domingo, 15 de dezembro de 2013

MARTHA MEDEIROS - Conversas iluminadas

Zero Hora 15/12/2013

Tem coisa mais xarope do que faltar luz? Outro dia estava terminando de escrever um texto e não consegui concluí-lo: o céu enegreceu, trovões começaram a espocar e foi-se a energia da casa. Eram 15h10 da tarde. A luz só voltou às 20h. Fiquei com aquele pedação de dia sem poder trabalhar. Então bati à porta do quarto da minha filha e percebi que ela também estava à toa, sem conseguir desfrutar da companhia inseparável do seu laptop. Ficamos as duas ali nos queixando do desperdício de tempo, até que nos jogamos em sua cama e começamos a conversar. Que jeito.

Conversamos sobre os sonhos que ela tem para o futuro, e eu contei os que eu tinha na idade dela, e de como a vida me surpreendeu desde lá até aqui. E ela me divertiu com umas ideias absurdas que só podiam mesmo sair de sua cabeça inventiva, e eu ri tanto que ela se contagiou e riu muito também de si mesma. Então ela me falou sobre uma peça de teatro que foi assistir quando eu estive viajando, e ela disse que eu teria adorado, e combinamos de ir juntas na próxima vez que o ator voltar a Porto Alegre.

Aí eu contei o que fiz durante essa viagem que me impediu de estar com ela no teatro, e vimos as fotos juntas. Então foi a vez de ela me apresentar o novo disco da Lady Gaga (pelo celular), e ela me convenceu de que existe muito preconceito com essa cantora que, em sua opinião, é revolucionária, e eu escutei umas sete músicas e não gostei tanto assim, mas reconheci ali um talento que eu estava mesmo desprezando. Então foi minha vez de tocar pra ela uma música que eu adoro e ela fez uma careta, e concluí que a careta era eu. E rimos de novo, e conversamos mais um tanto, e então fomos para a cozinha comer um resto de salada de fruta que estava a ponto de estragar naquela geladeira sem vida, já que a luz ainda não havia voltado.

Será que não havia voltado mesmo? Engraçado, fazia tempo que não passava uma tarde tão luminosa.

Quando por fim a luz voltou, voltei também eu para o computador, e voltou minha filha para seu Facebook, e só o que se escutava pela casa era o barulho das teclas escrevendo para seres invisíveis – falávamos com quem? Com o universo alheio.

E tive então um insight: tem, sim, coisa mais xarope do que faltar luz. É ficarmos reféns da tecnologia, deixando de conversar com quem está ao nosso lado. Se é preciso que a energia elétrica seja cortada para resgatar a energia humana, que seja, então. Não em hospitais, não em escolas, mas dentro de casa, uma horinha por semana: não haveria de causar um estrago tão grande. Se acontecer de novo, prometo não reclamar para a CEEE, desde que não demore tanto para voltar a ponto de estragar os alimentos na geladeira e que seja suficiente para me alimentar da clarividência e brilho de um bom papo.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » A pergunta de São Pedro‏


AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » A pergunta de São Pedro
Estado de Minas: 15/12/2013 





Aquele filme Azul é uma cor quente tem sido muito discutido (e visto), porque há cenas demoradas, detalhadas mesmo, da relação erótica entre duas mulheres. Os homens sempre ficam pensando: o que é que duas mulheres podem fazer na cama na ausência do falo!? O diretor, o tunisino/francês Abdellatif Kechechi, expôs fartamente seu voyeurismo sexual.

A mim, outras coisas também chamaram a atenção: os personagens comem muito macarrão à bolonhesa. E a pasta não me parecia boa. Por que comem tanto macarrão se são franceses? Além disso, falam muito de literatura. Os franceses têm esse vício: transformam tudo em filosofia do cotidiano. O filme, aliás, é muito literário e poderia ser cortado em 45 minutos, só melhoraria.

A atriz principal estuda literatura e gosta. Há conversas sobre Sartre e aparece até um professor de literatura dando aula. A literatura é uma forma de ir sacando o que é a vida. A pessoa ainda não viveu as coisas, mas já sabe romanescamente. Não há povo tão literário quanto os franceses.

Estava eu nessas cogitações quando dou com uma notícia que é a extensão disso. Era sobre literatura russa. Vocês sabem que quando a pessoa morre e chega ao céu, São Pedro logo pergunta se ela leu Dostoiévski ou Tolstói? (Às vezes pergunta também se o candidato ao céu já leu Clarice Lispector ou Guimarães Rosa.) Ou seja, houve um tempo em que ler os russos era uma forma de batismo literário. Uma amiga (daquele tempo!) acabou com o namorado porque ele não havia lido “os russos”.

Pois a Rússia mudou muito. Já foi comunista e deixou de sê-lo. Não deve haver mais selo com e efígie de Lênin e Stalin. E mudou sobretudo em relação à leitura. Nós, que vivemos reclamando que os brasileiros não leem, talvez fiquemos menos solitários ao saber que o Instituto de Pesquisa Fundo de Opinião Pública divulgou estudo revelando que 44% dos russos não tinha lido um único livro no último ano .

– Culpa da pós-modernidade! Hão de dizer os literatos.

– Culpa da internet! Hão de dizer nossos avós.

– Culpa do capitalismo! Hão de dizer os irremissíveis comunistas.

Já que nos russos não leem mais, já que todo mundo gosta de coisas rápidas e visuais, a Agência Federal de Imprensa e Comunicação de Massa resolveu, juntamente com a União Livreira da Rússia e a agência de publicidade Slava, deslanchar uma campanha de leitura levando os clássicos às massas. Ou seja, massificaram os clássicos. Fizeram versões jornalísticas de O jardim das cerejeiras, de Tchekhov; Eugueni Oneguim, de Puchkin; Anna Karenina, de Tolstói; e Mumu, de Turgueniev.

Foram ainda mais longe. Para despertar a atenção dos possíveis leitores dessas obras, fizeram uma série de chamadas, como se faz na publicidade do produto, anunciando aqueles romances mencionados assim: “Ambientalistas alertam: programadores ameaçam bosque intacto”; “Homem atira em amigo por causa de cantada”; “Esposa de alto funcionário se suicida depois de briga com amante”; “Zelador se revela cruel caçador de cachorros”.

Vocês já devem ter visto algumas versões divertidíssimas (e tolas) de obras clássicas para vestibular. São engraçadas. Na minha infância, li em quadrinhos, na Edição Maravilhosa, vários clássicos, desde a Ilha do tesouro  e Ivanhoé ao Corcunda de Notre Dame. Era uma forma de iniciação. As bancas de jornais supriam a falta de livrarias. Convenhamos, há várias formas de se chegar ao livro. E livro, mais uma vez, está em mutação. Lavoisier continua a ter razão: tudo se transforma. Nunca as pessoas tiveram tanta facilidade para ler um livro. Qualquer pessoa tem uma tremenda biblioteca em suas mãos. É só acionar.

Mas devo confessar que depois disso já não estou tão seguro se São Pedro fará qualquer pergunta sobre leitura a quem bater à sua porta.

>>  >>  affonsors@uol.com.br

TV


Estado de Minas: 15/12/2013 


 (André Conti/Divulgação-25/8/08 )

Nos bastidores Estreia hoje, às 21h, no SescTV, a série Passagem de som, que reúne documentários que mostram ensaios e bastidores do programa Instrumental Sesc Brasil, contando com depoimentos dos músicos participantes. O primeiro é Tom Zé.

História O diário perdido do dr. Livingstone é a atração especial de hoje, às 18h30, no  Nat Geo, na série de produções comemorativas dos 125 anos    da National Geographic .
Para quem não sabe, David Livingstone foi o primeiro europeu a registrar a existência das espetaculares Cataratas Victoria, no Rio Zambeze, na fronteira de Zâmbia e Zimbábue, na África, ainda no século 19.

Boas opções No Discovery, duas boas dicas para hoje, começando com Curiosidade: o sol, às 21h40. Às 22h é a vez de A história de um monstro, sobre um mafioso preso pelo FBI depois de uma perseguição que se estendeu por 16 anos. No Discovery Kids, são quatro pedidas para a garotada: O incrível circo do cinco (10h), H i -5 Australia (10h30), Meu amigãozão (11h) e Hora do Justin (11h30).

Enlatados  Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br


Doctor Who em clima natalino
Depois da repercussão do especial The day of the Doctor, no fim de novembro, a BBC HD resolveu repetir a dose, exibindo dia 25, às 22h, simultaneamente com a Inglaterra, o especial de Natal The time of the Doctor, que vai marcar a despedida de Matt Smith, o 11º ator a encarar o personagem e a entrada do 12º, Peter Capaldi. No episódio, as espécies mais perigosas do universo se encontram orbitando um planeta afastado, atraídas por uma misteriosa mensagem que brilha junto às estrelas. E entre elas lá está o Doutor. O Senhor dos Tempos resgata Clara de uma ceia natalina e, junto à companheira, tenta descobrir o que significa a mensagem.

Reprises –E antes da exibição, a BBC traz uma programação especial em torno de Doctor Who que vai do próximo sábado até dia 29. Entre os destaques estão os episódios “A Christmas Carol” (dia 23, às 22h); “The Doctor, the widow and the wardrobe” (dia 24, às 22h); “Doctor Who confidential 2010” (dia 27, às 22h); e “The snowmen” (dia 27, às 23h).

Encontros –Megan Mullally, a hilária Karen da saudosa Will & Grace, vai voltar a contracenar com Sean Hayes, o Jack da mesma série. A atriz confirmou participação na nova atração de Hayes, a comédia Sean saves the world. O canal norte-americano NBC encomendou ainda a produção de uma minissérie baseada em O bebê de Rosemary, o livro de Ira Levin que Roman Polanski eternizou no cinema em 1968. A nova versão será ambientada em Paris, e não mais em Nova York.

Fim – Se eu fosse você, versão serial do blockbuster brasileiro, chega ao fim quarta-feira, às 22h30, na Fox. O último episódio da série protagonizada por Paloma Duarte e Heitor Martinez terá uma hora de duração.

Vezes três –Sábado, a partir das 19h, o A&E exibe três episódios em sequência da quarta temporada de NCIS: Los Angeles.


Caras & Bocas


 (Carol Soares/SBT)

Mascarada inesquecível

Lembra da Tiazinha, a mascarada de lingerie que usava chicote e fazia a alegria nacional no programa H, que Luciano Huck comandou na Bandeirantes? Há anos Susana Alves deixou para trás a personagem, que bombou na década de 1990. Mas Tiazinha, que a transformou num dos maiores símbolos sexuais da época, nunca se descolou da intérprete. “Virou meu Frankenstein. É maior do que eu”, confessa Susana, de 35 anos, em entrevista a Marília Gabriela (foto), no De frente com Gabi. hoje, à meia-noite, no SBT/Alterosa. Ela conta que ficou traumatizada quando caiu a ficha do que Tiazinha representava. Susana, no entanto, reconhece os benefícios que o papel lhe trouxe. “Ela me deu autoconhecimento e também meu investimento em estudo, viagens e poder ajudar minha mãe”, conta. Casada há três anos com o tenista Flávio Saretta, Susana quer ter um filho. “Eu já liberei. Agora, está nas mãos de Deus”, revela. Em tempo: mais cedo, às 22h, no GNT (TV paga), o Marília Gabriela entrevista é com a atriz Sophie Charlotte, que vai falar da carreira, com destaque para a polêmica personagem Amora, que interpretou na novela Sangue bom, e para sua estreia no cinema, no filme Serra pelada.

RIO GRANDE DO NORTE É O DESTINO DO VIAÇÃO CIPÓ

O vilarejo de Pipa, no Rio Grande do Norte, é destaque no Viação Cipó deste domingo, às 10h, na Alterosa. Confira o maior cajueiro do mundo, as praias paradisíacas, um encontro com os golfinhos e as falésias, além de uma deliciosa receita de camarão.

CAROLINA DIECKMANN ABRE  SUA CASA NO RIO DE JANEIRO

Carolina Dieckmann, a Iolanda de Joia rara (Globo), mostra a construção de sua casa, no Rio de Janeiro, no programa Casa brasileira, hoje, às 23h, no GNT (TV paga). Depois de 10 anos vivendo em apartamento, a atriz decidiu se mudar para um lugar onde possa ter um jardim. Para deixar a área externa do jeito que deseja, Carolina convocou a paisagista Renata Tilli, reconhecida mundialmente por seus projetos com plantas tropicais.

REDE MINAS VAI MOSTRAR  HOJE A FESTA DO ROSÁRIO

O Bem cultural destaca hoje, às 19h, na Rede Minas, a festa de Nossa Senhora do Rosário e a restauração da igreja de Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha. Tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, a igreja, construída no século 18, teve sua restauração iniciada em 2005. O programa mostra que a capacitação de adolescentes e pessoas da comunidade na reconstrução da igreja foi um sucesso. Já a tradicional Festa do Rosário é resultado de uma das expressões culturais mais marcantes da cidade e representa um conjunto de manifestações dos Homens Negros, parte de uma irmandade de culto afro-brasileiro.

VIVA EXIBE ESPECIAL COM  A BIOGRAFIA DE PAULO VI

Na programação de fim de ano do canal Viva (TV paga), será exibido, em duas partes, dias 26 e 27, às 21h15, o documentário A vida de Paulo VI, que narra a trajetória de um dos mais importantes representantes do catolicismo do século 20. O italiano Giovanni Battista Montini tornou-se o Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana e Soberano da Cidade do Vaticano aos 66 anos, ocupando o cargo até sua morte, em 1978. Em 2012, o Papa Bento XVI abriu o caminho para a beatificação de Paulo VI.

CANAL FUTURA LEMBRA A  LUTA DE NELSON MANDELA

O documentário Mandela: em nome da liberdade, atração do Cine especial deste domingo, às 22h, no canal Futura (TV paga), conta como foi o caminho percorrido por Nelson Mandela desde a aldeia onde nasceu em 1918 até a conquista do Prêmio Nobel da Paz, em 1993. A produção francesa, dirigida por Joel Calmette em 2008, relata a origem nobre de Madiba, um dos nomes pelo qual é conhecido em sua terra natal, o ingresso no Congresso Nacional Africano (CNA), a oposição à política racial do apartheid e a condenação à prisão perpétua, os 27 anos de clausura e a posse como presidente da África do Sul nas primeiras eleições multirraciais do país, em 1994. A luta de Mandela, que morreu dia 5, aos 95 anos, extrapolou as fronteiras da África do Sul e inspirou pessoas em todos os continentes.

VILÃ LEILA SERÁ PUNIDA  NO FINAL DE AMOR À VIDA

 (Alex Carvalho/TV Globo-2/7/13)

Não, ainda não é o destino de Aline (Vanessa Giácomo) que está selado, em Amor à vida (Globo). A maior vilã da trama tem outra concorrente, a chata, abusada e convencida Leila (foto), de Fernanda Machado. A mulher que tramou o golpe do baú em Nicole (Marina Ruy Barbosa) e empurrou para a tarefa o próprio namorado, Thales (Ricardo Tozzi), agora quer que o banana repita a história com a irmã da milionária, Natasha (Sophia Abrahão). Mas seus planos vão mais longe: a megera já imagina um acidente para acabar com a vida da moça, assim que ela subir ao altar com Thales. Provavelmente Leila dará com os burros n’água, porque Thales vai enganá-la. E o autor Walcyr Carrasco prepara um desfecho daqueles para a vilã, que, especula-se, deve morrer queimada. 

"Já nasci feliz" [Nelson Ned] - Ana Clara Brant

"Já nasci feliz"

Nelson Ned, depois de vender milhões de discos e fazer sucesso no Brasil e no exterior, vive numa clínica em São Paulo. Com o apoio da família, ele relembra os bons tempos 
 

Ana Clara Brant
Enviada especial
Estado de Minas: 15/12/2013 


Sob o olhar das irmãs Neyde e Neuma, Nelson Ned, com problemas decorrentes de um AVC, mantém o otimismo e lembra momentos vividos em Minas (Túlio Santos/EM/D.A Press)
Sob o olhar das irmãs Neyde e Neuma, Nelson Ned, com problemas decorrentes de um AVC, mantém o otimismo e lembra momentos vividos em Minas


São Paulo e Ubá – No imaginário de Nelson Ned, de 66 anos, ele ainda faz shows e grava discos, mesmo estando longe dos palcos e dos estúdios há pelo menos seis anos. Mas, apesar de afastado do meio musical e da mídia, o cantor e compositor mineiro não deixa de estar presente na memória dos admiradores brasileiros e estrangeiros.

Com problemas de locomoção e de cognição, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) sofrido em 2003, além de diabético, “o pequeno gigante da canção”, apelido que ganhou do falecido ator Paulo Gracindo, e que dá nome à sua biografia, vive hoje numa residência assistida em São Paulo, uma espécie de clínica voltada para pessoas que necessitam de cuidados especiais. No entanto, nem por isso deixa de receber o carinho dos amigos e, sobretudo, da família. O Estado de Minas acompanhou um de seus raros passeios na capital paulista, na semana passada, quando foi almoçar com as irmãs Neuma, de 58 anos, e Neyde, de 53, e com as filhas e os sobrinhos. No cardápio, comida bem caseira e mineira, segundo o cantor: arroz, feijão, carne moída, jiló e quiabo. “A coisa de que mais sinto falta de Minas é a comida. Amo o Brasil, amo Minas Gerais e amo Ubá (Zona da Mata, onde nasceu)”, diz.

Mesmo com dificuldade para se comunicar e com alguns lapsos de memória, Nelson Ned não se esqueceu do homem que é e da importância que tem na cultura nacional. Fala com orgulho das apresentações numa das casas de espetáculo de maior destaque do mundo, o Carnegie Hall, em Nova York, que chegou a lotar por três vezes na década de 1970. Aliás, nos Estados Unidos, ele foi o primeiro artista latino-americano a bater a casa de 1 milhão de discos. Não foi apenas o público norte-americano que se rendeu ao sucesso do ubaense. México, Colômbia, Argentina, Espanha, Portugal, Angola e Moçambique, entre outros países, se encantaram com o talento do brasileiro. “Conheço o mundo inteiro. Viajei muito. Mas gosto mesmo é de Miami (EUA). Foi lá que minha carreira internacional começou. Mas para mim já está bom. Está na hora de sombra e água fresca”, destaca o artista, que tem 32 discos gravados.

Durante a entrevista, realizada na casa de Neuma, a irmã que é sua curadora (pessoa que tem a incumbência de tratar dos bens ou negócios daqueles que estão incapacitados de fazê-lo), o autor de Tudo passará —seu maior sucesso, que chegou a ter 40 regravações em vários idiomas – reviveu um passado glorioso. Sobre a mesa da sala, muitas fotografias de momentos importantes da vida e da carreira arrancaram gargalhadas, mas, principalmente, lágrimas. Nelson se emocionou por diversas vezes, sobretudo quando reviu a imagem dos pais e dos familiares em Ubá e recordou sua trajetória de superação. “Você foi um homem feliz, não foi?” Ele não titubeia: “Fui não. Sou um homem feliz. Já nasci feliz”, assegura Nelsinho, como é carinhosamente chamado pelos parentes.

A emoção é grande e o cantor arrisca soltar a voz em Sentimental demais, composição de um dos seus ídolos, Altemar Dutra, que resume exatamente o estado de espírito atual do artista. (“Sentimental eu sou/ Eu sou demais”). “Eu me emociono muito. Por sinal, você parece com o Altemar (afirma referindo-se ao fotógrafo) e a repórter é a cara da Martinha da Jovem Guarda”, diverte-se.

Em seguida, Nelson Ned começa a falar de amigos como Agnaldo Timóteo (“é mineiro como eu e é brabo pra caramba. Igual um tigre”), Chacrinha (“foi um pai para mim. Ele brincava que Nelson Ned era o homem que não fede nem cheira”), Eduardo Araújo (“convivi muito com ele em Belo Horizonte”) e cita quem mais admirava: Tony Bennett e Frank Sinatra. “Conheci os dois. São os maiores cantores do planeta e foram meus amigos também.”

União

Aos 16 anos, em frente à Igreja São José, em BH: primeira reportagem em O Cruzeiro   (José Nicolau/O Cruzeiro/EM - 18/3/63)
Aos 16 anos, em frente à Igreja São José, em BH: primeira reportagem em O Cruzeiro



A irmã Neuma lembra que entre os artistas o mais presente é Agnaldo Timóteo, mas é com a família que Nelson Ned conta nos momentos de aperto. “Ele não pensou no futuro. Não foi previdente e, como não consegue mais gravar e fazer shows, vive da arrecadação dos direitos autorais. E a tendência é, infelizmente, isso diminuir, porque não se ouvem mais suas músicas nas rádios e na TV”, lamenta. Mas nem por isso o cantor passa por privações. Na clínica para onde se mudou há pouco mais de 20 dias, garante que é muito bem tratado e até sente falta da cama quando se ausenta. “Como o AVC atingiu a parte motora, Nelsinho depende dos outros para fazer tudo. Ele não anda mais (o cantor está numa cadeira de rodas) e perdeu a visão em um dos olhos. Falo com ele todos os dias e o encontro, seja lá ou aqui em casa, todos os fins de semana. Irmão é assim. Tem que estar presente nas horas fáceis e, principalmente, nas difíceis”, ressalta Neuma.

Realmente o carinho e a união da família são visíveis. Os sete filhos de seu Nelson e dona Ned, sendo que o nome de todos começa com a sílaba ne (Nelson, Ned Helena, Nélia, Nedson, Neuma, Neyde e Nelci), sempre foram muito unidos. E, mesmo morando em cidades diferentes, um não deixa de se preocupar com o outro. “É uma coisa que nosso pai e nossa mãe nos passaram. Além do mais, Nelsinho é um irmão que sempre nos ajudou. Desde jovem, quando foi trabalhar na fábrica de chocolates para aumentar a renda da família. E depois que ficou famoso continuou nos ajudando. Agora é a nossa vez de retribuir”, ressalta Neyde, que vive no Rio.

Os filhos e as ex-esposas também costumam telefonar para Nelson Ned na clínica, onde a rotina inclui fisioterapia, fonoaudiologia, banhos de sol, além das atividades de lazer, como assistir a TV (adora Sílvio Santos, Fátima Bernardes e Patrícia Poeta) e ler a Bíblia. O cantor é evangélico há 20 anos e não deixa de salientar que a conversão mudou sua vida. “Quando virei evangélico, era muito depravado, bebia muito, usava muita droga e tinha muitas mulheres. E aí Deus falou comigo de madrugada. Porque Deus fala com a gente é de madrugada: ‘Ou você muda ou vou tirar você daqui’. Então resolvi mudar. Por isso, sempre quando acordo, oro a Deus para me dar um dia maravilhoso. Não costumo fazer planos a longo prazo. Deus é que sabe tudo”, filosofa.

As irmãs ressaltam o lado otimista do cantor e compositor. Mesmo enfrentando obstáculos desde que nasceu, nunca perdeu a fé e a esperança. “Nelsinho é um exemplo para todas as pessoas. Se alguém vem com frescura que não consegue isso ou aquilo, eu descarto. Isso não cola. A maioria das pessoas reclama por muito pouco. Têm que se mirar no nosso irmão. É você quem faz o seu futuro”, desabafa Neyde.

Nelson agradece a irmã, chora e declama sua mais recente obra, um poema chamado “Saudade”, que se inicia com o seguinte verso: “Hoje, nesta noite, a saudade me perguntou por você”.

E do que você tem saudade, Nelson? “Tenho saudades de mim mesmo…”

Palavra de
especialista

Paulo César de Araújo
Jornalista e historiador

Favorito de García Márquez

“Quando escrevi Eu não sou cachorro não, Nelson Ned foi uma das melhores entrevistas do livro. Ele é muito astuto, tem tiradas ótimas, raciocínio rápido e visão crítica e lúcida com relação ao contexto da música. No Brasil, sempre fez muito sucesso entre as camadas mais populares, mas não há dúvidas de que seu reconhecimento e prestígio foram muito maiores no exterior. Só para se ter uma ideia, ele tinha entre seus fãs um ganhador do Nobel de Literatura, o colombiano Gabriel García Márquez, que declarou que escrevia seus livros ao som de Nelson Ned. O cantor chegou a lotar três vezes o Carnegie Hall, em Nova York, feito inédito para a época. No exterior, Nelson conquistava tanto o povão como as elites culturais, já que por aqui toda obra que não era identificada nem com a tradição nem com a modernidade era desprestigiada pelas elites. Além de ter um valor cultural imenso e ser um dos principais artistas da nossa música, Nelson Ned tem uma história de vida muito bonita e de superação. Infelizmente, não conseguiu administrar sua carreira, mas está no imaginário popular.”


Nem tudo passa 

Minas está na base da formação musical de Nelson Ned. Além da cidade natal, Ubá, na Zona da Mata, cantor morou em Belo Horizonte, onde começou sua carreira artística 


Ana Clara Brant
Enviada especial

Nelson Ned, na casa da irmã Neuma, em São Paulo, onde matou saudade da comida mineira e lembrou histórias do passado (Túlio Santos/EM/D.A Press)
Nelson Ned, na casa da irmã Neuma, em São Paulo, onde matou saudade da comida mineira e lembrou histórias do passado


São Paulo e Ubá –
No fim da década de 1950, a mãe de Nelson Ned, dona Ned, havia passado no concurso da Coletoria Estadual de Minas Gerais e, para oferecer melhores condições aos filhos, sugeriu ao marido que a família se transferisse de Ubá, onde moravam, para a capital. Em Belo Horizonte, eles ficaram três anos, sempre morando de aluguel, nos fundos. Primeiramente na Rua Capivari, na Serra, e depois nas ruas Ceará e Gonçalves Dias, no Bairro Funcionários. A caçula da família, Nelci, nasceu em BH e foi na cidade também que Nelsinho arrumou seu primeiro emprego, para ajudar no sustento de casa. Com apenas 12 anos, ele começou a trabalhar como secretário do gerente da fábrica da Lacta, Mopyr de Souza Arruda, que o ajudou bastante, além de ser o pai da primeira paixão do futuro cantor, Eliciane, uma das inspirações para a famosa canção Tudo passará.

A trajetória artística começava a deslanchar e Nelson passou a participar de programas da TV Itacolomi, como o Cirquinho do Bolão e o Clube do Pererê, e a cantar nas rádios Guarani e Inconfidência. Questionado sobre suas lembranças de Belo Horizonte, o artista fica pensativo, mas logo diz: “Aldair Pinto, radialista da Inconfidência’’. Foi ele quem te lançou? E Nelson responde, categórico: “Não. Quem me lançou foi Deus”.

Os irmãos, que eram bem crianças – já que Nelsinho é o primogênito –, não têm muitas lembranças de BH, mas Nedson d’Ávila, de 63 anos, o único que vive em Minas, em Santa Luzia, se recorda dos passeios pelo Parque Municipal e no Centro da cidade. “Cheguei a morar em São Paulo, mas sempre quis voltar para cá. Acabei criando família aqui, mas não perco o contato com ninguém. Mesmo quando o Nelson estava no auge, ele sempre ligava para todos. Somos uma família muito unida, apesar de cada um estar num canto. As pessoas que convivem comigo sabem de quem sou irmão. Já me pediram até autógrafo”, brinca.

Outra imagem que está na memória de Nelson Ned em BH é um cachorro pastor-alemão com o qual passeava pelas ruas da capital, além de uma reportagem da revista O Cruzeiro, de 1963, a primeira de sua carreira. “O Chateaubriand que era o dono. Ele ainda é vivo? A gente tirou muita foto”, recorda. A matéria, assinada pelo repórter José Franco e pelo fotógrafo José Nicolau, fala da mudança para o Rio de Janeiro, onde foi tentar se firmar no meio artístico, e traz fotos de um Nelson com 16 anos, sorridente, na porta da Igreja São José.


Em BH, o jovem Nelson trabalhou na TV Itacolomi e cantou em programas das rádios Inconfidência e Guarani   (José Nicolau/O Cruzeiro/EM - 18/3/63)
Em BH, o jovem Nelson trabalhou na TV Itacolomi e cantou em programas das rádios Inconfidência e Guarani



Os Borges
Quem guarda boas recordações de Nelson Ned na cidade é o músico Marilton Borges, que namorava uma prima do cantor. Certa vez, eles se encontraram e começaram a falar de música e descobriram afinidades. “Ele já cantava, mas não era profissional ainda. Tinha um vozeirão, era muito alegre, contava piadas. Foi aquela farra e no fim das contas, depois de bebermos o dia todo, eu o convidei para conhecer minha família”, lembra. Quando chegaram ao apartamento dos Borges, no Edifício Levy, já era tarde da noite e todos estavam dormindo. Marilton convidou Nelsinho para pernoitar por lá mesmo e, no dia seguinte, ele o apresentaria aos parentes. “Levei-o para o quarto dos homens, onde nós dormíamos em beliches. Ele dormiu na mesma cama que eu, mas ele para baixo e eu para cima. Quando amanheceu, meu pai entrou no quarto e levou um susto. Como o Nelson era muito pequeno (o artista mede 1,12m), ele falou: ‘Uai, o Marilton pariu alguma coisa essa noite. Tem um trem esquisito lá na cama dele’. Mas, assim que todos acordaram, Nelson Ned cativou toda a família. Foi uma alegria na casa”, recorda.

Anos depois, Marilton estava tocando na noite do Rio de Janeiro quando, por acaso, Nelson Ned, já bastante famoso, apareceu no local, todo aparatado de seguranças. Sentou a uma mesa e o irmão de Lô Borges não perdeu a oportunidade e mexeu com ele. “Cheguei e disse na lata: ‘oi, Nelsinho, você se lembra de mim? Sabia que já dormiu na minha cama?’. Ele retrucou e falou que não era veado para dormir com homem. Mas, quando me identifiquei, ele me reconheceu e se lembrou daquele dia memorável, além de ter dado uma canja no meu show. Nunca mais o vi pessoalmente, mas guardo essas lembranças com carinho”, diz.



João Carlos organizou em julho homenagem ao cantor em Ubá e guarda parte do acervo do artista na Sociedade 22 de Maio (Túlio Santos/EM/D.A Press  )
João Carlos organizou em julho homenagem ao cantor em Ubá e guarda parte do acervo do artista na Sociedade 22 de Maio


Em Ubá, o tio do cantor Milton de Abreu d'Ávila conta histórias da infância do sobrinho e toca a canção Tudo passará     (Túlio Santos/EM/D.A Press)

Em Ubá, o tio do cantor Milton de Abreu d'Ávila conta histórias da infância do sobrinho e toca a canção Tudo passará


O menino que imitava Getúlio

Nelson Ned d’Ávila Pinto –Nelsinho para os íntimos e Nelson Ned para o mundo – nasceu em 2 de março de 1947, num casarão na Rua Coronel Júlio Soares, em Ubá, na Zona da Mata. A casa abriga hoje uma clínica de estética e pertenceu à família da mãe, dona Ned, durante muitos anos. Milton de Abreu d’Ávila, de 90 anos, tio de Nelson, “viajante aposentado e flautista amador”, como se intitula, tem uma memória prodigiosa e se lembra exatamente do dia do nascimento do cantor. “A casa ficou cheia. Os vizinhos foram todos para lá. Ele nasceu no quarto em que eu dormia com meu irmão. Nelsinho foi uma criança muito esperada, porque era o primeiro filho da minha irmã, o primeiro neto e o primeiro sobrinho. Ele nasceu de parto normal, deu tudo certo, nasceu um menino saudável”, relata.

Mas, como a criança não se desenvolvia, levaram-na ao médico e foi diagnosticada uma alteração genética de nome complicado: displasia espôndilo-epifisária. Os demais irmãos nasceram sem esse distúrbio, porém os três filhos de Nelson (Nelson Júnior, Monalisa e Verônica) herdaram a baixa estatura. “Mas ele sempre enfrentou e superou todos os obstáculos e minha irmã dizia uma coisa importante, que ia criar o filho para o mundo e não um mundo para o filho”, pontua o tio. A família, principalmente a materna, é toda musical. Dona Ned, a mãe, tocava piano, violão, acordeom e ainda estudou canto lírico; e o pai, seu Nelson, também gostava de soltar a voz. “Aprendi tudo com meus pais. Em todos os sentidos”, comenta Nelson Ned.

O tio Milton lembra que já com 3 anos o menino gostava de imitar os bichos e até mesmo o presidente Getúlio Vargas. “A gente o colocava em cima da mesa e falava para ele cantar. Sempre teve aquele vozeirão e tenho um orgulho danado do Nelsinho. Não conheço ninguém que tenha ido a tantos países como ele e tenha feito tanto sucesso. Ele sempre foi muito inteligente e alegre”, recorda.

Com 4 anos, Nelson participou do programa A hora do guri, na Rádio Educadora Trabalhista de Ubá e ganhou o 1º lugar. O mesmo palco onde ele se apresentou ainda está lá, no prédio da emissora, que completa 60 anos em janeiro. O presidente da Sociedade Musical e Cultural 22 de Maio, João Carlos Teixeira Mendes, que organizou homenagem ao filho ilustre de Ubá em julho, narra episódio curioso daquela época. “O dono da rádio, Xavier Pereira, o Xaxá, disse: ‘Nelson, o microfone é todo seu’. Ele foi lá, cantou e na hora de ir embora, sabe como é criança, queria levar o microfone de todo jeito para casa”, brinca.

Chuva de rosas

O tributo que mobilizou o município no meio do ano e contou com a presença de Nelson (que não ia à cidade havia 20 anos), da família e amigos teve direito a chuva de rosas, desfile em caminhão dos bombeiros e até a uma apresentação surpresa de seu Milton, que tocou na flauta doce para o sobrinho a canção Tudo passará. “Não sei quem chorou mais. Se fui eu ou ele”, emociona-se o tio.

Na ocasião, também foi inaugurado um espaço na sede da Sociedade 22 de Maio, com parte do acervo de Nelson Ned – a casa onde ele vivia em São Paulo pegou fogo e restou pouca coisa –, como troféus, prêmios, diplomas, comendas, títulos de cidadão honorário, discos de ouro e de platina. “A ideia é fazer um complexo cultural, que já tem até projeto, voltado para várias personalidades ubaenses, como o próprio Nelson, Ary Barroso e o ator Mauro Mendonça. O que houve em julho foi apenas o começo. Ubá devia isso ao Nelson Ned. Ele ficou muito feliz, se sentiu extremamente valorizado. É um fenômeno de talento e carisma que merece ser reconhecido”, opina João Carlos.

Sem cachê

João Carlos da Rocha Moreira, de 59 anos, motorista que ficou encarregado de levar e buscar Nelson durante os quatro dias em que ele ficou em Ubá, também reparou no quanto o artista estava emocionado com a homenagem. Quando foi buscá-lo no aeroporto de Juiz de Fora, o cantor estava sério e pouco falava, mas, à medida que foi adquirindo confiança, passou a contar causos. “No fim da viagem, quando foi se despedir, ele me cobrou cachê. Achou que eu era o empresário dele. E entrei na onda e disse que ia mandar o dinheiro para ele em São Paulo.”

EM DIA COM A PSICANáLISE » Quatrocentos e cinquenta quilos de imaginário

Estado de Minas 15/12/2013

Nas psicoses, o inconsciente fica a céu aberto. Escancarado, funciona sem censura, sem barreiras, produz fenômenos como as alucinações e os delírios, que são uma tentativa de dar sentido ao caos que se instala na mente. Tudo isso produz angústias terríveis, sensações de despedaçamentos. O imaginário ganha consistência e parece tão concreto que submete o sujeito, sem as barreiras que normalmente deveríamos ter para nos defender.

E quando o imaginário ganha a cena, invade a realidade, ele captura nossa interpretação, que passa a significar tudo conforme a tradução que fazemos. Mas nem sempre isso ocorre somente nas psicoses. As pessoas ditas normais também são ricas na imaginação e viajam mentalmente para continentes distantes da realidade.

E, quando o imaginário nos guia, rouba a cena e nos conduz, o pensamento voa para onde quer sem as limitações do princípio da realidade. E pode ir muito longe. A novela Amor à vida (trama das nove da Globo) é bom exemplo da proliferação do imaginário.

As novelas geralmente nos proporcionam uma ficção em que pontos problemáticos e polêmicos do cotidiano são expostos para discussão. Elas influenciam e são formadoras de opinião. De fato, elas têm um papel na sociedade brasileira, que aprecia uma novela e as produz com excelência. Nesta novela, o autor toca em múltiplos preconceitos, ambiguidades do relacionamento humano, traições e jogos de interesse e poder.

Amor à vida tem levado a extremos as relações, sejam as familiares, entre vizinhos, entre amantes e as profissionais. Enfim, para todos os lados que ela aponta é chumbo grosso que vem. Nada de momento relax. Uma trama pesada de maldades, vinganças e mau-caratismo. Não é uma novela, é uma catarse, como disse um amigo.

Quem é bom na novela parece idiotizado, outro extremo. Cai em todas as ciladas e armações, não consegue se expressar na hora que deveria, deixa passar argumentos os mais simples para ficar embolado nas garras dos maldosos.

O problema é que a banalização dessa exposição faz parecer que o mundo é composto de pessoas maquiavélicas, e em qualquer família encontraremos tamanhas mirabolâncias. Sabemos que a realidade pode nos surpreender grandemente, e há os que são de fato maldosos, mas na trama se concentraram no exagero.

A caracterização de cada personagem é caricatural. Traços que em nós são atenuados pela censura, pela educação, na novela são escancarados. Somos em parte bons e maus ao mesmo tempo, porém, nos contemos pelos princípios morais e éticos que nos ajudam a reconhecer limites necessários à convivência. Ali na novela, ninguém tem inibição, limite ou pudor.

Tudo é dito como pensado. Xingamentos são atirados na cara do outro, ofensivamente, o que dificilmente ocorre na vida real, quando os mais feios pensamentos são muitas vezes dissimulados, invertendo-os a seu oposto. Quando o exagero é tão bizarro, não podemos mais nos deixar levar e acreditar nos argumentos da novela. A maldade está em todos os lados, é uma novela paranoide.

Fico pensando no peso que ela tem e em como o apelo por audiência levou a um drama forte e pesado. Então pensei que a novela vem logo depois do Jornal Nacional, quando estamos acostumados a notícias escabrosas, como as do mensalão, corrupção pipocando para todo lado e até helicóptero de deputado apreendido com 450 quilos de pasta-base de cocaína (e a culpa é do piloto...). Só uma novela com 450 quilos de imaginário poderia mesmo nos causar qualquer impacto...

E as situações são tão bizarras, tanto as da realidade quanto as da novela, que chego a pensar se não estamos todos pirando juntos. Um pouco de perversão atrai o telespectador, até aí dá para entender uma pitada dela. Acho que um pouco de saúde mental para contrabalançar poderia ser bom de se ver, de quando em vez, para nos trazer alento e esperança de que dias melhores virão.

>>  reginacosta@uai.com.br

Eduardo Almeida Reis - Ausências‏


Ausências 

 
Eduardo Almeida Reis - eduardo.reis@uai.com.br
Estado de Minas: 15/12/2013 

 (QUINHO)

Nos dicionários eletrônicos não encontro “ausências” no sentido de falar mal de uma pessoa. Dois deles têm “fazer má ausência” no sentido de “dizer mal de (alguém) na sua ausência”, mas o leitor pode acreditar no philosopho: antigamente, dizia-se “ausências” sempre no sentido de espinafrar alguém.

Foi a leilão dia 21 de novembro, no Rio, uma carta de Affonso Arinos de Mello Franco (1905–1990) escrita ao amigo, poeta e imortal Ruy Ribeiro Couto. Nela, Affonso Arinos, meu professor de direito constitucional, diz que “advogado não é profissão decente no Brasil”, como li na coluna do Ancelmo Gois dia 13 do mês passado.

Uma boutade do jurista brilhante, escritor de texto admirável, sobrinho do Affonso Arinos nascido em Paracatu em 1868, morto em Barcelona no ano de 1916, também autor de vários livros de sucesso.

É claro, como também é lógico e evidente, que a advocacia pode ser profissão decente neste país grande e bobo. Basta que o profissional seja decente – e há muitos. Talvez se possa dizer que temos excesso de advogados inscritos na OAB, além dos mais de 4 milhões que advogam mesmo reprovados nos exames da ordem. Pois é: quatro milhões!

Também sou obrigado a concordar com o ilustre colaborador de Tiro e Queda, o professor doutor R. Manso Neto, quando escreveu que “advogado de ladrão é, no mínimo, receptador”. Elementar, meu caro Watson: se o cliente vive do que rouba e o advogado, para defendê-lo, recebe parte do dinheiro roubado, é tão receptador quanto o bandido que compra alianças e cordões de ouro roubados nas cidades.

Judiciário
Ando com uma preguiça da Justiça que o leitor não pode imaginar. “Estar com preguiça de”, como tenho lido um sem conto de vezes, tem o sentido de desgosto, aborrecimento, contrariedade. Como é possível continuar acreditando na Justiça deste país grande e bobo se o Superior Tribunal de Justiça (STJ), pelos ministros de sua 4ª turma, reforma decisão do Judiciário de Alagoas que garantia à senhora Rosane Brandão Malta, ex-senhora Rosane Collor de Mello, o direito de receber por tempo indeterminado do seu ex-marido, hoje senador Fernando Affonso Collor de Mello, pensão equivalente a 30 salários mínimos?

Os ministros da 4ª Turma do STJ limitaram a três anos o recebimento da pensão mensal, por entender que o prazo é suficiente para que Rosane retome suas atividades profissionais. Grosso modo, 30 salários correspondem a R$ 20 mil mensais e cabe a pergunta: como pode a flor dos Malta, arquiduquesa de Canapi, viver com 20 mil mensais?

Cabe ainda o seguinte raciocínio: nascida dia 21 de outubro de 1963, Rosane tem 50 aninhos. Quais seriam as suas atividades profissionais? Sabe-se, via Wikipédia, que ela se tornou evangélica em 2005, frequenta uma igreja duas vezes por semana, iniciou relacionamento com o advogado Alder Flores em 2007 e está filiada ao Partido Verde (PV). São atividades profissionais?

Consta que a ex-primeira-dama é diplomada em administração de empresas, se bem que a sua gestão como presidente da Legião Brasileira de Assistência, a LBA, talvez não tenha sido um primor de administração pública. O presidente e ela se tratavam como Guidu e Quinha, mas o casamento acabou como acabam tantas outras uniões de pessoas notáveis. Claro que Rosane foi agraciada em julho de 1991 com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, comenda que deveria ter sido destinada ao seu irmão Joãozinho Malta, que atirava muitíssimo bem e foi injustamente acusado de matar gente e traficar drogas. O país é maledicente: paciência.

Vejo agora que a Grã-Cruz é o grau mais alto da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, ordem honorífica portuguesa. Durão Barroso, que brilha na União Europeia, foi agraciado; Ramalho Eanes, outrossim. O general António Ramalho Eanes foi aquele presidente português pós-salazarismo que tinha voz da Zebrinha da televisão brasileira. Se ainda não esticou as botas, está com 78 aninhos.

O mundo é uma bola

15 de dezembro de 384: sucedendo ao papa Dâmaso I, é eleito o papa Sirício. Considerando que ninguém pode ter esse nome, vou à Wikipédia para descobrir que ele se chamava Sicirius, nasceu em Roma no ano de 334 e deixou mulher e filhos para tornar-se papa, pontificando até 399, quando foi sucedido pelo papa Anastácio I, aí sim, nome bonito: Anastácio. Você, leitor, conhece algum Anastácio?

Em 1640, João IV é coroado rei de Portugal na restauração do trono, depois de 60 anos de domínio espanhol, tudo por culpa do cardeal-rei dom Henrique, morto sem deixar descendência conhecida. Fosse Henrique um papa Sicirius, teria uma porção de filhos candidatos ao trono português.

Em 1831, fundação do Corpo de Municipais Permanentes, futura Polícia Militar do Estado de São Paulo, hoje odiada nas pesquisas de opinião, mas quem fica rico, mesmo, são os ilustres funcionários da prefeitura que fiscalizam o ISS das construtoras nas administrações Kassab e Haddad.

Em 1500 foi a óbito Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Cabral. Tinha 50 anos.

Hoje é o Dia do Jardineiro, do Arquiteto e da Mulher Operadora do Direito.

Ruminanças
“É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida” (Abraham Lincoln, 1809–1865).

Memórias referentes ao tempo, ao espaço e a eventos compartilham rede de neurônios


Recordações conectadas Estudo publicado na Science mostra que as memórias referentes ao espaço e a eventos compartilham a mesma rede de neurônios

Paloma Oliveto
Estado de Minas: 15/12/2013



Quando se recordava das visitas do Sr. Charles Swann à fictícia cidadezinha francesa de Combray, o narrador da saga Em busca do tempo perdido evocava, ao lado da figura do vizinho, o grande castanheiro, a mesa de ferro do jardim, a “chama da lâmpada de cristal da Boêmia, em forma de urna, suspensa do teto por pequenas correntes”, a lareira de mármore de Siena, uma “salinha que cheirava a íris” ou a “saleta onde todos se abrigavam se chovia”. Na obra-prima de Marcel Proust, uma ode à memória, a lembrança de episódios está profundamente ligada à visualização dos lugares onde eles ocorreram. Na vida real, também é assim: quando se fala no trágico 11 de setembro, todo mundo se lembra de onde e com quem estava ao ouvir a notícia; quando se encontra um velho amigo na rua, a tendência é formar, na mente, a imagem contextualizada do último encontro.

Essas são as caracerísticas do que os cientistas chamam de memória episódica: a capacidade de armazenar e, depois, recuperar recordações que estão associadas a um determinado lugar no tempo e no espaço. Isso levanta a desconfiança de que tanto a memória episódica quanto a espacial — aquela que permite dirigir de casa para o trabalho quase sem pensar no trajeto — envolvam as mesmas redes de neurônios. De acordo com especialistas, a melhor compreensão  sobre esses circuitos é fundamental para o estudo de problemas como as demências, que apagam do cérebro não apenas os fatos, mas, muitas vezes, a orientação espacial dos pacientes.

Com um jogo de computador que simula entregas de mercadorias e objetos em uma cidade virtual, pesquisadores alemães e americanos conseguiram mostrar que as células cerebrais ativadas na memória episódica são as mesmas que entram em atividade na recordação de informações espaciais. De acordo com eles, como em um mapa cheio de alfinetes coloridos, esses neurônios fazem “marcações geográficas” (geotags) para memórias específicas e são ativados imediateamente antes de essas recordações serem puxadas pela mente. Assim, o encontro com o velho amigo na rua “acende” a rede de neurônios, trazendo não só a imagem dessa pessoa, mas também, por exemplo, da praça onde ela foi vista na última vez.

 “Acreditamos que nosso trabalho possa mostrar como a informação espacial se incorpora às memórias e por que lembrar de um episódio pode rapidamente trazer à mente outros eventos que aconteceram no mesmo lugar”, destaca Andreas Schulze-Bonhage, neurocientista do Centro de Estudos do Cérebro da Universidade de Freiburg, na Alemanha, e principal autor do estudo, publicado hoje na revista Science. Ele se refere ao fato de que, aparentemente sem motivo, alguns episódios vêm à cabeça, mesmo que não estejam diretamente relacionados com a memória evocada. Mais uma vez, pensando no velho amigo, é possível que, logo depois de vê-lo, a pessoa se recorde de um assalto e não saiba o motivo da lembrança. A explicação pode ser que o crime tenha ocorrido na mesma praça onde ela encontrou aquela pessoa.

Cidade virtual
No estudo, os cientistas monitoraram a atividade cerebral de sete voluntários que sofrem de epilepsia enquanto eles jogavam um game desenvolvido apenas para a pesquisa. A escolha dos participantes se deu pelo fato de essas pessoas fazerem parte de um tratamento experimental para o distúrbio neurológico, que consiste no implante intracraniano de microeletrodos. Dessa forma, é mais fácil visualizar a atividade elétrica dos neurônios em tempo real.

O simulador era bastante simples: os voluntários navegavam por uma cidade virtual composta por 16 lojas e 42 prédios, além de árvores, bancos, caixas de correio, postes de luz e gramados. Cada estabelecimento comercial tinha um visual próprio, para que os participantes pudessem diferenciá-lo dos demais. Enquanto eles se deslocavam pelo ambiente com a ajuda de um controle remoto, os cientistas faziam a observação das redes de neurônios, a partir de sinais mandados pelos eletrodos para um monitor.

No início do jogo, depois de se familiarizarem com a cidade, os voluntários eram instruídos a fazer entregas em determinadas lojas, mas eles só sabiam qual objeto carregavam quando chegavam ao local. Depois de deixar o item, os jogadores partiam para a próxima loja indicada pelos pesquisadores. Após 13 paradas, a tela do computador ficava em branco. Então, pedia-se aos voluntários para falarem quais itens eles haviam entregado ao longo do jogo, na ordem em que se lembravam.

Mapa mental
De acordo com o neuropsicólogo Michael J. Kahana, pesquisador da Universidade da Pensilvânia e coautor do estudo, ao pedir que os jogadores se recordassem dos itens entregues em vez das lojas visitadas, a ideia era testar se o sistema de memória espacial seria ativado quando os participantes tentassem acessar, na mente, a memória episódica.

“Como os eletrodos monitoravam a atividade elétrica das redes neurais, conseguimos ver que foi exatamente isso que aconteceu. Enquanto os voluntários navegavam pela cidade, os neurônios do hipocampo (uma região crucial para a memória) e das áreas próximas iam se acendendo, como num GPS. Isso foi muito interessante, pois praticamente se montou um mapa mental do deslocamento”, comenta Kahana. “Essas mesmas luzinhas se acenderam quando eles tentavam lembrar dos objetos entregues”, diz.

Segundo o neuropsicólogo, agora, há uma prova direta — a primeira — de que o sistema de formação de memória espacial e episódica compartilham uma mesma arquitetura. “Para o estudo dos distúrbios de memória, esse pode ser um grande achado”, acredita. “O sistema que envolve a memória episódica é o último a se desenvolver na criança e o primeiro a declinar na idade adulta. Por isso, recentemente, a comunidade científica tem devotado uma intensa atenção a essa questão. Entender seus mecanismos é uma ferramenta essencial se quisermos lutar contra a demência”, opina Jonathon Crystal, professor do Departamento de Neurociência Psicológica da Universidade da Geórgia e estudioso do tema.



"O sistema que envolve a memória episódica é o último a se desenvolver na criança e o primeiro a declinar na idade adulta. Entender seus mecanismos é essencial se quisermos lutar contra a demência”
Jonathon Crystal, professor da Universidade da Geórgia