Psiquiatra israelense descreve casos de três mulheres que passaram a desenvolver alucinações relacionadas a conversas que mantinham via chats e redes sociais. Para médico, comunicação on-line favoreceu o surgimento de um novo tipo de distúrbio mental
Paloma Oliveto
Estado de Minas: 07/12/2012
Aos 45 anos, F.* entrou em desespero quando começou a receber mensagens cifradas. O problema se agravou a partir do momento em que foi ameaçada por pessoas que a espionavam e a perseguiam dia e noite. “Elas pareciam conhecer detalhes da minha vida que eu nunca havia revelado a ninguém”, relatou. Então, ela procurou ajuda especializada. Não em uma delegacia de polícia, mas na ala psiquiátrica de um hospital. Sem histórico de distúrbios mentais, perto de chegar à meia-idade, a mulher acabou diagnosticada com crise psicótica aguda. O que teria desencadeado o episódio seriam horas intermináveis no Facebook.
A dependência em internet já é um assunto bem discutido por psicólogos e psiquiatras, que consideram o vício semelhante ao de jogar ou beber. Agora, artigo publicado na revista Israel Journal of Psychiatry and Related Sciences sugere que a rede mundial favoreceu o surgimento de um tipo específico de distúrbio mental, a psicose de internet. O psiquiatra israelense Uri Nitzan encontrou três casos de mulheres previamente saudáveis que tiveram surtos psicóticos depois de começar a frequentar as redes sociais e salas de chat. Ele defende que pessoas sem muita intimidade com computadores e emocionalmente frágeis – F., por exemplo, cuidava de um idoso que morreu dois meses antes do surto – ficam mais suscetíveis a confundir realidade e ambiente virtual, a ponto de desenvolver o grave distúrbio.
“No nosso artigo, descrevemos apenas três casos. É claro que precisamos de estudos mais aprofundados, que incluam um número maior de pacientes. Contudo, delírios desencadeados pela internet já foram bem explorados pela literatura médica”, observa Nitzan. “Além disso, os sintomas apresentados pelas três pacientes encaixam-se perfeitamente no diagnóstico da psicose. Todas elas passavam por momentos difíceis em sua vida, tendo uma característica em comum: estavam tentando se reerguer com o auxílio da comunicação mediada pelo computador (CMC).” Esse termo refere-se a qualquer tipo de relação interpessoal exercida por meio de máquinas conectadas remotamente. Redes sociais, chats e serviços de mensagem instantânea são as mais populares.
O delírio não é uma condição exclusiva dos transtornos psicóticos. O uso de remédios e drogas, além de tumores no cérebro, também podem desencadeá-los. Nos casos descritos por Nitzan, porém, as pacientes não tinham contato com narcóticos nem tinham lesões cerebrais. O psiquiatra também não acredita que os surtos sofridos pelas três possam ser dissociados do uso da internet, daí a defesa de que esse tipo de psicose mereceria uma classificação à parte no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), um guia organizado pela Associação Psiquiátrica Americana e usado por profissisonais de todo o mundo, inclusive do Brasil.
Mensagens cifradas “Nos três casos, elas afirmaram que os episódios psicóticos estavam intimamente relacionados com a internet. Os surtos giravam em torno de mensagens trocadas em sites, de pessoas que elas só conheceram no ambiente virtual e de supostos avisos cifrados que chegavam pelo computador”, diz Nitzan. O psiquiatra conta que tentou encaixar os casos nos transtornos de personalidade borderline, no transtorno delusional erotomaníaco – quando a pessoa acredita, erroneamente, que outra está apaixonada por ela –, na esquizofrenia e no transtorno esquizoafetivo, caracterizado por períodos de depressão e mania.
“Porém, nenhum deles se ajustava. Baseado em nossas experiências profissionais e em consultas que fizemos com outros colegas, nossa impressão é de que a CMC é capaz de gerar um espectro amplo de fenômenos psicopatológicos, que vão de leves experiências dissociativas a um episódio verdadeiramente psicótico”, diz.
Na ausência de uma classificação oficial para a psicose de internet, as três mulheres cujos relatos são descritos no artigo receberam diagnósticos diferentes dos hospitais psiquiátricos. Enquanto o caso de F. foi considerado um episódio psicótico leve, o de M., de 30 anos, foi classificado como esquizofrenia. A única experiência prévia da mulher com distúrbios mentais havia sido 10 anos antes, quando, pressionada pelos exames da universidade, passou a sofrer de ansiedade e teve de tomar um antidepressivo, além de fazer psicoterapia.
Na época em que entrou para o Facebook, M., que também não tinha muita intimidade com a internet e era totalmente leiga em redes sociais, estava separada do marido. Ela adicionou o perfil de um homem casado, que morava no exterior e não a conhecia. Esse usuário, com quem M. passou a trocar mensagens, tinha o hábito de postar videoclipes, e foi aí que os surtos começaram. “Gradualmente, ela começou a atribuir importância às cores, às palavras e às músicas dos clipes, convencida de que mensagens íntimas estavam escondidas por trás dessas ‘pistas’, imaginando que todas eram destinadas a ela”, conta Nitzan.
“Mergulhei em uma relação, comecei a fantasiar sobre o homem e a criar esperanças. Cheguei a um ponto em que minha correspondência com ele ocupava a maior parte do dia”, confessou a mulher. Ela respondia às mensagens achando que eram privadas, mas, como era ignorante em tecnologia, descobriu que qualquer pessoa poderia lê-las. M. começou a desconfiar de que a mulher ou os conhecidos do “namorado virtual” é que mandavam as mensagens, com alguma intenção maléfica. Ela procurava recados dele no rádio, na televisão, em anúncios publicitários e acreditou estar sendo perseguida.
Indícios fortes No caso de R., de 30, as alucinações chegavam a ser físicas. A mulher passou a frequentar redes sociais depois que foi demitida. Queria buscar emprego e novos contatos, mas o que encontrou foi um desconhecido, por quem acreditou estar apaixonada. “A um certo ponto, quando interagia pela internet com o homem, ela sentiu as mãos dele tocando suas costas e sua barriga. Essa alucinação ocorreu diversas vezes, acompanhada de muita ansiedade. Quando foi atendida (no hospital psiquiátrico), não conseguia explicar a impossibilidade de aquilo ocorrer. Seu diagnóstico final foi breve episódio psicótico”, recorda Nitzan.
O psiquiatra Tom Heston, da Universidade de St. Louis, concorda que é preciso considerar a psicose de internet como um distúrbio único, para facilitar o diagnóstico e o tratamento dos pacientes. “A comunicação mediada pelo computador passou por um crescimento explosivo nas últimas duas décadas. Esse meio relativamente novo de interação com os outros tem o efeito único de eliminar dicas sociais que normalmente conseguimos captar quando estamos falando com uma pessoa diretamente. Isso pode criar mal-entendidos, erros de julgamento e, em casos extremos, o desenvolvimento de problemas mentais, como psicose”, diz.
“Embora ainda não tenha sido definida suficientemente bem para ser incluída no DSM, há indícios fortes para considerá-la um novo tipo de transtorno”, defende o médico. A psicose é uma condição mental severa e se for possível preveni-la, então isso precisa ser feito. No caso da psicose de internet, ela parece facilitada por comunicações em chats, redes sociais, e-mails etc.. Portanto, é possível prevenir alguns indivíduos mais suscetíveis por meio de educação, explicando a eles as limitações das relações interpessoais on-line”, acredita.
Para o pesquisador Peter W. Halligan, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Cardiff, as alucinações associadas ao uso da internet precisam ser levadas em conta na avaliação psiquiátrica para uma indicação correta de tratamento. “A terapia cogntiva, por exemplo, pode ser extremamente útil para essas pessoas”, afirma. Em 2005, ele publicou artigo na revista Psycopathology no qual também descrevia episódios psicóticos desencadeados por sites. Em um deles, um homem achou ter descoberto uma rede terrorista e começou a imaginar que seu telefone estava sendo grampeado pelas autoridades, que também teriam instalado câmeras escondidas em sua casa. Assim como no estudo israelense, a falta de intimidade com a tecnologia foi considerada um fator de risco. “Essa é uma linha de pesquisa que merece atenção. Novos estudos poderão colaborar para constatar se, de fato, a psicopatia de internet deve ser considerada um fenômeno diferente dos que já conhecemos”, diz Halligan.
* Os nomes das pacientes não
foram divulgados pelo psiquiatra