domingo, 16 de junho de 2013

Quadrinhos

folha de são paulo


CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS
HAGAR      DIK BROWNE
DIK BROWNE









ALVES



Muita informação - Fábio Porchat


O Estado de S.Paulo 16/06/2013

Sônia:
E no programa de hoje a gente vai falar sobre esses protestos que tão acontecendo pelo Brasil todo.

Carlos:
Que loucura, né Ana?

Sônia:
Muita violência, né?

Carlos:
Ah, muita.

Sônia:
Que que você tá achando?

Carlos:
Difícil, né Ana?

Sônia:
Super.

Carlos:
Eu acho que todo tipo de agressão é ruim.

Sônia:
Eu também. Violência só gera violência.

Carlos:
É verdade.

Sônia:
Que loucura, né?

Carlos:
Que mundo é esse?

Sônia:
Tá tudo errado.

Carlos:
E ninguém faz nada.

Sônia:
Nada.

Carlos:
Émuito complicado também, né?

Sônia:
Demais. As coisas tão cada vez mais assim.

Carlos:
Pois é.

Sônia:
Mas tá certo protestar?

Carlos:
Democracia, né Ana?

Sônia:
Acima de tudo democracia.

Carlos:
Tomara que eles cheguem a algum consenso.

Sônia:
Vão chegar. Uma hora dá tudo certo.

Carlos:
Vamos torcer.

Sônia:
Eu peço às autoridades, encarecidamente, pra que tomem a smedidas corretas. Eu faço esse apelo.

Carlos:
Isso é muito importante, Ana.

Sônia:
Pra que os responsáveis por isso se acertem.

Carlos:
Por favor.

Sônia:
E a polícia?

Carlos:
Ah, a polícia tá lá, né?

Sônia:
Tá.

Carlos:
Que loucura a polícia, né Ana?

Sônia:
Uma situação muito delicada.

Carlos:
Tem razão.

Sônia:
É o momento de parar pra pensar e não tomar nenhuma atitude precipitada.

Carlos:
Totalmente.

Sônia:
É bom falar desses temas mais polêmicos porque o pessoal de casa precisa saber do que está acontecendo.

Carlos:
Com certeza.

Sônia:
Bom,mas agora vamos falar de coisa boa, vamos falar dessa novela das 9. Que escândalo esse Félix, né?

Carlos:
Incrível.

O Rei da Voz - Artur Xexéo


O Globo - 16/06/2013

É costume se dizer que a música no Brasil não é uma área
de vozes masculinas. Somos um país de cantoras. Eu mesmo
repito isso aqui de vez em quando. O Brasil é um país
de cantoras. Tenho uma teoria para explicar por que desvalorizamos
nossas grandes vozes masculinas, que não
são poucas. Vivemosmuito tempo sob asombra do talento de
Francisco Alves.

Embora esteja meioesquecido, Francisco
Alves é considerado atéhoje o maior cantor
brasileiro. Como morreurelativamente moço
(tinha 52 anos), deforma inesperada (um
acidente de automóvel)e no auge da carreira, o
país não acompanhousua decadência, como
aconteceu com OrlandoSilva e Nelson Gonçalves,
só para citar duasgrandes vozes do século
passado. Haviatambém João Dias, cujo
timbre e potência vocaleram tão parecidos
com o de Francisco Alvesque não teve chances
de se destacar.

O Brasil teve e tem
grandes cantores. Sílvio
Caldas, Ney Matogrosso, Agnaldo Timóteo, Roberto Carlos,
Vicente Celestino... Mas a grande voz masculina brasileira, a
única que teve chance de rivalizar com o mito Francisco Alves,
é a de Agnaldo Rayol. O Brasil sempre soube disso, tanto
que, na década de 60, ele foi homenageado pela TV Record,
que lhe deu o título de Rei da Voz, até então o título com que
era conhecido Francisco Alves.

Aqui, vale uma interrupção. Francisco Alves e mesmo Agnaldo
Rayol são de um tempo em que os artistas eram conhecidos
pelos títulos que recebiam nas estações de rádio,
principalmente de Cesar Ladeira, na Rádio Mayrink Veiga.
Todo mundo sabe que Carmen Miranda sempre foi a Pequena
Notável. Mas a gente anda se esquecendo de que Carlos
Galhardo (outra grande voz) era O Cantor Que Dispensa Adjetivos,
e Sílvio Caldas, O Caboclinho Querido.

Agnaldo Rayol viveu o auge da carreira num tempo em a
que a televisão valorizava as atrações musicais. Antes de a
TV Record lançar o “Jovem guarda”, o programa que fez Roberto
Carlos estourarem todo o país, ele era o
cantor mais popular doBrasil, posto garantido
por comandar o programa“Corte Rayol show”,
que dividia com o comedianteRenato Corte
Real. Dono de um repertórioromântico que
valorizava sua potênciavocal, ele sempre fez
por merecer o título deRei da Voz.

A esta altura, o leitortem todo o direito de
perguntar por que cargasd’água o colunista
escolheu Agnaldo comoo tema da semana.
É que o cantor vai lançaramanhã um novo
disco: “Agnaldo Rayol eamigos, ao vivo em alto-
mar”. A divulgaçãodestaca que este é o primeiro
disco brasileiro“gravado totalmente a
bordo de um navio”.

Não sei que vantagens isso poderá trazer para a obra. Para
mim, basta saber que Agnaldo está cantando alguns de seus
clássicos, como “Como é grande o meu amor por você”, “My
way” e “Somewhere” (descobri as canções de “West Side
story” num show da Record em que Agnaldo as cantava ao
lado de Elis Regina). Basta saber também que algumas das
faixas são duetos com gente da estirpe de Angela Maria e
Jerry Adriani. Basta saber, enfim, que, novamente, a gente
pode ter a grande voz masculina brasileira cantando dentro
da nossa casa. Quer saber? Eu vou comprar

A vida no centro dos ensaios de Montaigne - Entrevista Saul Frampton

folha de são paulo
ENTREVISTA SAUL FRAMPTON
O mundo à roda da torre
A vida no centro dos ensaios de Montaigne
FRANCESCA ANGIOLILLO
RESUMO Filósofo francês Michel de Montaigne é tema de livro recém-lançado no Brasil. Estudioso britânico examina os "Ensaios" sob o prisma da experiência imediata e cotidiana de seu autor e sugere que o termo "essai" tem mais a ver com "gosto" e com a atividade do pensador como viticultor do que com a ideia de "tentativa".
Dentro de uma torre cilíndrica, em meio aos vinhedos da região francesa do Périgord, foram produzidos alguns dos textos mais influentes da história do humanismo. Ali, cercado quase apenas dos livros deixados como herança pelo amigo Etienne de La Boétie, Michel Eyquem, o senhor de Montaigne, retirou-se do mundo das leis e escreveu seus famosos "Ensaios".
Nos textos, esse nobre e ex-magistrado (1533-92) se dedica à análise do mundo cotidiano, partindo de si mesmo e de sua experiência pessoal para investigar indagações e prazeres até então não frequentados pela filosofia habitualmente.
A relação de Montaigne com a vida mais imediata é o tema do britânico Saul Frampton, filósofo e estudioso de literatura renascentista, que oferece, em "Quando Brinco com a Minha Gata, Como Sei que Ela Não Está Brincando Comigo?" [trad. Marina Slade, Difel, 336 págs., R$ 39], uma fluente e agradável introdução à obra do pensador francês. Leia a seguir entrevista com o autor.
Folha - Por que escolher o tema do contato com a vida para abordar a obra de Michel de Montaigne?
Saul Frampton - Acho que porque queria me apropriar daquilo de que mais gosto em Montaigne. Todo mundo gosta dele, embora seja difícil dizer por que, exatamente. Ele é charmoso, elegante, espirituoso, engraçado, profundo, inteligente, tolerante, original.
Mas parecia-me que havia algo mais; o fato de que, lendo-o, a gente se sente próximo de um homem, não só de seus pensamentos, mas de seus gostos, sensações, do seu bigode, de seu cabelo castanho. Ele nos oferece não um retrato abstrato, mas íntimo, não só psicológico, mas quase físico.
Isso se cristalizou quando visitei a torre onde ele escrevia. Estar onde ele havia estado me causou frêmito. Ao mesmo tempo, concretizou meu desejo de me encontrar com ele, apesar da distância temporal, e, ao encontrá-lo, me encontrar a mim mesmo e à vida. Com Montaigne notei que descuidamos com frequência da proximidade com os outros e com a vida, mesmo se não há nada mais profundo que o nosso anseio por ela.
Há hoje uma grande quantidade de livros que tentam aproximar a filosofia da vida cotidiana, colocando as ideias e sua história sob a lupa da "utilidade". Considerando que para Montaigne a filosofia era a vida cotidiana, você acha que seu livro pode ser lido com esses olhos?
Sim e não (mas advertindo que não tenho uma opinião firme sobre como meu livro deva ser lido: se ele for lido, fico feliz). Devo dizer que sou grato à abertura desse campo de filosofia popular, dando chance a um livro como o meu de vir à luz. Mas com Montaigne se passa algo um pouco diferente. Existe a tentação de vê-lo como imediatamente relevante para os dias de hoje, de descrevê-lo como se ele fosse quase um blogueiro.
Para mim, há algo muito particular na maneira como ele aborda a vida. Nós costumamos vê-lo com uma perspectiva pós-iluminista, pondo a ênfase no aspecto ceticista de sua obra e vendo-o como uma personalidade relaxada, relativista. Mas ele tinha um lado sério, que nem sempre vem à tona, porque não é sistemático, e consiste no desejo de restaurar sua confiança na sociedade, uma sociedade que havia sido devastada pelas guerras religiosas.
Como esse lado aparece?
Em lugar de reafirmar sua confiança por meio de princípios abstratos, Montaigne se erigiu em exemplo. Apesar de não descrever a obra como didática, ele parece dizer que há formas honrosas de viver que não se baseiam nem no princípio religioso nem no político, mas dependem de uma disposição natural para a empatia --algo que ele depreende da observação tanto do mundo animal como do Novo Mundo. Ao se colocar sob exame, Montaigne nota essa empatia em sua tendência a imitar, em sua disposição para brincar com seu cão ou sua gata quando os animais querem brincar com ele.
Sua intenção é nos recordar de que todos temos essa capacidade: é o chamado do outro, mais do que a dor do outro, o que nos atinge. Eu acredito que o que Montaigne persegue se mostra, no nosso mundo des/conectado, como um aprendizado útil.
O sr. cunha uma nova hipótese para a origem do termo "essai", "ensaio", sob o qual Montaigne enfeixou sua obra, relacionando-o à acepção do verbo "essayer" que significa "provar", em vez da mais difundida entre os estudiosos do filósofo, "tentar". De que forma o sr. acha que essa proposição sua ilumina novas leituras de Montaigne?
"Essai" é normalmente traduzido como "tentativa", o que convém à leitura ceticista da obra de Montaigne. Mas ele era um "vigneron", um viticultor, numa era em que a produção de vinho se sofisticava. Tanto nos ensaios como nos seus diários de viagem fica claro quanto ele conhecia vinhos.
As palavras "essai" e "goût" --ambas significando "provar", "experimentar"-- são frequentes nos ensaios, e Montaigne se aferra muito a elas nas primeiras versões dos textos, só substituindo-as por outras, mais abstratas, como "apreender", em versões posteriores. O que isso sugere é que sua linguagem de viticultor lhe permite se colocar como objeto de sua própria experimentação --o que parece fácil, mas que ninguém tinha feito, dessa forma, antes dele.
Diferentemente da introspecção racional de, digamos, Descartes, Montaigne, ao se experimentar, demonstra consciência corporal, e não uma separação de mente e corpo: é mais humilde, mas mais vívido e profundo. Ele se lembra de sua animalidade, não de sua elevação. Ele se lembra do prazer e da experiência de viver. Essa consciência o conecta ao resto da sociedade, numa ideia de experiência compartilhada que todos nós deveríamos buscar.
A amizade com La Boétie foi determinante para os escritos de Montaigne. O sr. acha que a prevalência do ideal de amor romântico enterrou esse tipo de ligação intelectual?
De certa forma, a intensidade da relação de Montaigne com La Boétie reflete seu tempo: era uma sociedade fortemente patriarcal, e as relações masculinas eram consideradas mais perfeitas que aquelas entre homem e mulher. Isso ecoa a ideia clássica de amizade, livre de laços dinásticos ou conjugais. Além disso, para os humanistas do século 16, a amizade representava uma forma de liberdade linguística e intelectual: um espaço aberto para a discussão, isolado dos dogmas eclesiásticos.
Então, sim, para Montaigne, o papel da amizade ia além do recreativo ou do psíquico --era esse espaço para o livre pensar. Após a morte de La Boétie, seus ensaios de certa forma se tornam um sucedâneo da amizade. Montaigne dedica um ensaio inteiro à apreciação da conversação, mas, nele, o leitor é o seu amigo.
Montaigne recebeu uma educação bastante formal --provavelmente o padrão da época para alguém de sua posição. No entanto ele parece ter mantido o olhar atento às coisas mundanas, em vez de se voltar para temas supostamente mais elevados, como moral e religião. O sr. diria que essa é sua mais marcante singularidade como filósofo?
Sim, sua formação reflete o ideal humanista de aperfeiçoamento do homem. Ele era acordado pelo leve som de uma espineta [instrumento semelhante ao cravo] e aprendeu latim antes do francês. Seu aprendizado escolar representou uma imersão brutal na linguagem e nos costumes do classicismo, das sete da manhã às nove da noite. Mas Montaigne sempre teve clareza de que aquela era uma escola com professores "intoxicados pela própria raiva". O que ele mais apreciava nela era atuar, e isso talvez nos dê uma chave para o que você chama de sua mais marcante singularidade.
A função do teatro na escola era melhorar a oratória dos alunos, mas por meio dele Montaigne passou a observar, imitar e analisar o comportamento humano. Os ensaios estão perpassados pela preocupação com a linguagem e com o comportamento, não como simples expressões do pensamento, mas como forças em si. Ele lamenta que a atuação não fosse mais vista como profissão respeitável como na Antiguidade, e dá para se perguntar se, caso Montaigne não tivesse sido pressionado para estudar direito, não teria se tornado um Shakespeare francês.
Da forma como Montaigne é apresentado em seu livro, ele quase parece contemporâneo. O sr. acha que ele pode ser lido por qualquer um? Se não no original em francês arcaico, em traduções atualizadas é um autor tão acessível quanto parece?
Sim, ele é um desses grandes autores, como Shakespeare ou Cervantes, que podem ser lidos por "qualquer um". Seus ensaios começam meio devagar, com temas como diplomacia e estratégia militar, mas, conforme ele os reescreveu, eles os aqueceu, direcionando-os para seu tema --ele mesmo--, achando assim uma maneira de escrever como reviver, o que culmina no seu ensaio sobre a experiência.
Suas preocupações são imediatas, vibrantes e vivas: o sono, a tristeza, o amor e a amizade, filhos, sexo, morte. E seus diários de viagem, frequentemente deixados de lado, oferecem uma incrível visão de dentro do século 16: ele anda de trenó, fica em segundo lugar numa rifa e vai a Pisa, onde conhece o dr. Burro, que lhe dá um livro sobre movimentos das marés.
Montaigne nos oferece uma visão de algo que nós despachamos com muita facilidade: o simples fato de estar vivo. Seus ensaios são o que há de mais próximo, em termos literários, à matéria humana, em carne e osso.

Colunista Convidado - ZICA ASSIS - Garota da capa


O Globo - 16/06/2013


“A mulher da classe C hoje tem
acesso a coisas que, 20 anos atrás,
eram impensáveis! Internet, TV a
cabo, smartphones... Ela não fica
mais enfurnada atrás do fogão”


Há 20 anos, quando fundei minha empresa com meus
três sócios, as mulheres das classes mais baixas não tinham
poder de compra. A inflação nos preocupava, os
preços subiam a todo momento. Ninguém conseguia fazer
uma compra parcelada sem perder noites em claro
pensando em como ia pagar. Carteira assinada era algo
para poucos sortudos. Eu, por exemplo, antes de abrir o
primeiro salão, passei muitos anos trabalhando em casas
de família como empregada doméstica, babá e faxineira
e nunca tive registro profissional. E, hoje, em minha
empresa, emprego 1.700 colaboradores (90% são
mulheres). Todos com carteira assinada e benefícios.

O fim do fantasma da inflação naquela época, o crescimento
da economia e o aumento do número de empregos
formais deixaram as famílias mais tranquilas. A mulher
da classe C conseguiu, pela primeira vez, ter dinheiro
sobrando no fim do mês para gastar com ela mesma. A
saúde, a educação dos filhos, o pagamento das contas e
as compras do mês no supermercado ainda estão em
primeiro lugar. Mas hoje ela também pode separar um
pedacinho do seu salário para cuidar de si: ir ao salão de
beleza, comprar cosméticos, roupas, sapatos e realizar
seus pequenos desejos. Afinal de contas, ela trabalha, e
muito, para isso!

A indústria e o comércio hoje atendem a essa parcela
da população com o que ela merece. Já existem marcas
conceituadas que se preocupam, por exemplo, em oferecer
produtos de qualidade e preços mais acessíveis a belezas
que “fogem do padrão estético imposto pela sociedade”.

Mas isso ainda não é suficiente. É preciso ter cuidado e
carinho para elevar a autoestima dessa mulher. Atendêla
com encantamento, qualidade, oferecendo produtos e
serviços de alto padrão. A mulher da classe C hoje tem
acesso a coisas que, 20 anos atrás, eram impensáveis! Internet,
TV a cabo, smartphones... Ela não fica mais enfurnada
atrás do fogão assistindo ao mundo lá fora pela janela
da novela das oito. Ela é antenada e exigente.

Espertos serão os empresários que souberem seguir
esse filão sem depreciar ou subestimar o poder dessa
mulher da classe média popular brasileira. É ela, hoje,
quem faz as decisões de compra em casa. E pode decidir
muito mais, eu aposto. Essas são as verdadeiras poderosas.

Música de gênios

folha de são paulo
MAURO SENISE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sabe aquele cara que aos 20 anos não tinha educação musical alguma, sem a menor ideia do que era uma flauta, com o cabelo até os ombros e completamente inseguro sobre qual carreira seguir? Muito prazer, esse cara fui eu. Um jovem, em 1971, que amava Led Zeppelin, que abandonou a faculdade e resolveu estudar flauta na Pró Arte, no Rio de Janeiro.
Minha professora era a grande flautista Odette Ernest Dias, francesa radicada no Brasil. Com toda a paciência do mundo, Odette me apresentou não só à flauta, mas à música de Bach, à de Mozart e à de Pixinguinha (sim, porque Odette, apesar de ser flautista erudita, havia muito já tinha se apaixonado pelo nosso choro). Devo a Odette este "banho de boa música".
Em determinado momento de 1973, Odette reuniu quatro de seus alunos para formar o Quarteto Pixinguinha: Kim Ribeiro, aluno mais adiantado do que os demais, Ronaldo Alvarenga, eu e o quarto membro do grupo, de cujo nome já não me lembro. Um belo dia, lá fomos nós quatro, com Odette à frente, ao Bar Gouveia, na Travessa do Ouvir, segunda morada do mestre Pixinguinha.
Arquivo Pessoal/Arquivo Pessoal
Abaixo, Mauro Senise (esq.) e Neco; acima, Raimundo Nicioli (esq.), Kim Ribeiro, Cid Freitas e Nilton Botelho, em 1973
Abaixo, Mauro Senise (esq.) e Neco; acima, Raimundo Nicioli (esq.), Kim Ribeiro, Cid Freitas e Nilton Botelho, em 1973
Era mais ou menos uma hora da tarde, o bar fervilhava com garçons passando entre as mesas, equilibrando bandejas, gente falando alto, enfim, a balbúrdia comum nos bares do centro do Rio no horário de almoço.
Pixinguinha estava sentado à sua mesa cativa, bebericando sua água (naquela altura, o álcool estava cortado da vida do mestre). Odette se aproximou dele e, com seu sotaque carregado, disse:
-- Pixinguinha, gostarrria de aprrresentar a você meus alunos e pedirrr sua autorrrização parrra que eles coloquem o seu nome no quarteto que estão formando. Eles vão tocarrr "Ingênuo" parrra você.
Bom, tocamos essa música linda composta por ele no meio daquela confusão toda. "Fecha a mesa seis!", "Sai um filé com fritas!", "Mais dois chopes!". Quando terminamos, Pixinguinha, sorrindo largo, autorizou o batismo do quarteto com o seu nome. Comentou que ficava feliz de ver jovens cabeludos tocando a música dele, principalmente "Ingênuo", uma de suas preferidas, e ainda corrigiu uma nota:
-- Bonito, meninos, mas a segunda flauta tocou uma notinha errada. Na segunda parte, é um mi bemol em vez de um ré bemol.
Ficamos felizes da vida com aquela bênção do mestre.
Aí Odette, que tinha levado a flauta dela, disse:
-- Pixinguinha, gostaria de tocarrr prrra você "Syrinx" (uma peça de Debussy para flauta solo).
O velho mestre se levantou da cadeira com certa dificuldade, bateu palmas e, se dirigindo para o povo que conversava alto, disse:
-- Gente, silêncio porque agora a música é séria!
Não conheço lição de humildade maior do que esta dada por uma dos grandes gênios da música.
Pixinguinha morreu alguns meses depois desse nosso encontro, aos 75 anos. Eu segui a carreira de músico e neste ano completo 40 anos de estrada. Hoje, o Quarteto Pixinguinha é um quinteto formado por mim, pelos flautistas Kim Ribeiro e Franklin da Flauta, pelo violonista Raimundo Nicioli e pela flautista Andrea Ernest Dias, filha de Odette que, em 1973, engatinhava pela sala enquanto a mãe nos dava aula.
Não há uma única vez em que eu toque "Ingênuo" e que não sinta de perto aquele sorriso largo, com aqueles olhos apertadinhos, aquela presença linda a pedir silêncio para ouvir a música de um outro gênio.

'A vida não é só casar e ter filhos', diz atriz de peça sobre início do feminismo

folha de são paulo
SERGIO MADURO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A peça do dramaturgo irlandês Brian Friel, que a Cia. Ludens estreia no sábado (22) no Viga Espaço Cênico (zona oeste de São Paulo), retrata a transição de uma sociedade artesanal rural para uma sociedade capitalista urbana.
Com a direção de Domingos Nunez e elenco formado por Denise Weinberg, Sandra Corveloni, Clara Carvalho, Fernanda Viacava, Isadora Ferrite, Gustavo Trestini, Renato Caldas e Bruno Perilo, a montagem conta a história de cinco irmãs solteiras que têm a vida transformada pela chegada de um aparelho de rádio e pela volta do irmão missionário que está doente.

"Dançando em Lúnassa"

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João Caldas/Divulgação
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A montagem "Dançando em Lúnassa", com a Cia. Ludens, texto do dramaturgo irlandês Brian Friel e direção de Domingos Nunez, aborda as transformações em uma família de cinco irmãs solteiras, no contexto da transição de uma sociedade rural para uma industrial
Em cena, Michael, o narrador, evidencia a crise desse núcleo familiar --a família Mundy-- estruturado por essas cinco mulheres: a chegada das fábricas e das máquinas compete com o artesanato que algumas pessoas da cidade fazem, entre as quais uma das irmãs.
O espetáculo se passa em uma cidade fictícia, em 1936. O nome da peça vem de uma festa pagã em louvor ao deus celta Lugh, às vésperas da qual se fazem as revelações que colocam em jogo a rotina e as crenças da família.
O mesmo texto também gerou o filme "A Dança das Paixões" ("Dancing at Lughnasa"), de 1998, com Maryl Streep.
As atrizes Clara Carvalho, Sandra Corveloni e Denise Weinberg destacaram alguns aspectos da montagem.
*
ABAIXO, CONFIRA ENTREVISTA COM AS ATRIZES:
sãopaulo - Como vocês analisam suas personagens no contexto da peça?
Clara Carvalho - Agnes é a terceira irmã, Ela é a mais misteriosa, a mais introvertida e a principal tricoteira da cidade, junto com a irmã mais nova, que tem transtornos e de quem ela cuida. É a irmã sobre a qual se dão menos explicações. Eu e os espectadores temos de construir todo o mundo interno dela.
Ela propõe mais perguntas do que respostas. O mundo dessas mulheres é atropelado pelos fatos. São delicadezas que se despedaçam. É um mundo de ruptura, de dor, de readaptação, mas sem drama, sem tintas muito fortes.
Além do mais, não posso deixar de dizer que reencontrar a Denise [Weinberg] e a Sandra [Corveloni], com as quais trabalhei no [Grupo] Tapa é especial. Somos uma fraternidade.
Sandra Corveloni - Maggie, minha personagem, é uma mulher que fica em casa. É uma dona de casa que cuida das galinhas, racha lenha, cuida da horta, trabalha com coisas concretas. É uma pessoa muito forte e, ao mesmo tempo, muito sensível. Ela não deixa a peteca cair. Está sempre cantando para deixar o ambiente mais descontraído, ou conta uma piada, para aliviar as tensões do cotidiano. Não demonstra fraqueza, sempre tenta apoiar as irmãs. Não tem filhos, mas é muito espontânea, amorosa, sempre vendo o lado dos outros.
Ela é muito parecida comigo, é brincalhona, como eu que gosto do contato com as pessoas e não tenho travas para demonstrar carinho e amizade.
Todas as irmãs [Mundy] são transgressoras, cada uma à sua maneira.
É preciso lembrar que, em 1936 [quando acontece o enredo da peça] uma mulher que não se casava não servia para nada.
Essa montagem é encantadora pelo texto bem escrito, construído com silêncios que fazem parte da dramaturgia.
Denise Weinberg - Kate é a mais velha das irmãs, a que trabalha fora, é professora e provedora da família. Ela cuida da parte externa da casa, uma vez que as outras irmãs são mais caseiras e domésticas.
Kate tem uma simbologia interessante. [O autor Friel] situou o texto no passado, no início da independência da mulher. É interessante porque também na dramaturgia de Ibsen e de Strindberg começa a ter um movimento feminino muito forte que culmina com o feminismo.
A peça fala sobre libertação, mostra que a vida não é só casar, ter filho e ser feliz. Aliás, o que é ser feliz?
O texto é atual. Hoje, a mulher está numa encruzilhada, numa situação afetiva muito complicada: os lugares masculinos e femininos estão muito confusos; botamos calça e perdemos nossa feminilidade.
Sou apaixonada por esse texto há muito tempo. Juntar um elenco tão legal, com atrizes que foram minhas parceiras no [Grupo] Tapa, está sendo bem gostoso.
Viga Espaço Cênico. R. Capote Valente, 1.323, Pinheiros. Tel. 0/xx/11 3801-1843. 80 lugares. Sex. e sáb.: 21h. Dom.: 19h. 110 min. 12 anos. Estreia em 22/6. Até 18/8. Ingr.: R$ 20.

Nas Festas de Lisboa, a Alfama é um demónio

folha de são paulo
ISABEL COUTINHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LISBOA

Nas Festas de Lisboa, que acontecem entre 12 e 13 de junho --dia de Santo António, o padroeiro da cidade-- os eléctricos vão da Baixa até ao Castelo decorados com sardinhas, e exposições são dedicadas às manjuas. Em "Há que Ter Lata", a artista alemã Antje Weber, residente na cidade, trabalhou em latas de sardinhas; "A Sardinha É de Todos" mostra o que vários ilustradores criaram ao longo de dez anos em que o peixe tem sido a marca oficial das festas da cidade (festasdelisboa.com).
"A nossa marcha é linda!", ouve-se gritar em Alfama à passagem das raparigas de saia rodada, arquinhos e balões, que percorrem o bairro antes do grande dia em que desfilam na avenida da Liberdade disputando o prémio de melhor marcha popular com os outros bairros de Lisboa. "Ié, ié, ié, Alfama é que é!", é outro dos pregões. Esta é a semana em que o tradicional bairro lisboeta se transforma em "demónio", como canta a fadista Carminho.
Em vésperas do dia de santo António, não há vizinho que não tente a sorte e improvise. De martelo, pregos e tábuas na mão, todos são carpinteiros por umas horas. E mesmo aqueles que não se falam durante o ano inteiro juntam esforços para ganhar uns cobres.
Por estes dias, as ruas do bairro são invadidas por mesas, bancos e barracas para vender cerveja, e fogareiros são colocados à porta das casas. As crianças vão montando os tronos de santo António para pedirem moedinhas, vendem-se manjericos com quadras populares e, quando chega a noite, em cada esquina, beco, escadinha, rua estreitinha, há um bailarico. Lá diz a canção "risos gargalhadas, fados desgarradas, hoje Alfama é um demónio...".
E o demónio venceu a 81ª edição das Marchas Populares, com 24 pontos de vantagem sobre o segundo colocado, o bairro Alto do Pina.
AQUI HÁ GATO!
Numa cidade debochada e devotada à sardinha há que ter um gato. Ricardo Araújo Pereira, conhecido no país por RAP, é um dos quatro humoristas do Gato Fedorento.
Apesar de não se juntarem em televisão há mais de três anos, no ano passado os portugueses iam para o trabalho a ouvir Mixórdia de Temáticas, a rubrica de RAP nas manhãs da rádio Comercial.
Embora para muitos brasileiros o RAP seja o cara que sugou pudins no sofá do Jô Soares em 2012, em Portugal ele acaba de receber o Grande Prémio da Crónica atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores. Algumas das crónicas estão publicadas no Brasil no livro "Se Não Entenderes Eu Conto de Novo, Pá" (Tinta da China).
Em Portugal, Ricardo coordena também uma colecção de literatura de humor. O humorista e escritor português regressa ao Brasil para o Risadaria, onde se apresenta de 19 a 23 de junho. Não percam.
PARA ALÉM DA LITERATURA
Miguel Sousa Tavares acaba de lançar um novo romance, "Madrugada Suja", pelo qual desfilam os últimos 30 anos da vida portuguesa, a corrupção política e o Alentejo. Mas o lançamento do livro passou ao segundo plano, quando, numa entrevista ao "Jornal de Negócios", teve um "deslize": "Beppe Grillo [comediante italiano, candidato à Presidência]? Nós já temos um palhaço. Chama-se Cavaco Silva [o presidente português]".
A Procuradoria-Geral da República abriu um inquérito, considerando que as declarações do escritor são susceptíveis de integrar a prática do crime de ofensa à honra do Presidente da República (punível com pena de prisão ou multa).
Miguel admitiu ter sido "excessivo" e reconheceu que não o devia ter dito, apesar de as palavras terem sido dirigidas ao homem político.
LÍNGUA COMUM
A entrega do Prémio Camões a Mia Couto reuniu Cavaco Silva, a presidente Dilma Rousseff e o escritor moçambicano no Palácio de Queluz. Aconteceu na última segunda, que além de Dia de Portugal e de Camões, foi também o dia do encerramento do Ano do Brasil em Portugal. E vai deixar saudades.
Uma das frases mais belas dos discursos coube a Dilma: "Aos brasileiros, a obra de Mia Couto tem ajudado a descobrir muitas Áfricas para além daquela guardada nos sonhos e na memória de nossos inegáveis laços históricos".
Mia Couto deixou uma mensagem de esperança para os três países: "Pensamos que um prémio serve para celebrar o que já fizemos, prefiro pensar que um prémio serve para o que há ainda para fazer", para que "seja mais viva e mais verdadeira esta família que celebramos nesta língua comum".