domingo, 2 de junho de 2013

Lívia e o cemitério africano

folha de são paulo
ALBERTO MARTINS
ESPECIAL PARA A FOLHA

SOBRE O TEXTO A série Primeiríssima Mão, em que a "Ilustríssima" adianta os principais lançamentos do ano apresenta trecho de "Lívia e o Cemitério Africano", novela em que Alberto Martins retoma a prosa autobiográfica de "A História dos Ossos" (2005). O livro, ilustrado com gravuras do autor como a reproduzida nesta página, sai no final do mês, na coleção Nova Prosa, da Editora 34.
*
Tinha neblina no Alto da Serra.
Por um momento cheguei a me perguntar se não seria melhor pegar a alça de retorno e voltar para São Paulo -mas o menino estava tão animado com a perspectiva de almoçar na Ponta da Praia que decidi não abrir mão do passeio e mergulhei, temeroso e feliz, na massa úmida de neblina.
Pouco depois um rasgo azul abriu o nevoeiro e, duas centenas de metros abaixo, as nuvens se dissiparam por completo. Uma curva despejou dentro do carro a visão da Baixada, com seus rios, mangues, trilhos, um pontilhão de pedestres, o labirinto de canos da Cosipa, uma vila bastante precária e pequenas elevações que podiam esconder sambaquis pré-históricos. Lá na ponta, o litoral feito em pedaços, cortado, recortado e montado outra vez com fatias de Vicente de Carvalho, Guarujá, Santos, São Vicente e Praia Grande -cacos de cidades ligadas e desligadas ao sabor dos acidentes geográficos.
Diante da visão, a conversa dentro do carro ganhou volume e até minha mãe, que parecia sonolenta naquela manhã, agitou-se no banco e deu mostras de estar atenta à paisagem.
*
Na Ponta da Praia, a novidade eram dois restaurantes recém-construídos que avançavam seus deques de madeira sobre o mar. O primeiro estava lotado. No segundo, sem música, uma família com cinco crianças terminava a refeição. Ficamos quinze ou vinte minutos à espera do garçom, enquanto o vento sacudia as pontas da toalha, arrastando pelo chão casquinhas de camarão frito e guardanapos de papel.
Pedi uma porção de peixe.
Notei que minha mãe não tirava os olhos das pedras empilhadas à beira-mar. O menino, meio corpo debruçado na balaustrada do deque, se entretinha com o movimento dos barcos que iam e vinham entre o píer, a Pouca Farinha, o Góes, a Ilha das Palmas. Tentei puxar conversa com minha mãe uma, duas, três vezes, sem sucesso -até que também comecei a achar interessantes aquelas pedras.
Primeiro, imaginei que tivessem sido lançadas do mar por um cortejo de barcaças em movimento. Depois corrigi minha imaginação: o mais provável é que tivessem sido despejadas das caçambas de caminhões e empilhadas na areia, rente à água, enquanto se construía o calçadão. Até a Segunda Guerra todos aqueles terrenos eram ocupados por 109 chácaras de japoneses que, logo depois de Pearl Harbor, foram expulsos de seus lotes. Com a edificação da orla, as pedras extraídas do interior da ilha foram empilhadas na beira-mar para proteger a cidade contra os golpes de ressacas e marés. Dava para ver que tinham caído e se acomodado de maneira aleatória, formando encaixes muito particulares: não uma face justaposta a outra, como num muro solidamente assentado por um canteiro -mas quina com quina, aresta contra aresta.
Comemos o peixe. Pedi uma porção de fritas, três copos de água de coco -e fiquei em silêncio: minha mãe estava realmente estranha. Talvez fosse o desconforto de pisar um chão de madeira suspenso dois ou três metros acima do mar. Perguntei se ela gostaria de mudar de mesa, de sentar-se mais atrás, em terra firme -e ela, que nos últimos tempos tinha tão pouca autoridade, me respondeu com um gesto duro, exigindo silêncio. Não queria ser distraída. O menino se ergueu com dificuldade e foi explorar o deque de uma ponta a outra. Enquanto as fritas não chegavam, resolvi descer até o calçadão e me aproximar da rampa de pedra que era usada para recolher ou baixar pequenos barcos até a água.
Uma ondinha fraca cobriu algumas pedras e sumiu, borbulhando, nos buracos. Deixou atrás de si um rastro brilhante, logo ocupado por um batalhão de baratinhas d'água. Mas bastou eu passar o peso do corpo de uma perna para outra, que elas sumiram como por milagre entre as frestas. Então reparei nas cracas. Pareciam craterinhas de vulcão e, não sei por quê, me lembrei das fotografias da Lua com sua areia cinza-claro, riscada de cicatrizes. Mais abaixo, me surpreendi ao encontrar fiapos verdes ondulando conforme a entrada e a saída da água -então ainda havia vida por ali. Ainda havia oxigênio e clorofila e nutrientes o bastante para que brotassem algas naquele mar pesado, oleoso.
Virei a cabeça de lado para aproximar o ouvido -queria escutar melhor a mistura dos sons, aquele encontro tumultuado de pedra e água- e prendi a respiração. Num primeiro anel, giravam as buzinas e os motores dos automóveis que passavam na avenida; a música de um rádio apoiado na mureta da praia. Atravessando esse anel havia outro, com pássaros, uma brecada, o assovio deslocado de um amolador de facas e uma conversa interminável junto ao carrinho de churros. Abaixo disso, havia o choque-choque morno das marolas, quebrado vez ou outra por uma rebentação mais forte, na esteira de uma lancha. Mais abaixo, o borbulhar contínuo da água salgada, entrando e saindo dos buracos entre as pedras. E, mais fundo ainda, por baixo de todos esses sons, num último aro feito de microalto-falantes e tentáculos e membranas, colada nas pedras, abaixo da linha d'água, produzindo um rumor incessante de guizos -a respiração afiada dos mariscos.

O SEGREDO DOS OLHOS DELE


Fotógrafo especializado em retratos conta os bastidores de ensaio com Chico Buarque, logo depois de um jogo de futebol





Os olhos de Chico Buarque
parecem ainda
mais verdes no retrato
ao lado, feito por Jorge Bispo,
fotógrafo que ganha reportagem
especial na “Vizoo” deste
mês. Bispo conseguiu melhorar
e dar um charme a mais até
no que para toda a Humanidade
parece perfeito.

“Fizemos a foto no campo do
Politheama, depois da pelada
dele”, conta o fotógrafo, que esperou
Chico terminar o jogo e
tomar banho, para só então
botar sua câmera em ação.

“Ele está até um pouco molhado”,
diz. “Embora tenha posado
com a roupa do jogo, foi
uma foto produzida, montamos
uma luz especial. Por isso
— e pelo dia estar bem ensolarado
—, os olhos ficaram marcados,
aparentemente mais
claros que o normal”.

Chico, tricolor doente, e Bispo,
flamenguista fanático, ficaram
amigos durante o ensaio, e o
fotógrafo voltou de carona para
casa com o compositor. Vieram
juntos, papeando, do Recreio,
onde o Politheama joga,
até o Jardim Botânico.

A revista vai mostrar parte do
portfólio do fotógrafo, com bonitas
imagens de Erasmo Carlos,
Ed Motta, Gilberto Gil,
Emicida, e meio mundo da TV,
do cinema e da MPB.

O GLOBO - 02/06/2013

Entrevista: Heloisa Starling ‘A estrutura de repressão já está contida em 64. Em 68, se expande’ -


O Globo - 02/06/2013


Professora, pesquisadora e assessora da Comissão Nacional da Verdade refuta a tese de que a tortura foi uma resposta à luta armada no país.


EVANDRO ÉBOLI
eboli@bsb.oglobo.com.br


 Por que recusa o termo
“golpe dentro do golpe"?
Porque estamos conseguindo
elementos empíricos de
pesquisa que nos permitem
pensar que a estrutura de repressão
da ditadura já está
contida em 64. E a partir de
68 se dá a expansão disso, a
continuidade. Ou seja, a matriz
da repressão foi montada
bem antes, em 64 e 65. E a
tortura virou uma prática de
interrogatório. Aliás, essa hipótese,
de a tortura começar
cedo, foi levantada pela Rosa
Cardoso (coordenadora da
Comissão da Verdade).

Ou seja, nada acontecia por
acaso. Tinha uma organização
desde sempre.
O AI-5 pesou sim, assim como
existiu a linha dura. Isso tudo
está certo. Mas o que nós estamos
descobrindo é a matriz
anterior à luta armada. Não se
dá de forma pontual e desorganizada.
O raciocínio militar
de que se estava numa guerra
sempre existiu, não foi só a
partir de 68 ou 69. O AI-5, diria,
foi importante sim, mas
não foi determinante.

lO seu trabalho revelou que
os ministros militares da época
tinham conhecimento do
que ocorria nos porões dos
DOI-Codi. Era imaginável,
mas ainda não comprovado.
Não havia documento revelando
com tanta clareza que a cadeia
de comando chegava aos
ministros. Acho que estamos
conseguindo comprovar, de
maneira irrefutável, alguns fatos
importantes para a História.

A Comissão da Verdade já
conclui também que o Rio
era o foco principal dos militares
no início do golpe.
É impressionante o quadro do
Rio. Eram muitos centros de
tortura ali, as prisões ocorriam
em massa. E é interessante
pensar que as denúncias no
Rio eram todas ligadas a
operários, sindicalistas e ao
movimento estudantil.

 A comissão identificou
até universidades e navios
como locais de tortura.
E os estádios de futebol?
É simbólica a utilização do
estádio como espaço para as
ações do governo de exceção.
Logo vem a cabeça o
Estádio Nacional do Chile.
Mas aqui estamos rastreando
e temos informações do
uso do Caio Martins e até do
Maracanã. Talvez tenhamos
notícia logo sobre isso.

 Há uma queixa da Comissão
da Verdade sobre o
pouco empenho dos comandos
militares em colaborar
com informações. A
senhora constata esse fato?
Acho que os documentos
existem e me cabe estudar e
pesquisar os que estão disponíveis.
Mas recorro ao
Chico Buarque, que diz numa
letra (”Hino da Repressão”)
que “se no seu distrito
tem farta sessão de afogamento,
chicote, garrote e
punção; a lei tem caprichos,
e o que hoje é banal um dia
vai dar no jornal”.


Quadrinhos de hoje

folha de são paulo
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS
HAGAR      DIK BROWNE
DIK BROWNE

LÉZIO JUNIOR
LÉZIO JUNIOR

Quadrinhos de ontem

CHICLETE COM BANANA      ANGELI - folha de são paulo
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE
DIK BROWNE