quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Em Gaza como em Milão - Marina Colasanti‏



Estado de Minas: 29/11/2012 
A manhã não começa mais com o cantar do galo que nos despertava para os sons da natureza e a vida do quintal. A manhã começa com o jornal que nos chama para os fatos dos homens, a vida e a morte no mundo. 

No meu colo, uma das tantas fotos do enfrentamento em Gaza. Um ancião anda apoiado na bengala, diante dos escombros de um prédio semidestruído por um ataque aéreo. Pode ter sido ali sua casa, ou não. O velho não olha os escombros, olha o chão à sua frente, terra removida, árdua para as sandálias.

Mas naquilo que foi o terceiro andar daquilo que foi o prédio, nas únicas duas paredes ou partes das paredes que restam daquilo que talvez tenha sido uma sala, sobrou algo pintado. São paisagens. Ocupavam o espaço todo, do chão ao teto. De um lado só vejo o azul do céu, algum verde, e algo que pode ter representado uma antiga construção. No outro, no fragmento do outro, é claramente visível a mansidão de um gramado que se alonga até encontrar arbustos, e logo floresta, e a elegante precisão de três ciprestes. Há uma fenda na parede. Ultrapassada esta, erguem-se ainda na pintura, intactos, três arcos clássicos sustentados por colunas, espécie de eco arquitetônico dos três ciprestes.

Quando, logo depois da Segunda Grande Guerra, atravessei Milão com a minha mãe, vi escombros como esse. Não como esse, exatamente, porque os prédios daquele tempo não eram construídos com concreto, não tinham lajes e, bombardeados, não exibiam vergalhões retorcidos. Os prédios daquele tempo eram modestamente de tijolos, vinham abaixo com mais facilidade, como se obedientes ao desejo de destruição do inimigo. Mas, do mesmo modo, estes e aqueles guardam nas paredes vestígios da vida que os habitou e foi sua razão de ser. 

Os de Milão, que meu olhar não esquece, vazios por dentro de alto a baixo, como caixas, conservavam ainda um ou outro quadro pendurado, os azulejos de uma cozinha, a marca da cabeceira de uma cama. Via-se, exato, o desenho dos que haviam sido degraus de escada.

 No silêncio da cidade em que a destruição havia aniquilado o trânsito, aqueles sinais dialogaram com a menina que eu era. Encheram-me de tristeza e medo – poderia ter sido eu a ocupante da cama de que nada mais restava além da marca desbotada na pintura, poderia ser meu o retrato pendurado na parede –, mas de alguma forma me acalentaram. Sinais de vida, embora calados, eram melhores do que vida nenhuma.

É provável, muito provável, que o velho da foto já tenha tido sua casa destruída mais de uma vez, ou que a tenha perdido. Casas são tão frágeis na estrutura física quanto resistentes na simbólica. Um tufão, um terremoto, um invasor, uma nevasca, uma bomba ou um foguete, uma epidemia ou um incêndio, tudo pode arrancar o ser humano da sua morada. Se ele não for soterrado pelos escombros ou levado pelas águas, se sobreviver, mesmo estando destruída, sua casa sobrevive com ele. Pois ele não pertence à casa. A casa está nele, sempre em construção.

Que agradável terá sido para seus habitantes a sala pintada de Gaza. Ali festejaram e discutiram, ali desfiaram o cotidiano, acolheram seus filhos, e estiveram bem. Aquela sala acabou. Mas o que nela foi vivido continua vivo, alimentando um desejo de casa, à espera de meios que permitam erguer novas paredes.

Tereza Cruvinel - Bangue-bangue‏

A Polícia Federal, há alguns anos dividida entre a ala tucana e a ala petista, assim como o Ministério Público, de aparelho do Estado transformou-se em protagonista do bangue-bangue nacional 

Estado de Minas: 29/11/2012 
Combater a corrupção é fundamental, e o Brasil vem avançando também nesse campo. Mas quando a iniciativa e o estouro de esquemas delituosos ocorrem movidos pela luta política, fica-se em dúvida: estamos diante de maior rigor no combate a esse mal corrosivo ou assistindo ao bangue-bangue em que foi transformada a política nacional desde 2005, quando a descoberta do valerioduto do PT produziu a narrativa conhecida como mensalão? Ou melhor, desde que Lula chegou à Presidência.    

No Congresso, ouve-se com tranquilidade, seja entre governistas ou oposicionistas, que o escândalo do momento, envolvendo, entre outros funcionários graduados, a chefe de gabinete do escritório da Presidência da República em São Paulo e a segunda autoridade da Advocacia-Geral da União – ambos já exonerados –, foi uma resposta a duas “insolências” do PT: a reação agressiva às condenações dos réus do mensalão, com críticas ao Supremo e ao Ministério Público, e a inclusão, pelo relator, de um jornalista da revista Veja e do procurador-geral Roberto Gurgel no relatório final da CPI do Cachoeira. Com o próprio ex-presidente Lula no alvo da Operação Porto Seguro, o relator ontem recuou, retirando do texto o jornalista e o procurador. Fragilizado, começou a sofrer pressões da oposição para novas concessões. Agora, novo baile seguirá, com depoimentos de ministros e funcionários ao Congresso, quem sabe com uma nova CPI. E proliferam rumores, como o já desmentido pela procuradora responsável, de que existiria uma centena de gravações de conversas entre Lula e Rosemary Nóvoa de Noronha, a ex-chefe de gabinete em São Paulo. 

É também voz corrente que o delator do esquema de tráfico de influência desvendado, o ex-auditor do TCU Cyonil Borges, só fez a denúncia porque não lhe pagaram a segunda metade da propina. Tanto é que, verificando sua conta, a Polícia Federal constatou que o dinheiro ali depositado vinha de um empréstimo consignado. A primeira metade, ele gastara. Enquanto isso, no Supremo, Roberto Jefferson teve a pena atenuada, segundo o relator Joaquim Barbosa, por ter contribuído para a revelação do esquema. Quem tem memória se recorda que, após a divulgação de fita em que seu correligionário Maurício Marinho pedia propina em seu nome, Jefferson acusou o PT de comprar a maioria parlamentar com pagamentos mensais de R$ 30 mil. Daí a expressão mensalão. A CPI descobriu o valerioduto, um megacaixa dois, no entanto, essa legião de mensaleiros, que precisavam ser mais de 100 para garantir a maioria, nunca apareceu. Mas o trem vai passando e a narrativa vai sendo estabelecida. 

Ainda em relação ao novo escândalo em cartaz, é espantoso que o ministro da Justiça não tenha sabido que, há mais de um ano, o escritório da Presidência era investigado. Não para proteger Rose, como era conhecida Rosemary, mas para que o governo pudesse agir com mais rapidez, demitindo todos os envolvidos por iniciativa própria, e não na defensiva, depois do estouro do escândalo. Autonomia para investigar a Polícia Federal deve ter, mas isso não significa que lhe seja dispensada a subordinação hierárquica. A PF, há alguns anos dividida entre a ala tucana e a ala petista, assim como o Ministério Público, de aparelho do Estado transformou-se em protagonista do bangue-bangue nacional.

Veto parcial
Deve sair amanhã o veto parcial da presidente Dilma a dois artigos da lei dos royalties aprovada pelo Congresso. Com isso, se restabelece a regra anterior no que toca aos contratos de exploração, atendendo ao clamor dos dois maiores estados produtores, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O veto contraria, entretanto, outras 25 unidades federativas e suas bancadas no Congresso, em hora de crescentes tensões federativas. 

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que tem interlocução direta com a presidente, deu início a conversas “pacificadoras” dentro do Congresso para garantir a assimilação da decisão. Para ele, o veto parcial, nessas condições, promoverá o equilíbrio que faltou nas votações: “Com o veto parcial, a presidente produzirá um ato jurídico perfeito, evitando a judicialização do assunto, o que atrasaria a licitação de novos campos, com perdas para todo o país. A lei, com essas mudanças, continuará garantindo o acesso dos outros estados aos recursos derivados dos royalties, a partir de uma drástica redução das cotas do Rio e do Espírito Santo relativas aos novos campos, fato que não tem sido destacado”, diz o senador.

De fato, pela regra atual, os estados produtores ficam com 61,25% das receitas, e os demais, com a pequena fração de 8,75%. Pela nova regra, mesmo com o veto parcial, Rio e Espírito Santos (e outros, com menor produção) levarão apenas 29%, ficando 48% para os demais.

A briga dos royalties, para Lindbergh, foi o desaguadouro de insatisfações de estados e municípios com a perda de receitas derivadas das desonerações tributárias adotadas pelo governo federal para enfrentar a desaceleração econômica decorrente da crise externa: “58% do IPI, que foi reduzido para vários setores, vão para os fundos de participação dos estados e dos municípios (FPE e FPM). As perdas acirraram a disputa pelas royalties”.

Resolvida essa questão, diz ele, o governo terá que dedicar mais atenção a outros problemas da agenda federativa: a renegociação das dívidas, a unificação das alíquotas do ICMS, a MP do setor elétrico, entre outros.

Homenagem
Um grupo de deputados protocolou ontem na Mesa da Câmara proposta de conceder ao plenário em que funciona a Comissão Mista de Orçamento o nome do ex-deputado Sérgio Miranda, falecido na segunda-feira, por sua atuação destacada na CMO entre 1994 e 2006.

O mestre (Jimmy Page) - Walter Sebastião‏

A lição de Jimmy Page, lendário guitarrista do Led Zeppelin, ecoa na música do século 21. Colegas brasileiros garantem: aos 68 anos, o inglês continua moderno e surpreendente 

Walter Sebastião
Estado de Minas: 29/11/2012 
A discografia do Led Zeppelin é modesta: nove álbuns em breves 13 anos. Mas impressiona o fato de quatro discos fundamentais para o rock – Led Zeppelin I a IV – terem sido realizados em três anos, dois deles em 1969, data de estreia da banda. O homem que comandou essa proeza – não só ao criar o grupo, mas produzindo os LPs e como ícone do pop – acaba de virar livro. Ele conta como tudo isso foi possível em Luz & sombra, conversas com Jimmy Page (Editora Globo).

O autor, Brad Tolinski, reuniu entrevistas da lenda viva do rock. Editor-chefe da revista Guitar World, ele esmiuça esse instrumento com abrangência e extremo rigor técnico. A luz e a sombra do título se valem do conceito das artes plásticas usado pelo próprio Jimmy Page, de 68 anos, para definir seu estilo: estética apoiada em contrastes. Ou seja, peso e delicadeza, tradição e experimentação, acústico e elétrico, técnica e espontaneidade, músicas longas e curtas.

Ao acompanhar o guitarrista Jimmy Page ao longo de cinco décadas, é possível observar a afirmação, a transformação e a expansão do rock – inclusive como negócio. Do som de pequenos clubes de garotos brancos, loucos por música negra e empunhando guitarras (tidas como algo exótico), ao universo milionário dos superastros.

Aos 13 anos, o londrino Jimmy Page aprendeu a tocar violão com um colega de escola. Pouco depois, participou de show de talentos adolescentes da rádio BBC. Fã de rockabilly, blues e de Elvis Presley, comprou uma guitarra. Aos 18, tocava bem o suficiente para chamar a atenção.

Brad Tolinski estima que a guitarra de Page pode ser ouvida em 60% dos discos lançados na Grã-Bretanha no início de 1960. Ele participou do single de estreia do The Who, de hits de Tom Jones e de gravações de Burt Bacharach. Disciplinado e estudioso, foi um dos primeiros a adotar pedais de distorção na época em que acessórios para guitarra começavam a chegar ao mercado. Foi um dos primeiros músicos da Inglaterra a comprar cítara – antes de George Harrison. Aprendeu a tocá-la com Ravi Shankar.

A partir da metade dos anos 1960, Page conviveu com artistas que construíram a história do rock e do blues. O guitarrista produziu disco de John Mayall. Também foi produtor do emblemático LP Beck’s bolero (de 1967), que reúne Jeff Beck (guitarra), o baterista Keith Moon (do The Who), o baixista John Paul Jones (futuro Led Zeppelin) e Nick Hopkins, famoso pianista dos Rolling Stones.

Page se tornou guitarrista do Yardbirds, abandonando a vida confortável dos estúdios de gravação. Trata-se da primeira banda a fundir rock e blues – ele entrou no lugar de Jeff Back, que, por sua vez, substituiu Eric Clapton. Deve-se ao trio a introdução do virtuosismo guitarrístico no rock britânico.

Nova dimensão
 Com o fim do Yardbirds, Jimmy Page partiu para a criação do Led Zeppelin. Tanto recrutou os músicos quanto pagou e coordenou a produção do primeiro disco da banda. Motivo: queria evitar palpites que ferissem suas ideias sobre música e gravação. A missão, acreditava, era desbravar a nova década musical (os anos 1970) e buscar novas dimensões para o rock.

O som do Led Zeppelin funde rock, blues, folk e músicas clássica e indiana. Page queria que as guitarras tivessem o mesmo papel dos metais nas antigas big bands. Por isso ele selecionou instrumentistas qualificados e profissionais – gente que recusava o esculacho técnico e artístico que fez o charme dos anos 1960. Na década de 1970, a banda levou megaeventos para estádios, reunindo milhares de pessoas. Iluminação feérica, gelo seco, figurinos glamourosos, jatinhos particulares, sexo, drogas e tumulto em hotéis eram parte do show. E que show...
A discografia do Led Zeppelin é modesta: nove álbuns em breves 13 anos. Mas impressiona o fato de quatro discos fundamentais para o rock – Led Zeppelin I a IV – terem sido realizados em três anos, dois deles em 1969, data de estreia da banda. O homem que comandou essa proeza – não só ao criar o grupo, mas produzindo os LPs e como ícone do pop – acaba de virar livro. Ele conta como tudo isso foi possível em Luz & sombra, conversas com Jimmy Page (Editora Globo).

O autor, Brad Tolinski, reuniu entrevistas da lenda viva do rock. Editor-chefe da revista Guitar World, ele esmiuça esse instrumento com abrangência e extremo rigor técnico. A luz e a sombra do título se valem do conceito das artes plásticas usado pelo próprio Jimmy Page, de 68 anos, para definir seu estilo: estética apoiada em contrastes. Ou seja, peso e delicadeza, tradição e experimentação, acústico e elétrico, técnica e espontaneidade, músicas longas e curtas.

Ao acompanhar o guitarrista Jimmy Page ao longo de cinco décadas, é possível observar a afirmação, a transformação e a expansão do rock – inclusive como negócio. Do som de pequenos clubes de garotos brancos, loucos por música negra e empunhando guitarras (tidas como algo exótico), ao universo milionário dos superastros.

Aos 13 anos, o londrino Jimmy Page aprendeu a tocar violão com um colega de escola. Pouco depois, participou de show de talentos adolescentes da rádio BBC. Fã de rockabilly, blues e de Elvis Presley, comprou uma guitarra. Aos 18, tocava bem o suficiente para chamar a atenção.

Brad Tolinski estima que a guitarra de Page pode ser ouvida em 60% dos discos lançados na Grã-Bretanha no início de 1960. Ele participou do single de estreia do The Who, de hits de Tom Jones e de gravações de Burt Bacharach. Disciplinado e estudioso, foi um dos primeiros a adotar pedais de distorção na época em que acessórios para guitarra começavam a chegar ao mercado. Foi um dos primeiros músicos da Inglaterra a comprar cítara – antes de George Harrison. Aprendeu a tocá-la com Ravi Shankar.

A partir da metade dos anos 1960, Page conviveu com artistas que construíram a história do rock e do blues. O guitarrista produziu disco de John Mayall. Também foi produtor do emblemático LP Beck’s bolero (de 1967), que reúne Jeff Beck (guitarra), o baterista Keith Moon (do The Who), o baixista John Paul Jones (futuro Led Zeppelin) e Nick Hopkins, famoso pianista dos Rolling Stones.

Page se tornou guitarrista do Yardbirds, abandonando a vida confortável dos estúdios de gravação. Trata-se da primeira banda a fundir rock e blues – ele entrou no lugar de Jeff Back, que, por sua vez, substituiu Eric Clapton. Deve-se ao trio a introdução do virtuosismo guitarrístico no rock britânico.

Nova dimensão
 Com o fim do Yardbirds, Jimmy Page partiu para a criação do Led Zeppelin. Tanto recrutou os músicos quanto pagou e coordenou a produção do primeiro disco da banda. Motivo: queria evitar palpites que ferissem suas ideias sobre música e gravação. A missão, acreditava, era desbravar a nova década musical (os anos 1970) e buscar novas dimensões para o rock.

O som do Led Zeppelin funde rock, blues, folk e músicas clássica e indiana. Page queria que as guitarras tivessem o mesmo papel dos metais nas antigas big bands. Por isso ele selecionou instrumentistas qualificados e profissionais – gente que recusava o esculacho técnico e artístico que fez o charme dos anos 1960. Na década de 1970, a banda levou megaeventos para estádios, reunindo milhares de pessoas. Iluminação feérica, gelo seco, figurinos glamourosos, jatinhos particulares, sexo, drogas e tumulto em hotéis eram parte do show. E que show...

Profissão: mulher - Valquiria Lopes e Paula Sarapu‏

Estudo do IBGE mostra que elas passam muito mais tempo na escola que eles, mas ganham menos e ainda enfrentam nas atividades domésticas diárias o peso de um segundo emprego 

Valquiria Lopes e Paula Sarapu
Estado de MInas: 29/11/2012 
Maratona: Depois de superar obstáculos do trabalho, Cátia Gomes corre para o serviço de casa. Entre um e outro, cronometra o tempo para estudar e fazer ginástica

Para dar conta das tarefas domésticas, trabalhar sete horas diárias, fazer ginástica e cursar pós-graduação, a servidora pública Cátia de Cássia Souza Gomes, de 48 anos, precisa cronometrar o tempo e se desdobrar. Isso tudo porque, mesmo tendo a mesma jornada de trabalho do marido durante a semana, é ela a responsável pela maior parte dos afazeres da casa, como as compras, a limpeza e o almoço nos dias em que não conta com a diarista. Cátia é funcionária do Tribunal Regional do Trabalho de Minas e tem formação superior, diferentemente do marido. Mesmo assim, antes de se entrar no serviço público ganhava menos que ele. Ela é o retrato da mulher da maioria dos lares mineiros, elaborado pela Síntese de Indicadores Sociais, estudo divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa mostra que elas estudam mais do que eles, ganham menos e ainda dedicam mais tempo aos afazeres domésticos. E, em Minas, a desigualdade é ainda maior.

O estudo do IBGE se baseia nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2011, combinados com outros registros administrativos do governo federal, que permitem analisar as condições de vida da população, destacando indicadores sociais, econômicos e demográficos. Segundo a coordenadora estadual do Setor de Disseminação da Informação do instituto em Minas, a demógrafa Luciene Longo, as diferenças entre homens e mulheres ainda são bem marcadas, embora a situação venha mudando lentamente.

Luciene explica que, apesar de ter maior escolaridade do que eles e de cumprir jornada no mercado de trabalho, as mulheres de Minas dedicam mais horas aos afazeres domésticos do que as demais no Sudeste. São, em média, 28,1 horas por semana, contra apenas 11,1 horas semanais para os homens no estado. Não há variações significativas em relação ao país (27,7 horas/semana) e à média da região (27,5), mas Minas é o estado que apresenta maior número de horas gastas com atividades do lar em relação a São Paulo (27,6), Rio (26,9) e Espírito Santo (25,8).

Situação que Cátia Gomes conhece bem. “Mesmo com a diarista e com meu marido ajudando na organização da casa, a carga de tarefas é muito maior para mim. Isso implica abrir mão de algumas coisas, como fazer outro curso superior à noite”, afirma. A pós-graduação, a distância, só foi possível depois que o filho tornou-se mais independente. Até pouco tempo atrás era Cátia quem o levava à escola, aos médicos e às atividades esportivas, o que consumia mais tempo. Para ela, a realidade mostrada pelo IBGE é fruto de questões culturais. “Infelizmente, o que prevalece nos lares é a ideia de que a mulher é a ‘dona de casa’.”

Não fosse o esforço em ser aprovada no concurso público, Cátia se enquadraria em outro tópico da pesquisa: mesmo com escolaridade superior, as mulheres têm rendimento menor. “Enquanto estive na iniciativa privada, tínhamos cargos parecidos, mas vencimentos diferentes. Hoje, ele ganha um terço do meu salário”, afirma. Conforme o estudo, as mulheres ocupadas recebem 67,4% do que ganham os homens.

Elas são mais estudiosas 
Mineiras ficam 15 meses a mais nas salas de aula do que os homens, segundo pesquisa do IBGE. Dedicação à formação intelectual se dá para conseguir melhor remuneração 

Paula Sarapu e Valquiria Lopes
A bióloga e pós-doutoranda Luana Dourado concilia a carreira acadêmica com os afazeres domésticos, incluindo o filho, Lucas (Jackson Romanelli/EM/D.A Press)
A bióloga e pós-doutoranda Luana Dourado concilia a carreira acadêmica com os afazeres domésticos, incluindo o filho, Lucas

As mulheres de Minas ficam mais tempo nos bancos de salas de aula, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais 2012. De acordo com a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada ontem, elas dedicam 15 meses a mais à formação intelectual, até numa tentativa de conseguir melhor remuneração. Os números mostram que as mulheres estudam em média 8,9 anos, enquanto a média para homens é de 7,6 anos. Os dados, porém, são inferiores ao total do país, que registra 7,9 anos para homens e 9,2 para mulheres.

Casada há cinco anos com um engenheiro elétrico, a pós-doutoranda Luana Dourado, de 32 anos, estudou sete anos a mais que o marido. Desde a graduação, foram 12 anos e falta mais um para terminar a especialização em microbiologia. No dia a dia, cumpre sete horas nos laboratórios da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o que lhe garante uma bolsa de estudo correspondente a 50% do valor do salário do marido. Em casa, ela ainda cuida de tudo, conciliando o tempo com o filho, Lucas, de 1 ano e meio, que frequenta a creche desde os quatro meses.

“Meu trabalho é acadêmico, ganho para produzir conhecimento e tinha um objetivo claro de que ainda não era hora de dar uma pausa na carreira, quando Lucas nasceu. Tirei a licença e voltei quando ele ainda mamava no peito. Na hora de almoço, ia até a creche. Achava que seria difícil e fiquei apreensiva, mas não chegou a ser traumático, como imaginei”, conta Luana, que diz ter dado sorte com o marido. “Tenho faxineira duas vezes na semana e cuido do resto em casa, do jantar, das roupas deles. Mas nem posso reclamar porque ele me ajuda.”

Para Luana, bióloga por formação que ainda fez mestrado e doutorado, o marido ganha mais porque a profissão dele é de uma área do conhecimento mais valorizada. “Acredito que uma engenheira no cargo dele ganharia a mesma coisa.” Segundo o IBGE, há diferenças ainda para raça/cor, uma vez que os ganhos de pretos e pardos equivalem a 66,7% do rendimento dos brancos.

O estudo do IBGE também aponta a maior inserção dos jovens na universidade e no mercado de trabalho. Em Minas, a maioria das pessoas cursam a educação fundamental (91,2%) e o ensino médio (88,1%) na rede pública, situação que se inverte no ensino superior, em que 75,1% dos alunos estudam em estabelecimentos privados. Segundo a demógrafa Luciene Longo, os estudantes vindos de escolas públicas não têm nível de aprendizado suficiente para conseguir vaga em universidade pública.

 “Já em relação à frequência escolar, embora Minas tenha uma taxa bruta inferior à do Brasil para a população de 6 a 14 anos, com idades em suas séries correspondentes (taxa líquida), o estado apresenta números ligeiramente maiores do que a média nacional”, diz Luciene. Segundo o levantamento, a frequência escolar mineira é de 26,8% ante 28,7% em nível nacional. No que diz respeito à faixa etária de 6 a 14 anos, na taxa líquida, a presença na escola é de 94,5% para Minas e 91,9% para o Brasil. Para Luciene, a reflexão é sobre a permanência. “Dá para perceber que o acesso tem melhorado, mas a média de anos de estudo, ou seja, tudo o que todo mundo tem que estudar, Minas tem uma situação bem inferior. E diminuir essa desigualdade ainda vai levar tempo.”
O ‘PODER’ DA CRECHE A estudante Anna Caroline Leandro Costa, de 27, cursou a educação básica em escola pública e foi aprovada no vestibular para fisioterapia na Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas), mas precisou interromper os estudos no terceiro período porque não conseguiu arcar com as despesas. Anna tentou, então, a UFMG, mas não foi aprovada. “Aí, engravidei e optei por parar de estudar porque meu filho ficava sempre doente na creche e não consegui um turno nas faculdades que conciliasse com o horário dele (na creche). Também trabalhava, mas decidi ficar em casa e cuidar do Lucas.”

Segundo o estudo, as mulheres continuam afetadas por um fator preponderante para a vida profissional: aquelas com mais de 16 anos e que têm filhos com idades entre 0 e 3 anos fora da creche têm participação menor no mercado de trabalho (49,2%), quando comparadas às mulheres com filhos que nessa faixa etária já frequentam escolinhas (77,9%). Os números de 2011 indicam que Minas tem percentuais um pouco melhores em relação à média do país, em que 43,9% das mulheres com filhos pequenos fora da creche conseguem trabalhar e 71,7% daqueles que têm filhos estudando estão inseridas no mercado. Anna Caroline, entretanto, quer voltar ao mercado de trabalho e está se preparando para isso. Como o filho Lucas fez 5 anos este ano, se matriculou no curso técnico de gestão de recursos humanos da Unatec. “Estou fora do mercado de trabalho há muito tempo. Por isso, preciso fazer cursos extracurriculares para me sentir mais preparada.”

Diferenças no trabalho formal 
Pedro Rocha Franco
Publicação: 29/11/2012 04:00


No Brasil, o avanço da economia na última década resultou em formalização do mercado de trabalho. De 2001 a 2011, o percentual de pessoas sem carteira assinada caiu de 54,7% para 44%, segundo a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Minas, o que se percebe são dois lados bem distintos. De um, a Grande BH com patamar de formalização entre os mais altos do Brasil. Do outro, o Vale do Jequitinhonha e a Região Norte se assemelham ao cenário das regiões Norte e Nordeste do país, onde prevalece ainda a informalização do mercado de trabalho.

No Sudeste, Minas apresenta o maior percentual de trabalhadores na informalidade, com 42,4% das pessoas ocupadas sem carteira assinada. Apesar do percentual elevado, devido à heterogeneidade do estado, o dado não retrata o que se passa nos quatro cantos do estados. Na Grande BH, por exemplo, o percentual de informalidade é de 30,6%. “A gente brinca que Minas é a síntese do país. O Norte e o Jequitinhonha têm características parecidas com das regiões Norte e Nordeste do país”, afirma a analista do IBGE, Luciene Longo.

Devido ao desequilíbrio no estado, no ranking nacional o indicador mineiro fica no meio da tabela. O percentual de informais é superior aos estados das regiões Sul e Sudeste, enquanto é inferior ao dos nortistas e nordestinos. O pedreiro Antônio Ozolino está entre os moradores da Grande BH que permanecem sem carteira assinada, mas não reclama. "Não fico parado. Um indica para o outro e assim sempre consigo trabalho”, afirma.

Retratos de um país menos desigual 
Publicação: 29/11/2012 04:00
Os extremos entre pobres e ricos, notadamente marcados no Brasil, apresentaram ligeira diminuição ao longo da última década. Medida por diversos indicadores e aspectos sociais e econômicos, a distribuição de renda no país passou de 0,559, em 2004, para 0,508, em 2011, conforme a Síntese dos Indicadores Sociais, do IBGE. O dado refere-se ao coeficiente de Gini, de forma que quanto mais próximo de 1, maior é a desigualdade. Exemplo claro dessa mudança é que, de acordo com a pesquisa, a razão entre a renda familiar per capita dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres caiu de cerca de 24 para 16,5 vezes, entre 2001 e 2011. 

Apesar da evolução, a desigualdade persiste. Conforme o estudo, os 20% mais ricos ainda detêm quase 60% da renda total, em contrapartida ao pouco mais de 11% detidos pelos 40% mais pobres. “A diferença está caindo, mas ainda é muito grande no país porque o Nordeste e o Norte elevam os índices”, explica a demógrafa do IBGE, Luciene Longo.

Sobre as características da população, o levantamento do IBGE mostra que em 10 anos o número de idosos passou de 15,5 milhões, em 2001, para 23,5 milhões de pessoas, no ano passado e representam 12,1% da população. Outro dado se refere ao excesso de peso entre crianças e adolescentes. De acordo com o relatório, 33,5% das crianças de 5 a 9 anos estão com sobrepeso, contra 4,1% com déficit de massa corpórea. Entre jovens, com 10 a 19 anos, 20,5% deles apresentam sobrepeso, ante 3,4% com "magreza" excessiva.

VIOLÊNCIA 
Ao analisar o nível de segurança, 67,1% das pessoas se sentem seguras em seus bairros, contra 78,6% em seus domicílios. Em Minas, esses percentuais são mais altos do que a média nacional – 79,1% dos mineiros declararam se sentir seguras em seu domicílio e 69,9% no seu bairro. (PS e VL)



CIÊNCIA » O fracasso de Kyoto - Max Milliano Melo

Artigos publicados na revista Nature aponta que o protocolo criado para combater o aquecimento global falhou. Emissões de gases do efeito estufa aumentaram 

Max Milliano Melo
Estado de Minas: 29/11/2012 

“O aquecedor está ligado.” A frase estampada na capa da edição de hoje da revista Nature anuncia, com base em uma série de artigos, o fracasso do Protocolo de Kyoto em conseguir reduzir as emissões globais de gases causadores do efeito estufa, apesar de todo o esforço empregado em sucessivas reuniões de cúpula dedicadas ao tema. O alerta de uma das mais respeitadas publicações científicas do mundo é feito no momento em que, mais uma vez, líderes políticos tentam chegar a um acordo para prorrogar a validade do protocolo, previsto para expirar no próximo mês, durante a 18ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP18), em Doha, no Catar.

Segundo Dieter Helm, professor de Políticas Energéticas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, embora o principal alvo de Kyoto tenha sido reduzir os níveis de CO2 e demais gases que agravam o aquecimento global, as emissões permanecem em uma curva ascendente. “Elas passaram de quase 2 partes por milhão (ppm) por ano, no início de 1990, para quase 3ppm atualmente”, informa o especialista, para quem a situação deve piorar ainda mais.

“O grande problema de Kyoto é que ele leva em consideração apenas a produção de carbono, e não a emissão”, afirma o britânico. A distorção nos cálculos favorece o lançamento de uma quantidade maior de carbono na atmosfera. “O aquecimento global não leva em conta as fronteiras nacionais. Se um consumidor dos Estados Unidos compra um carro, pouco importa se o aço dentro dele é feito lá ou na China”, prossegue. “A diferença entre a produção de carbono e o consumo de carbono não é trivial. Veja o Reino Unido: de 1990 a 2005, a sua produção de carbono caiu cerca de 15%, mas o consumo subiu aproximadamente 19%, quando se leva em conta o carbono embutido nas importações.” O que ocorreu, portanto, segundo o especialista, foi uma transferência das emissões, desvirtuando a intenção do protocolo.

Se o atual acordo é falho, a elaboração de um substituto é ainda mais problemática. “Na COP de Durban, em dezembro de 2011, o máximo que se conseguiu foi que os países participantes concordassem que até 2015 haverá um acordo sobre o que eles podem fazer depois de 2020”, lamenta o britânico. 

Mercado Outro aspecto do protocolo que falhou em seus objetivos e deve criar um panorama tenebroso para o mundo nos próximos anos é o mercado global de carbono. Segundo o que foi projetado em 1997, os países poderiam colocar um preço nas emissões — ou em seus cortes — e negociá-las entre si. Até o início dos anos 2000, o mercado estava prestes a se tornar uma realidade, mas uma sequência de acontecimentos minou o projeto.

O primeiro deles foi a eleição de George W. Bush, um forte crítico do protocolo, que presidiu os EUA entre 2001 e 2009. Contudo, outros fatores, além da resistência da maior economia e maior poluidor do mundo, outros pontos contribuíram para o fracasso. “A crise de crédito colocou instrumentos de negociação complexos em descrédito. A European Union Emissions Trading Scheme (EU ETS) se viu envolta em escândalos, como o roubo de licenças de emissão e fraudes fiscais”, enumera Michael Grubb, pesquisador da Universidade de Cambridge, também no Reino Unido. Assim, questões financeiras e políticas formaram um gargalo para o crescimento do mercado mesmo na Europa, região que tem se mostrado mais flexível à adoção de mecanismos de redução das emissões.

Em um dos artigos que compõem o especial da Nature, Grubb explica que, embora a questão tenha ganhado novo fôlego nos EUA, no período pós-Bush, a crise econômica atuou como freio na região. “Criou-se o consenso de que os Estados Unidos não teriam estômago para precificação do carbono — o público nunca aceitaria uma tributação”, conta. Sem um mercado grande, o comércio de carbono viu seus preços despencarem. Atualmente, o certificado para emissão de 1t de carbono custa tão pouco que é mais barato pagar por ele do que investir em tecnologias verdes.

Apesar do pessimismo generalizado, Grubb elenca três passos necessários para colocar as medidas de combate às mudanças climáticas de volta nos trilhos. O primeiro seria a inclusão dos Estados Unidos nos esforços globais para a redução das mudanças climáticas. Outro ponto seria o fortalecimento do comércio global de carbono. Por fim, o britânico defende que as nações mais pobres passem a investir em economia verde. “Os países em desenvolvimento devem parar de apontar a responsabilidade das mudanças climáticas para os países ricos e focar seu desenvolvimento em tecnologias limpas”, completa.

Boas e más notícias

Poucas notícias vêm de Doha, no Catar, cidade sede da 18ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP18). Esvaziada em um momento crucial, quando precisa discutir a prorrogação do Protocolo de Kyoto, documento assinado em 1997 e que expira no fim de dezembro, a conferência mantém expectativas modestas. Os primeiros dias foram pontuados por algumas boas notícias locais, e outras más, de caráter mundial.

Se na terça-feira o Brasil foi o único a receber aplausos, após anunciar a redução de 27% no ritmo de desmatamento da Amazônia, ontem foi a vez de o país anfitrião, receber elogios. Em seu discurso, Fahad bin Mohammed al-Attiyah, presidente do programa de segurança alimentar do Catar, afirmou que o país está preocupado com as questões ambientais. “O governo está preparado para tomar decisões no sentido de reduzir o seu impacto ambiental e fomentar projetos sustentáveis”, afirmou. O discurso é considerado um avanço, visto que o país é o maior poluidor per capita do mundo. Segundo o Banco Mundial, cada habitante do Catar emite cerca de 49,1t de carbono por ano.

Ações pontuais, porém, não são suficientes para resolver um problema global. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) informou ontem na COP18 que 2012 foi marcado por calor recorde e degelo no Ártico também sem precedentes. A temperatura terrestre e na superfície dos oceanos ao longo dos 10 primeiros meses do ano foi cerca de 0,45ºC acima da média de entre 1961 e 1990, de 14,2ºC
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