sábado, 23 de novembro de 2013

A vida é um novelão - João Paulo

A vida é um novelão 
 
Considerada alienante em termos sociais e inepta artisticamente, a novela enfrenta preconceitos 
 
João Paulo

Estado de Minas: 23/11/2013


O ator Mateus Solano, com seu excessivo e verossímil Félix, já faz parte da história da telenovela brasileira   (João Miguel Jr./Divulgação)
O ator Mateus Solano, com seu excessivo e verossímil Félix, já faz parte da história da telenovela brasileira


Numa semana marcada pelo clímax de um processo que tomou anos do país, com a prisão dos réus do "mensalão", o fato que conquistou maior audiência na TV e nas redes sociais foi o capítulo da novela Amor à vida em que o vilão Félix é desmascarado (aliás, ele é desmascarado de 10 em 10 capítulos por motivos diversos). O primeiro julgamento, mais apressado, aponta para o baixo nível de politização do brasileiro, que estaria deixando de lado assuntos importantes para dedicar-se a seguir um dramalhão. Nada mais que uma versão tupiniquim do diagnóstico marxista: a novela é o ópio do povo.

A teledramaturgia brasileira nunca foi muito valorizada pelos intelectuais. Pelo menos por parte deles. Dias Gomes, um dramaturgo sofisticado que escreveu entre outros clássicos O pagador de promessas, percebeu o potencial do folhetim televisivo, tendo se dedicado às novelas por longo período de sua vida. Comunista, ele sabia que Marx, em seu juízo sobre a religião, identificava o papel mobilizador dos ritos, não apenas seu caráter alienante. Com O bem-amado, Dias Gomes obteve o maior sucesso de sua carreira e mostrou que era possível divertir sem amortecer o pensamento.

Além de Dias Gomes, outros nomes de respeito na literatura, no teatro e no cinema brasileiro ensaiaram carreira na televisão, como Jorge de Andrade, Bráulio Pedroso, Antônio Calmon, Bosco Brasil, Ferreira Gullar, Jorge Furtado, Mário Prata, Lauro César Muniz e Maria Adelaide Amaral. Essa inclinação para um veículo mais popular foi vista quase sempre com reservas. Mas contribuiu para alargar o repertório da dramaturgia para a TV, em termos de texto, recursos cênicos e temas.

Outro mito recorrente no tratamento das telenovelas no Brasil é o passadismo. Parece que tudo era genial e hoje é um lixo. Autores que foram massacrados a seu tempo são considerados clássicos atualmente. Até mesmo a mulher de Dias Gomes, Janete Clair, que era combatida sem trégua pela crítica, ganhou o reconhecimento póstumo por sua arte capaz de mobilizar a atenção de milhões de pessoas a cada noite. Milhões. O mesmo processo se deu com o cinema americano e com a literatura policial. Depois de recusados pela elite, passaram a compor patrimônio intelectual de seu tempo e se tornaram cults.

Considerada alienante em termos sociais e inepta artisticamente, a novela enfrentou mais uma muralha de discriminação. É o terceiro capítulo nessa história: as pessoas não gostam de espelho. Sem teoria, com uma estética compósita, que reuniu elementos do rádio, do teatro e do cinema, a telenovela foi aprendendo que sua aceitação está ligada à vida. Não que isso signifique uma tentação ao realismo, longe disso. Muitas vezes, a melhor forma de incorporar a dimensão simbólica da cultura popular é o sonho e fantasia desbragada, quase surreal.

Os enredos dos folhetins são esquemáticos, se dividem em núcleos e criaram alguns modelos que se tornaram canônicos. Há a novela de época, a comédia de situações, as tramas de classe média. Em todas elas habitam caracteres que parecem fluir de uma para outra: o pobre coitado, o ingênuo, o vilão, o lutador, o jovem apaixonado, o empresário rico, os humilhados e ofendidos. O espectador, como uma criança que pede que lhe contem sempre a mesma história para adormecer, assiste às novelas como quem se reencontra com as peças do jogo social que ele domina. O impulso é do reconhecimento, não da surpresa. O pulo do gato dos bons teledramaturgos é inverter o jogo.

Por fim há o último degrau do preconceito, que acusa as novelas de passar por cima da complexidadade da existência. Num contexto de vida privada inflacionada por redes sociais narcisistas, a novela propicia, ainda que com muitas limitações, a constituição de uma ágora na qual podem ser debatidos temas como discriminação racial, homofobia, corrupção, reforma agrária, saúde pública etc. Querer que esses assuntos sejam patrimônio de discussões teóricas é apenas elitismo. A vida é um novelão.

O mal-amado

O brasileiro é o povo que mais entende de novela no mundo, pela simples razão que faz as melhores produções do gênero. Os americanos são mestres nos seriados, superproduções sofisticadas, com roteiros de alto nível. É um produto diferente, mais bem acabado e com menos espaço para a participação do espectador. Os norte-americanos sabem do que o público precisa e dão a ele o que espera. Além disso, com amadurecimento técnico do cinema, têm uma obsessão pela qualidade. Os seriados são produto, mais individualizado, que ganha em eficácia, mas perde em empatia. A novela precisa ser assistida em conjunto, é uma criação coletiva que faz circular uma energia que se realiza publicamente.

De certa forma a singularidade psicológica de cada povo ganha representação em dois produtos da indústria de entretenimento. Quem assiste a um seriado compra um pacote, do qual é uma espécie de dono ou patrocinador. Assim, escolhe o gênero (do humor ao horror, passando por histórias de família, vampiro, máfia ou ilhas desertas) e frui o investimento. Quem acompanha uma novela não tem direito a nada e, ao mesmo tempo, é capaz de alterar o rumo da trama. O americano consome (como a classe média brasileira com sua indecente capacidade de emulação); o brasileiro convive.

Voltando a Amor à vida, de Walcyr Carrasco, fica difícil entender por meios racionais a razão do sucesso da produção. A novela é fraca em termos de dramaturgia e invenção, o que explica que os resumos dos capítulos seguintes não desestimulem a audiência. Em outras palavras, as pessoas não assistem ao folhetim para saber o que vai acontecer (todo mundo já sabe), mas para se reconhecer nos dramas humanos que circulam o personagem central, Félix, interpretado com brilhantismo por Mateus Solano. Félix é um vilão detestável, mas capaz de gerar identificação.


É comum que as pessoas comentem que o ator “trabalha bem”, como se, com esse juízo, explicassem por que se afeiçoam a um canalha. Mesmo o humor do personagem, sempre violento e de mau gosto, testa os limites do telespectador, como se ele se sentisse constrangido em achar graça de alguém como Félix. Amor à vida é uma novela em que o mal ganha todos os espaços: as pessoas são ambiciosas, mentirosas, fracas, preconceituosas. Um mensalão sem o recurso da cadeia redentora de nossas culpas.

Quem não gosta de novela não está perdendo apenas um bom programa, mas uma chance de entender um pouco melhor o Brasil. Quando a justiça se parece com vingança, há muito deixou de ser justiça. Como "mensalão" tucano vem aí, talvez seja a hora de chamar outro dramaturgo para conduzir o enredo. O final não vai ser feliz, mas pode ser mais verdadeiro. Se é para desligar a novela, que a realidade mostre mais competência.

jpaulocunha.mg@diariosassociados.com.br

Salve, malandragem - Ailton Magioli

Salve, malandragem
 
Selo Discobertas lança pacote com três discos de Moreira da Silva gravados nos anos 1950. Biografia escrita pelo pesquisador Alexandre Augusto resgata o criador do samba de breque


Ailton Magioli

Estado de Minas: 23/11/2013


O sambista Kid Morengueira na época em que lançou os discos que foram reunidos pelo selo Discobertas (Sonora Editorial/Divulgação)
O sambista Kid Morengueira na época em que lançou os discos que foram reunidos pelo selo Discobertas


Treze anos depois de sua morte, o carioca Moreira da Silva (1902-2000), também conhecido como Kid Morengueira, tem a discografia original dos anos 1950 reeditada pelo selo Discobertas, que, em 2011, fez o mesmo com a obra posterior do cantor e compositor.

“Considero a segunda fase da carreira dele, já quarentão e à beira de se consagrar como o homem do samba de breque, muito boa. É interessante ouvir os discos de 78rpm na ordem em que foram lançados, periodicamente ao longo da primeira metade dos anos 1950”, avalia Marcelo Fróes, que, além do box de três CDs, que inclui o raríssimo álbum O tal, de 1956, nunca antes reeditado, aproveita para fazer o relançamento casado com a biografia O último malandro, de Alexandre Augusto, devidamente atualizada.

Originalmente lançada em 1994, quando o biografado ainda era vivo, Moreira da Silva – O último malandro foi revista pelo autor, que, atualmente, vive na Inglaterra, onde faz mestrado em comunicação e novas tecnologias digitais. “Para mim ele foi a encarnação da malandragem carioca”, diz Alexandre Augusto. Baiano de Feira de Santana, o jornalista começou a pesquisar a vida de Moreira da Silva em 1992, transferindo-se para o Rio dois anos depois.

“Morengueira foi o pai do samba de breque, influenciou muito mais gente do que se imagina”, admite Marcelo Fróes, cujo Discobertas fez parceria com a distribuidora Índigo para o lançamento conjunto do box Moreira da Silva anos 50 com a biografia. “Ele deixou uma obra vasta e longeva ao viver quase 100 anos e trilhar uma carreira de quase sete décadas”, constata o biógrafo Alexandre Augusto, lembrando que o artista carioca passou por todos os momentos da música brasileira do século 20. “Ele foi do circo aos grandes palcos”, ressalta.

Esta é a primeira fez que o selo carioca promove lançamento casado e a expectativa de Fróes é de boas vendas frente à proximidade das festas de fim de ano. O fato de o raríssimo O tal jamais ter sido reeditado intriga o também pesquisador carioca, ao salientar que nem sequer a família tinha um exemplar do álbum de 1956. “Consegui com um amigo e fizemos a restauração quando a família autorizou a reedição”, revela Fróes, que traz finalmente o material de Kid Morengueira daquele período para a era digital.

Para o proprietário do selo Discobertas, o grande legado de Moreira da Silva para a música brasileira é o humor, até então restrito às marchinhas de carnaval. “Com Kid Morengueira tudo era engraçado o ano inteiro”, atesta o pesquisador carioca. Do novo pacote do selo Discobertas fazem parte clássicos como Acertei no milhar, Falso gaiato, Amigo urso, Turma do funil e Na subida do morro. Na biografia que está sendo reeditada, o leitor vai encontrar a discografia completa de Moreira da Silva.

Três perguntas para

Alexandre Augusto
pesquisador e biógrafo

Por que o relançamento do livro agora?
Quando terminamos a biografia, o Moreira ainda estava vivo. Foi algo que me deixou muito feliz lançar o livro com a presença dele. Foi uma festa linda no MAM do Rio de Janeiro. O relançamento agora se deu por um convite que o Marcelo Fróes me fez no início do ano. Ele passou alguns anos tentando me localizar depois de lançar a excelente caixa com os principais discos do Moreira. Topei na hora, pois acho importante o resgate da obra e da vida do importante artista brasileiro.

O que esta nova edição traz de novidade?
Fiz um posfácio especialmente para esta edição. Conto os bastidores do livro e atualizo os últimos anos da vida de Moreira. Confesso que fiquei bastante emocionado ao me lembrar disso tudo e das minhas histórias com Kid Morengueira.

Como biógrafo, que imagem você guarda de Kid Morengueira?
Moreira, para mim, foi a encarnação da malandragem carioca, do Rio Cidade Maravilhosa. Um cantor, um gaiato, enfim. O último dos malandros.

 (Sonora Editorial/Reprodução)

MOREIRA DA SILVA – O ÚLTIMO DOS MALANDROS

• De Alexandre Augusto
• Editora Sonora
• 304

Paisagens imaginárias [Umberto Eco] - João Paulo

Paisagens imaginárias
Umberto Eco dá sequência à sua peculiar história das ideias e da arte com livro sobre lugares que se tornaram lendas ao longo dos séculos. Estudo combina erudição filosófica e iconografia 
 
João Paulo

Estado de Minas: 23/11/2013


Enéas desce ao averno, de Nicolò del'Abattte, século 16  (Editora Record/Reprodução)
Enéas desce ao averno, de Nicolò del'Abattte, século 16

Um livro maravilhoso. Não pode ser outra a definição de História das terras e lugares lendários, de Umberto Eco. Como o nome indica, o romancista, semiólogo e filósofo italiano desta vez oferece ao leitor uma geografia tão rica como fantástica. Na sequência de seus originais livros de arte (História da beleza e História da feiura), Eco traz para o primeiro plano os cenários mais importantes da história da imaginação humana. E o resultado é triplamente maravilhoso: pelos lugares em si, pátrias de maravilhas; pelo texto sempre erudito e sofisticado do autor; e pela riqueza da pesquisa iconográfica, que percorre o arco desenhado pela história das artes no Ocidente e Oriente.

Umberto Eco, com seu conhecido senso tomista e classificador, certamente é cuidadoso na escolha de seus sítios lendários. Não se trata, como no livro de Alberto Manguel (Manual dos lugares fantásticos), de uma enciclopédia na qual cabem desde lugares fictícios criados por romancistas até endereços reais que ganharam a aura do maravilhoso em razão da história que abrigam. Se para Manguel, por exemplo, o País das Maravilhas é um local tão real como o chão que se pisa, para Eco é apenas uma criação literária, uma invenção. O que ele persegue são as lendas que se tornam críveis.

E nesse terreno, esclarece o autor, há desde continentes como Atlântida, que habita as convicções dúbias de muitas mentes ao longo dos séculos, até terras atualmente existentes, ainda que em forma de ruínas, como Alamut, em torno da qual circulam lendas ancestrais. O que convoca a inteligência e erudição de Umberto Eco não são as lendas em si ou os lugares imaginários ou reais em que se sedimentam, mas a capacidade que têm de gerar um fluxo de crenças.

E é com esse intento que o autor passa a sua seleção de lugares lendários, como as mitologias em torno da forma da terra (da terra plana sustentada por tartarugas à existência dos antípodas), o país da rainha de Sabá, as terras percorridas por Homero em sua Odisseia, Camelot, Atlântida, as migrações do Graal, as diversas ilhas da Utopia, o país da Cocanha, a ilha de Salomão, o interior da terra e o mito polar, a invenção de Rennes-le-Chatêau, entre outros destinos fantásticos que habitam nosso repertório de mitos.

Dividido em 15 capítulos, História das terras e lugares lendários é composto da soma de muitas astúcias. Em primeiro lugar o texto de Umberto Eco. Com conhecimento enciclopédico sobre os temas, o autor tece comentários que vão trazendo para o leitor informações e julgamentos de vários pesquisadores que trataram do tema, sempre com leveza e sem arrogância. Como uma boa história das ideias, que vai desde as fontes primárias aos comentadores mais contemporâneos. É o caso, por exemplo, do capítulo dedicado a Homero, “As terras de Homero e as sete maravilhas”.

Umberto Eco tem a elegância de, antes de chegar ao tempo homérico, descrever sucintamente o universo da mitologia grega e seus personagens, para só depois introduzir Ulisses e seu périplo. O autor se faz uma pergunta: é possível desenhar o mapa das peregrinações do herói em sua fuga em direção a Ítaca? O que parecia ser apenas uma jornada de cotejamento entre o texto da epopeia e o mapa contemporâneo se mostra uma operação imaginária.

Eco vai revelando as várias tentativas frustradas de realizar essa empresa, citando esforço de autores que vão da Antiguidade ao século 21. E, para mostrar que o assunto é controverso, resgata a contribuição de Wolf, que elencou nada menos que 80 teorias bizarras sobre a viagem do herói grego. Ulisses, para Frau, por exemplo, em vez de cumprir sua jornada no Mediterrâneo, teria navegado na verdade nas águas do extremo norte da Europa, sendo que sua saga teria sido reformulada coma migração das populações nórdicas para o Egeu.

Medieval e moderno Se no texto Umberto Eco constrói uma rica história mitológica e das formas de crer e divulgar os mitos entre povos, no que toca à iconografia a obra é igualmente plural. São centenas de reproduções de quadros, mapas, esculturas e desenhos, que circundam o texto em diálogo com a dinâmica das crenças. Além de ampla, a pesquisa permite outras operações simbólicas, já que muitos mitos e lugares são retratados de forma peculiar em diferentes períodos da história. A figuração de um lugar fantástico por um artista antigo, medieval ou moderno não diz apenas do lugar retratado, mas dos repertórios estéticos e filosóficos de cada momento. O olhar, propõe Eco, é tão informativo quanto informado. Como fica claro, por exemplo, quando analisa o mito dos hiperbóreos e seu ideal de pureza racial, que repercute séculos depois no nazismo e seu peculiar culto de imagens arianas.

O capítulo “O interior da Terra, o mito polar e Agarttha” mostra como a iconografia vai construindo uma história por meio de imagens. A primeira ideia que vem à mente quando se fala em coração da Terra é a do reino dos mortos, com suas figurações do Hades, como as de Nicolò dell’Abate e Tintoretto, no século 16. Mas as vísceras da Terra também apontam para certa concepção de mundo subterrâneo que inspiram desenhos que mesclam fantasia e ciência. A mesma região é também território de outras fantasias, como as da Viagem ao centro da Terra, de Jules Verne, com sua rica pletora de ilustrações imaginosas de monstros e outras criaturas. O mundo abaixo da superfície é inspiração para fantasias que vão de jardins de cogumelos gigantes ao mundo dos hobbits de Tolkien. Sem falar dos mitos orientais e dos terrenos polares que atravessam fendas em direção ao subterrâneo, como em Horizonte perdido.

O terceiro elemento de que Umberto Eco lança mão em História das terras e lugares lendários é a seleção de textos originais que completam cada capítulo. Dono de erudição insuperável e sem preconceitos, o autor dá ao leitor o prazer de ler os clássicos, criando um diálogo amigável entre tradição e sensibilidade contemporânea. No capítulo “As ilhas da Utopia”, Eco convoca Thomas Morus e sua Utopia (1516), Tommaso de Campanella, de A cidade do sol (1602), Francis Bacon (1627) e sua Nova Atlântida, Johannes Valentinus Adreae (1619) e a Republicae christianopolitanae, Jorge Luis Borges (1940) e o conto “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius” e o Apocalipse bíblico. Em outros capítulos, fontes menos canônicas marcam presença, de Bram Stocker, de Drácula, a Carlo Collodi, de Pinóquio.

O último capítulo do livro “Os lugares do romance e sua verdade” está mais próximo do leitor de hoje. Os sítios lendários deixam a tradição ancestral para se aproximar de uma mitologia mais moderna, mas igualmente geradora de crenças e fantasias. São lugares como a ilha de King Kong, a caverna do Fantasma, Nárnia, Terra-média, o deserto dos tártaros, Rick’s Café e até mesmo Gotham City. Umberto Eco, ao mergulhar na verdade da ficção depois de seu longo itinerário pela ficção da verdade, parece deixar acertado que, pelo menos entre as pessoas sensatas e sábias, nada é mais verossímil que a lenda. Por isso somos humanos: para seguir acreditando no paraíso. E temendo o inferno.

HISTÓRIA DAS TERRAS E LUGARES LENDÁRIOS
• De Umberto Eco
• Editora Record
• 480 páginas, R$ 165

Via crucis da palavra [Pedro Nava] - Marco Antônio Souza

Via crucis da palavra
 
Obra memorialística de Pedro Nava conjuga apuro literário e profundo mergulho existencial no passado familiar, que de certa forma sintetiza momento marcante da formação social brasileira


Marco Antônio Souza

Estado de Minas: 23/11/2013


O escritor e médico Pedro Nava constrói com suas memórias o retrato do homem de seu tempo e do país que desperta para a modernidade     (Arquivo EM)
O escritor e médico Pedro Nava constrói com suas memórias o retrato do homem de seu tempo e do país que desperta para a modernidade


Como memorialista, o artista Pedro Nava (1903-1984) foi uma espécie de pontífice muito culto. Por tudo que representou e representa, recebe de todos nós as eternas felicitações e agradecimentos por ter deixado um brasileiríssimo Em busca do tempo perdido para nossa cultura nacional. Nava é, com muita estima, um dos principais rebentos do século 20 para a literatura de cunho até universal. Essas afirmações, sem intenções dúbias, são reconhecimento de grande abandono ao que Nava quis ser: amado porque fez como Gustave Flaubert: “Dediquei-me à literatura como se estivesse numa orgia perpétua”. Nava esteve no centro da qualidade humana de quem foi um artista significativamente incomum.

Ele admirava Camões com uma sutileza louvável; isto é, a voz camoniana vai ao encontro da voz naviana quando diz: “A estranheza, tão natural e tão grave, de que todos somos feitos”. Nava via na estranha condição – sem meias verdades – a polaridade existente entre o bem incoeso e o mal escorchante, os gritos de paz e de socorro, as águas do ódio que atropelam homens e clãs e o fogo devastador que dá sinal de alerta e cuidado urgente contra os homens, as maldades chãs e as utopias delirantes. É como se tudo fosse um processo continuado de declínio e queda com tal vertigem, que traz a humilhação do homem pelo homem e da vida pela vida humana como um todo e na mais dramática (re)ação, diante de um claro pensamento de um Nava que se identifica, e muito, com a condição humana nas suas nobres inclinações.

O memorialismo de Nava é uma longa meditação pelo espaço – núcleo familiar e seus afins culturais vistos como marco de existência –, sem redução explícita dos valores éticos e da postura correta e universalmente aceita pelo bom senso e pela comum noção do que é certo, justo, correto, probo, íntegro – e de tudo que daí não se destoa. Não obstante, a obra naviana é uma moção pertinentemente ligada ao ser em busca de libertação. E mais: a carne dos eventos ou das histórias que nela se veem mostra um Nava da vigília e do dia, num verdadeiro clímax de criação apropriada para um mefistofélico goetiano. E se pensamos na velocidade com que a língua literária de Nava se apresenta e se faz para o leitor – uma vez que ele se dirige para as micro e macroinformações do ser social, familiar, existencial, situacional, circunstancial, misterial, entre outras denominações – percebe-se significativa contribuição do artista para dizer alto e bom som o que são e como urge conhecer os valores inalienáveis das genealogias.

Nava marcou a ferro e fogo as articulações existenciais e histórico-familiares de um clã que borbulha a vida e as combinações de sonhos efêmeros com atavismos de toda uma cultura de sobriedade ébria, una e diversa, exclusiva e navianocêntrica, que descreve o ponto alto do fazer-se ouvir de gerações sobrepostas a outras gerações, não tanto desordenadas, que às vezes se avultam literariamente e dão o toque de Midas de importância. Em outros momentos, pode ser vista na alegria abandonada e dolorida e na tristeza desenganada e extralimitada, cheia de surpresas memoráveis e essencialmente inesperadas, como “uma quantidade de situações que praticamente são insolúveis”, para citar Gide.

Baú de ossos é um excelente exemplo de amor à língua literária, que se faz por meio do tempo histórico-familiar, da sensibilidade ativada e tão variável, do húmus do saber, das altas realizações artísticas, éticas, idiossincráticas e existenciais. A obra traz a nomeação justa, pragmática, inteligível, sugestiva dos monturos da verdade e das cinzas molhadas do disfarce, da vergonha familiar, dos meneios do amor e do desamor, das realidades pessoais ancilares da razão e da consciência aberta em seus túneis de angústia.

Baú de ossos reorganiza a história de uma espécie de gabinete do ser histórico, cotidiano e pessoal no clã naviano, dando-lhe o tempo de ontem e o de hoje como mistura viva de tempos sombrios, tempo intervalar de abismos explorados nas mais tristes dores, tempo numinoso de acertos, erros e sumas contradições, tempo de uma fúria de fracassos e nós coletivos ao longo do tempo passado – uma vez que Nava vê o ontem vivido como soma de valores reconhecidos de um tempo perecível nas sombras da noite e do tempo que é um pulso sísmico que nos sentencia, consome, iguala, isola.

O memorialista Nava chega a ser (quase) um existencialista literário. Não é. Ele trabalha duro para mapear a geografia do sentimento. Suas personagens são faces de um mesmo espelho de profundidade e superfície e de infernalidade convincente e celestialidade convicta – apesar das ferrugens. Pois bem, Nava não é um existencialista porque não sistematizou a sua filosofia do desencanto, da estupefação e das excrescências da insignificância do homem solitário. Nesse sentido, Nava deu ao texto memorialístico um toque essencial de humanismo, de subordinação às façanhas da lucidez – inclusive da lucidez desnorteada –, diante de um arcabouço de vida que vem de longe na história cotidiana e se instala nas margens largas do ser em Baú de ossos.

Cordial e frio
E como era ele, o Nava? Como vê-lo ontem com os olhos de hoje, quando estive com ele algumas vezes, há 30 anos, no apartamento do Bairro da Glória, no Rio de Janeiro? Não era suave seu olhar. Digamo-lo sem ofensa: era ele um tipo colérico e truculento, cordial e frio, de naturalidade contida, desconfiada e de força interior humildemente orgulhosa. Intimidante também era. O mais das vezes, era acolhedor. Fez a breve lição dos iniciados que estão à procura de um anel, um anel qualquer – abstrato ou não – e sabe, portanto, que o anel é achável apenas quando se vai pacientemente além das aparências. Bem, Nava não era um tergiversador – sua palavra era tensa, franca, objetiva; e ele talvez gostasse, em certos momentos, da sua própria angústia criadora, enraizada na melancolia diária intimamente agressiva. A sua voz interior era uma maçã no escuro, clariciana.

Conheci-o em 1983, depois da leitura atenta de Galo-das-trevas. O memorialista já tinha abraçado – quase totalmente – a vertigem de um abismo individual sem exotismo e indefinido, que o fazia irascível e nervoso, pois Nava, equilibrado e solícito, era um grande senhor para todos os amigos, e gostava de trocar personalidades. Numa conversa, disse-me: “Tenho muitos amigos. Nenhum deles se digna a me provar que Deus existe. O que escrevi é uma imensa busca de Deus. Os meus leitores, em geral, não veem dessa forma”. Havia nele uma angústia, uma melancolia, um desespero silencioso. Era ele um sôfrego que pedia socorro – e ninguém via isso. Desejava Deus de forma caótica, de qualquer jeito, talvez. Queria arrancar do peito o seu tempo extenso de não fé. No fundo, a dinâmica dos anos queria alquebrá-lo.

A sua expressão frente ao ser era grave. Ele queria fazer uma via crucis da palavra. Muitos o colocavam no alto do coração como um ícone das letras humaníssimas, mas sem o perdão – e realmente era assim: vide Cera das almas. Vezes e vezes, diante dele sentia-se uma distância insuportável. Era suscetível à verdade mais simples e menos pungente. Mas a angústia de Nava era visível – uma angústia ontológica, própria do ser, inalienável e milenar, aquela que faz parte dos lugares mais recônditos do ser. E quem a vive, trazendo-a do fundo do peito, sabe compreender que ela constitui uma chaga rubra de sol que queima.

Os antepassados de Nava vieram da Alemanha e das cidades de Milão, de Gênova, da Lombardia... Toda essa ascendência de homens e mulheres primava pelo equilíbrio e pela equanimidade. Desse modo, partindo dessas figuras e indo a Pedro Nava, escutamos certas vozes interiores que dizem, talvez por ele, que seria bom, muito bom, a vontade livre de matar a morte; nadificar mais ainda o nada; lavar os ossos da angústia; cortar as línguas de fogo do sofrimento; e esclarecer – ainda mais aos homens – a realidade difícil das criaturas jamais libérrimas. Aliás, Nava oscilava entre o ambicioso depor do ser contra a vida, a mais firme surpresa do sem sentido e do absurdo e as vergonhas faladas e afeitas ao sentimento do desespero. Muitos meses antes de sua morte, Nava tinha a vida como um corredor cheio de plantas carnívoras.

O artista valorizava as virtudes e a ética das virtudes sofisticadamente esmiuçadoras no bom senso, na proporção, no equilíbrio, dimensionando-as como forças catalisadoras de programas de vida e fraternidade solidária. Era excessivamente exigente com tudo, e quem tivesse as probas virtudes, proporcionadas, vivas, era merecedor seguro da própria vida individual e coletiva. É o caso, em particular, do avô, que, para ele, tinha a grandeza de ser reto, bom e inteligente. Isso dava elevação e semelhança ao que além se exprime, muito confia e nada desagrega. Assim, foi através dessas verdades que Nava olhou-se com liberdade ágil, para enxergar de forma superior o entorno das coisas feitas pela gratuidade e na gratuidade dita espiritual, sem qualquer interferência de um daimonion socrático.

Em 21 de agosto de 1983, Nava autografou um exemplar de Baú de ossos e me presenteou. Nesse dia, Nava estava sério, compenetrado, com atenção e curiosidade voltadas para o assunto Deus. De essencial, disse-me que ninguém de sã razão e juízo centrado no melhor senso do pensamento e da razão seria capaz de lidar com as razões inquietas que declinam diante dos absurdos da maldade humana, levando-nos ao mais radical agnosticismo. Isso fora dito com certa reserva, certa contenção, certo olhar para o alto e introspecção quase vazia, aparentemente.

Vinte anos depois da morte de Nava, a coincidência veio de Invasões bárbaras (vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2004), de Denys Arcand, que, por meio do personagem Remy, une minha antiga conversa ao que seria uma ida ao passado, quando disse: “No século 16, espanhóis e portugueses conseguiram [...] fazer desaparecer 150 milhões de pessoas, às machadadas. A ponto de holandeses, ingleses e americanos [...] massacrarem mais 50 milhões. Um total de 200 milhões de mortos. O maior massacre [...] foi aqui, ao nosso redor”. É o deslimite. A estupefação. O sentimento inconsolável, o fechamento das possibilidades e o inútil sentido da morte mais surpreendentemente ordinária.

Nava é um istmo real da literatura de qualidade superior. Teve uma postura de entrega total, flaubertiana, diante da vida, da sua arte na vida, da sua responsabilidade na vida, consagrando-se às memórias autobiográficas como leitmotiv regenerador de quem ama e usa a etimologia da simplicidade ilimitada contra o infausto amor, e o vence pelas categorias de uma nova floração de graça, palavra e cruz – até que se descubra: a voz que sempre quis deixar de herança exclusiva aos seus leitores é a do coração no coração da mais difícil esperança. Isso se daria poeticamente, o desespero vencido pelo sujeito que o arranca do peito e o lança para fora de todas as latitudes do bem viver no ponto essencial da verdade de Pedro (genialmente) Nava.

. Marco Antônio Souza é crítico literário.

Tudo tem dois lados - João Paulo‏

Tudo tem dois lados


João Paulo


Estado de Minas: 23/11/2013


Paulo Henrique Ferreira conta uma história de amor que recolhe seus cacos em versos de canções  (Paulo Marcos/Divulgação)
Paulo Henrique Ferreira conta uma história de amor que recolhe seus cacos em versos de canções

O jornalista Paulo Henrique Ferreira nasceu em dezembro de 1978. O que fez dele um jovem na década de 1990. Seu livro Álbum duplo – Um rock romance é uma confirmação dessa cronologia, que ganha tradução estética na forma da trilha sonora que embala a história. Somando referências da cultura pop dos anos 60 em diante, o autor parece ter escrito um livro porque não era capaz de fazer canções. Não se trata de um fracasso expressivo, mas de uma espécie de confissão: o melhor da vida, para o personagem central do romance, Marlo Riogrande, tem letra e música.

Escrito em primeira pessoa, em tom confessional, Álbum duplo é uma espécie de Apanhador no campo de centeio mais moderninho (inclusive porque não foge ao sexo, coisa que Salinger está sempre adiando em seus livros) ou um Encontro marcado com menos angústia. O estilo é influenciado por Nick Hornby – sem tanto humor, na verdade –, em sua obsessão com cultura pop e em encontrar lição de moral nos clássicos do rock. Paulo Henrique Ferreira cita ainda em seu romance outros exemplos literários além de Salinger e Fernando Sabino, como James Joyce e até mesmo Guimarães Rosa, e ainda cineastas como Stanley Kubrick, Paul Thomas Anderson e Quentin Tarantino. Mas seu negócio é mesmo rock.

Cada capítulo do romance vem antecedido de setlist, com temas que de certa forma fazem música de fundo para o que é narrado. E dá-lhe Beatles, Bob Dylan, Stones, Queen e, principalmente, Lou Reed, que foi em vida tudo que Marlo parece ter sonhado um dia. As músicas não estão lá apenas para ilustrar, muitas vezes a inspiração vem dos versos, que funcionam como iluminações profanas para as confusões afetivas do personagem. Marlo é um garoto que ama os Beatles e os Stones, mas que chegou ao mundo depois que o sonho acabou.

A história propriamente dita é singela: Marlo Riogrande é um rapaz de classe média, que ficou órfão de mãe muito cedo e foi para a cidade grande estudar e tentar a vida. Entra para a faculdade, que está longe de ser de primeira linha, dá aulas particulares e encontra um emprego como professor de história em um cursinho preparatório para concursos. Divide o apartamento com um amigo e encontra em Marcela o amor de sua vida. O senso destrutivo entra em ação na forma de uma amante casada. Marlo perde Marcela para um careta profissional e perde ao mesmo tempo o rumo da vida. O romance é sua estação no inferno.

Marlo tenta de tudo para superar o vacilo, do rock às drogas, com uma passagem pelo sexo radical. Chega a pensar em abrir uma produtora de pornografia (meio na atmosfera de Boogie nights) e se aproxima de garotas de programa. Junto com outros amigos derrotados cria uma saga ingênua, mas que ele compara com Cães de aluguel, de Tarantino. Na realidade, o personagem passa o livro costurando o lirismo das canções e mergulhando cada vez mais fundo na fossa. A derrocada tem certa ironia, não é complacente e o jogo com os elementos do pop é engenhoso. Mas não vai muito além disso. Tem até uma passagem pela religião, via Eclesiastes. Para completar, o final é feliz.

Álbum duplo é um romance de estreia que tem tudo para se aproximar do mais reticente dos leitores, o jovem. Para cumprir esse objetivo, investe bem o repertório de signos da cultura de massa, ainda que não se aprofunde no outro lado do disco da existência. É por aí que PH tem tudo para dar sequência ao seu universo literário, assim como tem feito Hornby com seus personagens mais velhos e tramas mais maduras.

Em tempo: no hotsite do livro (www.albumduplo.com), que pode ser acessado por QR Code impresso na contracapa, o leitor tem acesso a links para cada uma das 51 canções listadas nas playlists ao longo do livro. Um livro que toca.

Álbum duplo – Um rock romance
• De Paulo Henrique Ferreira
• Editora Record
• 176 páginas, R$ 28

História e poesia - Walter Sebastião

História e poesia 
 
Revista Barroco, criada em 1969, chega à 20ª edição e faz homenagem ao fundador, o poeta e ensaísta Affonso Ávila 
 
Walter Sebastião

Estado de Minas: 23/11/2013


Affonso Ávila cumpriu em sua jornada intelectual o ofício de escritor de vanguarda e estudioso atento do passado (Giselle Rocha/EM/D.A Press - 25/11/00)
Affonso Ávila cumpriu em sua jornada intelectual o ofício de escritor de vanguarda e estudioso atento do passado

Um poeta movido por inquietações estéticas e encanto pela arte da Minas Gerais do século 18, que se desdobra em pesquisador, militante do patrimônio histórico e teórico de uma síntese entre vanguarda e tradição. E que, para construir tal caminho com poemas e ensaios, propõe uma revisão crítica da cultura, arte e origens da sociedade brasileira. Retrato do escritor Affonso Ávila (1928-2012), feito pela historiadora Cristina Ávila, filha e colaboradora do escritor. O poeta é o homenageado do número 20 da revista Barroco.

Affonso Ávila foi precursor dos estudos de literatura comparada e de análise das mentalidades, modalidade historiográfica que valoriza modos de pensar e sentir dos indivíduos de uma época. Aspectos, observa Cristina Ávila, ainda hoje inovadores. “Para ele o barroco foi uma origem do país então nascente, não um adendo ou cópia malfeita da cultura portuguesa”, exemplifica. A transposição da cultura portuguesa para realidade que gera contato com outras culturas possibilitaria criação de barroco original, como é o de Minas Gerais, com diferenças significativas das fontes europeias de tal estética.

“O Brasil, para Affonso Ávila, era uma nova possibilidade cultural e civilizatória. Visão que carrega herança do modernismo e produto de reflexão crítica sobre o país”, explica Cristina. A visão estética e histórica do escritor influenciou tantos jovens pesquisadores e perspectivas inovadoras quanto artistas. Com relação aos últimos, não só os da geração do escritor, como de criadores que começaram a fazer arte a partir da metade dos anos 1970 e nos anos 1980.

Como pai, recorda Cristina, Affonso Ávila foi homem de exemplos. “Nunca disse: ‘Leia isso’, mas sempre demonstrou grande amor pelos livros. A nossa casa sempre teve atmosfera impregnada pela presença de livros, de história, de projetos culturais”, conta. Ambiente marcante que fez com que todos os cinco filhos do escritor já tenham publicado livros. Um momento feliz para o pai foi receber, em 2011, o título de Cidadão Honorário de Ouro Preto. “Era um sonho dele”, revela. Também ficou satisfeito, em 2012, em ter o conjunto da obra reconhecido com o Prêmio Minas Gerais de Literatura.

“Foi homem generoso, introspectivo, tímido, o que passava uma certa secura de personalidade. Que se sensibilizava com os problemas do mundo, mas que também tinha humor, visão esperançosa”, define a filha. E, neste sentido, pode-se dizer que era quase barroco. Foi um ser político, combativo, com capacidade de liderança, o que demonstra bem cedo criando jornais e revistas para interferir na vida da cidade e no contexto cultural. A revista Barroco, criada em 1969, tinha como objetivo ser publicação interdisciplinar voltada para estudos do barroco como gênese da cultura brasileira. “Os 20 números, publicados com muita dificuldade, são uma síntese dos estudos do barroco, valorizando aspectos inovadores e independência intelectual, não só no Brasil como no mundo, já que todos os números trazem colaborações de estudiosos estrangeiros”, avalia Cristina Ávila.

Ciclo Conforme conta Cristina, atual diretora da publicação, Affonso Ávila morreu organizando o número que agora é lançado, em dia em que estava prevista reunião para conseguir patrocínio. O número 20 fecha um ciclo na história da revista. Cristina não fala em fim da publicação, mas em transformação, que mantém perfil científico, sem se deter em um assunto e aberta para as artes contemporâneas.

A vigésima edição da Barroco traz, entre as homenagens ao poeta, depoimentos de amigos e críticos literários, além de dois textos da lavra de Affonso Ávila. O artigo “Um passeio ensaístico: a parábola do Cristo” abre a publicação, que traz ainda o fac-símile do original de “Eu, de Ávila a hoje”, um passeio pela genealogia e formação do poeta e intelectual, escrito quando Ávila completava 40 anos. Ao fim do artigo, o poeta sentencia, com bom humor: “Como se vê, os Ávila são gente antiquíssima – e complicadíssima”.

Entre os ensaios que fazem parte do número 20 da Barroco estão “Sermões mineiros e o ilusionismo barroco – Temas recorrentes”, de Cristina Ávila; “As almas santas na arte colonial mineira e o purgatório de Dante”, de Adalgisa Arantes Campos; e “A poesia do barroco”, de Haroldo de Campos. A nova edição traz ainda um útil índice onomástico dos colaboradores de toda a coleção da publicação.

Acervo A biblioteca de Affonso Ávila, por testamento, vai para dois endereços. Os livros raros, a Mineiriana e volumes sobre o barroco ficam com a Fundação Rodrigo Mello Franco, de Tiradentes. A parte literária, inclusive todas as primeiras edições dos livros de Affonso e de sua mulher, Laís Corrêa de Araújo, além de quatro arquivos e mobiliário, vão para o Centro de Escritores Mineiros da UFMG.

Está prevista para o ano que vem a publicação de um volume com a correspondência entre Affonso Ávila e Haroldo de Campos. E ainda de O amado e a coisa amada, reunião de textos sobre patrimônio histórico e artístico, além de volume com poemas inéditos.

 (Centro de Pesq. do Barroco Mineiro/Reprod.)

Revista Barroco, nº 20
• Organização Cristina Ávila
• Centro de Pesquisa do Barroco Mineiro
• 412 páginas


Vida e obra

Affonso Celso Ávila (1928 -2012) foi poeta, ensaísta e pesquisador. Com Fábio Lucas, Rui Mourão, Laís Corrêa de Araújo, Cyro Siqueira e outros jovens intelectuais, fundou em 1951 a revista Vocação. Em 1957 criou outra publicação, Tendência. O interesse pela poesia experimental levou ao diálogo com Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos. Em 1963, organizou a Semana Nacional de Poesia de Vanguarda em Belo Horizonte. Em 1969, Ávila criou a revista Barroco, que ganhou dimensão internacional e atraiu especialistas brasileiros e estrangeiros. Affonso Ávila publicou 21 livros, entre estudos teóricos, coletâneas de ensaios e poemas. Destacam-se Código de Minas e Cantaria barroca (poemas) e O lúdico e as projeções do mundo barroco e Resíduos seiscentistas em Minas (ensaios).

O guardião [João Cândido Portinari] - Walter Sebastião

O guardião
 
Com paciência e determinação, João Cândido Portinari desenvolve o projeto que mantém vivo o legado do pai. Graças a ele evitou-se a pulverização de importante legado para a cultura brasileira


Walter Sebastião

Estado de Minas: 23/11/2013


João Cândido Portinari, o incansável protetor das artes plásticas brasileiras (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
João Cândido Portinari, o incansável protetor das artes plásticas brasileiras

Amanhã é o último dia para ver a exposição Guerra e paz, em cartaz no Cine-Theatro Brasil Vallourec. Os monumentais painéis do carismático pintor Candido Portinari (1903-1962) revelam sua capacidade de se comunicar com todos os públicos, além do charme da pintura moderna em buscar novas formas para representar o mundo e os sentimentos humanos.

Mas esta exposição oferece mais: a extensa apresentação de documentos – esboços, cartas, recortes de jornais e fotos – sobre a obra de Portinari, com ricas informações sobre a época em que o pintor viveu.

Se o personagem principal de Guerra e paz é Candido Portinari, o herói da façanha vista em BH é seu filho único, João Cândido, de 75 anos. Deve-se a ele o projeto criado em 1979, referência em pesquisa de arte.

O ponto de partida para a formação do acervo foram os álbuns de recortes de notícias sobre o pintor reunidos por Maria Vitória Martinelli. A mulher do artista reuniu nada menos de quatro mil cartas. “Isso é prova de amor”, observa João Candido, lembrando que a mãe foi um dos esteios da carreira do pai.

O passo seguinte do Projeto Portinari foi coletar depoimentos de contemporâneos do artista. Localizar as obras, então dispersas, e a documentação sobre o pintor representaram um desafio para João Cândido. “Começamos um trabalho de formiguinha, fomos atrás de quem tinha cartas, fotos e documentos, mas era necessário que as pessoas soubessem do projeto. Isso só foi possível graças à solidariedade maciça da sociedade”, diz ele.

Milagres surgiram durante essa busca. Foi o caso da localização do quadro Baile na roça, obra do jovem Portinari recusada pelo Salão de Belas Artes em 1924. Entre os modelos do quadro está seu Batista, o pai do autor.

O ápice da empreitada se deu em 2004, quando o Projeto Portinari lançou o catálogo completo das obras do artista, com cinco volumes. Trata-se da primeira publicação do gênero relativa a um autor latino-americano. Ela veio a público 25 anos depois do início das pesquisas. “Tivemos de enfrentar gangues de falsários no Brasil e no exterior. Foi terrível”, lembra João Cândido. O processo de autenticação gerou ataques contra ele, mas valeu a pena. “Meu maior prazer é ver o brilho nos olhos das crianças, do público de todas as idades e classes. É arte que emociona”, resume.

Pai e filho João Cândido revela que o fato de rejeitar o mundo do pai foi um aspecto fundamental da criação do Projeto Portinari. “Era difícil conviver com uma figura tão gigantesca como ele”, conta. Por volta dos 15 anos, quando ia a festinhas com amigos, ele era invariavelmente apresentado como “o filho de Portinari”. O garotão, que gostava de praia, de futebol e de namorar, achava chatíssimo acompanhar compromissos familiares ligados ao mundo da arte.

Certa vez, ao chegar da praia, João entrou pela porta da cozinha. Os convidados conversavam depois do almoço. “Vi um cara na varanda, uma espécie de jardim de inverno, tocando o meu violão. Pensei: ele vai desafinar meu instrumento. Perguntei à minha mãe quem ele era. Ela disse: ‘Villa-Lobos’. Foi a maior vergonha da minha vida”, diverte-se. Para aquele rapazinho, a garota da esquina era mais interessante do que todos aqueles intelectuais famosos.

“Jovem, senti que seria esmagado se não saísse de casa”, diz João Cândido, esclarecendo que esse sentimento não significa desamor pelo pai. Aos 18 anos, ele foi estudar matemática em Paris. Fez engenharia e só voltou ao Brasil em 1970. “Encontrei uma ditadura, um país estranho, completamente distorcido e totalmente diferente do que deixei.” Professor de matemática no Rio de Janeiro, ele evitava falar do pai. “O assunto me incomodava.”

 Ao ler um artigo em que Antônio Calado denunciava a segregação das obras de Portinari em coleções particulares e salas de banco, João tomou um susto. O pintor estava se tornando invisível, revoltava-se o escritor e jornalista. Foi assim que João decidiu resgatar a memória não só de seu pai, mas do Brasil. “Nos anos 1970, ele estava esquecido, atacado como artista e até em sua honra. Contemporâneos dele já haviam morrido, não havia ninguém para defendê-lo. Até por revolta contra esses ataques, larguei a matemática e mergulhei no Projeto Portinari”, conta. Dedicada às crianças, a primeira publicação do programa traz um texto de João – em paz com a obra do pai.

GUERRA E PAZ
Painéis, quadros, vídeo, fotos e textos do pintor Candido Portinari. Cine Theatro Brasil Vallourec, Praça Sete, Centro, (31) 3201-5211. Hoje, das 10h às 22h (horário especial); amanhã (último dia), das 10h às 19h. Visitas guiadas a cada 60 minutos. Entrada franca. Em maio, a mostra será apresentada no Grand Palais, em Paris. Em junho, os painéis pintados pelo brasileiro voltam para a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Informações: www.portinari.org.br e www.guerraepaz.org.br


Organização é fundamental


Família cuida do acervo do artista Amilcar de Castro (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Família cuida do acervo do artista Amilcar de Castro

Até existe documentação sobre a vida e a obra de artistas visuais de Belo Horizonte. Geralmente, esse material está disperso. Raramente o acervo é reunido organizadamente, embora haja autores que, por temperamento, assim o façam, ou parentes empenhados na tarefa. Pesquisadores são unânimes em ressaltar a importância da documentação, pois se trata de fonte primária para o estudo do artista e da história da arte.

Museu Inimá de Paula, Instituto Amilcar de Castro e Projeto Pedro Moraleida disponibilizam material dessa natureza para pesquisadores. O Instituto Inhotim mantém trabalho regular e específico, produzindo documentação sobre obras de arte. Criadas especificamente para o local, elas ganham seu próprio dossiê, informa o curador Rodrigo Moura. O programa de Inhotim envolve coleta de documentos originais (esboços, fotos, anotações e projetos arquitetônicos), material relativo ao registro e à implantação das obras, amostra de materiais, fotos, filmes e entrevistas.

A historiadora Marília Andrés, diretora do instituto dedicado à obra da pintora Maria Helena Andrés, diz que a pouca valorização de arquivos pessoais às vezes se deve ao próprio artista. “É no contato com o historiador, com o pesquisador, que o próprio autor começa a entender o valor dessa documentação”, observa. No caso de Maria Helena Andrés, mãe de Marília, a família optou por levantar e restaurar obras, além de criar espaço expositivo em Entre Rios de Minas.

Tv Paga

TV PAGA » Ação e terror

Estado de Minas: 23/11/2013


 (PlayArte Filmes/Divulgação)


Nicolas Cage (foto) encabeça o elenco de O resgate, que estreia hoje, às 22h, no Telecine Premium. No centro da trama está um ladrão de bancos que quer mudar de vida ao sair da prisão. No entanto, seu ex-parceiro de crime não acredita que ele queimou o dinheiro do último assalto e sequestra sua filha, exigindo um resgate milionário para libertar a menina. A alternativa oferecida pala HBO é Chernobyl diaries, terror que narra a aventura de seis jovens turistas que resolvem fazer um passeio diferente na cidade ucraniana de Pripyat, que há 25 anos havida sido devastada pelo acidente nuclear.


Sábado é o dia preferencial dos programadores de filmes da TV por assinatura, mesmo com reprises, como o clássico sci-fi Barbarella, de Roger Vadim, com Jane Fonda e John Phillip Law, às 22h, no Telecine Cult. No mesmo horário o assinante tem uma dúzia de opções: Circular, no Canal Brasil; De passagem, no Sony Spin; O hobbit – Uma jornada inesperada, no Telecine Pipoca; MIB – Homens de preto 3, na HBO HD; Jogos vorazes, na HBO 2; Gangues de Nova York, na Warner; Perigo em Bangkok, no A&E; Balada do amor e do ódio, no Glitz; Company of heroes – O filme, no Max Prime; Os mercenários, no Megapix; Grandes e lindas, no Max HD; e Dois é bom, três é demais, na MGM. Outras atrações da programação: O clube dos corações partidos, às 19h, no Comedy Central; A sombra de um homem, às 21h, no Cinemax; Dias incríveis, às 21h30, no Universal Channel; Meu nome não é Johnny, às 22h30, no FX; e Amélia, às 23h15, na Cultura.

Laranjinha e Acerola  voltam no canal Viva


A cultuada série Cidade dos homens, exibida pela Globo em 2002, está de volta a partir de hoje no canal Viva, na faixa das 23h15. Na história, Laranjinha (Darlan Cunha) e Acerola (Douglas Silva) têm 13 anos e vivem situações do cotidiano de milhares de outros jovens do Brasil. Com bom humor, garra e disposição, eles enfrentam as dificuldades e amadurecem a cada episódio.

+Globosat vai escalar as montanhas do Rio
No +Globosat, estreia hoje, às 21h, uma nova coprodução do canal com Cinemar e Ecobrand. Sobre rochas é uma série em estilo documental que trata de um assunto inédito na TV brasileira: as montanhas do Rio de Janeiro. Apresentado pelo geógrafo e professor da PUC-RJ Marcelo Motta, o programa terá 13 episódios de 26 minutos cada.

A quem interessava o assassinato de JFK?

Nos 50 anos da morte de John Kennedy – assassinado em 22 de novembro de 1963, quando circulava na limusine presidencial pela Plaza Dealey, em Dallas, no Texas –, o canal History apresenta dois especiais inéditos neste sábado. Às 20h, O assassinato de John Kennedy tenta responder a uma pergunta básica: quem realmente matou John F. Kennedy. Às 22h, é a vez de As últimas 48 horas de Lee Harvey Oswald, sobre o suspeito a quem foi atribuído o atentado contra o presidente norte-americano.

Porcas Borboletas dá canja na TV Cultura
Por fim, a música. E na Cultura, começando com o MC Bitrinho em Manos e minas, às 17h. Já às 18h, em Cultura livre, Roberta Martinelli recebe a banda mineira Porcas Borboletas, de Uberlândia. Às 21h30, na série Clássicos, a emissora exibe o documentário Paz e conflito, em homenagem ao centenário do compositor britânico Benjamin Britten (1913-1976).

ARNALDO VIANA » Não ficam a esperar‏

ARNALDO VIANA » Não ficam a esperar 
 
Estado e Minas: 23/11/2013






Primeiro ato


Antes de ir para a cama, o velho chamou o filho, menino de 10, 11 anos, não mais, e avisou: “Amanhã, vou roçar o terreno para plantar milho, e preciso de você comigo”. Saíram antes de o Sol brotar sobre o casebre. Pegaram as ferramentas, a botija de água fresca, farinha, arroz, sal, duas pequenas panelas de barro, colheres e pratos. Seguiram a trilha da roça. O homem, espingarda chumbeira nas costas, assobiava. O menino reconheceu a música, um sucesso nos bailes de fins de semana das fazendas. Começava assim: “Pisa na fulô, pisa na fulô, pisa na fulô, não maltrata o meu amor”. Na roça, como sempre, o homem manejou a foice com maestria. Parou de repente, passou a mão no suor da testa e mirou o céu. Hora de preparar o almoço. No mandiocal, arrancou duas boas raízes. Improvisou um fogão com duas pedras, acendeu um punhado de gravetos e pôs-se a cozinhar. Como em quase todos os dias, arroz e mandioca.

Enquanto o lavrador cuidava da comida, o garoto saiu para fazer reconhecimento do terreno. E parou em frente a uma lapa, não muito grande como definem os lexicólogos. Sob a pedra pontuda, abrigado na sombra, um gordo coelho cinza dormitava. O menino viu no animal o complemento da refeição. Correu e nem sentiu as pernas magras arranhadas pelas afiadas folhas de capim. “Pai, pai, venha correndo.” O homem levantou a cabeça, assustado. “O que é? Alguma cobra?” O filho, sem dar ao fôlego, respondeu: “Não, é um coelho, coelho grande”. O homem pegou a espingarda e seguiu o garoto até a lapa. O bicho, para felicidade geral da fauna desta terra, não estava mais lá. Voltaram e se resignaram diante do arroz, da farinha e da mandioca cozida sobre pratos esmaltados. O moleque aprendeu, naquele dia, que certas coisas não ficam a esperar.

Segundo ato

Deu nos jornais. Ainda não são 9h. O cidadão em dia com seus compromissos fiscais entra no banco para fazer um depósito no caixa eletrônico. São R$ 1,6 mil. Envelopa o dinheiro e mete o dedo no teclado para os procedimentos necessários. Digita os números da agência, da conta e o valor da operação. Mete o envelope na boca do caixa. O envelope não desce. Fica agarrado no “pescador” instalado por ladrões. Liga para o 190. A Polícia Militar, em vez de mandar averiguar, convida o homem a comparecer ao 1º Batalhão para se explicar. Tem vontade de intimar os bandidos a acompanhá-lo. Olha para um lado, para o outro, e não os vê. Vai sozinho. Espera pelo atendimento. Chega a vez e é chamado. Explica dali, explica de lá e dacolá. Os policiais, enfim, convencem-se e o acompanham. Quando chegam ao banco, o envelope, para felicidade geral da ladroagem, não estava mais lá. O cidadão, em dia com seus compromissos, não conseguiu convencer a PM da lição que aprendeu na infância: certas coisas não ficam a esperar.

Sem ofensa: antigamente, a polícia comparecia ao local do crime. Hoje, chama a vítima para dar conta do ocorrido. E se o cidadão for assassinado?

>> arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br

Eduardo Almeida Reis-Desconfiança‏

Desconfiança
 
É até possível que o Brasil se dê conta de que não pode continuar convivendo com essas manifestações pacíficas que terminam em quebra-quebra e pancadaria


Eduardo Almeida Reis


Estado de Minas: 23/11/2013


Desde a primeira hora em que circulou a notícia do sumiço do servente de pedreiro Amarildo, muita coisa não me soou bem. Logo apareceram faixas “Onde está Amarildo?” pintadas por profissionais, sinal de que a iniciativa não era comunitária e havia gente graúda por trás da campanha veiculada pelos jornais e tevês.

O sumiço da engenheira Patrícia Amieiro na mesma região – seu automóvel foi encontrado crivado de balas – não provocou a milionésima parte da comoção despertada pelo sumiço do servente de pedreiro. Pensei que as faixas fossem iniciativa do pessoal do tráfico, que continua atuando na Rocinha apesar da UPP, como também atua no Leblon, metro quadrado mais valorizado da Cidade Maravilhosa.

Comentei o fato com as pessoas próximas de mim e achei que era o único a desconfiar da história, até receber e-mail de leitora residente em Brasília transcrevendo texto do economista Rodrigo Constantino, presidente do Instituto Liberal, que esmiuça diversos aspectos do episódio.

Portanto, o economista Constantino também desconfiou: o auê pelo sumiço do servente é patrocinado pela esquerda caviar, que andou realizando banquetes e leilões para pagar os honorários dos advogados que se ocupam do caso. Errei quando atribuí o auê ao tráfico, mas acertei por tabela, considerando que o consumo das drogas traficadas pelos profissionais da Rocinha tem relação estreita com alguns muitos setores da esquerda caviar.

Mais dia, menos dia, o affaire Amarildo será totalmente esclarecido, como também o sumiço de Patrícia. É até possível que o Brasil se dê conta de que não pode continuar convivendo com essas manifestações pacíficas que terminam em quebra-quebra e pancadaria, com as interrupções das rodovias por qualquer motivo e até sem motivo algum, que nunca foram sinônimos de democracia, nem aqui nem na China, como também em Havana, Cuba.


Filosomias

Quando trabalhei numa pequena cidade do oeste de Minas, cujo destacamento policial era composto de um cabo PM e só ele, notei que o patrício ficava na estação esperando a passagem do trem das 18 horas. Quase sempre selecionava um ou dois passageiros descidos da composição e os metia na cadeia, lá mesmo na estação, para embarcá-los no trem da manhã seguinte.

Curioso, perguntei: “Como é que o senhor sabe que o sujeito é um bandido?”. E ele, que sempre me prestava continência pela função que ocupei na empresa dona da cidade, de 6 mil habitantes, explicou: “Vejo na filosomia dele, doutor”. Na hora, morri de rir da filosomia, que depois encontrei em Camões como sinônimo de fisionomia.

Você, caro e preclaro leitor, já notou que todo bandido tem cara de bandido? Pois fique sabendo que, há séculos, os criadores de cavalos árabes evitam usar garanhões de fronte estreita e alongada, como a da lebre, chamados chevaux à nez busqué. Isso porque acham que os tais cavalos transmitem suas taras à descendência.

É também sabido que um edito (decreto, ordem) da Idade Média, citado por Valesio e Loyseau, prescrevia: “No caso de dois indivíduos suspeitos, aplicar a tortura no mais feio”. A mesmíssima tortura que vem sendo usada desde tempos imemoriais até por instituições supostamente civilizadas como o pessoal da Inquisição, que o papa Francisco não nos ouça.


Homenagens

O rabino Henry Sobel voltou a morar nos Estados Unidos, depois de ter sido homenageado no Brasil por seu combate à “ditadura”. Parece-me – e o leitor dirá se tenho razão – que é um exagero homenagear um cavalheiro preso em Palm Beach, Flórida, em março de 2007, furtando cinco gravatas da grife Louis Vuitton, no valor de US$ 680. Depois de combater os “anos de chumbo”, o religioso passou a bispar gravatas Vuitton. Incidiu em crime religioso, considerando que é rabino e bispar significa “desempenhar a função de bispo”, com o regionalismo pernambucano “tomar para si o que é de outrem, furtar, afanar”.

Sobel nasceu em Lisboa, Portugal, dia 9 de janeiro de 1944, sua família mudou-se para Nova York onde foi ordenado rabino por volta de 1970 e veio para o Brasil combater a “ditadura”. O misto de combatente, religioso e larápio tem sido muito homenageado e vai morar em Miami, distante 105km de Palm Beach, onde foi preso.


O mundo é uma bola

23 de novembro de 1913: fundação da primeira universidade tecnológica e décima escola de engenharia do Brasil, a Universidade Federal de Itajubá. Em 1944, Leopoldina Ferreira Paulo doutora-se em ciências biológicas na Universidade do Porto. É o primeiro doutoramento de mulher em Portugal com a tese “Alguns caracteres morfológicos das mãos dos portugueses.

Em 1838 nasceu José Gonçalves da Silva, primeiro governador constitucional da Bahia na República, único deposto pelo povo. Em 1887 nasceu o ator britânico Boris Karloff, nome artístico de William Henry Pratt, que esticou as canelas em 1969.

Em 1933 veio ao mundo em São Luís, João Clemente Jorge Trinta, o carnavalesco Joãosinho Trinta. Em 1962 nasceu em Salvador, Antônio Carlos Santos de Freitas, que o leitor conhece como Carlinhos Brown.

Hoje é o Dia do Engenheiro Eletricista.

NUTRIÇÃO PARENTERAL » Bactéria causa mortes‏

NUTRIÇÃO PARENTERAL » Bactéria causa mortes Minas e Paraná investigam surto de infecção por bactéria em pacientes que usam gliconato de cálcio. Anvisa vetou lote 
 
Patricia Giudice

Estado de Minas: 23/11/2013


Starling diz que provavelmente empresas compraram produto infectado (TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS - 23/5/2012)
Starling diz que provavelmente empresas compraram produto infectado


As secretarias de Saúde de Minas Gerais e do Paraná investigam um surto de infecção por bactéria em pacientes que usam nutrição parenteral. Oito pessoas morreram contaminadas, todas medicadas com o gliconato de cálcio 10%, de aplicação intravenosa que, associada a outras substâncias, substitui a alimentação de um adulto com  sistema digestivo comprometido ou bebês prematuros. Em BH, ocorreram duas mortes. Ao todo, 24 pessoas foram infectadas no estado (14 em BH, 1 em Betim, 7 em Uberlândia, 2 em Araguari) e aguardam resultados dos exames feitos pela Fundação Ezequiel Dias (Funed). A análise apontará a bactéria presente na substância.

Ontem, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspendeu o lote 33336501 do produto, fabricado pela Isofarma, com sede no Ceará. A comercialização está suspensa em todo o país e três laboratórios foram interditados: Nutro Soluções Nutritivas (PR), Fampa-Nutrição Parenteral e Grupo Aporte - Produtos Nutricionais, ambos de Minas Gerais. A Citopharma Manipulação de Medicamentos Especiais, que fornece insumos para as indústrias, também passará por inspeção. Em Minas, os hospitais foram alertados.

No Paraná, a secretaria informou que 80 pacientes receberam a nutrição parenteral da Isofarma. Vinte tiveram quadro agravado e seis morreram. A nutrição, segundo a secretaria paranaense, foi distribuída para 13 hospitais do estado e serviços de saúde de São Paulo e Santa Catarina. Se confirmada a contaminação, a empresa responsável poderá sofrer sanções administrativas e criminais.

Segundo o infectologista e epidemiologista Carlos Starling, outros casos semelhantes já foram descritos na medicina e a bactéria teve origem nos insumos. “São bactérias de vida livre que acabam contaminando durante a produção dos nutrientes. Provavelmente, as empresas daqui adquiriram um produto já infectado”, explicou.

PRESCRIÇÃO O assessor da Comissão de Farmácia Hospitalar do Conselho Regional de Farmácia, Vander Campos, explicou que o gliconato de cálcio é apenas um dos componentes da alimentação do paciente. A solução é feita para cada pessoa e prescrita diariamente. Conforme a receita, são manipulados cálcio, sódio, potássio, magnésio, zinco, outras vitaminas que o paciente precisar, carboidratos, proteínas, gorduras, entre outras. “É uma alimentação prescrita para um público que já está mais sensível e muito comum para neonatos”, afirmou.

Vander é diretor técnico do Grupo Aporte e informou que as três empresas fechadas preventivamente cruzaram as informações e chegaram à conclusão de que a falha pode estar no lote interditado pela Anvisa. “Estamos fazendo um processo de investigação no laboratório e acreditamos que ainda pode ser outra substância contaminada”, explicou.

A Isofarma informou diversos insumos são usados na solução. “Até que a análise dos componentes e do ambiente seja finalizada, não há como afirmar que o causador da contaminação foi o lote descrito”, afirmou o gerente de Garantia da Qualidade, João Paulo Costa.

Gliconato de cálcio

Indicação e aplicação do medicamento

» Indicado a pacientes que não têm mais como digerir o alimento e precisa de nutrição venosa

» É injetado com outras soluções que vão levar ao paciente, além do cálcio, proteínas, gorduras, carboidratos, vitaminas

» As substâncias caem diretamente na corrente sanguínea

» Produto é muito usado em bebês prematuros ou que nasceram com alguma patologia e não conseguem se alimentar

» Paciente normalmente ingere uma bolsa por dia, que é manipulada para juntar todas as substâncias necessárias

» Medicamento é perecível e, após manipulado, deve ser ingerir em no máximo 48 horas