sábado, 8 de novembro de 2014

Um jeito de ser - Martha Medeiros

Zero Hora 09/11/2014

Há muitos anos, tantos que minha memória pode estar me traindo, havia um programa de rádio local que fazia entrevistas e terminava sempre com a mesma pergunta: se você pudesse passar uma tarde conversando com qualquer personalidade mundial, viva ou morta, quem você escolheria? No topo das paradas se revezavam Martin Luther King, John Lennon, Shakespeare, Gandhi, Nelson Mandela e demais nomes desse naipe e magnitude.

Quando chegou minha vez de ser entrevistada, tirei um Nelson do bolso também, mas não era o Mandela. Respondi singelamente: adoraria passar uma tarde conversando com o Nelson Motta.
Naquela época, nem em sonhos imaginaria que um dia teria esse privilégio. Até hoje, aliás, não tive – e é provável que nunca tenha. Estamos apenas menos distantes, nossos universos se aproximaram, mas nos jogarmos num sofá pousando os pés em cima da mesinha de centro, como dois velhos amigos? Desconfio que não nesta encarnação.

Por que escolhi Nelson Motta em vez de Freud, Mick Jagger, Woody Allen? Nem eu mesma sei direito a razão de ter negligenciado meus ídolos de estimação. Talvez porque, na presença de grandes nomes, eu me limitaria a fazer uma entrevista, sem conseguir tirar meus sapatos e colocar as pernas para cima. Com Nelson Motta eu conseguiria – acho até que ele não permitiria que fosse diferente.

Antes da literatura, minha maior paixão foi a música popular brasileira, o que explica eu ter seguido os passos desse jornalista e produtor musical que fundiu sua própria vida com a sonoridade extasiante que o Brasil produz. Nossa música é nossa maior riqueza e Nelson Motta não só entendeu isso como a honrou através de artigos, estímulos, descobertas e inclusive com canções próprias. Só isso justificaria meu encanto, mas tem mais.

Tem a coisa do jeito. O que me fascina nas pessoas, qualquer pessoa, é o jeito. Não é o currículo, o discurso, o passado, o futuro, e sim o jeito de dizer as coisas, o jeito de levar a vida, o jeito de sorrir, o jeito de olhar, o jeito, simplesmente – fator tão esnobado, porém de alta relevância, ao menos pra mim.

Nelson Motta me ganhou não só pelos seus livros, mas por ter transformado seu trabalho em mais uma aventura amorosa (talvez a mais importante delas), por nunca perder o balanço das ondas mesmo vivendo a rotina estressante imposta a todos nós, por ser um cara que joga o jogo em vez de assistir da arquibancada, por ser um entusiasta de tudo que é bonito, bom e swingado, por buscar a palavra mais poética para dizer o que poderia soar pouco palatável e por manter inalterado aquele sorriso de menino no rosto, contrariando todas as teses de que o tempo passa e nos envelhece. Quem disse?

Ao completar 70 anos dias atrás, tive o privilégio de estar bem perto dele, tão perto que não resisti em perguntar, como se uma entrevista fosse: qual o segredo, afinal?
Ele: “Não guardar rancor”.

Não tirei os sapatos, mas tirei o chapéu.

Pegou Mal - Eduardo Almeida Reis

Pegou mal


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 08/11/2014


 (LELIS)


Uma revista com milhões de leitores deve ter dezenas de milhares, talvez centenas de milhares de leitores bobos, mas precisa respeitar aqueles que não são muito bobos. Numa pesquisa sobre a qualidade e os riscos dos transportes terrestres interestaduais, por exemplo, seria ridículo resumir e transcrever as opiniões dos donos de empresas de ônibus. Que me diz o leitor de uma revista que entreviste e publique as opiniões dos donos de redes de televisão sobre a importância da tevê na educação das crianças? Ou as opiniões dos donos de churrascarias sobre as virtudes médicas da ingestão de carne vermelha com aquela tira de gordura ao lado? Teria cabimento perguntar aos diretores da Brown & Williamson se o cigarro faz mal à saúde?

Pois foi exatamente o que fez a revista Veja na matéria especial/pesquisa “Dá para confiar nas pesquisas?”, ao entrevistar seis dos maiores especialistas no assunto, que explicaram por que as pesquisas são imperfeitas – e por que são indispensáveis (sic).

Os entrevistados foram: Neale El-Dash, diretor do Polling Data; Márcia Cavallari, CEO do Ibope; Mauro Paulino, diretor do Datafolha; Clifford Young, diretor de pesquisa da Ipsos; José Carvalho, estatístico da USP; e Cristiano Ferraz, estatístico da UFPE. É mole ou alguém quer mais? Tirantes os estatísticos, que entraram na matéria como Pilatos no Credo, os outros parecem executivos da finada American Tobacco Company, vendida para a Brown & Williamson em 1994, falando sobre os benefícios pulmonares das tragadas. Leio Veja desde que foi lançada, geralmente com proveito e aplauso, mas a revista me desrespeitou. Sua matéria pegou mal à beça e à bessa.

Humoristas
Humor é um negócio complicado. O que pode ser muito engraçado para mim, talvez não seja para um patrício coevo, adjetivo e substantivo masculino “que ou o que é da mesma idade”. Noite dessas fiquei acordado até tarde, depois que o senhor José Eugênio Soares, na Semana do Jô pelo GNT, anunciou entrevista com o grupo de humoristas “Os barbixa”.

Rapazes magros, altos, barulhentos, cultivando barbichas, que devem estar fazendo o maior sucesso. Alegre com a inesperada vitória do meu time, estava predisposto a achar graça em qualquer tolice, mas o humor do grupo não congemina com o meu. Dos quinze minutos da entrevista, aguentei 10, desliguei o televisor, joguei fora a guimba do charuto, fiz as abluções noturnas e abluído fui ao leito feliz com a temperatura que, pela primeira vez depois do outono deste 2014, me permitiu dormir sem cobertor. Feliz, também, com a vitória do meu time, mas intrigado com a graça dos jovens “humoristas”: será que aquilo é engraçado?

Prosit!
Faz tempo que venho namorando uma loura belga, blonde belge gorducha, romance que me apresso em contar ao leitor. Nascido, criado, crescido e engordado à base de chope da Brahma, faz tempo que me dedico às cervejas mais alcoolizadas, isto é, com maiores teores de álcool por volume. Dia desses, comprei seis gorduchas Duvel, garrafinhas de 330ml, 8,5% de álcool por volume.

Antigamente mataria as seis num almoço, mas estou ficando abstêmio, motivo pelo qual liquidei as louras em duas jornadas com direito a copo de cristal, pois continuo muito besta e ainda tenho copinhos de cristal para o gasto. Guardei uma das garrafas, vazia, para escrever sobre a Duvel, fundada em 1871, mas as letrinhas são tão pequenas que exigem lupa. Preciso comprar uma lente biconvexa que transmite uma imagem virtual aumentada dos objetos.

Por enquanto, deu para entender que aquela Duvel deve ser consumida antes de dezembro de 2015, que bebida durante a gravidez pode prejudicar a criança e que EL ABUSO EN EL CONSUMO DE ESTE PRODUCTO ES NOCIVO PARA LA SALUD. E o preço é nocivo para o bolso do philosopho. Prosit!

O mundo é uma bola
Moctezuma II, também chamado Motecuhzoma Xocoyotzin, era um tlatoani, governante asteca. Montezuma é a grafia mais conhecida de seu nome. No dia 8 de novembro de 1519, encontrou Hernán Cortés, que julgou ser o deus Quetzalcóalt. Ferrou-se, tadinho.

Em 1793, abertura do Louvre como museu. Em 1799, condenados e executados os líderes da Conjuração Baiana, João de Deus Nascimento, Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, Lucas Dantas do Amorim Torres e Manoel Faustino dos Santos Lira. Quatro alfaiates: conjuração popular. Enforcados, tiveram seus corpos expostos durante cinco dias nos principais pontos de Salvador, a Soterópolis brasileira. Foram enterrados em local desconhecido. Na conjuração mineira só enforcaram um. Que tal transformar em feriado o dia 8 de novembro para distribuir medalhas a montões?

Em 1887, o alemão Emil Berliner patenteia o gramofone. É lindíssimo como objeto de decoração, mas custa uma fortuna. Em 1889, descoberta dos raios-x pelo alemão Wilhelm Conrad Röentgen, que daria origem a técnicas e exames que mais parecem palavrões, como roentgengoniometria, roentgenluminescência, roentgenografia. Em 1022, nasceu Guilherme, o Conquistador, rei da Inglaterra entre 1066 e 1088. Nasceu na Normandia e invadiu a Inglaterra em 1066, levando com ele os normandos que se transformariam nos Dayrell brasileiros. Hoje é o Dia do Aposentado e o Dia Mundial do Urbanismo.

Ruminanças
“Arguinel Paixão Pinto, do PCdoB, é o prefeito de Pintópolis (MG). Faz sentido” (R. Manso Neto).