folha de são paulo
DA BBC BRASIL
O que as expressões "um cafezinho", no Brasil, "feijão para as crianças", em Kinshasa (Congo), "uma taça de vinho", em Paris (França) e "pequenas carpas", em Praga (República Tcheca), têm em comum?
São frases que descrevem itens da culinária desses lugares e, ao mesmo tempo, são eufemismos locais para pedidos de propina.
As expressões verbais usadas em atos de suborno diferem de um país para o outro, mas existem algumas interessantes similaridades, como descrevem os autores de um projeto sobre linguagem informal, David Henig (Universidade de Kent) e Nicolette Makovicky (Universidade de Oxford).
Abaixo, uma lista criada por eles de termos usados em várias culturas:
1. Dinheiro para sopa (turco)
Se você é parado por um policial de trânsito no norte da África o oficial pode pedir que você lhe pague sua próxima xícara de "kahwe", ou café. No Quênia, um policial poderia pedir uma contribuição para o "chá dos mais velhos" (chai ya wazee, em suaíli). Mas na Turquia, o policial diria para você lhe dar "dinheiro para sopa", ou chorba parasi - sopa é tradicionalmente um prato consumido no país depois de uma noite de bebedeira.
2. Respeito (azeri - Azerbaidjão)
Mesmo ocorrendo em plena rua ou em um escritório fechado, o ato da corrupção é sempre visto como abuso de poder e privilégio. Mas eufemismos populares frequentemente negam esta realidade e apresentam a corrupção como um comportamento altruístico, como um "favor para amigos". No Azerbaidjão, a palavra mais comum utilizada para propina é "hurmat", uma palavra que pode ser interpretada como "respeito". Um oficial requerendo suborno, nesse caso, pediria a você para "fazê-lo um favor", ou hurmaniti ela.
3. O peixe começa a feder pela cabeça (turco)
A frase "um peixe começa a feder pela cabeça" (balik bashtan kokar) vem da Turquia, relembrando que pequenos subornos de rua são sempre igualados à corrupção envolvendo grandes instituições e organizações. Oficiais mexicanos procurando ganhar pequenos "lucros" ou "porcentagens" para arranjar acordos financeiros irão pedir por uma "mordida", enquanto que os colombianos diriam "serra" (serrucho), para descrever uma porcentagem do lucro de um contrato governamental para eles mesmos.
4. Gratidão (húngaro e mandarim)
O termo corrupção implica tanto uma atitude ilegal quanto imoral. Mas em algumas regiões, o que é tecnicamente ilegal, pode ser reconhecido, de fato, como uma atitude aceitável ou até mesmo moral. Na Hungria, médicos e enfermeiros podem esperar pela "gratidão" (haalapenz) de seus pacientes, que na prática é um envelope contendo dinheiro.
Na Polônia, pequenos presentes de agradecimento são dados a burocratas que ninguém sabe exatamente quem são. Estes são chamados de "conhecidos" (znayamoshch), que são capazes de "arranjar coisas" (zalatvich spravi) para você no futuro. Na China, agentes de saúde e oficiais de governo também esperam por um "pequeno símbolo de gratidão" (yidian xinyi) por seus serviços. Enquanto na Rússia, eles dizem que você não pode "colocar um 'obrigado' no bolso" - spasibo v karman ne polozhish.
5. Debaixo da mesa (inglês, francês, persa, sueco)
Frases populares usadas para falar sobre corrupção são sempre metafóricas. A bem conhecida expressão inglesa descrevendo dinheiro passado por "debaixo da mesa", por exemplo, existe em francês (dessous de table), em persa (zir-e mize) e sueco (pengar under bordet). Outras expressões enfatizam movimento. Em húngaro, "dinheiro oleoso" (kenepenz) é pago para oficiais para "engraxar as rodas da burocracia", enquanto os russos sabem que às vezes é necessário colocar algo "na palma da mão de um oficial" (polozhit na ladon ou dat na lapu) com o objetivo de facilitar as coisas.
6. Algo pequeno (suaíli)
Vários eufemismos para corrupção e suborno trabalham para distanciar a atenção dada à ação (corruptiva) o minimizar sua importância. A expressão em suaíli kitu kidogo (pequena coisa) é um bom exemplo disso. Na Costa do Marfim, os policiais costumavam pedir por um pourboire ("para uma bebida" em francês), comparando o tamanho da propina a uma pequena gorjeta. Uma expressão brasileira para suborno - "um cafezinho" - também representa o mesmo que gorjeta.
7. Dinheiro para o chá (afegão e persa)
A popularidade universal do café e do chá como metáforas para subornos aponta outros meios de utilização de eufemismos para tentar "apagar" a verdadeira natureza da transação corrupta. No Afeganistão e no Irã, a expressão para suborno é poul-e-chai, significando "dinheiro para o chá". Nos dois países, o hábito de beber chá é uma parte essencial da vida social. Pedir "dinheiro para o chá" sugere que a propina pode ser dividida com os outros. Algumas expressões, tais como "feijão para as crianças", dão um sentido de caridade, como se estivesse sendo requisitado dinheiro para os mais necessitados.
8. 'Pagamento por questões' (inglês)
Casos de corrupção em grande escala têm seu próprio vocabulário, geralmente criado pela mídia. Como por exemplo o escândalo batizado em 1994 pelos jornais britânicos de cash for questions ("pagamento por questões"), em que políticos britânicos teriam recebido propina do dono de uma conhecida loja de departamentos para lançar debates no Parlamento com perguntas específicas. Na Itália, um escândalo para favorecer determinadas empresas privadas em contratos com o governo também ganhou denominação na mídia de tangentopoli (cidade das propinas), que é a combinação da palavra "tangente", significando "propina", e "poli" (cidade).
9. Caixa da Nokia (húngaro)
Na Hungria, o termo "caixa da Nokia" se tornou um símbolo para corrupção em 2010, quando o chefe da companhia de transporte público da capital, Budapeste, Zsolt Balogh, foi flagrado passando dinheiro para Miklos Hagyo, braço-direito do prefeito da cidade, colocado em uma embalagem de papelão de um telefone celular da marca Nokia. Isso se tornou até mesmo uma espécie de unidade de medida na moeda local: uma "Nokia box" valendo 15 mil forints (US$ 65 mil ou pouco menos de R$ 150 mil), que foi o valor da propina.
10. Pequena carpa (tcheco)
Na República Tcheca, os termos "pequena carpa" (kaprzhici) ou "peixe" (ryby), foram utilizados como linguagem codificada para um escândalo envolvendo representantes do futebol tcheco. Nas conversas entre técnicos, árbitros e jogadores, uma "pequena carpa" valia mil korunas tchecas (US$ 50 ou R$ 114), o valor de um "peixe". O eufemismo "pequena carpa" se tornou sinônimo para corrupção no país.
*Todas as traduções deste artigo são aproximadas.