimentares saudáveis
que envolvam macronutrientes, micronutrientes, prebióticos, probióticos,
glutamina, ácidos graxos insaturados e compostos bioativos com ação
antioxidante. “De que adiantaria um transplante fecal se o paciente
permanecesse com os hábitos alimentares inadequados?”, questiona.
Palavra de especialista
Milene Amarante Pufal, Nutricionista do centro de obesidade e síndrome Metabólica em brasília - DF
Agentes precisam ser identificados
“Mais
estudos devem ser reproduzidos para confirmar se essas culturas podem
transmitir um fenótipo e determinar quais componentes da microbiota
intestinal são responsáveis por isso. Esse assunto e essas hipóteses são
importantes para identificar as próximas gerações de pró e prebióticos.
O principal desafio atualmente está em identificar bactérias benéficas
que ajudem no controle da obesidade e desordens metabólicas
relacionadas. A literatura diz que estudiosos têm observado que
camundongos geneticamente modificados para obesidade tinham em sua
microbiota 50% menos bacterioidetes e maior proporção de firmicutes se
comparados a camundongos magros. Quando submetidos à dieta para perda de
peso, a microbiota se tornava muito similar à dos camundongos magros.
As cobaias convencionais têm maior quantidade de gordura do que as sem
microbiota, apesar de terem uma ingestão calórica 30% menor e um
metabolismo de repouso maior, o que sugere um papel importante da
microbiota no metabolismo energético desses animais.”