domingo, 25 de janeiro de 2015

MARTHA MEDEIROS - Encrencas domésticas

Zero Hora 25/01/2014

O chuveiro está esquentando demais. A pia da cozinha não para de pingar. A porta do armário não está fechando direito. A geladeira está fazendo um barulho estranho. O interruptor de luz está com mau contato. Os azulejos da área de serviço estão descolando da parede. Escorre água por baixo da máquina de lavar. A vizinha do andar de baixo está reclamando de uma infiltração no teto do banheiro dela, e adivinhe de quem é a culpa.
Está tudo 100% com seu doce lar? Nada quebrado, nada precisando de reparos, nenhuma necessidade de chamar o eletricista, o bombeiro hidráulico, um faz-tudo? Permita que eu abrace você, vá que sua sorte seja contagiosa.
Não moro num prédio em ruínas, mas mesmo jovens edifícios aprontam das suas. Não importa a idade, em que bairro, qual a situação do imóvel: sempre tem uma coisinha para consertar. E, assim que ela for resolvida, outra coisinha virá reclamar seus direitos. A umidade deixou manchas na parede. A basculante do banheiro está com o vidro trincado. O forno está custando para acender. O liquidificador está dando choque, não estará na hora de trocar?
Sempre está na hora de trocar, pintar, arrumar, dar um jeito. Sua casa deve ser que nem a minha, um ser vivo que pede atenção constante. Ou estarei pagando por erros cometidos em encarnações anteriores?
Na classificação das tragédias, consertos domésticos nem contam. Não tenho dúvida de que sou uma abençoada por ter, numa única semana, apenas trocado a bandeja do ar-condicionado, ficado sem internet por 24 horas por pane no modem e ter chamado meu fiel socorrista para reforçar alguns rejuntes. E nem estou considerando o barulho de uma furadeira vindo do apartamento ao lado, que isso já não faz parte do meu universo e não sou eu que pago a conta.
Melhor pular essa parte, a conta.
Está tudo bem e estou calma – mas entrou agora um e-mail pedindo para que eu imprima um documento e o assine. Isso significa que deverei utilizar minha impressora. Você tem uma impressora caseira? Diga que a sua não trava no meio da impressão, que não engole a folha de papel, que cumpre sua função como se fosse uma eficiente impressora de escritório. Me convença de que impressoras caseiras não fazem complôs e de que estou aqui, quase histérica, sem motivo.

Liguei a geringonça. Ela fez alguns barulhos similares ao início de uma batucada e depois silenciou. A luz que deveria ficar permanentemente acesa está piscando como quem alerta para uma explosão em 30 segundos. Tem sido assim nas últimas semanas. Clico em imprimir e nada acontece. Impressoras não fazem complôs, você me convenceu. Está tudo bem, estou calma e agora meu gato se dependurou na cortina, abrindo um rasgão. Adoro trabalhar em casa.

Japonesismos - Eduardo Almeida Reis

Só depois de conhecer a libido é que o macho da espécie se enrola e se mete nas enrascadas de que se arrepende pelo resto dos seus dias


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 25/01/2015





Segundo Nascentes, o diacronismo obsoleto suruba, adjetivo de dois gêneros, que significa muito bom, excelente, capaz – “um trabalhador suruba” – veio do tupi suru’ba. Como substantivo feminino, regionalismo brasileiro de uso informal, tem uma porção de significados desde namoro escandaloso até sexo grupal.

Salvo melhor juízo, diz aqui o philosopho, sexo grupal nos dá ideia de confusão, de bagunça, de orgia sexual em que vale tudo e mais alguma coisa que não posso descrever por dois motivos, o primeiro dos quais é o seguinte: sou virgem de experiências do gênero. E o segundo é a minha notória pudicícia.

Circula na internet um vídeo demorado envolvendo dezenas de jovens japoneses, que não contei mas tive a impressão de que passam dos 250 casais. Tudo escrito em japonês, mas dá para ler 500 Y sex. É das cerimônias sexuais mais impressionantes de que tive notícia. Primeiro entram num salão imenso as mocinhas vestidas e descalças, assumem os seus lugares, se despem e ficam feito estátuas sobre o piso forrado de tecido claro e almofadado.

Depois aparecem os rapazes em cuecas, procuram suas companheiras e formam os pares. Presumo que os pares sejam agendados, porque não há brigas. As 250 mocinhas, no vídeo, são todas da maior palatabilidade e nenhuma parecia menstruada como seria natural numa quantidade tão grande de jovens púberes.

É tarde da noite. Interrompo em “púberes” esta bela crônica para ir dormir. Agora cedo, bem dormido, banho e café tomados, charuto aceso, retomo nossa conversa depois de ver o vídeo pela segunda vez: dura 10 minutos. É difícil calcular a idade de japoneses, que ouso estimar em pouco mais de 20 anos. A função grupal começa com as moças desnudas, em pé, e os rapazes em cuecas, por trás delas, em ósculos bucais bem mais chiques do que beijos nas bocas. Junto com o oscular temos a manipulação das mamas, isto é, dos mimos que as japonesas têm no lugar dos seios. A terceira etapa é a manipulação genital das jovens. Alguém tirou do chão as roupas das mocinhas. Depois, somem as cuecas dos rapazes e acontece, em perfeita sincronização dos 250 (!) pares, tudo quanto se possa imaginar: duplo sexo oral, papai e mamãe, já então com uma gritaria das mocinhas em japonês e uma derradeira atividade que me permito não descrever.

Que é aquilo? Cerimônia religiosa? Filme pornô? Há takes tão próximos que os operadores de câmeras devem circular entre os casais. É vídeo impressionante. Se o leitor já assistiu e entendeu alguma coisa, porque fala japonês ou residiu no Japão, me explique, por favor.

Perigo
O latim nos deu libído,ìnis ‘desejo violento, paixão’, procura instintiva do prazer sexual, que Freud dizia ser a energia que está na base das transformações da pulsão sexual, a energia vital. E é por ela, pulsão sexual, que o macho da espécie humana se mete em cada situação que vou te contar.

Viver é negócio muito perigoso, já dizia Guimarães Rosa, e o recém-nascido se vê às voltas com o estado puerperal de sua mãezinha, em que há intensas alterações psíquicas e físicas capazes de deixá-la sem condições de entender o que está fazendo, em situação de semi-imputabilidade. Não todas as mães, mas algumas que chegam ao infanticídio: “morte do filho provocada pela mãe por ocasião do parto ou durante o estado puerperal”.

Só depois de conhecer a libido é que o macho da espécie se enrola e se mete nas enrascadas de que se arrepende pelo resto dos seus dias: ibidem porcina cardam torquet – é aí que a porca torce o rabo, diria o condutor da biga de Cícero. Figura máxima da Latinidade Clássica, Marcus Tullius Cicero (106-43 a.C.), filósofo, orador, escritor, advogado e político romano, foi morto e teve sua cabeça e mãos cortadas por Herênio, seguindo ordens de Marco Antônio. Cortadas e pregadas na rostra do Fórum Romano, não por ser filósofo, orador e escritor, mas por advogar e politicar.

O mundo é uma bola
25 de janeiro de 1308: Eduardo, de Inglaterra, se casa com Isabel, de França. Em 1327, Eduardo, de Inglaterra, é obrigado por sua mulher Isabel, de França, e seus nobres, a abdicar o trono em favor de seu filho Eduardo III.

Em 1533, casamento de Henrique VIII, de Inglaterra, com Ana Bolena, tadinha, executada aos 35 aninhos pelo bandidão do rei. Quando informada de sua iminente execução, Ana fez chegar a Henrique uma exigência: não aceitaria ser morta por um carrasco inglês, que utilizava o machado para a decapitação. Exigia a importação de um carrasco francês, pois na França a decapitação era feita com uma espada. Justificando sua exigência, teria dito que uma rainha da Inglaterra não curva a cabeça para ninguém em nenhuma situação. Releva notar que as decapitações com espada eram feitas com a vítima ajoelhada, mas com a cabeça erguida. Consta que foi atendida em sua justa reivindicação.

Em 1554, fundação da cidade de São Paulo, que já teve a subida honra de ser administrada pela senhora Marta Suplicy, figura extraordinária de mulher que hoje ilustra o Senado com a vastidão do seu gênio. Hoje é o Dia do Carteiro.

Ruminanças

“Admiro quem lê manuais e diz entender o que neles está escrito” (R. Manso Neto).

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Seja o que quiser!!!

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Seja o que quiser!!!

Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 25/01/2015



Encontrar a satisfação plena. Alcançar tudo o que almejamos e sonhamos. Viver infinitas experiências. Abolir limites. Mudar o corpo. Alterar a cor da pele. Implantar próteses. Fazer preenchimentos deformadores. Liberdade plena e irrestrita.

Esses ideais rondam o imaginário coletivo enquanto todas as facilidades nos intimam a alcançar o impossível. Mesmo sabendo que a realização plena está fora de alcance, ainda assim insistimos em botar fé e pilha nesse imaginário. E as coisas vão se desenrolando até o extremo.

Temos crédito ilimitado! Podemos adiar as contas, pagar tudo a prazo com juros oferecidos como baixos, fazendo muito banqueiro feliz com a eternização das dívidas do sonhador. É muito fácil o acesso a todos os tipos de produtos e, assim, sustentar o sistema, que oferece gozo imediato e imperativo.

Podemos adiar as responsabilidades e as consequências de nosso imediatismo fingindo não ser preciso pagar por tudo o que fazemos. A ideologia “seja o que quiser” sustenta a ilusão de muitos. Como se cada um fosse seu próprio criador e pudesse manipular o próprio eu, reinventando-se.

Como se pudéssemos sair por aí promovendo a autocriação, rompendo limites, ultrapassando barreiras reais, limites legais de sociabilidade e do próprio corpo. Manuais de autoajuda não faltam: como ganhar dinheiro, como emagrecer, como fazer amigos, como ser feliz.

Pessoas para quem as proibições sociais e os limites do corpo não são operativos encarnam essa ilusão como possibilidade real. Isso expõe uma falha simbólica com consequências drásticas para si próprio e para aqueles com quem se convive. É a indústria da propaganda combinada com o alto capitalismo. Nesta aldeia global, temos a impressão de que o mundo pirou e quem compra essa pílula perde a noção.

Um exemplo disso é veiculado por jornais, TVs e internet a cada instante, em tempo real. A grande polêmica do último sábado foi a execução de Marco Archer Cardoso Moreira, de 53 anos, na Indonésia, por crime de tráfico de drogas. A oportunidade de grandes lucros e a promessa de enriquecimento o levaram a ignorar a lei da pena capital daquele país. Ignorou o perigo e o resultado foi nefasto. Tentou escapar, mas a lei foi cumprida. É função da lei conter excessos e abusos.

Não discuto aqui a pena de morte, e sim a atitude de desafio à lei na qual o sujeito se joga quando acredita que pode tudo. As coisas não funcionam assim no real, embora no Brasil nem sempre tenhamos essa impressão.

Outro “sem noção”: o americano que se submeteu a quase uma centena de intervenções cirúrgicas (implantes de silicone nas nádegas, tríceps e bíceps; redução e afinamento do nariz) para ficar parecido com o boneco Ken, namorado da Barbie. “Adoro me metamorfosear. Quanto mais estranha é a cirurgia, melhor”, disse. E continuará tentando...

Esses exemplos extremos fazem parte do cotidiano, embora em menores proporções. O culto ao corpo, ao luxo e à felicidade total faz muitos reféns, pois realizar esses ideais é missão impossível.

Viver é perigoso, disse Guimarães Rosa. Para viver, é preciso fazer escolhas, mesmo que cada uma delas implique em perdas necessárias. Acatar limites e perdas em tempos de excesso é um grande desafio. 

Brasília em foco

Brasília em foco Fernando Meirelles filma na capital do país trama sobre traição e atos corruptos


Silvana Arantes
Estado de Minas: 25/01/2015



É uma pena sermos tão vaidosos ou mesquinhos. Se alguém %u2018de dentro%u2019 tivesse um pouco de bom senso,perceberia que autocrítica é construtivo, me parece que é só isso que a Marta (Suplicy) está tentando fazer%u201D (Cartunista Quinho)
É uma pena sermos tão vaidosos ou mesquinhos. Se alguém de dentro tivesse um pouco de bom senso,perceberia que autocrítica é construtivo, me parece que é só isso que a Marta (Suplicy) está tentando fazer

O diretor paulistano Fernando Meirelles conquistou fama no cinema com um surpreendente retrato do universo das favelas cariocas pelo lado de dentro em Cidade de Deus (2002), que teve quatro indicações ao Oscar.

Atualmente mais interessado em TV do que em cinema, Meirelles voltou suas lentes para Brasília, onde filmou a minissérie Feliz para sempre? , que estreia amanhã na TV Globo. A opção por ter a capital federal como cenário foi “100% estética”, ele diz. “Usamos sempre a câmera baixa para explorar ao máximo o céu do planalto e voamos livres com nossos drones pelo meio daqueles lindos monumentos. Isso foi um prazer do

No entanto, a política tem ocupado cada vez mais espaço na vida do cineasta, que apoiou a candidatura de Marina Silva à Presidência da República em 2014 e diz ser o “aquecimento global” o tema que mais o “mobiliza hoje em dia”.

Na entrevista a seguir, ele critica o gabinete ministerial da presidente Dilma Rousseff, defende a atitude da senadora Marta Suplicy de questionar publicamente seu sucessor no ministério da Cultura e afirma que “os ruralistas reescreveram a fábula da galinha dos ovos de ouro. Eles optaram por secar as nascentes para faturar o ouro”.

Meirelles falou ao Estado de Minas por e-mail de Paris, onde conduz reuniões preparatórias para a abertura da Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro.


Brasília foi usada como metáfora de um cemitério por Nelson Pereira dos Santos em Brasília 18% (2005). Você usa Brasília como metáfora de quê em Felizes para sempre?

Minha opção foi 100% estética, apesar de eu ter usado o argumento de que, como a trama política da série envolve o Congresso e um ministério, seria interessante usar esses locais de verdade. E foi assim mesmo.

O Senado nos deixou filmar em algumas áreas, o que achei bastante democrático. Já a Câmara não nos autorizou. É a velha confusão daquela turma que acha que a coisa pública na verdade é deles. Mas o que estávamos buscando não era cutucar parlamentar, eram principalmente os grandes vazios daquele lindo espaço urbano que reflete lindamente a alma solitária dos personagens.

Usamos sempre a câmera baixa para explorar ao máximo o céu do planalto e voamos livres com nossos drones pelo meio daqueles lindos monumentos. Isso foi um prazer do tamanho da Esplanada.

Você apoiou a candidatura Marina Silva à Presidência e vem expressando no Twitter sua indignação com os rumos deste segundo governo Dilma, especialmente com a designação de Kátia Abreu para a Agricultura. Uma parcela da sociedade teme que o descontentamento de eleitores que apoiaram candidatos derrotados nas eleições se transforme em respaldo a um movimento golpista. Como vê o cenário político brasileiro para os próximos quatro anos?
Se há uma coisa que conquistamos foi a democracia. Não creio que haja qualquer risco de golpe no Brasil, apesar de alguns malucos terem sugerido esse absurdo. Pessoalmente, respeito a decisão da maioria. Mas isso não me impede de achar uma pena que, em uma hora destas, na qual o Brasil precisa e está pronto para uma mudança profunda, tenhamos sido agraciados com um ministério tão antigão destes. Não há sequer uma ideia que nos traga alguma expectativa de transformação interessante, já os receios são muitos.

Minha questão com a Kátia Abreu não é pessoal, é pelo fato de ela considerar produção só o que é plantado, colhido e vendido (para a China, de preferência). Para a ministra, uma floresta não é área produtiva, apesar de cada árvore ali estar produzindo 180 mil litros de chuva por ano.

Produção, no pensamento ruralista, é apenas o que pode encher um navio para virar dólares. Ao apoiar com fúria o novo Código Florestal, aliás, criado pelo nosso Ministro da Ciência e Tecnologia (que piada), a longo prazo nossa ministra da Agricultura deu o maior tiro no pé da história.

Os ruralistas reescreveram a fábula da galinha dos ovos de ouro. Eles optaram por secar as nascentes para faturar o ouro. Já não está dando certo. Qualquer fazendeiro hoje te dirá que suas águas vêm diminuindo ao longo dos anos. São Paulo que o diga. Hoje, com a ajuda da ciência e da tecnologia, era a hora de reverter este caminho equivocado de décadas.

De que lado você se posiciona no tiroteio entre a senadora e ex-ministra da Cultura Marta Suplicy e o atual ministro, Juca Ferreira?
Juca tem um programa claro para a Cultura, o que é bom, mas Marta também tem o mérito de ter criado o vale-cultura, programa que, espero, seja um dos focos do novo ministro. Entendo por que ela está irritada ou decepcionada com seu partido.

E também entendo por que os que estão do outro lado ficam tentando desqualificá-la. É uma pena sermos tão vaidosos ou mesquinhos. Se alguém “de dentro” tivesse um pouco de bom senso, perceberia que autocrítica é construtivo, me parece que é só isso que a Marta está tentando fazer.

Você se encontra na França para tratar de algum projeto de cinema? Quais serão seus próximos trabalhos?

Estou aqui em Paris para uma série de reuniões e testes da área técnica da abertura dos Jogos Olímpicos, que estou criando com a Daniela Thomas e o Andrucha Waddington.

Nós inventamos umas maluquices no ano passado e agora estamos aqui falando com gente de diferentes áreas para saber como podem ser realizadas.

Fora esta abertura, que não é pouca coisa, irei daqui para Londres, para um encontro com um produtor da BBC, para quem estou começando a desenvolver uma série para TV sobre o tema que mais me mobiliza hoje em dia: aquecimento global.

Em abril, dirijo dois episódios de uma série canadense cômica/dramática chamada Sensitive skin, com a Kim Cattrall (a loira de Sex and the city).

Fora isso, no tempo que sobrar vou estar ocupado em sair de São Paulo, que, aparentemente, terá que ser evacuada parcialmente pela falta de água. E isso não é uma piada e nem tem graça.


VIDA E OBRA
» Fernando Meirelles nasceu em São Paulo, em 1955
» É formado em arquitetura pela FAU-USP
» Foi um dos fundadores da produtora Olhar Eletrônico. Hoje possui a O2 Filmes
» É diretor de seis longas-metragens, entre eles, Cidade de Deus, O jardineiro fiel e Ensaio sobre a cegueira
» Concorreu ao Oscar de melhor diretor com Cidade de Deus e à Palma de Ouro no Festival de Cannes com Ensaio sobre a cegueira
» É casado com Ciça Meirelles, que assina a trilha de Felizes para sempre?. O casal tem dois filhos

Série tem paralelo com a Operação Lava-Jato Protagonista da trama é empreiteiro que financia campanhas eleitorais e se torna alvo de investigação da Polícia Federal

Silvana Arantes

Adriana Esteves, João Miguel, Maria Fernanda Cândido, Enrique Diaz, João Baldasserini e Carol Abras estão no elenco da série (Zé Paulo Cardeal/TV Globo)
Adriana Esteves, João Miguel, Maria Fernanda Cândido, Enrique Diaz, João Baldasserini e Carol Abras estão no elenco da série

Um empreiteiro financia campanhas eleitorais em troca de obras do Estado e acaba sendo investigado pela Polícia Federal. O paralelo entre a trama de Felizes para sempre? e a Operação Lava-Jato ocorreu por “pura coincidência (ou sorte?)”, segundo o diretor Fernando Meirelles, já que a série foi escrita em 2013, por Euclydes Marinho. No trecho a seguir da entrevista ao Estado de Minas, o cineasta fala sobre a colaboração com Marinho, o desempenho do elenco e comenta a polêmica sobre a adaptação que a TV Globo fez do longa Tim Maia, de Mauro Lima, ao formato de série, suavizando o papel desfavorável do cantor Roberto Carlos contido no filme.


Quem ama não mata (1982) teve grande impacto em sua época, pré-Lei Maria da Penha. Qual é o eixo da discussão em torno das relações amorosas que essa releitura da obra propõe?
Felizes para sempre? não tem um gancho como o da Lei Maria da Penha, mas, sem querer, acabou sendo muito atual, pois o protagonista é um construtor que financia campanhas em troca de obras do Estado e acaba sendo o foco de uma operação da Polícia Federal. O paralelo entre esta trama e a Operação Lava-Jato foi pura coincidência (ou sorte?), pois a série foi escrita em 2013, antes da Lava-Jato. Do ponto de vista do comportamento, o mérito do texto é justamente não problematizar alguns aspectos, como uma relação gay. O fato acontece sem nenhum comentário. Vida normal. Não falar sobre isso acaba sendo um posicionamento.

Você já disse que "o longa virou o conto, a TV virou o romance". Que tipo de romance a minissérie Felizes para sempre? lhe dá chances de contar?
O comentário era em relação à duração da obra. Se você tem só uma hora e meia para contar sua história, você tem que estar focado no protagonista e na sua jornada, pois não há tempo para digressões. Numa série, cada personagem tem seu conflito. É possível criar mais relações entre eles, e as tramas também podem ser mais diversas ou mais complexas, já que há mais tempo para desenvolvê-las. Talvez seja por isso que, em geral, ficamos mais ligados a personagens de séries do que aos personagens de filmes. Convivendo mais tempo com eles, eles ficam mais tridimensionais. É justamente por esta possibilidade que tenho gostado mais do que assisto na TV do que daquilo que vejo no cinema. Em Felizes para sempre? o tema central são os casamentos ou as relações. Cada casal da família vive um tipo de problema que, creio, fará com que a maioria dos espectadores se identifique. Há a mulher que se sente meio abandonada pelo marido, o marido que se sente pouco amado, ciúmes, traição, culpa, impotência. São sentimentos que todos experimentamos na vida.

Em geral, nas produções da Globo, a palavra final é do autor. No caso de Felizes para sempre? ela é sua ou de Euclydes Marinho?
O Euclydes tem a palavra final no texto, é o autor da série. Tudo que eu quis mudar em relação à história ou mesmo alguns diálogos que reescrevemos durante os ensaios foram mandados para ele, para receber uma revisão ou sua bênção. Na hora da produção, a coisa se inverte. Euclydes participou da escolha do elenco e de outros aspectos da realização, mas a palavra final era minha. Foi uma colaboração muito rica e sem conflitos. Acho que ambos nos mantivemos sempre abertos e dispostos a ouvir o outro.

O que vai surpreender o espectador em Felizes para sempre??
O elenco traz boas surpresas, como o Enrique Diaz, o protagonista, que, além de excelente, por não ser uma cara tão conhecida, traz um frescor à série. Há outros atores também não muito presentes na TV que vão surpreender, como João Baldasserini, Carol Abras, Perfeito Fortuna ou a Selma Egrei. A partir da série, a Paolla Oliveira deverá ser vista de uma outra maneira. Ela fez seu trabalho com total entrega. Maria Fernanda Cândido é de uma delicadeza espantosa. João Miguel também faz um trabalho muito interiorizado, e a Adriana Esteves mostra por que é a Adriana Esteves. Brasília também é um personagem na história e nossos quatro fotógrafos conseguiram mostrá-la de uma forma muito interessante. A escolha das músicas, feita pela Ciça, minha mulher, dá um tom inusitado também.

A Globo acaba de ter uma experiência tumultuada com a adaptação do longa Tim Maia, de Mauro Lima, para uma série de TV. O que achou dessa polêmica? Há chance de a Globo converter Felizes para sempre? num longa, como ela tem feito nas comemorações de seus 50 anos com séries já exibidas?
Não consegui assistir à série (Tim Maia) no ar, mas li que o diretor não aprovou a versão para TV. Acho interessante um filme virar série ou uma série virar filme e também gosto que as versões não sejam iguais. Mas talvez devessem ter pedido para o próprio diretor fazer a adaptação. Sobre a ideia de resumir várias séries em longas para comemorar os 50 anos, achei uma grande sacada e gostaria que isso fosse feito com Felizes para sempre? nos 60 anos (da Globo).

 Daniel Filho assina versão original


Felizes para sempre?, série em 10 capítulos dirigida por Fernando Meirelles, que estreia amanhã na TV Globo e terá exibição após o BBB 15, é uma releitura de Quem ama não mata, exibida em 1982. As duas versões são assinadas por Euclydes Marinho.

O título da obra original fazia referência à palavra de ordem pintada em muros de Belo Horizonte em protesto pelo assassinato, em 1976, de Ângela Diniz, cometido por seu companheiro, Doca Street. Estrelada por Claudio Marzo e Marilia Pêra e exibida na faixa de programação Série Brasileira, Quem ama não mata teve direção de Daniel Filho e inaugurou o núcleo da Globo batizado com seu nome.

O casal de protagonistas é agora interpretado por Enrique Diaz e Maria Fernanda Cândido e se chama Claudio e Marilia, em homenagem aos atores da primeira versão. Com mais focos do que a trama original, mas igualmente ancorada em relações em crise e emoções como o ciúme, Felizes para sempre? acompanha agora a rotina de cinco casais e incluiu em seu roteiro relacionamentos abertos e homossexualidade.

“Todo mundo já viveu, não digo necessariamente um caso extraconjugal, mas uma tentação ou os limites do casamento. Qual o prazer que você tem, diferentemente dos seus pais, em ficar casado? Que tipo de relação que você tem de afeto e de amizade que não está no casamento? Que tipo de chamado isso produz em você, e o que você faz com isso? Depende da sua vida, do que você já viveu ou não. De qualquer maneira, são questionamentos muito contemporâneos. São coisas que as pessoas estão vivendo, assim como os novos tipos de famílias, novas sexualidades, casais gays, casais gays que adotam etc.”, afirma Diaz.

Personagem enorme Meirelles assistiu a uma atuação do ator e diretor Enrique Diaz no teatro e o convidou para o papel. “O mais engraçado é que tenho sido mais diretor do que ator nos últimos anos. Por isso, não faço parte dos portfólios de atores que muitos diretores acessam. Propus um projeto de série para o Fernando (Meirelles) e conversamos. Ele foi ver a minha peça e, depois, me chamou do nada para fazer um personagem enorme como esse”, conta Diaz.

A personagem de Maria Fernanda Cândido “é uma mulher sensível, romântica e ingênua”, segundo a atriz. “Marilia é muito apaixonada pelo marido. O casal está fora de sintonia, e o reflexo disso acaba incluindo problemas sexuais”, afirma.

No contexto dos problemas sexuais, surge a proposta de sexo a três feita pelo marido de Marilia e uma experiência dela com a garota de programa interpretada por Paolla Oliveira. “Ali, nesse caso, é a vida que se apresenta. Aconteceu! É muito interessante, é um espaço sendo preenchido. O legal é que essa relação mostra como as pessoas não controlam a vida. Onde colocar o desejo é uma questão que vamos discutir na minissérie”, diz.

Paolla Oliveira conta que batalhou para ter o papel. “Essa personagem é algo que busquei. E posso dizer que fui atrás, porque fiz a primeira leitura e fui chamada para fazer um teste. Fiz a preparação e, depois, passei por outro teste. Venho buscando personagens diferentes. Esse é um discurso talvez bobo para quem está ouvindo, mas essa é uma personagem diferente e que tem desafios. Uma personagem complexa. Porém as cenas de nudez não têm esse tamanho que as pessoas criam. Faz parte do nosso trabalho de ator.”