sábado, 18 de janeiro de 2014

ENTREVISTA/MARJORIE PERLOFF » Reciclagem poética‏

ENTREVISTA/MARJORIE PERLOFF » Reciclagem poética
Professora americana fala da nova literatura e dos processos de circulação poética na era digital 
 
Fabrício Marques
Estado de Minas: 18/01/2014


Com 140 caracteres, o Twitter é veículo de disseminação rápida de todo tipo de informação, inclusive a poesia (Fabrizio Bensch/Reuters)
Com 140 caracteres, o Twitter é veículo de disseminação rápida de todo tipo de informação, inclusive a poesia
 Era a noite de 10 de outubro de 2013 e a crítica norte-americana Marjorie Perloff, professora emérita da Universidade de Stanford, nos EUA, estava em Belo Horizonte para apresentar conferência na UFMG e lançar O gênio não original – Poesia por outros meios no novo século (Editora UFMG, tradução de Adriano Scandolara). No dia seguinte, almoçamos em um restaurante da Savassi, na companhia da professora Myriam Ávila (que auxiliou na tradução das perguntas desta entrevista) e da tradutora Ana Helena Souza. Marjorie voltou para os Estados Unidos e continuamos a conversa por e-mail. No livro, Perloff discute o processo de recontextualização, citação e reciclagem da poesia moderna e contemporânea. A autora faz análises argutas de obras recentes, como o libreto de Charles Bernstein para a ópera Shadowtime; o poema-livro-documentário The midnight, de Susan Howe; a escrita “exofônica” de Caroline Bergvall e Yoko Tawada e, por fim, o conceitual Traffic, de Kenneth Goldsmith, uma transcrição de alertas de trânsito de uma estação de rádio de Nova York ao longo de um fim de semana. Com clareza e erudição, Perloff mostra o que muda na era da (re)produção digital globalizada, em que todos são potenciais autores, reprodutores e processadores de textos. Os pontos de exclamação de suas respostas a seguir, em entrevista ao Pensar, refletem seu entusiasmo com a poesia no século 21.


Você menciona o blog de poesia de Ron Silliman, que já recebeu mais de 2,5 milhões de visualizações. Ao mesmo tempo, sabemos que os livros impressos desse poeta, como da grande maioria dos poetas, venderam muito pouco. Como explicar esse fenômeno? Ou seja, não vende, mas tem muita procura na web?
Não acho que seja uma questão de mercado. O blog fornece informações muito úteis e, às vezes, as análises do próprio Silliman, bem como propõe discussões. Os aspirantes a poetas e estudantes e apenas curiosos querem ler isso e manter-se informados. E não é exatamente difícil. Mas a fofoca é uma coisa e a leitura real outra bem diferente. As mesmas pessoas que vão ler sobre a poesia não querem ler o que muitas vezes são poemas difíceis. Essa audiência é muito menor. Mas isso não tem sido verdade há anos? A audiência de TV para ouvir falar de algum escritor é muito maior do que o público real do escritor.

Seu livro dá exemplos muito consistentes da poesia feita por outros meios, de autores como Goldsmith, Howe e Bergvall. Que tipo de leitor essa poesia pede?
Para entender a sutileza, digamos, dos poemas verbais/visuais/acústicos de Susan Howe, o leitor precisa saber algo sobre as artes visuais, especialmente de meados do século, que influenciaram Susan, bem como um pouco das histórias dos Estados Unidos e da Irlanda, fonte dos poemas. Mas, novamente, isso não é totalmente novo. O leitor de Ulisses, de Joyce, deve fazer isso também. No caso de Caroline Bergvall, há uma grande ligação com o rock, artes visuais e cultura pop. Para Goldsmith, é mais o mundo diário dos jornais, TV, informação factual e, em seguida, a música de John Cage, a arte de Andy Warhol e toda a tradição do Dada (dadaísmo).

Quais as características da era da informação que possibilitaram a existência, em condições favoráveis, da linguagem da citação?
Na era da informação, somos bombardeados constantemente por material na internet! Está lá, não podemos evitá-lo, não podemos fugir dele. Mas, como poetas ou escritores em geral, podemos transformá-lo, Make it new! Torná-lo estranho. Para que o leitor experimente o choque do reconhecimento!

Nesta nova era, a palavra comunidade assumiu um sentido inteiramente novo. Qual a principal diferença de uma comunidade de hoje para outra do século passado?
Bem, estou um pouco em dúvida sobre comunidade no sentido virtuoso, de um grupo de artistas felizes e compartilhando a mesma opinião. Sempre houve comunidades de artistas e poetas que trabalharam juntos. Pense nos futuristas, dadaístas, surrealistas, Fluxus etc., etc. Hoje, supostamente, os membros das comunidades produzem um trabalho como um coletivo e não querem ser tratados como indivíduos. Assim, segue o lugar-comum. Mas por que, então, a comunidade está sempre se referindo a Lacan ou Derrida ou alguma outra estrela da teoria? Por que Agamben está autorizado a ser um indivíduo, em vez de um membro da comunidade? Então, sou cética sobre a conversa em torno da nova comunidade.

Quando pensamos na poética de vanguarda, observamos que houve uma mudança nas relações entre as literaturas de maioria e minoria, que resultou em mudança nos espaços literários. Por que isso ocorreu?
Não acho que este seja exatamente o caso nos Estados Unidos. Literatura de pouco público não é best-seller – pelo menos não conheço nenhuma que seja. É verdade que alguns escritores, como Roberto Bolaño, passaram de um status menor para um público muito maior, mas isso é simplesmente uma questão de reconhecimento. Mas, nos EUA, literatura de pouco público, para poucos, geralmente permanece. Apenas isso.

Antes, a poesia era moldada para resistir ao que Adorno definiu como indústria cultural. Agora, qual o novo modelo de resistência?
Como no caso de Adorno, a resistência contemporânea afirma ser contra o capital. Porém, enquanto Adorno achava que isso significava uma literatura difícil, de oposição, contrária a tudo o que era pop art, Hollywood, kitsch etc., agora os escritores “resistentes” decidiram que, se você não pode vencê-los, junte-se a eles. Estudos recentes exaltam o kitsch como central para o desenvolvimento da poesia! Mas o que acontece, acho, é que tal tolerância ao “baixo” material faz toda a resistência verdadeira desaparecer.

“A internet fez com que todos nós nos tornássemos copistas, recicladores, transcritores, colagistas e recontextualizadores.” Nesse novo contexto, qual o lugar da voz autoral, como Sylvia Plath, Ginsberg ou Bishop?
O autêntico eu, como se sabe, está atualmente em má reputação e ainda assim a poesia mainstream e a poesia de grupos minoritários continuam a ser em grande parte centradas no “I”. É um problema real. Estou do lado daqueles que sentem que o modo de Ginsberg ou Plath, tanto quanto eu amo esses poetas, não é mais relevante, porque não é representante de um grupo maior. Na era da mídia, não se pode, como Wordsworth, falar de homens e mulheres em geral; é tudo o que já foi feito no Facebook, em blogs etc.

Qual a relação entre o conceito de “retaguarda” (em oposição à vanguarda) e a importância da poesia concreta brasileira?
Em O gênio não original, argumentei que o concretismo brasileiro era um arrière-garde, no sentido de disseminar muitas das ideias das vanguardas do século 20. Os heróis de Noigandres foram Pound, Joyce, e. e.cummings, Gertrude Stein, John Cage e assim por diante. Mas, a partir da perspectiva do século 21, os concretistas brasileiros foram uma verdadeira avant-garde, antecipando a revolução digital. Acho que eles vão se tornar cada vez mais importantes. Acabei de ler um artigo argumentando que o concretismo antecipou grande parte da arte conceitual e da poesia conceitual e estava à frente de seu tempo. Eu concordo!

Gostaria que comentasse também a afirmação de Augusto de Campos: “Há, dentro da discussão do pós-modernismo, uma tática de querer deixar de lado logo a recuperação da arte experimental e dizer que tudo isso já acabou!”.
Sim, eu sei que Augusto sempre opôs-se ao pós-modernismo – ele disse que o faz pensar em prédios bancários – e vim a pensar que ele estava certo. A ideia de “pós” é tão negativa, sempre após o fato, enquanto que os melhores artistas nunca são pós, mas capazes de ver os temas centrais de sua própria cultura, e isso é o que conta! Não uso mais o termo pós-moderno. Como Augusto, penso na grande revolução que chegou no início do século 20 e nós ainda estamos tentando processar algumas das grandes formas e gêneros e noções poéticas/artísticas do modernismo! No Brasil, entendo isso como especialmente poderoso!



O gênio não original – Poesia por outros meios no novo século
De MarjoriePerloff
Editora UFMG
314 páginas



Fabrício Marques é poeta e jornalista

Orelha [Painel/Literatura]

ORELHA
Estado de Minas: 18/01/2014


O educador Paulo Freire integra grupo de intérpretes da sociedade brasileira (Clóvis Ferreira/Divulgação)
O educador Paulo Freire integra grupo de intérpretes da sociedade brasileira
 Quem somos
Há uma importante tradição no campo dos estudos sociais brasileiros, que são as tentativas de grandes sínteses sobre a formação do país e de seu povo. E é para apresentar os principais autores que se dedicaram ao tema que Lincoln Secco e Luiz Bernardo Pericás organizaram Intérpretes do Brasil – Clássicos, rebeldes e renegados, que em breve a Boitempo manda para as livrarias. Serão ao todo 27 estudos e ensaios escritos por especialistas que se debruçaram sobre a vida e obra de alguns dos principais intérpretes da história e da cultura no Brasil. A seleção de autores traz pensadores já clássicos, como Antonio Candido, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. A obra traz ainda para o centro do debate autores menos conhecidos, como Otávio Brandão, Heitor Ferreira Lima, Astrojildo Pereira, Leôncio Basbaum, Rui Facó, Luís da Câmara Cascudo, Everardo Dias, Maurício Tragtenberg, Jacob Gorender, Ruy Mauro Marini, Milton Santos, Edgard Carone, Paulo Freire e Ignácio Rangel.



Filosofia da ciência
A Editora Unesp anuncia, para o mês que vem, um livro pouco conhecido de Karl Popper, Os dois problemas fundamentais da teoria do conhecimento. Escritos entre 1930 e 1933, os ensaios que compõem a obra, até agora inédita em português, precedem e dão origem ao clássico A lógica da pesquisa científica. No livro, o filósofo identifica os dois problemas fundamentais que estão igualmente na base dos problemas clássicos e modernos da teoria do conhecimento – o da “indução” e o da “demarcação” – e busca reduzi-los a um único problema.


Imagens de Gus
Quem ganha uma antologia, pontuando 25 anos de carreira, organizada por Tadeu Chiarelli, é o mineiro Gustavo Resende, com o belo livro Gus (WMF Martins Fontes). Escultor, desenhista, gravador, arquiteto e pintor, o artista vive e trabalha em São Paulo desde a metade dos anos 1980. Valendo-se de referências à própria imagem, texto, “descrição e fabulação sobre o que descreve”, o artista cria obra, explica Tadeu Chiarelli, em que tudo parece ser feito para organizar a existência, dar sentido – mesmo que fugaz – ao fato de se estar no mundo.


Judeus no Brasil
O Brasil como destino é o título do novo trabalho de Eva Blay, que será lançado mês que vem pela Editora Unesp. A autora trata da imigração de judeus para o Brasil ao longo dos tempos, intercalando informações de pesquisa histórica com pequenas entrevistas com judeus que vivem no país, não somente os consagrados, como a escritora Tatiana Belinsky, como os que não correspondem ao estereótipo do judeu rico e bem-sucedido.


Fantasia inaugural
A Editora Saída de Emergência, fusão do selo português de mesmo nome com a brasileira Sextante, está lançando o primeiro volume da série Tigana, do canadense Guy Gavriel Kay, um marco da fantasia épica. A história se passa na Itália medieval, num vilarejo que comercia vinhos e cereais, cujo povo foi amaldiçoado pela fetiçaria do rei Brandin. Depois da devastação, um grupo de resistentes decide se unir para banir os reis despóticos que governam a Península de Palma e recuperar o nome: Tigana. O segundo volume deverá ser lançado ainda este ano.


Só clássicos
O catálogo da Editora Unicamp ganha um reforço de obras clássicas do pensamento ocidental a partir deste mês. Chegam às livrarias os livros Diálogos sobre a pluralidade dos mundos, de Fontenele (1657-1757), Escritos olítico-constitucionais, de Condorcet (1743-1794), e Uma investigação sobre os princípios da moral, de David Hume (1711-1776). Entre os títulos brasileiros, Das cores do silêncio – Os significados da liberdade no Sudeste escravista – Brasil, século 19, de Hebe Mattos.


Duplo Bakhtin
Um dos mais influentes pensadores russos do século 20, Mikhail Bakhtin (1895-1975) é tema de dois livros que estão sendo lançados no Brasil. Pela Editora 34 chega aos interessados nos estudos gramaticais o livro Questões de estilística no ensino da língua,  produto da experiência do teórico como professor de duas escolas no interior da Rússia, entre 1937 e 1945. Já pela Autêntica, com organização de Maria Teresa Assunção Freitas, sai a coletânea de estudos Educação, arte e vida em Bakhtin, com múltiplos olhares sobre a obra do filósofo e linguista.

Vilas tricentenárias - Angelo Oswaldo de Araújo Santos

Vilas tricentenárias
 
Serro e Caeté, quinta e sexta cidades de Minas, completam 300 anos com o desafio de preservação do rico patrimônio histórico e artístico


Angelo Oswaldo de Araújo Santos
Estado de Minas: 18/01/2014



Festa de Nossa Senhora do Rosário, na antiga Vila do Príncipe, no Serro Frio: três séculos de história (Paulo Sérgio Procopio/Divulgação)
Festa de Nossa Senhora do Rosário, na antiga Vila do Príncipe, no Serro Frio: três séculos de história

No dia 29, transcorre o tricentenário de criação da quinta e da sexta cidades da lista das 853 hoje existentes em Minas Gerais. Foi nessa data, em 1714, que o segundo governador da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, dom Brás Baltazar da Silveira, assinou provisão instituindo a Vila do Príncipe, no Serro Frio, e a Vila Nova da Rainha, no Caeté do Mato Dentro. Vieram somar-se a Vila do Carmo (Mariana), Vila Rica (Ouro Preto) e Vila Real de Sabará, criadas em 1711, e Vila de São João del Rei, do final de 1713.

Vila era como então se denominavam as sedes municipais, sendo cidade a dignidade honorífica reservada a alguns centros urbanos, como os que eram sé episcopal. A cátedra do bispo deveria estar numa cidade e não em vila. Para receber o primeiro bispo de Minas Gerais, o rei João V elevou Vila do Carmo a Cidade de Mariana, em 1745. A segunda cidade foi Ouro Preto, que deixou de ser Vila Rica em 1823, num preito de homenagem do imperador Pedro I à capital da província mineira.

Essas municipalidades pioneiras antecedem a autonomia das Minas Gerais, que só se verificou em 1720, no auge das sedições e revoltas alastradas no território do ouro. Daí, talvez, o espírito municipalista que se arraigou no solo mineiro. As primeiras vilas foram convergência da mineiridade, antes da instituição da capitania, depois província e estado.

Ivituruí, morro frio na língua indígena, traduziu-se por Serro do Frio ou Serro Frio, metrópole do norte, polo de vastíssimos territórios. Caeté, para os índios, era a floresta, o verde denso, o mato dentro, onde os bandeirantes pioneiros se assentaram no arraial que se tornaria a Vila Nova da Rainha, aos pés da Itaberaba-açu, a Serra da Piedade. Uma das mais notáveis figuras da história mineira, o presidente João Pinheiro (1860-1908) nasceu no Serro e foi sepultado em Caeté, amálgama da fraternidade das duas vilas no mesmo dia criadas.

DESEJO DE LIBERDADE Até a independência, Minas teve 16 vilas, todas elas ricas matrizes culturais. Em Serro nasceram construtores do Brasil, como o mestre Valentim da Fonseca de Silva, o grande artista rococó do Rio de Janeiro, e Teófilo Ottoni, profeta da República e desbravador do Mucuri. A matriz do Bonsucesso, em Caeté, obra de Coelho de Noronha que acolheu os primeiros trabalhos do Aleijadinho, é monumento admirável.

Em ambas, está presente o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), realizando no momento significativas aplicações no restauro e na conservação do Museu Casa dos Ottoni e no Museu Regional de Caeté, antiga residência do legendário Barão de Catas Altas.
Imagem histórica de procissão na Vila Nova da Rainha, no Caeté, com a Serra da Piedade ao fundo (Prefeitura de Caeté/Divulgação)
Imagem histórica de procissão na Vila Nova da Rainha, no Caeté, com a Serra da Piedade ao fundo


São museus que contam as origens de Minas, a vocação para a arte e o gosto pela vida pública, o desejo de liberdade e o engenho criativo, marcas da gente mineira. São documentos identitários que nos fazem saber de onde vimos para pensar aonde queremos ir. São testemunhos da história do Brasil que celebramos do alto destes três séculos de cultura e civilização no fabuloso sertão do ouro e dos diamantes.

Angelo Oswaldo de Araújo Santos é presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).

Por trás dos panos - Marcel Singer

Por trás dos panos 

Estudo do ator e diretor Sérgio Viotti, O teatro de Shakespeare traz leitura inspirada das principais tragédias e comédias do autor de Romeu e Julieta 
 
Marcel Singer
Estado de Minas: 18/01/2014


O ator Michael Bertenshaw em montagem de Henry VIII, de Shakespeare, no Globe Theatre, em Londres (Luke MacGregor/Reuters)
O ator Michael Bertenshaw em montagem de Henry VIII, de Shakespeare, no Globe Theatre, em Londres
 Quem acompanha o cenário do teatro, cinema e televisão no Brasil não deve ficar muito impressionado com o nível cultural dos jovens artistas, definidos mais pelos atributos do corpo do que pelos do espírito. Não é assim em todo o mundo e nem sempre foi assim no Brasil. Os grandes atores e atrizes brasileiros, como os ingleses e franceses, sempre se destacaram pela cultura, como Paulo Autran e Fernanda Montenegro. Entre os profissionais do palco que melhor expressam essa tradição está Sérgio Viotti (1927-2009), do qual acaba de ser lançado o livro O teatro de Shakespeare (Martins Fontes).

Viotti, além de ator que ficou conhecido pelos papéis em novelas de TV (outro traço do bom profissional é não desprezar papéis e veículos), foi também tradutor e adaptador de obras literárias e de dramaturgia. Sua formação inclui passagem por Londres, nos anos 1950, onde trabalhou na BBC, gravou peças e escreveu críticas de dança e ópera. Vem dessa época a aproximação com os círculos shakespearianos ingleses e o contato com atores clássicos.

De volta ao Brasil, em 1958, Sérgio Viotti vai participar de várias montagens, entre comédias, dramas e musicais, ganhando importantes prêmios, entre eles o Molière, em 1967. Seu talento múltiplo se volta ainda para a literatura, com a publicação do romance E depois nosso exílio, que recebeu o prêmio Walmap, um dos mais importantes da época. Ao todo, publicou oito livros, entre romances e peças de teatro. Em 1991, Sérgio Viotti leva ao palco a montagem As idades do homem, uma espécie de compêndio de trechos shakespearianos, que deu vazão a seu conhecimento privilegiado da obra do bardo.

O livro O teatro de Shakespeare, de certa forma, fecha o arco de talentos do ator, escritor e diretor, demonstrando desde a sensibilidade literária até o conhecimento dos bastidores históricos das peças comentadas. É trabalho de homem de teatro, mas que sempre evidencia uma leitura erudita e informada da obra shakespeariana. Parte do material foi reunido a partir de textos escritos para cursos, seminários e conferências, o que explica a preocupação didática com a clareza e a busca de contexto histórico que deixe tudo mais compreensível.

O teatro de Shakespeare parte da vida para chegar à obra. Nos primeiros capítulos, Viotti sintetiza os elementos distintivos da Inglaterra quinhetista, com informações sobre história, política e comportamento. Ao tratar da educação do ator e dramaturgo, o autor desfaz a falsa impressão de que Shakespeare teria sido um intuitivo genial, mostrando sua inserção num sistema educacional que primava pelo estudo da gramática, da história, e da cultura clássica, inclusive com fundamentos de grego e latim.

Viotti segue acompanhando a trajetória do poeta, do abandono dos estudos à mudança para Londres e a entrada no teatro, inclusive a convivência com outras trupes. O mundo do teatro, como revela Sérgio Viotti, era rico em substância humana e política, com questões interessantes como polêmica em torno da presença das mulheres e a exploração dos temas históricos e religiosos. Antes de passar ao estudo das peças, ele analisa a vocação do bardo para a poesia, estudando obras como Vênus e Adônis e O rapto de Lucrécia, chegando aos enigmáticos sonetos.

NO PALCO
Os capítulos mais importantes do livro tratam das comédias (em três partes) e das tragédias. Sérgio Viotti estuda 16 peças de Shakespeare, com método próprio de homem de teatro. Em primeiro lugar situa o contexto da obra, em seguida passa em revista o acúmulo dado pela tradição, para, então, entrar no território propriamente dramático. Para cada peça, de A comédia dos erros a Tito Andrônico, Viotti analisa os elementos literários, poéticos e dramatúrgicos, destrinchando trechos e interpretando cenas mais conhecidas. Uma aula de teatro.

Entre as seções dedicadas às comédias e tragédias, se situa o curioso – e erudito – capítulo “Os homens que foram Shakespeare”. Nele, Sérgio Viotti traz à tona o antigo debate sobre a existência de William Shakespeare e a atribuição da autoria de suas peças. O argumento é que um homem de teatro não teria condições de escrever obra de tal profundidade. O jogo, que foi sendo desenrolado pelos tempos afora, buscava identificar quem se esconderia por trás da persona de Shakespeare.

Sérgio Viotti estuda várias especulações, entre elas as que pretendem que o autor das peças tenham sido vários: Francis Bacon, Christopher Marlowe, Roger Manners, William Stanley e Edward de Vere. E conclui: “Na verdade, não se trata de pensar quem foi Shakespeare. Que ele existiu, não há dúvida. O que interessa, realmente, é o que diz o grande personagem Hamlet: ‘The play is the thing!’ (A peça é a essência). E quem a escreveu foi um homem chamado Shakespeare”.

O teatro de Shakespeare é um livro útil e inteligente. No entanto, merecia um cuidado editorial indispensável: a identificação das traduções analisadas pelo autor e notas que facilitassem o acesso às citações feitas por Viotti ao longo de seu trabalho. No caso de um autor como Shakespeare, as diferentes leituras e traduções fazem parte da trajetória do texto. E para o estudioso do teatro, se torna um recurso indispensável. Além disso, a origem do material – disperso em muitas fontes – cria inevitáveis repetições. Nada que uma nova edição não corrija.


O teatro de Shakespeare
De Sérgio Viotti
Editora Martins Fontes
376 páginas
R$ 47,50

ENTREVISTA/SHANE SALERNO » Sem retoques‏

ENTREVISTA/SHANE SALERNO » Sem retoques Biógrafo e autor do documentário Salinger quis revelar um homem real, com qualidades e defeitos 
 
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 18/01/2014


 (Jim Spellman/WireImage)

Aos 41 anos, Shane Salerno traz um currículo respeitável no circo de Hollywood. Com apenas 24 anos, escreveu o roteiro de Armageddon, filme-catástrofe de Michael Bay que se tornou a maior bilheteria de 1998. No cinema e na televisão, esteve envolvido em outros projetos vencedores, seja como produtor ou roteirista: a série Hawaii Five-0 e o longa Selvagens, de Oliver Stone, estão entre os mais recentes. Em agosto, James Cameron anunciou três sequências do blockbuster Avatar. Salerno foi escolhido para escrever a última delas, com lançamento previsto para 2018. Mas nenhum desses produtos envolveu tanto o escritor de Memphis quanto seu projeto pessoal, que lhe tomou nove anos e US$ 2 milhões. Salinger, filme e livro que chegam agora ao Brasil, são resultado da paixão de Salerno por uma obra que o arrebatou na infância. Dono de uma biblioteca de 15 mil volumes, o escritor, roteirista e agora documentarista retornava, a cada quatro anos, ao clássico O apanhador no campo de centeio. Com os dois projetos complementares, Salerno trouxe à tona a história de Salinger. “Não um recluso como muitos acharam, apenas um homem muito reservado e um grande observador das pessoas e do mundo”, como afirma em entrevista ao Pensar.


Como começou a paixão por Salinger?
Quando tinha 9, 10 anos, minha mãe me deu O apanhador... e disse: ‘Está na hora de você ler esse livro’. Fiquei completamente arrebatado, era como se aquele autor tivesse roubado as ideias que eu tinha na cabeça. Pouco depois li todos os outros livros de Salinger até que perguntei para minha mãe: ‘Agora que acabei, quero mais. Quando conseguimos um novo livro?’. Ela disse: ‘Não há mais nenhum’. ‘Ele morreu?’, continuei. Daí ela começou a me contar a história daquele homem misterioso que teve o mundo a seus pés e disse simplesmente: ‘Não, obrigado’, virou as costas e foi embora. Não pensei mais naquilo por muito tempo até que 11 anos atrás encontrei numa livraria o livro de Paul Alexander (Salinger, uma biografia). Vi ali que não sabia nada sobre o homem que participou do Dia D; que perdeu o amor de sua vida para Charlie Chaplin; que esteve internado num sanatório; que encontrou sua primeira mulher, uma alemã, em circunstâncias misteriosas. Era uma vida muito fascinante da qual eu não sabia nada.

Vocês entrevistaram cerca de 200 pessoas. Como foi lidar com tanto material na hora de editar o filme e escrever a biografia?
Essa foi uma das razões pelas quais o projeto levou quase 10 anos e US$ 2 milhões. A pesquisa que fizemos foi absolutamente notável, tanto que livro e filme são diferentes e complementares. Não havia nenhuma foto de Salinger na guerra; encontramos várias. Não havia foto dele escrevendo O apanhador...; encontramos apenas uma. Seus registros militares tinham sido dados como perdidos; nós os encontramos. Não havia foto de sua primeira mulher, a espiã alemã. Encontramos imagens até do dia do casamento. Pessoas que nunca haviam falado contaram suas histórias pela primeira vez em 65 anos.

Houve pessoas difíceis de serem convencidas a participar do projeto?
Jean Miller (que foi namorada do escritor) nos levou mais de um ano. Ela nunca havia aparecido em nenhum livro ou artigo sobre Salinger, porque havia prometido a si própria que nunca falaria sobre ele enquanto o escritor estivesse vivo. Tivemos que esperá-la, estabelecer uma relação de confiança.

Como vocês chegaram à descoberta do conteúdo do baú de inéditos de Salinger? O leitor vai se surpreender muito com o que vem por aí?
Isso levou um bom número de anos. Tivemos que estabelecer relações com essas pessoas, muitas delas se recusaram a falar na frente das câmeras. Realmente acho que só vimos uma pequena porção da produção dele. Não há dúvida de que ele continuou escrevendo por 45 anos, houve várias testemunhas disso. E ficamos excitados de encontrar respostas para essas pessoas.

A ligação d’O apanhador... com o assassinato de John Lennon e outros atentados ainda é um tabu. Como foi trabalhar com essa situação?
Muito complicado, porque não existe na história outro romance que tenha sido associado a uma série de crimes. O apanhador... foi lido e carregado pelos criminosos quando cometeram seus atos. Fomos criticados por incluir isso, o que para nós era essencial, pois representa também uma maneira de compreender Salinger e até a forma como ele reagiu. Pouco antes do assassinato de John Lennon, por exemplo, houve uma conversa de que voltaria a publicar.

A crise de valores apontada por Salinger parece ter se cumprido como um pesadelo: consumismo, materialismo, cultura da celebridade, espionagem e guerras sem fim. Ele se tornou uma espécie de profeta de nossos defeitos morais?
Acho que ele conseguiu enxergar para onde o mundo estava indo. Salinger era um grande observador das pessoas e do mundo. Muitos acreditam que ele tenha sido um recluso. Não o foi, de maneira alguma. Recluso foi Howard Hughes. Um recluso não viaja o mundo e Salinger sempre esteve muito presente, ele só era uma pessoa muito reservada. E isso ocorria porque ele era obcecado por garotas jovens. Não estou dizendo algum ruim a respeito dele, apenas a verdade sobre aquela pessoa. Não é um julgamento, somente uma apresentação. Temos a obrigação de contar a verdadeira e completa história. Dessa maneira, mostramos tanto coisas positivas quanto negativas. Cinco meses depois do lançamento do documentário e do livro nos Estados Unidos não houve uma pessoa sequer que tenha feito alguma afirmativa de que mostramos alguma coisa errada. Há gente que pode dizer que não deveríamos ter tratado certos assuntos, mas isso não é dizer que está errado. Tínhamos que fazer um perfil completo de Salinger, não poderíamos fingir que ele foi um ser humano perfeito.



SALINGER...

...na música

Bandas menos e mais conhecidas utilizaram Salinger e sua principal obra como inspiração. Chinese democracy (2008), mais recente álbum do Guns n’Roses, tem uma faixa com o título Catcher in the rye. A letra cita inclusive versos de Comin’Thro the rye, poema de Robert Burns de onde Salinger tirou o título de seu romance. Já o Green Day, em seu segundo álbum, Kerplunk (1992), gravou Who wrote Holden Caulfield? (Quem escreveu Holden Caulfield?).

Banda de pop-punk, The Ataris gravou, em 2001, a canção If you really wanna hear about it... (Se você realmente quer ouvir sobre isso), a frase inicial d’O apanhador. Mais obscura, a banda The Winona Ryders lançou um único álbum, J. D. Salinger (1995), cuja capa é uma cópia da versão clássica, vermelha, da edição norte-americana do romance. Francesa, a banda Indochine, com sotaque new wave, fez sua homenagem na canção Des fleurs pour Salinger (Flores para Salinger).

...no cinema
Algumas das histórias de Salinger foram adaptados para o cinema. A maioria delas são produções em curta-metragem pouco conhecidas, como The catcher (2001), que conta a história de Holden Caulfield. A primeira vez que Salinger foi ao cinema foi em 1949 (dois anos antes da publicação d’O apanhador...) com o longa Meu maior amor, adaptação de um conto dele.No entanto, O apanhador... já foi citado muitas vezes pelo cinema contemporâneo. O personagem de Mel Gibson não lê o livro, mas coleciona edições do romance em Teoria da conspiração (1997). Lançado 10 anos mais tarde, Capítulo 27 traz Jared Leto como Mark Chapman, o assassino de John Lennon (o livro pelo qual o criminoso era obcecado tem 26 capítulos).

Em Por um sentido na vida (2002) Jake Gyllenhaal interpreta um jovem que está sempre lendo O apanhador... O nome do personagem? Holden. O protagonista de Salinger também dá nome ao filme Chasing Holden (2003), produção independente (a tradução literal é Perseguindo Holden). O protagonista é também um jovem que decide embarcar com a namorada para uma viagem a Nova York e tentar encontrar J.D. Salinger.



AFINIDADES ELETIVAS

. Joca Reiners Terron
. escritor e editor
Profundidade
“Li O apanhador... aos 23 anos e aquele ambiente de escola de rico não me pegou. Alguns anos depois fui ler Nove estórias e fiquei totalmente siderado. Os contos são muito superiores, tanto que acredito que a forma que O apanhador... é estruturada é como um romance de um escritor de contos. Cada capítulo tem um significado. O que gosto muito no Salinger é que ele tenta criar um mundo. Os personagens vêm e vão, às vezes estão em primeiro plano, às vezes em segundo, e o leitor vai descobrindo assim detalhes das características deles. Como contista, ele tem profundidade, uma tradição norte-americana que o conto brasileiro não conseguiu atingir. A nossa é a tradição do conto breve, mais sintético.”


. Luiz Brás
. escritor
Liberdade
“Arriscaria dizer que O apanhador... marcou a minha geração, aquela que começou a escrever nos anos 1990. Concordo que é um romance mais forte na adolescência, fui ler somente aos 30 anos. Mesmo assim fiquei encantadíssimo, principalmente com a liberdade que o romance promove. Depois li os contos, mas não fiquei muito impressionado com eles. Acho que está na hora de reler Salinger.”


. Ana Paula Maia
. escritora
Guia
“A leitura d’O apanhador... foi decisiva para que eu escrevesse meu primeiro romance, O habitante das falhas subterrâneas (2003). Antes dele, só havia lido a literatura do século 19, e logo me identifiquei com a linguagem do Salinger, muito diferente do que eu conhecia. Tanto que o livro acabou se tornando um guia para o que eu queria escrever (o romance trata de três dias na vida de um adolescente de 17 anos). Mas a influência morreu aí. Hoje estou no meu quinto livro, e minha literatura não tem absolutamente nada a ver com Salinger.”


. Miguel Sanches Neto
. professor de literatura e escritor
Excessivo
“Sou um discípulo de Dalton Trevisan, que tem o Salinger como uma espécie de deus. Tanto que ele recomendava para as filhas que lessem O apanhador... todo ano. Acabei, de alguma forma, sendo influenciado por Salinger. Não li O apanhador... na adolescência, foi somente mais tarde. Recentemente tentei relê-lo mas não consegui. Aos 50 anos, achei o livro um pouco excessivo. Mas gosto muito tanto do Nove estórias quanto do Franny e Zooey, livros que reli com muita emoção.”


. Marçal Aquino
. escritor e roteirista
Excelência
“Não sinto no que escrevo qualquer influência do Salinger, mas ele é dono de uma das literaturas a que sempre volto. Recentemente, dei para dois amigos Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira, livro de muita importância. A verdade é que li Salinger na idade errada. Todo o mundo fala d’O apanhador... na adolescência, só fui lê-lo aos 25 anos. Não gostei do livro, fiquei esperando que acontecesse alguma coisa, achei chato. Se tivesse lido aos 16, poderia ter mudado a minha vida. Por sorte li depois o Nove estórias. Aquilo é espetacular, tem um grau de excelência. Se você quiser saber o que é um conto, leia esse livro.” 

Um cara e tanto [ Salinger] - João Paulo

Um cara e tanto
 
Biografia e documentário cinematográfico sobre Salinger, autor de O apanhador no campo de centeio, mergulham em um dos mais persistentes mitos literários do século 20, com revelações bombásticas


João Paulo
Estado de Minas: 18/01/2014


A biografia de Shields e Salerno vai matar a curiosidade de muita gente sobre a figura de Salinger. Sempre avesso a fotografias, ele aparece em dezenas de imagens, elegante e charmoso (Antony Di Gesu/ Intríseca/Reprodução)
A biografia de Shields e Salerno vai matar a curiosidade de muita gente sobre a figura de Salinger. Sempre avesso a fotografias, ele aparece em dezenas de imagens, elegante e charmoso

J. D. Salinger não tem sossego. O escritor americano, nascido em 1919, fez de tudo para se fingir de morto em vida, até ser enterrado de vez em 2010, aos 91 anos. Mas não lhe deram descanso. Chega hoje às livrarias brasileiras mais uma biografia do autor de O apanhador no campo de centeio, um dos romances mais lidos do século 20. O livro Salinger, de David Shields e Shane Salerno (Editora Intrínseca), faz par com o documentário de mesmo nome, dirigido por Salerno (roteirista de Alien versus Predador e Armageddon), que estreia no Brasil em 14 de fevereiro. Está aberta a temporada Salinger.

A biografia chega embalada com promessas de revelações pessoais e literárias. Além disso, se apresenta como a mais ampla pesquisa sobre o autor, com depoimentos e entrevistas de mais de 200 pessoas, sem contar a recuperação cuidadosa da bibliografia sobre o criador da família Glass. Em outras palavras, Salinger seria uma espécie de obra definitiva, capaz de esclarecer os enigmas em torno de um dos maiores mitos literários do século 20. Sem querer desanimar o leitor, o livro passa longe disso.

A existência e a criação artística de Salinger são dignas do mito. O autor, depois de se firmar como contista de revistas de prestígio, sobretudo a The New Yorker, lança em 1951 um romance que marcaria época, O apanhador no campo de centeio. A ele se seguiriam apenas mais três livros, de contos e novelas, tendo como personagens integrantes da família Glass: Nove estórias; Para cima com a viga moçada e Seymour, uma introdução; e Franny e Zooey. Em 1965, Salinger publica seu último conto, “Hapworth 16, 1924”, retira-se para uma fazenda em Cornish, não faz mais aparições públicas nem dá entrevistas ou se deixa fotografar de livre e espontânea vontade – é claro que os paparazzi não perdoaram.

ara dar ainda mais molho ao mistério, as obras de Salinger exibem um misto de coloquialismo e senso de mistério, cotidiano e metafísica, infância intocada e maturidade, dissecação do mundo material e recolhimento no espírito. Como seu adolescente Holden Caulfield, que não encontra seu lugar no mundo, os leitores de Salinger parecem ter descoberto um parceiro profundo para seu desajustamento. Ele recusa o mundo material para afirmar um universo diferente, melhor e menos conspurcado. Sua sabedoria, nutrida em filosofia oriental e na mística do Ocidente, se revela nas coisas mais singelas. Além disso, com uma voz literária única, fica sempre a um passo do virtuosismo, que ele sabiamente desmancha com uma sinceridade tocante, embora vicária.

Shields e Salerno não chegam ao campo de centeio sem predecessores. Outros autores, melhor dotados que eles em matéria de literatura e historiografia, já haviam se debruçado sobre a vida de Salinger, entre eles Peter Alexander, Ian Hamilton e, mais recentemente, Kenneth Slawenski. O que o novo projeto traz, infelizmente, é certo senso mecanicista de ligar vida e obra. Sem sutileza ou respeito às inconstâncias do sujeito em sua vida psíquica, os biógrafos parecem ler a obra de Salinger pela chave de sua vida. A causa B. Por isso, em vez da síntese trabalhada, que é o que se espera de uma boa biografia, eles se esmeram na coleção de informações e no mero jogo da livre associação.

O método dos autores é o da justaposição. Assim, depois de definidos os parâmetros de julgamento, eles dividem a obra em capítulos que nada mais são que a colagem dos depoimentos dos tais 200 entrevistados, intercalados com reflexões e transcrições de outras obras sobre Salinger, num amplo tabuleiro autorizado de citações justificadoras e, na maioria das vezes, descontextualizadas. Em poucas palavras, o trabalho fica em grande parte para o leitor, que precisa ainda se familiarizar com as dezenas de vozes, inclusive hierarquizar sua importância para dar a elas o peso devido.

Um dos grandes atrativos do livro são as fotografias, cerca de 180, com imagens inéditas de Salinger, de sua família, namoradas e companheiras, além de personagens e episódios importantes em sua vida. Como o escritor foi sempre excessivamente cioso de sua privacidade, as imagens, além de dar mais naturalidade ao homem Salinger, revelam um tipo charmoso, sempre cuidadoso na forma de se vestir, em poses ensaiadas e com o eterno cigarro entre os dedos. Quase um galã bonitão, um dos tipos que ele mais escarnece em suas histórias.

GUERRA E RELIGIÃO A tese dos autores é que a Segunda Guerra destruiu o homem Salinger e deu origem ao artista. Em seguida, a religião vedanta salvou o homem para dar cabo do artista. Entre os dois polos, a guerra e a religião, a vida e obra do escritor foi sendo tecida em meio à solidão, sofrimento e poucos momentos de redenção. A primeira parte da biografia põe Salinger no teatro da guerra, onde servia como agente de contrainformação, em meio a muitas mortes e destruição. Sem deixar nunca de escrever, o jovem e sofisticado Jerome David acaba tendo um colapso nervoso grave, é internado e volta outro para seu país.

A partir daí, os biógrafos seguem a vida do homem e do artista, sempre com o senso determinista. Assim, entra em cena a paixão por Oona O’Neill, a linda jovem, filha do dramaturgo Eugene O’Neill, que deixará Salinger para se casar com Charles Chaplin, muito mais velho que ela, com quem teria oito filhos e viveria até a morte do marido. Salinger, para seus biógrafos, teria adquirido uma fixação em moças jovens, que o atrairiam e em seguida ele se apressaria em abandonar, para se antecipar à rejeição que poderia vir a sofrer. As sucessivas paixões por adolescentes teriam sido todas elas heranças do trauma causado por Oona.

Sempre em busca de certo sensacionalismo que brote da vida – Shields e Salerno certamente não são analistas literários muito refinados – os autores anunciam então a raiz biológica do comportamento evasivo do escritor: uma anomalia anatômica. De acordo com os autores (a partir de depoimentos confirmados por duas mulheres que conheceram o escritor intimamente), Salinger tinha apenas um testículo. O exagero dos autores é dar a um fato pouco traumático o condão de explicar o comportamento esquisitão de Salinger, que teria se retirado do mundo para evitar que as pessoas soubessem que um de seus testículos não teria descido.

Os autores tinham em mãos um personagem e tanto, complexo, às vezes genial, identificado com milhões de jovens (só O apanhador no campo de centeio vendeu 65 milhões de exemplares e segue com quase 1 milhão por ano até nossos dias), atravessando um período de grandes transformações na sociedade americana e de transformação na arte literária. Sem esquecer que ele colaborou para todas essas mudanças, na cultura e no comportamento. Para completar, ao se isolar por 55 anos, Salinger criou um modelo anticelebridade que destoa do cenário contemporâneo, que o torna ainda mais atraente.


Salinger
De David Shields e Shane Salerno
Editora Intrínseca, 704 páginas, R$ 49,90




Entre Holden e Seymour Biografia de Shields e Salerno anuncia a publicação de cinco obras inéditas de Salinger até 2020. O apanhador... ainda atrai a atenção de adolescentes e pacifica pais em busca de diálogo com os filhos


João Paulo




Oona O'Neill, um amor da mocidade  (Bettmann/Corbis/Reproduçao)
Oona O'Neill, um amor da mocidade

Shields e Salerno escreveram Salinger e produziram o documentário de mesmo nome para responder a três perguntas: por que ele deixou de publicar; por que se retirou do mundo; o que escreveu em seu bunker defeso em Cornish, enquanto via naufragrar seus relacionamentos pessoais, familiares e afetivos?. São boas questões, mas não são certamente as mais importantes. Olhar de sobrevoo, fica faltando a consideração às obras e ideias de Salinger. Na verdade, fica faltando Salinger. Depois de 700 páginas, David Shields e Shane Salerno sintetizam suas conclusões em 10 “problemas”.

O primeiro é a falta do testículo, que teria afastado o escritor de seus semelhantes, além de diminuir sua autoestima; o segundo, a perda de Oona para um homem mais velho e mais famoso; o terceiro, o trauma da guerra (“a guerra o criou”); o quarto, a conversão ao vedanta e o afastamento do mundo material; o quinto, o refúgio em Cornish, uma fuga da vida social e do secularismo nova-iorquino; o sexto, os casamentos; o sétimo, as crianças, já que Salinger prezava mais seus filhos ficcionais (Holden e a família Glass) do que os de carne e osso.

Na lista de Shields e Salermo, o oitavo problema foram as garotas, com a fixação do escritor por jovens adolescentes à beira da entrada no terreno da sexualidade, num misto de pureza e desejo; em nono vinha o isolamento, com a contraditória inclinação para lembrar o público o tempo todo que ele era um recluso; e, por fim, em décimo lugar, o desapego, a tentativa de se livrar de suas feridas reais e imaginárias por meio da arte – as sucessivas tentativa de cura o aniquilaram como sujeito, embora em alguns momentos tenham ajudado a constituir o artista.

Mas a grande revelação de Salinger está no último capítulo, “Segredos”. Os autores garantem que o escritor nunca deixou de trabalhar (o que já se sabia) e que organizava cuidadosamente sua produção, tendo deixado pelo menos cinco livros completos, que serão publicados entre 2015 e 2020. A grande notícia, de acordo com os biógrafos, foi comprovada por fontes seguras, embora o filho e responsável pelo espólio, Matthew, não confirme. O próprio Salinger já havia deixado nas entrelinhas (e em orelhas de seus livros) que vinha trabalhando em novas histórias. O que os biógrafos cravam, entretanto, é não apenas a quantidade exata de originais, como também o tema de cada um deles.

O primeiro livro a ser publicado postumamente no ano que vem reunirá as histórias da família Glass; em seguida, chegará ao leitor um romance sobre a primeira mulher, Sylvia Welter (acusada por Shields e Salerno de ser informante da Gestapo, que manteria um romance com o sargento X do conto “Para Esmé, com amor e sordidez”). Na sequência, uma novela em forma de diário de um agente da contrainformação, sobre a Segunda Guerra Mundial; um manual de filosofia vendanta por meio de histórias edificantes; e, finalmente, mais Holden Caulfield. O eterno herói de O apanhador no campo de centeio vai ressurgir em um conto de 12 páginas, de 1942, totalmente reformulado, ao lado de seis novas histórias que desenham a genealogia da família Caufield.

Sobre o filme Salinger, o trailler disponível no YouTube deixa entrever uma pegada sensacionalista, com depoimentos de atores de Hollywood falando da importância de O apanhador… em suas vidas (uma bobagem recorrente), ao lado de especulações sobre a relação com adolescentes e inspiração do assassinato de John Lennon e do atentado ao ex-presidente Ronald Reagan. Em suma, tudo que Salinger desprezava em Hollywood parece ter se armado contra ele. “O documentário não respeitou o espírito, a seriedade e a qualidade do trabalho artístico de Salinger”, escreveu o editor de cinema do Village Voice, Alan Scherstuhl. É mais ou menos o mesmo incômodo que fica da leitura do livro.


O velho Salinger, o ermitão de Cornish (Michael McDermott/Intrinseca/Reprodução)
O velho Salinger, o ermitão de Cornish


Numa conclusão questionável, os biógrafos afirmam que a vida de Salinger foi “um suicídio em câmera lenta”, certamente em referência a personagens seus que se matam, como Seymour e Teddy. Para um homem que viveu 91 anos, sem deixar de trabalhar até o último de seus dias e de refletir sobre o sentido da existência, a afirmação chega a ser risível. Salinger morreu rompido com o mundo real, mas sua vida foi uma tentativa desesperada, e por vezes tocante, de tentar encontrar liames possíveis entre o mundo interior e o lado de fora. Afinal, e não precisa ser versado em vedanta para chegar a essa conclusão, somos todos suicidas adiados. A vida faz seu trabalho e sabe a hora de dar por encerrada a peleja sob o Sol.

PAIS E FILHOS A biografia Salinger serve ainda para repor antigas questõe. Por que ler Salinger hoje? O que um autor tão tipicamente dos anos 1940 e 1950, que em 1965 deixa de publicar para sempre, tem a dizer ao jovem de hoje? O fato é que seus livros continuam sendo vendidos e amados e parecem responder a questões que fazem parte do universo dos adolescentes, mesmo em contexto tão diverso. As pessoas ainda costumam, mais de 60 anos depois, presentear os jovens com volumes de O apanhador no campo de centeio.

Há, ainda, uma avaliação diferenciada do romance e dos contos do autor. Enquanto a saga de Holden Caulfield parece não corresponder à expectativa de uma segunda leitura mais madura, os contos se mantêm como exemplos de arte literária, sublime em alguns momentos. O Salinger estilista ainda se presta a releituras, o ideólogo pode ter ficado para trás, junto com as incoerências da puberdade.

O apanhador no campo de centeio não fez sucesso por acaso. É o tipo de livro que é esperado e que quando chega toma conta do território. Salinger captou, como pouca gente antes e depois dele, o impulso que faz do adolescente um tipo tão desajustado e carente de quem o entenda. É como se o jovem fosse o hardware da insatisfação com o mundo e o romance o software que tornasse tudo mais compreensível. Salinger deu conteúdo a um sentimento de inadequação.

Além disso, seu personagem, Holden, é urbano, vive problemas típicos da classe média e não se sente em casa no mundo. Tudo isso coroado por uma inteligência acima da média e uma sensibilidade quase doentia. Quem, aos 14 anos, não se identifica com esse perfil, levante a mão. Para completar uma possível explicação do sucesso do romance, Salinger cria uma voz literária e inaugura um modo de expressão que usa gírias e palavreado pouco literário. Dá à luz um estilo.

Para alguns especialistas, como Louis Menard, Salinger vai ainda mais longe: cria um novo gênero. Dessa forma, cada geração terá, a partir dos anos 1950, uma nova tentativa de rever o mesmo personagem no seu próprio contexto. Fariam parte do gênero O apanhador..., por exemplo, romances como A redoma de vidro, de Silvia Plath (1963); Medo e delírio em Las Vegas, de Hunther Thompson (1971); Brilho da noite, cidade grande, de Jay McInerney (1984); e Uma comovente obra de espantoso talento, de Dave Eggers (2000), para ficar apenas nos EUA. Sem falar em filmes como Os incompreendidos e Juventude transviada.

No entanto, parece faltar uma explicação mais humana para o sucesso dessa “lengalenga tipo David Copperfiled”. Por que será, por exemplo, que os pais dão o livro de presente para os filhos adolescentes? Certamente, não é para que eles fujam de casa, se embebedem e procurem prostitutas. Parece haver uma dialética entre inocência e amadurecimento que perpassa a trama de Salinger. Holden, no fim das contas, não gosta do que vê à volta e acaba sofrendo um colapso, mas percebe que tem sentimentos bons dos quais não quer abrir mão.

Talvez essa seja uma definição um pouco constrangida do processo educacional: queremos que nossos filhos sejam autênticos e tenham condições de desafiar o mundo e combater o que não concordam. Mas ao mesmo tempo torcemos para que sejam dotados de bom senso para entender os limites da revolta. Holden Caulfield parece lembrar a cada pai o jovem que um dia ele foi e que, por interposta pessoa, quer mostrar a seus filhos: “Olhe como eu era legal!”. E, quem sabe, esperem do filho um reconhecimento por suas capitulações: “Você até que não é tão ruim assim!”.

A crítica literária nunca se acertou com O apanhador no campo de centeio. Entre escritores, há desde entusiastas como Faulkner e Hemingway, a detratores como Mary McCarthy. Uns conseguem perceber a tragédia que boia em meio ao vocabulário vulgar e à personalidade doentia do personagem central; outros atacam a fuga de temas fundamentais, sobretudo o sexo, que faz da obra de Salinger, muito mais que um livro sobre adolescentes, um romance em si adolescente.

Do romance para os contos, Salinger avança tanto em termos humanos como literários. A família Glass é sua grande criação. Alguns contos estão entre os melhores escritos no século 20, como ‘‘Para Esmé, com amor e sordidez’’, ‘‘Franny’’ e ‘‘Um dia ideal para os peixes-banana’’, uma obra-prima absoluta. Além dos contos, os Glass, com Seymour à frente, protagonizaram algumas novelas, como Pra cima com a vida moçada, Seymour uma introdução e Zooey. São livros ambiciosos em termos filosóficos e estéticos, com sofisticada estrutura literária. Se há um pecado neles é a proximidade da perfeição, que por vezes soa como exibicionismo.

Todos os filhos de Les e Bessie Glass, casal de atores de vaudeville, são geniais, participaram do programa radiofônico Crianças sabidas e alimentam ambições metafísicas diversas. Um se torna padre, outro ator, há o que morre na guerra, o professor de escrita literária (Buddy, alter ego de Salinger), a dona de casa e a moça em crise espiritual. Todos sideram em torno de Seymour, gênio e santo, que é apresentado no primeiro conto sobre a família Glass, no qual suicida em frente da esposa, depois de brincar com uma menina na praia.

A obra madura de Salinger, relida, está mais nos contos e novelas que no romance. No entanto, em matéria de leveza, talvez ele nunca tenha superado O apanhador no campo de centeio e seus livros posteriores se perdem por vezes na prolixidade. Há um movimento, contudo, que parece dar unidade ao projeto do autor: do retrato do jovem sensível até o rompimento com o mundo materialista, com a corajosa afirmação de novos valores. O desajuste não era um problema, como parece no primeiro momento, mas uma escolha livre.

Nesse meio do caminho entre a inocência e a reinvenção do destino humano, Salinger levou a própria vida com todas as suas provações e prazeres. Embora ele tenha feito de tudo para ser Seymour Glass, com seu invejável patrimônio de sabedoria e independência – até mesmo no gesto final – tudo conspirou para que ele continuasse com Holden Caufield na alma. Sua obra é expressão desse “fracasso”.

TeVê

TV paga


Estado de Minas: 18/01/2014



 (Weinstein Company/Divulgação )

Sessão pipoca


O longa O último desafio tem como maior atrativo Arnold Schwarzenegger à frente de um elenco que conta ainda com o brasileiro Rodrigo Santoro. É a aposta de hoje do Telecine Premium, mas deve perder em audiência para Django livre (foto), da HBO. É que este faroeste dirigido por Quentin Tarantino reúne um time de astros ainda mais brilhante, com Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington e Samuel L. Jackson, entre tantos outros. Os dois filmes vão ao ar simultaneamente às 22h.

Futura continua com  a mostra de Fassbinder


Outro destaque da programação hoje é a mostra de filmes de R.W. Fassbinder, às 22h, no canal Futura, com a exibição de Lili Marlene, estrelado por Hanna Schygulla, Giancarlo Giannini e Mel Ferrer. Já o Megapix preparou uma programação especial dedicada a alguns dos piores assassinos do cinema, emendando os longas Distúrbio (16h25), A morte convida para dançar (18h15), Dia dos namorados macabro (20h), Pânico 4 (22h) e Pacto secreto (0h10). No TCM, o ciclo Simpatia pelo diabo trem sequência hoje com O advogado do diabo, às 22h.

Ação, drama e humor  no pacotão de cinema


Na mesma faixa das 22h,
o assinante tem mais oito boas opções: Narradores de Javé, no Canal Brasil; O livro de Eli, no Universal Channel; Millennium – Os homens que não amavam as mulheres, na HBO HD; Meia-noite em Paris, na HBO Signature; A mulher de preto, na HBO 2; Oslo, 31 de agosto, no Max; Totalmente apaixonados, no Telecine Touch; e Os brutos também amam, no Telecine Cult. Outras atrações da programação: Corpos celestes, às 21h, no AXN; A ilha, igualmente às 21h, no Cinemax; e À vista de todos, às 22h10, no Max Prime.

Documentários vão  do inferno ao paraíso


Estreia hoje, às 16h50, no Nat Geo, a produção nacional Parques SP, série que vai levar o assinante a um passeio pelos 10 mais importantes parques estaduais de São Paulo: Cantareira, Campos do Jordão, Ilhabela, Ilha Anchieta, Ilha do Cardoso, Carlos Botelho, Intervales, Petar, Serra do Mar e Morro do Diabo. No canal +Globosat, às 20h, estreia O melhor barman do mundo, gravado em points badalados de Nice, St. Tropez, Ibiza e Barcelona. No SescTV, às 22h, é a vez de Ela sonhou que eu morri, documentário inédito que retrata a vida de estrangeiros presos nas cadeias brasileiras. No THC, chega ao fim a maratona de Humanidade: a história de todos nós, às 22h.

Maestro Karajan conduz a Filarmônica de Viena

O maestro Herbert von Karajan rege a Filarmônica de Viena em apresentação gravada no Musikverein, uma das três mais importantes salas de concerto do mundo, às 22h, no Arte 1. Na Cultura, as atrações musicais passam pelos programas Mosaicos (16h) e Manos e minas (17h) até chegar ao Cultura livre, hoje com o rapper Emicida, o grupo Passo Torto e a cantora Karina Zeviani, às 18h; e a um concerto da Filarmônica de Câmara Alemã de Bremen, na série Clássicos, às 21h30.


CARAS & BOCAS » Caiu na rede

Nadja Haddad apresenta o primeiro produto do SBT veiculado em multiplataforma  (Leonardo Franco/SBT)
Nadja Haddad apresenta o primeiro produto do SBT veiculado em multiplataforma

O SBT estreia segunda-feira o programa SBTWeb. Apresentado pela jornalista Nadja Haddad, a atração traz para o universo digital todas as curiosidades dos bastidores da emissora. Entre muitas curiosidades, vai mostrar quem faz a programação acontecer, interações entre seus profissionais, o look dos famosos e eventos como o Verão Jequitimar, o SBT folia e o Teleton. A princípio, o SBTWeb exibirá um vídeo por semana no canal do SBT no YouTube e no site do SBT (www.sbt.com.br/sbtweb). “Temos muita história pra contar, de gente cheia de talento, que nem sempre é possível ir para o ar”, avisa Nadja Haddad.

Vai dar praia no Guarujá  e o Jota Quest estará lá


Ainda falando do SBT, será hoje o show da banda mineira Jota Quest no Verão Jequitimar, na Arena de Shows do Sofitel Jequitimar Guarujá, na Praia de Pernambuco, no Guarujá.

Cissa Guimarães à frente  da série ‘Mães coragem’

A Globo informou que ainda neste semestre deverá estrear uma série que Cissa Guimarães está preparando para o Fantástico. “Mães coragem” vai reunir histórias de mulheres que passaram por momentos emocionantes ao lado de seus filhos. Entre as entrevistadas está a mãe do ministro Joaquim Barbosa.
 
Regina Casé volta com  seu Central da periferia


O canal Viva (TV paga) estreia hoje a série Central da periferia, comandada por Regina Casé e exibida originalmente em 2006, na Globo. A atração foi gravada em diferentes regiões do país para mostrar a vida dos subúrbios brasileiros. Em 2007, recebeu o Prêmio de Melhor Programa da Televisão Brasileira pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). No ar às 14h45.

Você se lembra da primeira  Helena de Regina Duarte?


Por falar no Viva, em março o canal trará de volta a novela História de amor, de Manoel Carlos, com Regina Duarte e José Mayer nos papéis principais. Aliás, foi aqui que Regina Duarte fez pela primeira vez o papel da heroína Helena, personagem que permeia a obra do autor desde a década de 1980 e que já foi vivida por diferentes atrizes.

History faz suas contas e diz quanto vale o planeta


O The History Channel reservou para hoje, às 16h45, o especial Quanto vale a Terra?, que faz um inventário da riqueza do planeta. O astrofísico britânico Greg Laughlin calculou em US$ 4,9 trilhões, levando em consideração idade, tamanho, temperatura, massa e outras estatísticas vitais. Segundo essa lógica, Marte custaria apenas US$ 16,4 mil, enquanto Vênus não passaria dos 2 centavos de dólar. Mas depois de muitas contas, a conclusão é que o bem mais valioso da Terra é a imaginação humana e a habilidade de criar novas formas de pensar e viver.

Ziraldo

Mineiro de Caratinga, Ziraldo é o entrevistado de hoje de Impressões do Brasil, às 20h30, na TV Brasil (canal 65 UHF). O programa traça um perfil do múltiplo Ziraldo Alves Pinto, pintor, dramaturgo, humorista, jornalista, chargista, cartunista, caricaturista, escritor e artista gráfico, que há mais de 50 anos vem conquistando uma legião de fãs de todas as idades com personagens como o Menino Maluquinho e a Turma do Pererê. Amanhã, às 12h, com transmissão simultânea pela TV Brasil e Rede Minas, o ABZ do Ziraldo vai receber o ilustrador Mateus Rios e as atrizes Lucianna Martins, Beta Brisa e Jéssica Máximo cantando músicas de Vinícius de Moraes.

VIVA
A retrospectiva do Alto-falante destaca hoje entrevistas com Frejat, do Barão Vermelho, e Nasi e os melhores sons que rolaram no ano passado. Às 17h, na Rede Minas.

VAIA
A TV paga oferece inúmeras opções para o assinante, mas tem hora que o melhor é desligar o aparelho para evitar bobagens como Os reis dos patos, do canal A&E.

Itiberê Zwarg lança CD que segue as ideias estéticas e filosóficas de Hermeto Pascoal

Todo mundo junto 
 
Itiberê Zwarg lança CD que segue as ideias estéticas e filosóficas de Hermeto Pascoal. Trabalho é feito a partir de oficinas com músicos em diferentes estágios de formação 
 
Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 18/01/2014


Itiberê Zwarg defende que a música precisa ser sempre lúdica:
Itiberê Zwarg defende que a música precisa ser sempre lúdica: "Ela é nosso trabalho e nosso playground"
 Os discos do instrumentista e compositor paulistano Itiberê Zwarg costumam ser das melhores oportunidades para ouvir a mais inclassificável música instrumental brasileira. Acessível, ainda que caracterizada por certa complexidade, e sempre imprevisível. No álbum Oficinas da música universal – Que nem o mundo (Delira Música), que acaba de lançar, o espírito é o mesmo. É o segundo trabalho realizado por meio de processo de composição, no mínimo, diferente.

“Essas composições são a cara de quem participa das oficinas, pois componho para o músico que toca o instrumento e não para o instrumento. Dessa forma, sempre priorizando o senso coletivo, componho de forma mais densa para os mais capacitados e de forma inversa para quem ainda não pode muito. Quem pode mais pega responsabilidades maiores e aprende a respeitar os processos dos iniciantes. E por meio dessa convivência os iniciantes aprendem a respeitar quem estão ouvindo ao vivo”, explica Zwarg.

O trabalho, iniciado há dois anos, é feito música por música, trecho por trecho. Os músicos participantes (cerca de 20) presenciam cada etapa do processo em encontros semanais na Escola Maracatu Brasil, no Rio de Janeiro. Além de escrever para vários instrumentos, o artista também compõe sem nenhum deles nas mãos. “Nesse caso, só utilizo a imaginação, que é uma das formas de compor em que você não se prende ao que sabe do instrumento que toca”, explica.

Como enquadrar A mulher do padre, faixa que abre o novo disco, num estilo musical tradicional, com tantas progressões e apitos e dando um tremendo trabalho ao baterista? O mesmo vale para Vinheta, cuja parte percussiva inicialmente remete ao Nordeste, impressão desfeita segundos depois pela melodia e harmonias que, tão logo a gente se acostuma a elas, terminam bruscamente num samba com um solo de vocalise pra lá de diferente. E essas são apenas as primeiras duas músicas.

“Minha música é universal e me enquadro onde a possibilidade de se conviver musicalmente sem preconceitos seja real. Os estilos comerciais de qualidade duvidosa não entram no meu mundo”, afirma Zwarg. Para ele, o título é um convite à livre apreciação da música: “O mundo é rico, tem estilos variados e nós não temos preconceito com culturas diversas. Apenas nos faltam a coragem e o desprendimento para tomar posse e largar as vaidades regionais”, afirma.

FILHOS MUSICAIS
A origem do projeto de viés plural está na música do multi-instrumentista alagoano Hermeto Pascoal, com quem Itiberê toca há 37 anos. “Ele é o pai da ‘música universal’ e hoje ele mesmo diz que o grupo dele é a nave-mãe e seus filhos musicais se desprendem para incursões de missão, como parte da disseminação desse trabalho”, conta. As oficinas de Zwarg foram iniciadas em 1999 e, atualmente, são levadas para outros estados. Seu projeto de vida, revela, é levar essa música e sua filosofia para o mundo inteiro.

“São muitas as qualidades que vivenciamos nas oficinas, mas entre elas ponho em destaque a de escutar para fazer links auditivos e não visuais, como é mais comum de se encontrar por aí. As escolas, na sua maioria, ensinam como primeiro passo na música a leitura e a compreensão da parte a ser tocada. Digo que a música tem que ser lúdica até para os adultos, pois será o nosso playground para o resto da vida. Música é devoção e não obrigação. A música é um trabalho, mas não é como outro qualquer e, como todas as artes, tem propostas diversas das dos outros tipos de trabalho”, completa.

Dieta normal para tratar pancreatite aguda‏

Dieta normal para tratar pancreatite aguda Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, publicada no American Journal of Gastroenterology, propõe nova abordagem na alimentação de pacientes com a doença e é considerada inovadora 
 
Francelle Marzano
Estado de Minas: 18/01/2014


O Núcleo de Pesquisa em Gastroenterologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) desenvolveu uma pesquisa que está sendo considerada referência mundial no tratamento da pancreatite aguda leve (PAL). O estudo pode acelerar a cura da doença e reduzir em um ou dois dias o tempo de internação dos pacientes. Publicado pelo Colégio Americano de Gastroenterologia por meio de um dos principais jornais da área médica no mundo, o American Journal of Gastroenterology, já é considerado referência por propor uma nova abordagem na dieta de pacientes recém-internados com a doença. O trabalho foi desenvolvido na Faculdade de Medicina da UFJF e liderado pelo diretor da instituição, o médico gastroenterologista Julio Chebli.

A pesquisa foi desenvolvida em quatro anos, sendo os dois primeiros usados para a coleta de dados e o restante para análises e tabulação, reunindo sete pesquisadores da UFJF, entre professores, alunos de pós-graduação e iniciação científica. Ao todo, foram estudados 210 casos de pacientes selecionados aleatoriamente ao se internar no Hospital Universitário (HU) com os sintomas de PAL, número considerado suficiente para reproduzir um resultado confiável. Eles chegavam até a unidade pela emergência e relatavam fortes dores abdominais e vômito, foram internados e acompanhados até receber alta.

A pesquisa foi publicada em 2010 e reconhecida pelo Colégio Americano de Gastroenterologia no fim de 2013. Coordenador do estudo, Julio Chebli explica que começou a estudar os casos depois de reparar que alguns pacientes que estavam internados no HU com dieta restrita ingeriam comidas com teor de gordura trazidas por familiares e não tinham o quadro agravado. "Cada paciente era avaliado em um período diferente ao longo dos quatro anos de pesquisa. À medida que ele recebia alta, a participação dele na pesquisa também era encerrada", afirma Chebli.

Depois de diagnosticada a PAL, a indicação era para internação imediata para tratamento e reabilitação, quando o paciente é submetido a jejum completo, hidratação venosa e analgesia. O processo era mantido dessa forma até que a dor cessasse e o apetite voltasse ao normal, o que ocorria em um período entre três a cinco dias. Esse era o processo tradicionalmente utilizado pelos hospitais, que havia sido definido com base no funcionamento fisiológico, já que a gordura é vista como a principal responsável por estimular a secreção pancreática, causando entre os médicos especialistas receio sobre a dieta contendo gorduras.

No entanto, análises feitas pelos pesquisadores constataram que o pâncreas no estado de pancreatite aguda já tem inibido o processo de secreção, o que não faria diferença sobre a dieta a qual o paciente seria submetido. "Foi uma observação clínica. Notamos que eles transgrediam a dieta sem nenhuma alteração, o que se tornou a base do estudo", acrescenta o pesquisador.


Realimentação com gordura O trabalho analisou a segurança e a extensão de hospitalização em pacientes realimentados com uma dieta sólida completa com refeição normal iniciada após a PAL, quando comparada a outras dietas mais restritivas, sem componentes de gordura. Os pacientes foram divididos em três grupos e para um terço deles foi prescrita a alimentação usada tradicionalmente nos casos de pancreatite: primeiro líquida, depois pastosa e, por último, a alimentação normal com gordura. Para a segunda parte do grupo foi introduzida primeiro a dieta pastosa e, em seguida, a alimentação normal com gordura.

A credibilidade da pesquisa, no entanto, dependia de alguns fatores fundamentais, como que o estudo fosse duplo-cego, quando nem os pacientes envolvidos nem os médicos responsáveis pela medicação e pela alta hospitalar soubessem dos trâmites. Ou seja, nenhuma das partes sabia qual das três dietas estava sendo administrada. "Eles sabiam que estavam participando de um estudo, mas não sabiam qual método estava sendo seguido. Somente quando o paciente recebia alta é que ele tinha conhecimento", explica Chebli.

"O resultado revelou que realmente não houve diferença nos índices de recorrência de dores abdominais durante a realimentação dos pacientes entre os três grupos", explica. Os pacientes que receberam dieta normal desde o início da realimentação ingeriram mais calorias e teor de gorduras nos dois primeiros dias. No entanto, nenhum deles apresentou piora do quadro ou recorrência de dores abdominais que fossem diferentes de outros grupos.

Estudo indica economia para sistema de saúde

Para a gastroenterologista e membro da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG), Maria do Carmo Friche Passos, o resultado apresentado no estudo desenvolvido na Federal de Juiz de Fora propõe uma mudança radical no tratamento da pancreatite aguda leve e, apesar de ser uma pesquisa nova, ser citada no American Journal of Gastroenterology como referência no tratamento é um grande avanço. "São mudanças recentes que vão trazer uma transformação para o diagnóstico da doença. A consequência que o estudo trás é de uma boa economia para o sistema de saúde e para o paciente, que tem diagnóstico mais rápido", afirma.

Maria do Carmo acredita que a novidade ainda demande mais estudos, uma vez que apenas os casos de PAL foram estudados. Ela afirma que existem vários estágios da doença que talvez poderiam se encaixar no mesmo diagnóstico. "Não fazer o jejum e introduzir uma dieta com gorduras já é um grande avanço, mas talvez o mesmo diagnóstico não pode ser aplicado em casos em que a doença já esteja em um grau mais avançado. Precisamos de mais estudo na área para complementar a pesquisa", diz.

todos saem ganhando O estudo também foi publicado no Journal of Clinical Gastroenterology, referência para área médica, que destacou a redução do período de internação do paciente com pacreatite aguda leve, sem o aumento na recorrência de dores abdominais. A publicação ressalta como método seguro a antecipação da prática da dieta normal, incluindo os itens com conteúdo de gorduras. O cooordenador da pesquisa Julio Chebli ressalta que o resultado mais importante do trabalho é que a extensão da hospitalização do terceiro grupo foi significativamente menor, implicando em vantagem para o paciente e também para o hospital. "É um impacto grande para o sistema de saúde, tanto o público quanto o privado. Diminui o custo global e disponibiliza mais leitos", pontua.

Com os resultados positivos, o procedimento já vem sendo adotado no Hospital Universitário de Juiz de Fora, representando uma disponibilidade média de 80 dias de leitos anuais. Um impacto significativo, indicando que o estudo pode contribuir expressivamente para a gestão hospitalar. "O estudo foi publicado na revista que é considerada o guia dos médicos e já vem sendo aplicado em todo o mundo, inclusive nos Estado Unidos", afirma Maria do Carmo Friche.

Membros do grupo de estudo afirmam que, embora o estudo já esteja reconhecido e normatizado, a aplicação dele em hospitais do Brasil demanda tempo. "A cura da doença com uma dieta leve é vista por nós como uma crença e desmistificar isso é um processo difícil. Acredito que aos poucos isso vai se tornando padrão", reflete Chebli.

Pesquisadores destacam que a nova metodologia pode trazer soluções viáveis para a gestão, com opções eficientes, testadas e comprovadas no hospital universitário. O conjunto entre a pesquisa e planejamento econômico pode ser uma saída eficiente para o desenvolvimento e viabilidade das políticas públicas de atendimento à saúde. "A pesquisa apresenta soluções eficientes, com reduções no tempo de internação, com uma economia global nos custos dos hospitais e leitos disponíveis para tratamento de outras doenças que podem ser consideradas mais graves", ressalta Maria do Carmo.  

Tragédia no Maranhão - Nivaldo Cordeiro

Tragédia no Maranhão 
 
O histórico condena também os estados mais ricos do país 
 
Nivaldo Cordeiro
Economista e especialista do Instituto Millenium

Estado de Minas: 18/01/2014


Estamos estarrecidos com as barbaridades nas prisões do Maranhão: mais de 60 mortos. Não é o caso de  estigmatizar aquele estado por causa dos acontecimentos, mesmo porque o histórico condena também os estados mais ricos. A memória da matança no Carandiru, em São Paulo, ainda está viva, pelos números e pela brutalidade. Lembro-me ainda das imagens de Fernandinho Beira-Mar nos telhados do prédio que lhe servia de prisão, no Rio de Janeiro, matando seus companheiros de infortúnio. Fato é que não podemos atirar pedras.

Resta-nos analisar os fatos que determinaram a barbárie maranhense. Sob todos os ângulos, pode-se dizer que a grande responsável é a governadora Roseana Sarney. Seja porque não investiu o necessário para equipar o sistema prisional, seja porque se tem demonstrado má administradora, cercada apenas de acólitos leais. O secretário de Segurança foi segurança pessoal de José Sarney e esse terá sido talvez o principal ponto para sua escolha para o cargo.

A cada ano a Justiça fica mais eficiente, mandando mais gente cumprir penas no sistema prisional. A população encarcerada nunca foi tão numerosa e o déficit de vagas nas prisões, tão grande. A situação só não é pior porque, nos últimos anos, a Justiça tem aplicado penas alternativas à prisão pela prática de crimes mais leves. O que se viu no Maranhão e se vê em toda parte é que se faz letra morta do ordenamento jurídico. O artigo 5° da Constituição de 1988 reza, em seu inciso XLIX: “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. A declaração está muito longe dos fatos. Uma pessoa presa dificilmente se livra do estigma “apenado” e pode estar condenada ao crime porque não há mercado de trabalho para quem esteve preso.

Impressiona a opinião ligeira, que aprova as barbaridades verificadas, porque se trata de criminosos apenados. Não passa de uma variação da Lei de Linch. A impiedade da observação é compatível com a sua injustiça: os presos não cometeram crimes iguais e há que haver a proporcionalidade entre crimes e penas. Regozijar-se com a morte de presos revela uma cegueira moral sem limites. No Brasil não há pena de morte oficial. Essa ânsia pela Lei de Linch é um dos aspectos mais brutais e primitivos da mentalidade coletiva no país. Pessoas presas são as mais fragilizadas, tendo suas famílias comprometidas, seu futuro incerto e o peso avassalador do Estado sobre a sua existência, esmagando-as. E mais todas as taras humanas contra si, que parecem ser mais frequentes naqueles engajados nas tarefas de polícia judiciária. Torturas e surras são tristemente frequentes nas prisões.

A determinação do artigo 5º da Constituição é letra morta porque essa gente não dá voto, pois nem voto tem. Ela é esmagada pela incúria e irresponsabilidade dos governantes. Tenho o espírito de dom Quixote, que liberta os galeotes. Mas reconheço a necessidade de um sistema prisional, condição mínima para que haja convivência social. Repudio fortemente a maneira como o Brasil trata sua clientela prisioneira. Uma única palavra pode descrever: horror! O Maranhão representa muito bem o universo de nosso país. Infelizmente.

Novo Canal do Panamá em crise - Vitor Gomes Pinto

Novo Canal do Panamá em crise 
 
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional

Estado de Minas: 18/01/2014


A primeira vez em que visitei o Canal do Panamá para apreciar o espetáculo das eclusas fazendo subir e descer os enormes barcos que trafegavam entre o Atlântico e o Pacífico, a administração ainda era norte-americana e o restaurante, que recebia em primeira mão insumos de todos os recantos do mundo, oferecia jantares inesquecíveis. O país abandonou a Gran Colombia e ganhou independência em 1903, quando iniciou a construção do canal de 81 quilômetros de extensão que só foi transferido para a administração nacional em 1999 no governo de Mireya Moscoso. No século 19 o projeto francês comandado por Ferdinand de Lesseps (que construíra o Canal de Suez) fracassou após 22 mil óbitos causados pela febre amarela, malária e outras doenças tropicais. Como recorda o mais conceituado especialista brasileiro em saúde e segurança do trabalho, professor René Mendes (prestou assessoria inicial às obras do novo Canal), foi graças a William Gorgas – logo viria a presidir a Academia Americana de Medicina –  que na inauguração do Canal em 1914 o “pior foco de pestilências do mundo” se havia transformado em uma região extremamente saudável.

Pouco menos de 100 anos mais tarde o fluxo do comércio internacional por essa via chegou ao ponto de saturação e a licitação para abertura de um novo canal, paralelo ao original, foi ganha pelo consórcio liderado pela empresa espanhola Sacys Villahermosa com um lance de US$ 3,12 bilhões, inferior até mesmo à cotação mínima do edital, que era de US$ 3,48 bilhões, e superando em US$ 1 bilhão as propostas dos concorrentes, entre os quais o Consórcio FBC, constituído por empresas brasileiras, francesas e chinesas. À época o primeiro ministro espanhol José Zapatero interferiu, forçando a concessão para a Sacys, que agora, ao iniciar as escavações para a gigantesca terceira eclusa (orçada em US$ 3,2 bi), ameaça paralisar toda a obra a partir do final deste mês, caso não receba mais US$ 1,6 bi, sob a alegação de falhas geológicas e despesas extraordinárias. Como um aumento de 50% nos custos não tem outra justificativa que não a imprevidência ou esperteza dos construtores, fizeram-se tentativas infrutíferas de subcontratar um pool de empreiteiras menores, afora as ameaças de submeter o caso à Corte Internacional. No momento, o cenário é de desespero e não só no Panamá. As novas eclusas, permitindo a passagem de navios post-Panamax com até 13 mil TEU (unidade equivalente a 20 pés que é o comprimento médio de um contêiner) contra as atuais 5 mil, são uma revolução no mercado marítimo do lado do Atlântico e os portos que pretendem ser terminais concentradores de carga estão trabalhando a pleno vapor. É o caso da dragagem da baía de Miami para aprofundá-la e das reformas nos portos americanos de Norfolk, Nova York, Baltimore, Charleston, Jacksonville, Savannah. O mesmo se faz na Colômbia, Bahamas, Costa Rica, Jamaica, El Salvador, República Dominicana e até em Cuba. A interrupção das obras pela Sacys seria um desastre econômico impressionante.

 O Brasil também poderá ser grandemente beneficiado, caso faça o dever de casa, ou seja, habilite rotas de transporte e locais de transbordo conectando a Região Norte ao novo canal panamenho. Há que reformar os portos de Itaqui no Maranhão (o Ibama concedeu em novembro a licença), Pecém no Ceará, Suape em Pernambuco e Vila do Conde no Pará, ademais de tornar operacionais as ferrovias Norte-Sul, que chegou só a Palmas, e Transoceânica e a BR-163 (3.467 km ligando Tenente Portela/ RS a Santarém/PA, dos quais 1 mil quilômetros ainda em terra batida). Os atrasos e a precariedade geral tiram competitividade do Brasil, ao menos no médio prazo. Ultimamente, as únicas notícias que por aqui circularam a respeito do Panamá foram as referentes à empresa fantasma de consultoria do ex-ministro José Dirceu.

 Por fora corre o megaprojeto do canal três vezes maior da Nicarágua (286 km de extensão ao custo de US$ 40 bilhões – quatro vezes o PIB nicaraguense), já aprovado pelo Congresso Nacional. Correram mundo as imagens do presidente sandinista Daniel Ortega sorridente apertando a mão do bilionário e magnata das comunicações chinês Wang Jing ao assinarem o termo de previsão de início das escavações para dezembro. O contrato prevê a concessão da exploração à empresa de Jing, a HKND, com sede em Hong Kong, por até 100 anos. Embora o governo chinês não esteja diretamente envolvido, é certo que obterá enorme vantagem competitiva, considerando que o país acaba de se tornar o líder mundial em comércio exterior e que já é, ao lado dos Estados Unidos, o principal cliente do Canal do Panamá.2

Caciques apostam em herança política - Grasielle Castro e Denise Rothenburg

Políticos tradicionais preparam herdeiros para se candidatarem Jader Barbalho e Renan Calheiros preparam os filhos para serem candidatos ao governo estadual. No Maranhão, Roseana tentará o Senado


Grasielle Castro - Denise Rothenburg
Estado de Minas: 18/01/2014



Renan Filho, deputado federal em primeiro mandato, não descarta concorrer ao governo de Alagoas, mas ressalta que ainda não há definição (Carlos Moura/CB/D.A Press - 6/3/12)
Renan Filho, deputado federal em primeiro mandato, não descarta concorrer ao governo de Alagoas, mas ressalta que ainda não há definição


Políticos tradicionais envolvidos em escândalos recentes trabalham para lançar os filhos na corrida eleitoral de olho na manutenção da hegemonia no controle dos palácios estaduais. Depois de passarem por um purgatório político, Jader Barbalho (PMDB-PA) e Renan Calheiros (PMDB-AL) têm preferido continuar no Legislativo — escaldados com uma possível rejeição eleitoral e os possíveis ataques devido ao histórico político. A decisão da dupla é “investir” nos herdeiros, com imagem menos desgastada, Helder Barbalho e Renan Filho. Ambos devem ser candidatos aos governos do Pará e de Alagoas, em outubro. Na dinastia Sarney, a aposta para manter a influência política da família será a eleição de Roseana Sarney (PMDB-MA) para o Senado.

O sinal verde para a largada eleitoral de Helder Barbalho (PMDB), ex-prefeito de Ananindeua, foi dado no fim do ano passado. Desde então, o filho de Jader Barbalho corre atrás de um apoio que ultrapasse o sobrenome. O candidato, entretanto, tem a missão de superar a série de derrotas que a família vem sofrendo. Embora tenha sido reeleito prefeito, Helder não conseguiu emplacar o sucessor. O pai, que foi governador, deputado e, agora, está no Senado, viu seu apadrinhado, o candidato à prefeitura de Belém deputado federal José Priante empacar no segundo turno. Recentemente, Helder, na condição de presidente da Federação das Associações de Municípios do Pará (Famep), esteve em Brasília para pedir ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, atenção ao estado. O pedido, se atendido, pode se tornar uma carta na manga para as eleições. Procurado pela reportagem, Jader Barbalho não quis comentar.

O parlamentar, assim como o presidente do Senado, Renan Calheiros, estão com a cadeira garantida até janeiro 2019. Sem a obrigação de enfrentar as urnas, Renan articula para emplacar o filho no governo do estado. O deputado Renan Filho (PMDB-AL) não descarta entrar na jogada, mas ressalta que ainda não há definição. “A eleição ainda está muito longe. A prioridade é do senador. Eu poderia ser candidato, caso ele não fosse. O partido ainda está discutindo e vai avaliar a melhor conjuntura”, explica. O deputado, entretanto, destaca que Renan é uma figura diferenciada. “Ele é um personagem nacional, a circunstância dele é diferente, mas é uma escolha que cabe a ele”, minimiza.

No fim do mês passado, o senador protagonizou outro escândalo. Foi flagrado em um hospital em Recife para fazer um procedimento estético. O problema é que ele usou um avião da Força Aérea Brasileira para se deslocar entre Brasília e Recife para realizar cirurgia de implante capilar. Duas semanas após o tratamento, Renan teve que devolver R$ 27.390,25 aos cofres públicos pelo voo. A promessa do PMDB é bater o martelo sobre a decisão de quem deve concorrer ao governo do estado em março.

A aproximação do fim do mandato do senador José Sarney (PMDB-AP) é o principal combustível para a candidatura da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, ao Senado. Apesar de estar no centro de uma crise política no estado, devido a situação do sistema penitenciário do estado (leia mais na página 7), a principal herdeira da carreira dos Sarneys não deve desistir da política. Aliado de Roseana, o deputado Francisco Escórcio (PMDB-MA) não condena a decisão da governadora. “Essa não é uma regra. Tem muito filho de político que não gosta de seguir o mesmo caminho, já outros veem como uma possibilidade", afirma. O deputado, entretanto, enfatiza que essa é uma questão pessoal.

O professor da Universidade de Brasília (UnB) João Paulo Peixoto ressalta que a hereditariedade de transferência de votos é uma das principais características do sistema político brasileiro. Segundo ele, o país convive com esses artifícios há várias décadas. “Embora tenha havido tentativas para quebrar esse ciclo, a estrutura oligárquica continua muito forte”, alerta. Na avaliação do professor, um dos pilares de sustentação da transferência de votos é a estrutura dos partidos políticos. A semelhança com outros setores da sociedade, como a economia e a desigualdade social, faz com que a organização do poder se mantenha. “Os grupos econômicos dominantes também não mudam muito. Esse panorama é generalizado. A mesma coisa acontece com a suplência de senadores, que colocam os filhos, mulheres. Isso atenua o desgaste e ele ainda emplaca a parentada”, pontua.

QUEM É QUEM

Renan Filho (PMDB-AL), 34 anos
Deputado federal mais votado de Alagoas no último pleito, Renan Filho entrou para a política como uma sombra do pai. Mais velho da prole do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da artista plástica Maria Verônica, Renanzinho, como é conhecido, começou a trabalhar e a acompanhar o trabalho do pai em 2003. Só em 2005, entretanto, ingressou de fato no ramo, ao se eleger prefeito de Murici. Em 2008, acabou reeleito e, em 2012, entrou para a Câmara dos Deputados. Ele é acusado de envolvimento em um esquema de compra de emissoras de rádio.

Helder Barbalho (PMDB-PA), 34 anos
Filho do senador peemedebista Jader Barbalho e da deputada federal Elcione Therezinha Zahluth, Helder seguiu os passos dos pais logo cedo. Com 18 anos se filiou ao PMDB e entrou para a militância do movimento estudantil do partido. No ano seguinte, se formou em administração e aos 21 anos concorreu ao primeiro cargo eletivo. A herança política o fez o vereador mais votado do município de Ananindeua. Antes de concluir o mandato de vereador, elegeu-se deputado estadual. Em 2005, com 25 anos, assumiu a Prefeitura de Ananindeua. Ao fim do mandato, acabou reeleito.

Roseana Sarney (PMDB-MA), 60 anos
Herdeira política do ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP), Roseana conseguiu traçar uma carreira política calçada no peso do sobrenome. A trajetória da atual governadora do Maranhão começou em 1990, quando concorreu à Câmara dos Deputados e se elegeu pelo antigo PFL. No pleito seguinte, foi eleita governadora. Reelegeu-se em 1998. Em meio a escândalos, ela renunciou para concorrer à Presidência, depois teve uma curta passagem pelo Senado e acabou eleita novamente governadora do Maranhão. Embora esteja no centro de uma crise no estado, a governadora é a única do clã, que inclui o deputado federal Sarney Filho e o empresário Fernando Sarney, que conseguiu se descolar da imagem do pai.