Na semana passada, contei que fui entrevistada por uma repórter que trazia, além de lápis e papel, olhos azuis ou verdes, cabelos louros, nada chamuscados pelas lides da cozinha. É que ela atua em todos os setores, entrevista sobre o que lhe interessa, e a cozinha a estava deixando intrigada.
Quase todas as pautas eram sobre o assunto. Onde andariam outros heróis que não chefs, desde quando a malha colada do Super-Homem fora substituída pela calça xadrezinha do chef? Não pude responder a tudo e aqui vai o restante.
E os realities shows de chefs? Um mistério, porque neles não se aprende a cozinhar, mas concordo que se aprende a dizer “sim, chef”, para não se tomar uma frigideira no ouvido. Então, ali, o programa não é de comida, é de competição.
E tenho uma hipótese sobre os programas que se repetem exatamente do mesmo jeito, como o do Gordon Ramsay, aquele que conserta restaurantes falidos.
O roteiro é exatamente o mesmo, o mesmo timing, ele chega à cidade, entra no restaurante, vê que num lugar onde há um mar gigantesco na porta o dono do restaurante só serve cabrito congelado e muda o menu para ostras e vermelhos e outro peixinho vadio que nade por ali.
O dono quase se mata com as modificações, o cozinheiro bate a porta e vai embora. Mas, quando dentro de três meses Ramsay volta, pode-se escutar hummm, hummm de gostosura na boca dos clientes. E o cofrinho do caixa está barrigudo, se arrebentando de euros.
E assistimos. Os cozinheiros atores são surpreendentemente bons, o Ramsay atua melhor do que cozinha, e o resto é a satisfação de nossa parte infantil, sabe quando a mãe pula uma linha do “Chapeuzinho Vermelho” e a criança quase dormindo sobressalta, chorando? Nós, os do sofá, somos assim também.
Imagine se um dia nos puséssemos a ver o programa e, quando os garçons trouxessem a comida da casa para o chef provar, ele achasse tudo uma delícia, comentando que não teria nada a fazer lá, que o problema deveria estar em outro lugar? Começaríamos a chorar como os bebês, com certeza.
No mais, assistimos a coisas que nos interessam. Quem não gosta de comer? Quem gosta de matar um peru e assar para o jantar? Então vemos o Jamie Oliver matar os perus do seu quintal, perus que ele nomeou e criou com suas crianças, e ficamos felizes por ter que ser ele a executar os bichos e não nós que compramos o peito enrolado em plástico no mercado.
E o momento é de muita reflexão sobre a cozinha e sobre todo o resto. A cozinha sofreu um bocado com sua medicalização e confundiu os assuntos. E ainda tem a nutrição com maiúscula.
Sugeri que a Luara lesse “Culture in a Liquid Modern World” (Zigmunt Baum), um livro pequenino e fácil. Vai achar que todos no mundo, não só os cozinheiros, estão nesse impasse de não ter “receitas”, livres como pássaros na gaiola.
A ideia dele é que todas as normas que antes cultivávamos passaram por um poderoso liquidificador e tornaram-se massinha de jardim de infância em nossas mãos. Ainda estamos brincando com elas. Até aprender tudo de novo.