Zero Hora 25/01/2014
O
chuveiro está esquentando demais. A pia da cozinha não para de pingar. A porta
do armário não está fechando direito. A geladeira está fazendo um barulho
estranho. O interruptor de luz está com mau contato. Os azulejos da área de
serviço estão descolando da parede. Escorre água por baixo da máquina de lavar.
A vizinha do andar de baixo está reclamando de uma infiltração no teto do
banheiro dela, e adivinhe de quem é a culpa.
Está
tudo 100% com seu doce lar? Nada quebrado, nada precisando de reparos, nenhuma
necessidade de chamar o eletricista, o bombeiro hidráulico, um faz-tudo?
Permita que eu abrace você, vá que sua sorte seja contagiosa.
Não
moro num prédio em ruínas, mas mesmo jovens edifícios aprontam das suas. Não
importa a idade, em que bairro, qual a situação do imóvel: sempre tem uma
coisinha para consertar. E, assim que ela for resolvida, outra coisinha virá reclamar
seus direitos. A umidade deixou manchas na parede. A basculante do banheiro está
com o vidro trincado. O forno está custando para acender. O liquidificador está
dando choque, não estará na hora de trocar?
Sempre
está na hora de trocar, pintar, arrumar, dar um jeito. Sua casa deve ser que
nem a minha, um ser vivo que pede atenção constante. Ou estarei pagando por
erros cometidos em encarnações anteriores?
Na
classificação das tragédias, consertos domésticos nem contam. Não tenho dúvida
de que sou uma abençoada por ter, numa única semana, apenas trocado a bandeja
do ar-condicionado, ficado sem internet por 24 horas por pane no modem e ter
chamado meu fiel socorrista para reforçar alguns rejuntes. E nem estou considerando
o barulho de uma furadeira vindo do apartamento ao lado, que isso já não faz
parte do meu universo e não sou eu que pago a conta.
Melhor
pular essa parte, a conta.
Está
tudo bem e estou calma – mas entrou agora um e-mail pedindo para que eu imprima
um documento e o assine. Isso significa que deverei utilizar minha impressora. Você
tem uma impressora caseira? Diga que a sua não trava no meio da impressão, que
não engole a folha de papel, que cumpre sua função como se fosse uma eficiente
impressora de escritório. Me convença de que impressoras caseiras não fazem
complôs e de que estou aqui, quase histérica, sem motivo.
Liguei
a geringonça. Ela fez alguns barulhos similares ao início de uma batucada e
depois silenciou. A luz que deveria ficar permanentemente acesa está piscando
como quem alerta para uma explosão em 30 segundos. Tem sido assim nas últimas
semanas. Clico em imprimir e nada acontece. Impressoras não fazem complôs, você
me convenceu. Está tudo bem, estou calma e agora meu gato se dependurou na
cortina, abrindo um rasgão. Adoro trabalhar em casa.