quarta-feira, 17 de abril de 2013

Os cozinheiros atores - Nina Horta

folha de são paulo

Na semana passada, contei que fui entrevistada por uma repórter que trazia, além de lápis e papel, olhos azuis ou verdes, cabelos louros, nada chamuscados pelas lides da cozinha. É que ela atua em todos os setores, entrevista sobre o que lhe interessa, e a cozinha a estava deixando intrigada.
Quase todas as pautas eram sobre o assunto. Onde andariam outros heróis que não chefs, desde quando a malha colada do Super-Homem fora substituída pela calça xadrezinha do chef? Não pude responder a tudo e aqui vai o restante.
E os realities shows de chefs? Um mistério, porque neles não se aprende a cozinhar, mas concordo que se aprende a dizer “sim, chef”, para não se tomar uma frigideira no ouvido. Então, ali, o programa não é de comida, é de competição.
E tenho uma hipótese sobre os programas que se repetem exatamente do mesmo jeito, como o do Gordon Ramsay, aquele que conserta restaurantes falidos.
O roteiro é exatamente o mesmo, o mesmo timing, ele chega à cidade, entra no restaurante, vê que num lugar onde há um mar gigantesco na porta o dono do restaurante só serve cabrito congelado e muda o menu para ostras e vermelhos e outro peixinho vadio que nade por ali.
O dono quase se mata com as modificações, o cozinheiro bate a porta e vai embora. Mas, quando dentro de três meses Ramsay volta, pode-se escutar hummm, hummm de gostosura na boca dos clientes. E o cofrinho do caixa está barrigudo, se arrebentando de euros.
E assistimos. Os cozinheiros atores são surpreendentemente bons, o Ramsay atua melhor do que cozinha, e o resto é a satisfação de nossa parte infantil, sabe quando a mãe pula uma linha do “Chapeuzinho Vermelho” e a criança quase dormindo sobressalta, chorando? Nós, os do sofá, somos assim também.
Imagine se um dia nos puséssemos a ver o programa e, quando os garçons trouxessem a comida da casa para o chef provar, ele achasse tudo uma delícia, comentando que não teria nada a fazer lá, que o problema deveria estar em outro lugar? Começaríamos a chorar como os bebês, com certeza.
No mais, assistimos a coisas que nos interessam. Quem não gosta de comer? Quem gosta de matar um peru e assar para o jantar? Então vemos o Jamie Oliver matar os perus do seu quintal, perus que ele nomeou e criou com suas crianças, e ficamos felizes por ter que ser ele a executar os bichos e não nós que compramos o peito enrolado em plástico no mercado.
E o momento é de muita reflexão sobre a cozinha e sobre todo o resto. A cozinha sofreu um bocado com sua medicalização e confundiu os assuntos. E ainda tem a nutrição com maiúscula.
Sugeri que a Luara lesse “Culture in a Liquid Modern World” (Zigmunt Baum), um livro pequenino e fácil. Vai achar que todos no mundo, não só os cozinheiros, estão nesse impasse de não ter “receitas”, livres como pássaros na gaiola.
A ideia dele é que todas as normas que antes cultivávamos passaram por um poderoso liquidificador e tornaram-se massinha de jardim de infância em nossas mãos. Ainda estamos brincando com elas. Até aprender tudo de novo.

Uma questão de tempo - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 17/04/2013

Houve uma época em que negros, dentro de um ônibus, eram obrigados a ficar em pé, mesmo que houvesse assentos livres. Um dia, uma mulher negra, Rosa Parks, sentou-se e se recusou a levantar para dar lugar a um branco, e começou ali uma mudança de costumes gradual que custou muitas vidas, mas que, por fim, resultou nos dias de hoje, em que negros possuem os mesmos direitos que os brancos, ainda que o racismo não esteja combatido totalmente.

Houve um tempo em que mulher não votava, era discriminada caso se separasse do marido, e pegava muito mal se saía para jantar com as amigas sem que um homem as acompanhasse.

Hoje, os direitos civis são mais amplos, mas sempre haverá questões a evoluir, e elas nunca serão fáceis e rápidas, pois nada demora mais do que mudar uma mentalidade enraizada. É muito difícil deixar uma zona de conforto, um pensamento já fundamentado. Sentimo-nos desprotegidos diante de ideias novas e não raro julgamos que o mundo irá entrar em colapso caso as regras do jogo se alternem. Porém, já está provado que as regras mudam e o universo não colapsa – se adapta.

É no que penso quando vejo essa gritaria em torno do pastor e deputado Marco Feliciano. Ele próprio já sabe que é carta fora do baralho, porém está se agarrando como pode ao seu cargo e ao seu discurso, que será ultrapassado logo ali, na próxima curva. É uma questão de tempo, e esse tempo é necessário para a maturação de um novo mundo – a humanidade é feita de sucessivos “novos mundos”, que são inaugurados um após o outro, a despeito das forças contrárias.

Correndo em paralelo, a discussão em torno do casamento gay se dá no mesmo ritmo. Legalizado na Argentina, depois no Uruguai, é questão de tempo sua legalização aqui no Brasil, e chegará um dia em que nossos bisnetos olharão para trás e considerarão inacreditável que houvesse pessoas que não aceitassem que dois homens ou duas mulheres tivessem uma união estável reconhecida.

Ninguém precisa aderir, nem gostar, mas não se pode ignorar ou impedir: pessoas se sentem atraídas umas pelas outras, amam umas as outras, independentemente do gênero, e isso é mais forte do que qualquer preconceito. Assim como existiu quem achasse natural que um negro cedesse seu lugar a um branco no ônibus e que uma mulher não tivesse direito a votar nos políticos que a representariam, ainda há quem considere natural que um gay seja considerado menos cidadão do que um hétero.

Seja por razões étnicas, religiosas ou sociais, temos a tendência em querer manter as coisas como estão, pois ficamos aterrorizados diante do que não conhecemos. Porém, é só observar o curso da História para comprovar que a resistência, ainda que legítima, é ineficaz: nada se mantém o mesmo por muito tempo, nem a sociedade, nem cada um de nós, em nossas vidas particulares. Por mais tensas e aflitivas que sejam as adaptações, quando justas elas são feitas, e no final das contas, nem o mundo termina, nem o diabo dá as caras. 

Estado de graça - Antonio Prata

folha de são paulo


Não sei se são os hormônios, a emoção ou as toxinas liberadas pelo bebê, mas é fato que durante a gravidez as mulheres padecem de um, digamos assim, "handicap" cognitivo. As queixas variam de gestante para gestante: há quem fique esquecida, quem funcione mais devagar; uma amiga relatou sérias dificuldades para acompanhar a trama de "Rei Leão", enquanto outra foi encontrar as chaves do carro "guardadas" no congelador --a forma de gelo, ela procura até hoje.
Para a glória e felicidade deste que vos escreve, minha mulher vem enfrentando, há sete meses e uma semana, semelhantes situações. Digo glória e felicidade não apenas pela paternidade que se aproxima, resgatando-me desta vil existência mortal e cadastrando-me na eternidade, mas porque, devido ao supracitado torpor gestacional, uma inédita mudança ocorreu no córtex cerebral de minha amada: ela deu para me achar engraçado.
Por seis anos, usei de todos os artifícios para fazê-la rir --embalde. Não que ela seja triste ou lhe falte humor, longe disso, é que se trata de uma pessoa mais refinada do que eu --ou, pelo menos, do que minhas piadas. Gosta de ir a balés, a exposições, adora filmes de países remotos, em que há mais diálogos do balido das cabras com o silvo do vento do que entre seres humanos. Não estou sendo irônico: admiro muito seu gosto e toda vez que, procurando algo em nosso iPod, tropeço num Tchaikovsky ou esbarro num Chopin, percebo o quanto ela me fez crescer, evoluir. Não fosse ela, eu ainda estaria por aí --de moletom, provavelmente-- dizendo coisas como: "É pavê ou pacomê?!".
Ter em casa tão implacável crítica fez de mim, modéstia à parte, um Stalone em "Rocky IV" treinando na neve, um Daniel San em "Karatê Kid" pintando muros: ensinou-me a ver na adversidade os halteres do espírito. Espírito que, hoje, fortalecido, evita, por exemplo, mesmo que sob fortíssima tentação, terminar o presente parágrafo com "Win Wenders e aprendendo".
Ou melhor, evitava, pois veio a gravidez e, num de seus muitos passes de mágica, mudou tudo. Se antes, em meus melhores momentos seinfeldianos, merecia no máximo um sorriso, hoje arranco aplausos com qualquer tirada de "Zorra Total". Os halteres enferrujam na área de serviço de minh'alma. Tô pior que tio bêbado em festa de família; é do pavê pra baixo --e só sucesso.
Que sábia a natureza: durante anos, todo mês, manda a TPM para a mulher, aguçando seu senso crítico, como se lhe sussurrasse: "Tem certeza de que é esse aí o cara ideal para propagar os seus genes?". Após a fecundação, contudo, sabendo da necessidade de um companheiro para trazer javalis abatidos, fraldas descartáveis e apoio moral, os hormônios baixam radicalmente os critérios, como se sugerissem à moça, em relação ao marido: "Se só tem tu, vai tu mesmo!". Ainda que "tu" seja esse cara aí no chuveiro, cantando "Mama Áustria", um velho clássico do "Casseta & Planeta", e, veja só, lucrando uma bela gargalhada.
Filhota, prometo fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ser um bom pai. Uma coisa, contudo, garanto: serei um pai engraçado. Pergunte à sua mãe --de preferência, quando ela estiver grávida do próximo.
Antonio Prata
Antonio Prata é escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles "Meio Intelectual, Meio de Esquerda" (editora 34). Escreve às quartas na versão impressa de "Cotidiano".

Análise: Obama corre o risco de perder sua carteirinha de 'durão'

folha de são paulo

Sem suspeitos, investigação de ataque em Boston avança lentamente



DA EFE
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

As autoridades americanas avançam lentamente na investigação dos atentados de Boston, mas seguem sem dispor de pistas que permitam identificar seus autores, enquanto nenhuma pessoa ou organização se responsabilizou pelas explosões de segunda-feira.
O único indício que parece ter se consolidado ontem (16) é o que se refere ao dispositivo utilizado no atentado, embora esse elemento também não esteja ajudando a orientar as suspeitas em direção a um autor nacional ou estrangeiro.
Segundo vazou, pelo menos um dos dois artefatos que explodiram nos últimos metros da maratona de Boston, e muito provavelmente os dois, parece ter consistido em uma simples carga explosiva colocada dentro de uma panela de pressão metálica.
Trata-se de um dispositivo muito simples, de fácil fabricação e comum tanto entre os terroristas islâmicos como entre os extremistas violentos e solitários do interior dos EUA.
A panela em questão estava dentro de uma mochila ou bolsa de náilon na cor preta, segundo fontes das forças de segurança citadas por várias emissoras de televisão americanas.

Explosões na Maratona de Boston

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Imagem das equipes de investigação mostra destroço de uma das bombas utilizadas no ataque à Maratona de Boston
O congressista republicano Michael McCaul, que pertence ao Comitê de Segurança Nacional da Câmara de Representantes, confirmou que as autoridades acreditam que os explosivos são provavelmente "artefatos de panelas de pressão", similares aos explosivos rudimentares usados contra as tropas americanas no Afeganistão e Iraque.
Esse tipo de bomba improvisada é um dos preferidos dos militantes da organização terrorista Al Qaeda e foi empregada em vários atentados no Oriente Médio, no Norte da África e no Sudeste Asiático.
No entanto, também é uma técnica muito apreciada pelos grupos radicais americanos e neonazistas que declararam guerra ao Governo de Washington.
É de fabricação muito simples e não requer nenhuma instrução que não possa ser aprendida anonimamente na internet, o que facilita qualquer ação dificilmente detectável por parte de um "lobo solitário", como pode ter sido o caso nos atentados de Boston.
As autoridades pensam que os artefatos usados na segunda-feira foram detonados mediante um temporizador, e não por meio de telefones celulares, o que teria revelado um nível maior de sofisticação e organização.
De acordo com a emissora Fox, em pelo menos um dos artefatos a panela de pressão estava ligada a uma tábua de madeira que também levava uma garrafa cheia de pregos e bolas de gude.
Fotografias que estão sendo examinadas pelo FBI parecem sugerir que uma das bombas foi deixada no local em uma bolsa ou mochila.
As fotos mostram a área próxima à linha de chegada da maratona antes e depois do atentado. Na primeira delas, pode ser vista uma bolsa perto de uma caixa de correio, apoiada em uma cerca atrás dos espectadores. Na segunda foto, imediatamente depois da explosão, não há mais rastros da bolsa.
VÍTIMAS
O ataque deixou três mortos e 176 feridos. Um dos mortos é um menino de oito anos e a outra uma mulher de 29 anos. A identidade da terceira vítima não foi divulgada
Editoria de arte/Folhapress
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Análise: Obama corre o risco de perder sua carteirinha de 'durão'

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

O presidente Barack Obama precisou comandar a operação que matou o terrorista Osama bin Laden, em maio de 2011, para finalmente se livrar da pecha de liberal leniente com terrorismo.
Mas agora Obama corre o risco de perder sua carteirinha do clube dos "durões em segurança nacional".
Quanto mais tempo demorar para o governo americano apresentar pistas concretas sobre quem cometeu --além de como e por que-- o atentado na maratona de Boston, mais Obama se arrisca a virar vidraça.
O líder da minoria republicana no Senado, Mitch McConnell, já veio a público dizer que "a complacência que vigorava antes dos atentados de 11 de setembro voltou".
Até agora, Obama seguiu direitinho o script de como reagir a ataques terroristas: foi à TV e jurou que vai encontrar e punir rigorosamente os culpados e demonstrou solidariedade com as vítimas.
Bem diferente do olhar aparvalhado de George W Bush ao ouvir de um assessor sobre os ataques às Torres Gêmeas, reação patética eternizada em vídeo.
Mas Obama admite: não tem a menor ideia se o atentado foi cometido por um estrangeiro ou por um cidadão americano, um grupo ou um indivíduo.
Essa incerteza é terreno fértil para ataques partidários dos republicanos e desvarios dos milhares de adeptos de teorias de conspiração espalhados pelo país --alguns já falam que o FBI estava por trás do ataque, uma suposta trama para fortalecer o "Estado policial" nos Estados Unidos.
Obama está, portanto, em posição frágil.
Mas os republicanos não deveriam embarcar em um momento Schadenfreude. Não se sabe se o autor veio das hostes mais radicais da direita americana, de onde saíram extremistas antigoverno como Tim McVeigh, autor do ataque em Oklahoma que deixou 168 mortos, em 1995.

Violência pós-eleitoral mata 7 na Venezuela

folha de são paulo

Confrontos entre chavistas e apoiadores de Capriles deixaram ainda 63 feridos; Maduro proíbe marcha opositora
Presidente venezuelano também exigiu que emissoras definam de que lado estão nos embates com oposição
FLÁVIA MARREIROENVIADA ESPECIAL A CARACASDois dias depois da vitória apertada de Nicolás Maduro na eleição presidencial da Venezuela, distúrbios entre governistas e opositores deixaram ao menos sete mortos, segundo o Ministério Público.
Os conflitos ocorreram após manifestações de partidários de Henrique Capriles, derrotado por pequena margem.
Em resposta, Maduro elevou o tom e ameaçou processar opositores que exigem a recontagem dos votos.
Em cadeia nacional de rádio e TV, ele prometeu radicalizar a "revolução" bolivariana iniciada por seu mentor, Hugo Chávez, e proibiu Capriles de liderar uma marcha prevista para hoje para levar seu pedido de recontagem dos votos à sede do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), no centro de Caracas.
"Podem marchar quanto queiram, mas não entram em Caracas [centro de Caracas, município Libertador, coincidente com o Distrito Federal]. Digo com a autoridade que me outorga a Constituição", disse Maduro, que chamou Capriles de "fascista".
O presidente eleito, que venceu com 50,75% dos votos contra 48,97% do opositor, fez uma ameaça às duas maiores emissoras de TV privadas da Venezuela, a Venevisión e a Televen.
"Faço um chamado à Venevisión e à Televen, a todos os meios de comunicação. Definam-se com quem estão. Com a pátria, com o povo ou vão voltar a estar com o fascismo", disse.
Os dois canais apoiaram a tentativa de golpe de Estado contra Chávez em 2002, mas nos últimos anos moderaram sua linha editorial e reduziram o noticiário político. A Globovisión, que segue ferrenha crítica do governo e serve como porta-voz da oposição, está sendo vendida a um empresário tido como próximo do chavismo.
Horas depois, Capriles, governador de Miranda (que abarca parte da Grande Caracas), suspendeu a convocatória de manifestação para hoje alegando não querer provocar mais violência.
Anteontem, o opositor chamou seus apoiadores para um panelaço em Caracas e protestos pacíficos em sedes regionais do CNE, do qual participaram ontem milhares de apoiadores.
Em vários pontos da capital e do restante do país, no entanto, houve protestos nas ruas, alguns violentos.
Segundo a procuradora-geral da Venezuela, Luísa Ortega Díaz, ao menos sete pessoas morreram anteontem em distúrbios --duas em Caracas, três em Ojeda, uma em Cumaná e uma em San Cristóbal.
Segundo o Ministério do Interior, ao menos 63 pessoas ficaram feridas e há cerca de 170 detidas.
A procuradora-geral, alinhada ao governo, considerou abrir processo contra Capriles por incitação à violência. Maduro e o presidente da Assembleia Nacional, o chavista Diosdado Cabello, prometeram o mesmo.
"Seu tempo está acabando", disse Maduro a Capriles. Afirmou que já que Capriles o chama de "ilegítimo" ele não enviaria mais recursos do governo nacional ao Estado de Miranda.
GRANDE CARACAS
Ontem foi mais um dia de tensão, com relatos de violência na Grande Caracas e em vários pontos do país.
Em Los Teques, na região metropolitana, funcionários de dois jornais relataram que suas sedes foram cercadas por supostos apoiadores do chavismo.
Por causa dos problemas e de ataques a funcionários, o metrô de Caracas suspendeu os serviços da frota de ônibus associada em parte da capital e região metropolitana.
O clima também foi de tensão em sessão da Assembleia Nacional, onde opositores reclamara de agressão.

    Opositor recua de mobilização marcada para hoje
    DA ENVIADA A CARACASUm dia depois de convocar seus seguidores às ruas, o candidato derrotado à Presidência da Venezuela, Henrique Capriles, recuou da mobilização e prometeu formalizar hoje seu pedido de recontagem dos votos da eleição de domingo no CNE (Conselho Nacional Eleitoral).
    No lugar da marcha, Capriles pediu a seus seguidores mais uma noite de panelaço, a que o governo respondeu convocando uma sessão de fogos de artificio para a mesma hora.
    "Amanhã [hoje], quem sair [de casa] está do lado da violência, está fazendo o jogo do governo", disse.
    Ele contou em entrevista coletiva parte das denúncias que apresentará para exigir a revisão dos resultados da disputa, que perdeu por pouco mais de 260 mil votos.
    Capriles disse ter provas de que em uma mesa de votação do Estado Trujillo há diferença entre o que aparece no registro de votação (537 votos) e o que aparece na ata de resultados (717). Também questionou números de centros nos quais seu oponente Nicolás Maduro obteve mais votos do que Hugo Chávez nas eleições de outubro passado.
    O governador de Miranda se recusou a dizer por quantos votos, de acordo com seus números, teria superado Maduro.
    Ele reuniu ainda outras denúncias, como votação com ajuda (de alguém que induziria voto no governo), intimidação nos centros de votação e expulsão de testemunhas (fiscais de mesa) da oposição em locais de votação. Ele defendeu que, se forem comprovadas as irregularidades na auditoria, os votos dessas urnas sejam impugnados.
    De acordo com especialistas, é difícil haver fraudes massivas no sistema eleitoral venezuelano sem que sejam detectadas. O alinhado da cúpula do CNE e da Justiça com o governo tornam improvável que Capriles consiga a auditoria que está exigindo.

      Painel - Vera Magalhães

      folha de são paulo

      Cadeado nas portas
      O PSD, de Gilberto Kassab, dispõe de parecer jurídico segundo o qual deputados que se filiarem ao partido resultante da fusão entre PPS e PMN têm de perder os mandatos. Por essa interpretação, a resolução 22.610 do Tribunal Superior Eleitoral diz que a fusão é causa justa para um filiado deixar uma legenda sem sofrer punição, mas não pode ser janela para inflar partidos. Caso seus liderados paguem para ver, Kassab reivindicará os mandatos de imediato e recorrerá ao STF.
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      Contramão Enquanto o PSD trabalha para segurar filiados, o PSB de Eduardo Campos, interessado na migração partidária, recorrerá ao STF contra a lei que restringe acesso de novas siglas a tempo de TV e fundo partidário, caso ela seja aprovada.
      Jurisprudência A Ação Direta de Inconstitucionalidade está pronta e é lastreada na decisão do próprio Supremo que derrubou a cláusula de barreira, em 2006.
      Obstrução Paulinho da Força (PDT-SP), que monta seu Solidariedade, tentou adiar a votação do projeto restritivo em três meses, sem sucesso. Nas consultas jurídicas, ouviu até o ex-ministro do Supremo Nelson Jobim.
      Voz Um deputado ironizava ontem a coincidência da presença de Marina Silva na Câmara, para defender a Rede, e a invasão do plenário por índios: "Ela evocou as forças vivas da sociedade''.
      Leilão Após almoçar ontem com Irís Rezende e Irís de Araujo, Michel Temer recebe hoje o empresário Júnior Batista. O acionista do grupo J&F deixará o PSB para disputar o governo de Goiás pelo partido do vice-presidente.
      Freio Eduardo Cunha (PMDB-RJ) desistiu do relatório paralelo ao do líder do governo, Eduardo Braga (PMDB-AM), na comissão que discute a MP dos Portos. Se não houver acordo, contudo, haverá chuva de emendas, ameaçam peemedebistas.
      Vem comigo 1 Geraldo Alckmin ofereceu ao PR, de Valdemar Costa Neto, a Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano. A pasta abrange ações do governo na região de Mogi das Cruzes, base eleitoral do deputado, condenado no mensalão.
      Vem comigo 2 A negociação emperrou porque Costa Neto evitará atrito com o PT enquanto houver chance de reverter, na fase de embargos do julgamento, a pena por corrupção passiva. Se punido só por lavagem de dinheiro, escaparia da prisão.
      Efeito... O envolvimento de deputados estaduais na Operação Fratelli, deflagrada pelo Ministério Público, vitaminou na Assembleia paulista o movimento pela aprovação da PEC que limita as investigações de promotores.
      ... colateral A proposta, de Campos Machado (PTB), delega ao procurador-geral de Justiça apurações de improbidade contra prefeitos e parlamentares. O petebista busca apoio de líderes partidários para pautá-la.
      Zaga Hubert Alqueres, ex-secretário de Educação e coordenador da campanha de José Serra em 2012, assumiu a secretaria-geral de administração da Assembleia. Rodrigo Del Nero chefiará a secretaria parlamentar.
      Piquete Alegando temer a pressão da "especulação financeira", a CUT aderiu à manifestação que centrais sindicais farão hoje contra possível alta da taxa de juros. O ato começa às 10h na sede paulistana do Banco Central.
      Semântica O PT baixou ordem interna: a expressão "regulação da mídia" será substituída por "democratização da mídia". O objetivo é evitar que se relacione a ofensiva petista à censura.
      com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
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      TIROTEIO
      "Esses novos partidos são como filhos que nascem pobres e já levam uma herança determinada de quem nunca sequer viram."
      DO LÍDER DO PTB NA CÂMARA, JOVAIR ARANTES (GO), apoiando projeto de lei que barra acesso de novas legendas ao tempo de TV e fundo partidário.
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      CONTRAPONTO
      Seu pedido é uma ordem
      Durante reunião em que Fernando Haddad foi eleito presidente do Conselho de Desenvolvimento Metropolitano de SP, ontem, prefeitos reclamavam das cobranças inerentes ao cargo. Luiz Marinho, de São Bernardo, disse:
      -O povo cobra do prefeito mesmo quando não é atribuição dele. Há uma cratera na minha rua e sou abordado por vizinhos sempre. Explico que é obra da Sabesp...
      Terminada a reunião, o secretário Édson Giriboni (Saneamento) procurou Marinho e avisou:
      -A situação na sua rua já está resolvida, fique traquilo. Não dá pra ter buraco no caminho do prefeito...

        Janio de Freitas

        folha de são paulo

        Antidrogas
        Divergências minam o pouquíssimo que existe nos governos para cuidar do problema das drogas
        Outra vez adiada, desta vez de ontem para hoje, a votação do projeto de nova lei antidrogas deveria ser suspensa simplesmente sem data determinada: o novo adiamento foi pedido pelos líderes de bancadas partidárias para algumas discussões, em inegável prova do despreparo. E a complexidade do assunto tem implicações sociais e individuais muito graves, que pedem reflexão e debate para buscar, ao menos, algumas soluções conciliatórias nas divergências extremadas que o problema das drogas suscita.
        O desentendimento mina até o pouquíssimo que existe, nos governos federal e estaduais, para cuidar do problema. É tão forte, por exemplo, a divergência sobre verbas federais para ajuda a entidades religiosas de tratamento de viciados, que a maior parte desses recursos tem ficado paralisada ou sai a conta-gotas. É a força da oposição à ajuda por serem entidades de procedência religiosa. Mas acontece que, apesar de más práticas que parte delas possa ter, as iniciativas de evangélicos e de católicos estão fazendo muito mais, em auxílio aos desejosos de recuperação, do que os governos somados (ainda que sem tratar desse aspecto, bom documentário sobre o problema das drogas, exibido pela TV Brasil na semana passada, comprova-o com clareza).
        Seja para formulações legais ou de políticas de governo, não é cabível abordar o problema das drogas como um todo. A invasão do crack pelo país afora, o seu tráfico e os aglomerados de usuários que se multiplicam em número, violência e mortes em tantas cidades não podem ficar limitados às medidas adequadas à traficância e ao uso de maconha e cocaína. Já são problemas muito diferentes, logo, a merecerem disposições legais e práticas também diferentes.
        Autor da proposta de nova lei antidrogas, o deputado Osmar Terra esclarece que o original do seu projeto não incluía cadastro de usuários, nem a notificação ao cadastro, por professores e diretores de escolas, de alunos usuários ou suspeitos de uso de droga. Foram, portanto, acréscimos da "comissão técnica" que analisou o projeto e de outros parlamentares. Propostas reprovadas pela carta conjunta dos sete últimos ministros da Justiça (não incluído o atual) que foi entregue ontem ao ministro Gilmar Mendes, no Supremo Tribunal Federal. Em mais uma demonstração do quanto há de divergências a serem solucionadas, antes de se ter algo admissível como lei antidrogas, a cada dia mais necessária.

          Elio Gaspari

          folha de são paulo

          Doutora Dilma, chame Xi Jinping
          A China não é um modelo de moralidade, mas lá transportecas que mordem ferrovias vão para a cadeia
          Em setembro de 2012 houve um acidente de trem na cidade chinesa de Xian e o chefe do serviço de segurança do trabalho da região foi fotografado rindo. Em seguida, um blogueiro mostrou que o companheiro Yang Dacai tinha uma coleção de relógios, inclusive um patacão Constantin de 30 mil dólares. Dacai foi demitido e mandado ao ostracismo. Construir ferrovias pode ser um bom negócio, mas cuidar dos seus contratos é um ofício mais lucrativo e menos trabalhoso. Na China, o mandarim que cuidava disso acabou na cadeia. Seu irmão, que faturara US$ 50 milhões em mimos, cumpre uma pena de 16 anos.
          E em Pindorama? Salvo algumas boas experiências com a privatização da malha, o transporte ferroviário brasileiro é uma ruina pública e privada. Mesmo sabendo que a fama da burocracia chinesa está entre as piores do mundo, a doutora Dilma bem que poderia assinar um contrato de prestação de serviços com o presidente Xi Jinping, entregando-lhe a administração da moralidade dos trilhos nacionais. O comissariado petista não inventou essas bocarras, apenas preservou-as. Em 1976 a Viúva comprou 68 locomotivas elétricas francesas por US$ 500 milhões. Nunca rodaram, viraram sucata e ninguém foi preso.
          O repórter André Borges acaba de expor o descalabro da ferrovia Norte-Sul. É a sétima obra de transporte mais cara do planeta. Lançada em 1987, em tese, ligaria o Pará ao Rio Grande do Sul. Só no governo de Lula essa linha comeu R$ 4,2 bilhões no trecho de Palmas (TO) a Anápolis (GO). Ela deveria ter sido entregue em 2008. A empreitada teve 17 aditivos, liga o nada a coisa nenhuma. Há nela túneis prontos sem malha e pastos no leito. O Tribunal de Contas achou 280 quilômetros inacabados, porém considerados entregues. Isso e mais R$ 27 milhões superfaturados. Em 2011, o Ministério Público acusou o doutor José Francisco das Neves (pode me chamar de Juquinha), presidente da estatal encarregada da ferrovia, de ter desviado R$ 71 milhões em 105 quilômetros da Norte-Sul. (Rodava a R$ 676 mil por km.)
          Juquinha foi demitido em 2011 e, no ano seguinte, posto na cadeia por poucos dias. De 2003 a 2007 o doutor tomou conta do projeto do trem-bala. Felizmente, o Padre Eterno ainda não deixou que se tirasse esse trem do papel. Custaria R$ 19 bilhões, sem dinheiro da Viúva. Estima-se que venha a custar R$ 50 bilhões, com a boa senhora bancando a iniciativa. O trem-bala não existe, mas já criou uma estatal. A única coisa que seus transportecas conseguiram foi anunciar leilões fracassados, gastando pelo menos R$ 63,5 milhões. A folha de pagamento da empresa tem 151 pessoas. Há pouco a doutora Dilma devolveu o Ministério dos Transportes ao Partido da República, de cuja cota de poder saiu Juquinha.
          Há uma diferença entre o modelo chinês e a administração de Lula e da gerentona Dilma. No Império do Meio furta-se, mas as obras ficam prontas e a taxa de risco dos burocratas é maior. A malha ferroviária chinesa tornou-se a terceira do mundo. O Brasil tem hoje 30 mil quilômetros de ferrovias que começaram a ser construídas no Império. Pois a China, que começou suas obras na mesma época, durante a dinastia Qing, tem uma malha de 91 mil quilômetros e está construindo mais 24 mil.

          TV PAGA


          Estado de Minas - 17/04/2013

          Cachorrada feliz
          Cesar Millán está de volta com mais uma temporada de Encantador de cães , que estreia às 21h, no Animal Planet. No programa, o treinador dá dicas dos cuidados que se devem ter com os animais, incluindo o adestramento. Seu principal conselho é ter paciência com os bichinhos, coisa que, muitas vezes, seus donos não têm. Millán parece entender como os cães pensam, sua inteligência e capacidade de interagir com os seres humanos e outros animais.



          Não mexa com as  mulheres da máfia
          Na truTV, às 22h30, estreia Esposas da máfia, reality show que promete expor quem são e como vivem as mulheres por trás de grandes vilões do crime organizado. São quatro mulheres que têm seus maridos ou pais presos e condenados, lutando com suas identidades, sua própria família e um futuro incerto. Elas querem mostrar que amam, riem e sofrem como qualquer outra pessoa.

          Biju surfa as ondas  gigantes do Havaí
          O canal Off encerra as temporadas de mais duas séries esta noite: Sol e sal, às 19h30, e Montanhistas, às 21h. Já às 22h30, exibe o quinto episódio, inédito, de Sangue, suor e javalis, acompanhando o surfista brasileiro Marcelo Biju na visita ao amigo Yuri Soledade, que mostra a casa que construiu em Mauí, no Havaí, com direito a pegar as ondas gigantes de Jaws.

          Saiba identificar o déficit de atenção
          O programa Especiais médicos desta quarta-feira, às 18h30, no Discovery Home and Health, vai ensinar os pais a identificarem quando uma criança está sem limites ou tem déficit de atenção. Impulsividade, desatenção e inquietude são alguns dos sintomas apresentados. Os médicos acompanharam três famílias do Brasil que encontraram caminhos para viver melhor e possibilitar novas chances para os filhos.

          SescTV destaca 32º Panorama da Arte
          A série Artes visuais, do SescTV, apresenta esta noite, às 21h30, a primeira parte do especial sobre a 32ª edição do Panorama da Arte Brasileira – Itinerário, Itinerâncias. Realizado em 2011, o programa reuniu obras de artistas como Cildo Meirelles, Wagner Malta Tavares, Rodrigo Matheus e Pablo Lobato, dialogando com a ideia de transitar entre contextos, viagens e deslocamentos.

          O sol vai brilhar esta noite na TV Cultura
          No pacotão de filmes, o destaque de hoje é a Mostra Internacional de Cinema, às 22h, na Cultura, com o longa O sol, do diretor russo Aleksandr Sokurov. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais 10 opções: Deserto feliz, no Canal Brasil; Tão forte e tão perto, na HBO; Larry Crowne – O amor está de volta, na HBO2; O turista, no Max HD; Passe livre, no Max Prime; Tudo para ficar com ela, no Telecine Fun; Chuva negra, no Telecine Cult; Scott Pilgrim contra o mundo, no Universal; RocknRolla – A grande roubada, no Space; e Busca implacável, no FX. Outras atrações da programação: Direito de amar, às 21h, no Cinemax; O forasteiro, às 21h50, no Megapix; e Lembranças de Hollywood, às 22h30, no Comedy Central. 

          Angeli - Charge

          folha de são paulo

          FERNANDO BRANT » O trem dos poetas‏

          Pela primeira vez passara meu aniversário longe de casa, no rumo da terra dos astecas


          Estado de MInas: 17/04/2013 

          >>fernandobrant@hotmail.com

          Poetas do mundo latino viajavam, de trem, da Cidade do México para Guadalajara. Estava no meio dessa festa. Trem, poesia e cerveja são combinação excelente. Pela primeira vez passara meu aniversário longe de casa, a bordo de um avião, no rumo da terra dos astecas. Cheguei sozinho à metrópole, onde fui recebido pelo mexicano Eduardo Lagagne, que, diante da poluição do ambiente, me confessou que seu filho dizia que o céu era gris, cinza. Nunca o vira azul como nós, ainda, estamos acostumados a ver.

          Ainda na estação, conheço o poeta português Eduardo Guerra Carneiro, que cometera a insensatez de, logo ao chegar à capital mexicana, se embrenhar por bares populares e se encher de tequila e petiscos apimentados. Aquilo lhe custaria idas constantes aos banheiros para se livrar da vingança de Montezuma.


          Guardei alguns papéis dessa viagem, com nomes e endereços. Lembro-me de que, no dia em que chegamos, foi anunciado o Prêmio Nobel de literatura para Octavio Paz. Nossa América Latina vivia restos dos tempos sombrios das ditaduras. E, para meu espanto, sem considerar a obra do grande poeta e ensaísta mexicano, muitos protestaram contra a escolha. Era a ideologia passando por cima da estética.


          O argentino Carlos Patiño, copo na mão, lamentava o fato de que ao chegar aos 50 anos se tornara invisível para as mulheres. Um poeta equatoriano afirmava com convicção, sem saber que eu era mineiro, que a obra de Guimarães Rosa não era de invenção. Ele apenas copiava o falar da gente de nossa terra.


          Assumia um tal ar de autoridade, que nem me interessei em ouvir seus versos. Já os versos ditos por Juan Gelman me encantaram. E também sua prosa de muito saber, carregada da angústia pela perda, para os militares argentinos, de seu filho e sua nora, mas também plena da alegria de viver e amar. Versos que vim rever alguns anos mais tarde, em edições bilíngues aqui publicadas.


          Outros poetas estão nos meus papéis guardados desde 1990. Alberto Perrone, Jorge Boccanera, Roberto Sosa, Evaristo Lopes, Adolfo Casaus. E Tânia Liberdad, cantora de origem peruana que preparou em sua casa para mim e Eduardo Langagne, seu parceiro, peixes com temperos saborosíssimos.


          Lembrei-me de tudo isso agora, na véspera de voltar à Cidade do México. No meio da papelada, descubro, já que estava cercado de poetas de todo o mundo latino (tinha até uma vinda das Filipinas, país que me disseram ter um lado iberoamericano) uma anotação que fiz na época. Tem um título ( “O dia em que eu fiz 44 anos”) e era dedicada a Roberto Sosa, outro poeta que me impressionou: “Ontem, fiz 44 anos. Penso que agora posso começar a fazer poesia”.

          Frei Betto - Produção de sentido‏

          Quando não se ousa pichar muros, faz-se tatuagem para marcar no corpo sua escala de valores 


          Frei Betto

          Estado de MInas: 17/04/2013 

          Muitos pais se queixam do desinteresse dos filhos por causas altruístas, solidárias, sustentáveis. Guardam a impressão de que parcela considerável da juventude busca apenas riqueza, beleza e poder. Já não se espelha em líderes voltados às causas sociais, ao ideal de um mundo melhor, como Gandhi, Luther King, Che Guevara e Mandela.

          O que falta à nova geração? Faltam instituições produtoras de sentido. Há que imprimir sentido à vida. Minha geração, a que fez 20 anos de idade na década de 1960, tinha como produtores de sentido igrejas, movimentos sociais e organizações políticas.

          A Igreja Católica, renovada pelo Concílio Vaticano II, suscitava militantes, imbuídos de fé e idealismo, por meio da Ação Católica e da Pastoral de Juventude. Queríamos ser homens e mulheres novos. E criar uma nova sociedade, fundada na ética pessoal e na justiça social.

          Os movimentos sociais, como a alfabetização pelo método Paulo Freire, nos desacomodavam, impeliam-nos ao encontro das camadas mais pobres da população, educavam a nossa sensibilidade para a dor alheia causada por estruturas injustas.

          As organizações políticas, quase todas clandestinas sob a ditadura, incutiam-nos consciência crítica, e certo espírito heroico que nos destemia frente aos riscos de combater o regime militar e a ingerência do imperialismo usamericano na América Latina.

          Quais são, hoje, as instituições produtoras de sentido? Onde adquirir uma visão de mundo que destoe dessa mundividência neoliberal centrada no monoteísmo do mercado? Por que a arte é encarada como mera mercadoria, seja na produção ou no consumo, e não como criação capaz de suscitar em nossa subjetividade valores éticos, perspectiva crítica e apetite estético?

          As novas tecnologias de comunicação provocam a explosão de redes sociais que, de fato, são virtuais. E esgarçam as redes verdadeiramente sociais, como sindicatos, grêmios, associações, grupos políticos, que aproximavam as pessoas fisicamente, incutiam cumplicidade e as congregavam em diferentes modalidades de militância.

          Agora, a troca de informações e opiniões supera o intercâmbio de formação e as propostas de mobilização. Os megarrelatos estão em crise, e há pouco interesse pelas fontes de pensamento crítico, como o marxismo e a teologia da libertação.

          No entanto, como se dizia outrora, nunca as condições objetivas foram tão favoráveis para operar mudanças estruturais. O capitalismo está em crise, a desigualdade social no mundo é alarmante, os povos árabes se rebelam, a Europa se defronta com 25 milhões de desempregados, enquanto na América Latina cresce o número de governos progressistas, emancipados das garras do Tio Sam e suficientemente independentes, a ponto de eleger Cuba para presidir a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

          Vigora atualmente um descompasso entre o que se vê e o que se quer. Há uma multidão de jovens que deseja apenas um lugar ao sol sem, contudo, se dar conta das espessas sombras que lhes fecham o horizonte.

          Quando não se quer mudar o mundo, privatiza-se o sonho modificando o cabelo, a roupa, a aparência. Quando não se ousa pichar muros, faz-se tatuagem para marcar no corpo sua escala de valores. Quando não se injeta utopia na veia, corre-se o risco de injetar drogas.

          Não fomos criados para ser carneiros em um imenso rebanho retido no curral do mercado. Fomos criados para ser protagonistas, inventores, criadores e revolucionários.

          Quando Hércules haverá de arrebentar as correntes de Prometeu e evitar que o consumismo prossiga lhe comendo o fígado? “Prometeu fez com que esperanças cegas vivam nos corações dos homens”, escreveu Ésquilo. De onde beber esperanças lúcidas se as fontes de sentido parecem ressecadas?

          Parecem, mas não desaparecem. As fontes estão aí, a olhos vistos: a espiritualidade, os movimentos sociais, a luta pela preservação ambiental, a defesa dos direitos humanos, a busca de outros mundos possíveis. 

          As cores do mundo - Carolina Braga

          Novo espetáculo do Grupo Galpão, Os gigantes da montanha traz de volta a parceria com o diretor Gabriel Villela. Concepção visual é um dos destaques da montagem 


          Carolina Braga

          Publicação: 17/04/2013 04:00


          Com sotaque nordestino bem carregado, enquanto acerta calmamente detalhes da máscara de argila, o artesão e ator Shicó do Mamulengo solta a brincadeira. “Se um espetáculo de Gabriel não tiver sombrinha é porque ele está mais doido”, diz. Entre risadas, todos que estão dentro do ateliê montado na sede do Grupo Galpão, no Bairro Horto, reconhecem: o diretor Gabriel Villela tem mesmo uma queda pelos guardas-chuva e mais uma vez eles darão toque especial ao palco da companhia mineira.

          Com estreia prevista ainda para o primeiro semestre, caminham em ritmo avançado os ensaios de Os gigantes da montanha, o próximo espetáculo de rua do grupo. A obra do italiano Luigi Pirandello marca o reencontro da trupe com o diretor, depois de um longuíssimo intervalo. Responsável pela concepção de montagens como Romeu e Julieta (1992) e A Rua da Amargura (1994), Gabriel tem estilo de criação bastante particular. Se já era assim lá no começo, quando pó de parede era utilizado para envelhecer figurinos, agora o método volta aprimorado. E, claro, as sombrinhas continuam firmes e fortes.


          “Ela é repetição de um motivo. Para mim, é símbolo de uma unidade que não se transgride na vida: a minha relação com o circo na infância. O circo-teatro me deu uma formação popular”, conta. Os gigantes da montanha foi escolhido a partir de cinco textos. “Nosso trato era voltar para a rua. É a opção mais difícil, por causa da transposição para águas populares de um rio muito formoso e erudito chamado Pirandello”, reconhece Gabriel. Sendo autor ainda com fortes ligações acadêmicas, um dos primeiros desafios era revelar – ou descobrir – os elementos populares inseridos na obra do dramaturgo. Afinal, trata-se do Grupo Galpão e de Gabriel Villela, e erudição não é a melhor definição para a parceria de longa data.


          O processo envolveu um mergulho não só do diretor, mas também de todos os atores no trabalho de concepção daquilo que iria compor a cena. Para Paulo André, integrante do grupo, a experiência com o diretor é uma viagem. “É surpresa atrás de surpresa. O Gabriel é genial. Tem os surtos criativos dele. Parece que recebe alguma coisa, aí o bicho pega. Transforma tudo. Incrível”, elogia.


          Desde dezembro a sede do grupo em Belo Horizonte acomoda o ateliê do diretor, de onde sai praticamente tudo que será visto na peça. Por enquanto, é como se não houvesse uma separação entre palco e oficina. Como o trabalho é contínuo, vale tudo na hora de criar.


          Ao falar sobre a concepção de Os gigantes da montanha, Gabriel Villela se lembra de Tia Olímpia, personalidade que caminhava pelas ruas de Ouro Preto e agregava a história na própria veste. “Eram aditivos do mundo inteiro para compor uma única grande roupa”, lembra. A partir dessa referência, pouco a pouco a carga intelectual de Pirandello foi se dissipando.
          Do ateliê itinerante de Gabriel saem a cada dia combinações curiosas na costura dessa grande colcha de retalhos – e referências – que será o espetáculo. “Ateliê é multiuso. O que veio para cá foi um conjunto de materiais para servir à fábula. Isso é dramaturgia. Não pode ser visto como ornamento”, frisa. Tecidos importados de Myanmar, antiga Birmânia, país fronteiriço com a Índia, bordados feitos à mão por índias de Cuzco, no Peru, se misturam a rendas usadas para fabricação de lingerie, máscaras elaboradas com argila e fibra de bananeira, flores de papel crepom, tapeçaria, e por aí vai.

          Liturgia Vestir um personagem, para Villela, é quase uma liturgia. “O Galpão veste uma roupa para celebrar um mito, não para desfilar uma moda fashion”, diferencia. “O figurino do Gabriel é dramaturgia. Como ele trabalha muito em cima dos arquétipos, as roupas são carregadas de significados. Dizem muita coisa do personagem, ao mesmo tempo em que esconde, revela, provoca mistérios”, analisa Paulo André.


          A referência circense não aparece somente nas sombrinhas ou nos pompons muito usados nas roupas de palhaço. No caso de Os gigantes da montanha, também estará explícita no palco a ser carregado pelo Brasil inteiro. A cenografia, composta por 12 robustas mesas, bem ao estilo mineiro, além de significar a relação que o brasileiro e o italiano têm com o espaço nobre da cozinha, também reproduz um picadeiro onde a fábula se passará. “Traz uma arquitetura de circo-teatro cujo centro é o palquinho, com picadeiro e dois camarins laterais”, explica.


          Nos elementos de cena, bonecos elaborados pela Oficina de Agosto de Bichinho, distrito de Prados, e até heranças reais, como é o caso de uma cama usada pelo próprio diretor ainda criança, na fazenda da família, em Carmo do Rio Claro. “É preciso lembrar que isso aqui não é cenário e figurino somente. É concepção, e ela envolve todos os gêneros artísticos. Por mais que você tenha que traduzir em nomenclatura – que ora se chama cenografia, ora figurino –, na verdade é só uma parte estrutural das artes cênicas, que prevê como resultado o homem, a palavra e o ator”, sintetiza Gabriel Villela.



          Liberdade para criar

          Todos os dias o serviço no ateliê começa bem antes da chegada dos atores. Trabalham diretamente nele Shicó do Mamulengo, pinçado por Gabriel Villela em Açu, no interior do Rio Grande do Norte, que cuida dos adereços envolvendo argila e couro; e o ator e assistente de figurino José Rosa, baiano de Caculé, que se dedica aos bordados e acabamentos com Giovanna Villela, irmã e parceira do diretor em todas montagens que ele faz.

          A regra naquele espaço é não desperdiçar absolutamente nada. “A gente transforma o lixo em luxo”, brinca Shicó. “Existe um pensamento, ideias que são dialogadas com os atores e que o tempo inteiro são decodificadas pelo ateliê, a fim de criar algo que possa se transformar naquilo que a gente chama de segunda pele do ator”, detalha Gabriel. Pelas contas de Rosa, até agora já foram elaborados cerca de 30 peças de figurino e não há nada simples.


          Como se trata de um espaço de criação, as ideias são livres para ganhar vida. “Ele é exigente, no bom sentido, quer as coisas benfeitas. E dá espaço para gente criar um pouco, fazer propostas e mostrar para ele”, conta José Rosa sobre a relação com Gabriel Villela. Ainda que não estejam em cena, Shicó e Rosa recebem o texto, devem estudá-lo e apresentar propostas de acordo com a estética sugerida pelo diretor. Para a criação das máscaras, por exemplo, Shicó partiu das referências da commedia dell'arte e teve liberdade para ousar. “É o meu burlesco. Vou na loucura e, então, mostro para o Gabriel”, conta. 

          ABORTO » Onde a vida começa?

          Médicos que debatem a discriminalização do aborto se dividem entre o momento da concepção e o desenvolvimento do embrião. Questão esbarra em ética, moral e religião


          Luciane Evans

          Estado de Minas: 17/04/2013 

          Por trás do crime, das sequelas para o corpo e para a alma, muitas vezes carregadas pelo resto da vida, milhares de mulheres brasileiras que se submetem a um aborto clandestino no país, como vem mostrando o Estado de Minas em série especial sobre o tema, se deparam com a eterna dúvida: em qual momento nasce a vida? De cunho moral, religioso e ético, a questão ganha foco no Brasil diante da decisão de entidades nacionais em propor a discriminalização do aborto, o que permitiria a interrupção de gravidezes de até 12 semanas. A posição, apesar de sugerida pelo órgão que representa 400 mil médicos, o Conselho Federal de Medicina (CFM), não é consenso na classe. Prova disso é o posicionamento de Minas Gerais, onde o Conselho Regional de Medicina (CRM) diz que “doutores são treinados para salvar vidas, não matá-las”. A resistência é tão grande que até em processos legais de interrupção de uma gravidez, como em caso de estupro, há especialistas que se recusam a fazer o procedimento, respeitando sua consciência e sua ética.

          Tratada no âmbito da reforma do Código Penal Brasileiro, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, a proposta dos conselhos de Medicina e Psicologia, de acordo com o CFM, foi apresentada  em março e se baseia  na ideia de que a mulher deve ter autonomia para decidir por levar, ou não, uma gravidez de até três meses adiante, assim como é feito em outros países. Para essa decisão, o conselho contou com a colaboração de outras entidades, entre elas  a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). “Somos um total de 23 pessoas, entre médicos, filósofos, advogados e religiosos. Desses, 17 foram favoráveis ao aborto em até 12 semanas”, diz o médico e presidente da SBB, Cláudio Lorenzo, professor do Programa de Pós-Graduação de Bioética da Universidade de Brasília (UnB), com doutorado no Canadá em ética aplicada a ciências clínicas.

          De acordo com ele, a discordância para o tema está no estatuto moral do embrião. “Na minha opinião pessoal, a vida humana é quando há uma relação com o outro, sentimentos e percepções proeminentes humanos. O embrião até 12 semanas não tem o sistema nervoso para estabelecer qualquer espécie de relação. Um bebê que seja capaz de sonhar e perceber coisas maternas tornou-se pessoa. Essa definição vem de Aristóteles, que definia que nesse período da gestação a criança era gente, ganhava alma. Nesse caso, apesar de o embrião não ser coisa, não posso comparar a questão moral de uma mulher que não deseja prosseguir uma gravidez em relação a algo que tem o potencial futuro de vida”, defende.

          Para o presidente da Febrasgo, o obstetra Olímpio Morais, a questão é de saúde pública. “Não somos a favor do aborto, mas a favor do direito de a mulher decidir sobre o seu corpo.” Segundo ele, enquanto o país tratar o ato como crime, as mulheres que se submetem ao aborto para interromper a gestação, muitas vezes em condições subumanas, vão se calar. “São 300 mulheres morrendo por ano no Brasil”, estima Olímpio, que compara as leis brasileiras às de outros países. “Em outros lugares, religião é uma coisa, saúde é outra. O Brasil está 50 anos atrás de vários países para enfrentar o problema, pois, ao escondê-lo, você não o resolve. Uma mulher pode ir presa, e o companheiro dela não?”, polemiza.

          ÉTICA MÉDICA Para o CRM-MG,  o início da vida se dá quando há a fecundação, ou seja, com 12 semanas existe na barriga da mulher uma criança. “Somos contra a decisão do CFM. Levamos o assunto a 21 conselheiros mineiros e, por unanimidade, decidimos ser contra a descriminalização do aborto”, afirma o presidente da entidade, João Batista Gomes Soares. Para ele, aborto é uma solução extrema. “Nossa corrente considera que até 12 semanas já tenha o início da vida.” Ao permitir o ato, Soares teme que muitas clínicas se abram para fazer o procedimento país afora. “Somente em Minas Gerais, em cinco anos, cassamos seis médicos por cometerem o crime. O problema é que há a fiscalização, mas não nos passam os nomes desses profissionais. Duvido muito que as mulheres vão buscar o procedimento só com até 12 semanas. Não seria melhor fazer um votação popular no Brasil sobre o tema?”, sugere. Outra questão levantada por ele é a ética pessoal dos médicos. “O código de ética médica diz que o profissional não é obrigado a participar de atos médicos contra a sua consciência. Se há minha convicção pessoal, não vou fazer. Tenho os meus princípios. Somos treinados para salvar vidas.”

          ABORTO LEGAL Essa consciência médica é colocada em xeque até quando o aborto se enquadra em uma das situações em que o procedimento é autorizado – risco de vida para a mãe, gravidez provocada por estupro e feto anencéfalo. A Maternidade Odete Valadares, em Belo Horizonte, há 10 anos é um dos hospitais referência e credenciados para fazê-lo. “Temos em média quatro casos de mulheres grávidas por estupro por mês. Há 10 anos, elas precisavam da ocorrência policial, mas a medicina dispensou o documento. Hoje, elas preenchem um formulário e passam por uma análise médica, com diagnóstico clínico. São internadas e o procedimento é feito, com medicação para expulsão do feto e curetagem. Desde que estejam no máximo entre a 12ª  e a 13ª semana da gravidez ”, explica o diretor geral da maternidade, Carlos Nunes Senra. Segundo ele, mesmo nessas situações, há médicos que não fazem o procedimento, muitas vezes por questões de religião. 

          Ponto crítico
          Você é a favor da legalização do aborto no brasil?

          Não
          “Em um país como o nosso, minha preocupação é o aborto se tornar um método contraceptivo banalizado. A situação é educacional. O interessante não é discriminalizar o ato, mas educar as pessoas para um sexo seguro e um planejamento familiar. A liberação não vai resolver, vai apenas deslocar o risco.”
          Alamanda Kfoury Pereira
          ginecologista e professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais


          “Dentro de tudo que vemos no Sistema Único de Saúde (SUS), o trabalho tem que ser na questão de anteceder o aborto. Podemos cair em uma armadilha, as mulheres podem passar a usá-lo como uma nova ‘pílula do dia seguinte’.” 
          Cristina Mendes Gigliotti Borsari
          psicóloga, autora da dissertação de mestrado “Aborto Provocado: uma vivência e significado. Um estudo fundamentado na fenomenologia”, pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo)


          Sim
          “Embora haja pílula e muitas maneiras de evitar uma gravidez, a educação não é igual para as mulheres brasileiras. As repercussões disso para a saúde pública são imensas. A mulher tem que ter direito sobre a própria vida.  Por causa dos preconceitos e religiões, não estão considerando a vida dela. A maioria dos projetos que estão no Congresso sobre o assunto são feitos por homens. Determinar o domínio feminino é uma violência.” 
          Roseli Goffman
          psicóloga clínica e conselheira do Conselho Federal de Psicologia


          “É uma incoerência justificar a proibição do aborto como uma lei a favor da vida, quando sabemos que o aborto ilegal é a quarta causa mais comum de mortalidade materna.”
          Gilda Paoliello
          psiquiatra e psicanalista, membro da diretoria da Associação Mineira de Psiquiatria 

          COMPORTAMENTO » Pai também reconhece choro do seu bebê‏


          Estado de Minas: 17/04/2013 

          Cientistas franceses derrubaram um pilar do senso comum ao contradizer o argumento de que as mães seriam mais capazes do que os pais de reconhecer o choro de seus bebês, segundo estudo publicado na edição de ontem da revista científica Nature Communications. A noção do “instinto materno” ganhou o suporte da ciência mais de três décadas atrás por meio de dois experimentos, um dos quais revelou que as mulheres seriam duas vezes mais precisas do que os homens em identificar o choro do filho. Mas, segundo o novo estudo, homens e mulheres são igualmente capazes e a precisão depende apenas da quantidade de tempo que o pai ou a mãe passa com a criança.

          Cientistas liderados por Nicolas Mathevon, da Universidade de Saint-Etienne, gravaram os choros de 29 bebês com idades entre 58 e 153 dias, durante o banho das crianças. Quinze bebês eram procedentes da França e outros 14, da República Democrática do Congo. A ideia de obter amostras de choros de crianças africanas e europeias visou a verificar se a cultura local e os hábitos de família afetariam os resultados.

          Todas as mães e metade dos pais passaram mais de quatro horas do dia com o filho. Os outros pais passaram menos de quatro horas diárias com a criança. Pediu-se aos pais que ouvissem uma gravação de três choros diferentes de cinco bebês com idades similares, sendo que um deles era de seu próprio filho. Os experimentos foram realizados em duas sessões. Em média, pais e mães conseguiram identificar o choro do próprio filho em 90% dos casos. As mães foram 98% precisas e os pais que passaram mais de quatro horas por dia com seus bebês alcançaram uma precisão de 90%.

          Os pais que passaram menos de quatro horas diárias com a criança só alcançaram uma precisão de 75%. Segundo o estudo, a hipótese do "instinto materno" é inválido, uma vez que as pesquisas do final dos anos 1970 e começo dos anos 1980 não levaram em conta o tempo que os pais passaram com seus filhos. Em termos biológicos, homens e mulheres são "procriadores cooperativos", assim a ideia de que um gênero é melhor do que o outro em um mecanismo básico de proteção do bebê é inadequado, ressaltou Mathevon.