folha de são paulo
É difícil fazer protesto pacífico, diz Passe Livre
INTEGRANTES DO MOVIMENTO CULPAM REPRESSÃO POLICIAL PELA VIOLÊNCIA E DEFENDEM QUE CONTRIBUINTE FINANCIE TARIFA ZERO
DE SÃO PAULO
O MPL (Movimento Passe Livre) afirma que a realização de protestos pacíficos no país é difícil devido à violência vinda do Estado e descartou colaborar com a polícia para identificar vândalos.
O grupo classificou ainda de "oportunismo" a proposta feita pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para criar um passe livre para estudantes, e defendeu que a tarifa zero seja financiada pelo contribuintes.
As afirmações foram feitas ontem por Caio Martins, 19, e Mariana Toledo, 27, integrantes do MPL, em sabatina realizada pela Folha e pelo portal UOL, empresa do Grupo Folha, que edita a Folha.
O debate ocorreu no Museu da Imagem e do Som, no Jardim Paulista (zona oeste de São Paulo). Foi mediado pela repórter especial Patrícia Campos Mello, com a participação de Alan Gripp, editor de "Cotidiano", Uirá Machado, editor-assistente de "Opinião", e da repórter do UOL Notícias Janaina Garcia.
"É muito difícil conseguir uma manifestação pacífica na rua [no Brasil] porque o Estado é violento", disse Martins, 19. Estudante de história da USP, ele diz que experimentou exagero da polícia desde que começou a militar no MPL, em janeiro de 2011.
Citou ainda uma integrante do movimento que perdeu parte de um dos dedos devido aos estilhaços de uma bomba de efeito moral lançada pela polícia em uma das manifestações do grupo.
Questionado se o ataque à Prefeitura de São Paulo tinha sido crucial para a revogação no aumento da passagem, o estudante afirmou que o motivo principal do recuo na tarifa foi "a presença popular": "Tinha centenas de milhares de pessoas saindo às ruas."
VIOLÊNCIA
Ao lado de Martins na sabatina, Mariana, pós-graduanda em sociologia da USP, disse que "não é uma questão de condenar ou apoiar, achar legítimo ou não [a violência]. É que a gente perceba como a população está descontente com a violência da polícia, da tarifa".
Sobre a presença de anarquistas ligados ao "black bloc", movimento que prega o uso da violência em manifestações, a ativista disse que a presença do grupo "é mais fantasia do que outra coisa".
Mariana reforçou a posição do MPL contrária à "depredação do patrimônio público e disse que tenta evitar que isso ocorra. No entanto, afirmou que o movimento jamais ajudará a polícia a identificar vândalos.
"Uma coisa é tentar, auto-organizadamente, restringir [a violência]. Ajudar a polícia a criminalizar quem quer que seja é outra coisa", disse ela.
VIDA PESSOAL
Como tem sido praxe, os porta-vozes do MPL evitaram dar detalhes de suas vidas pessoais e comentar outros temas que são alvos de manifestações, como a PEC 37, projeto que restringia o poder de investigação do Ministério Público e foi barrado terça-feira na Câmara.
"A gente é um movimento social que discute transportes", repetiu Mariana.
"Não interessa saber o que o Caio e a Mariana pensam. Fomos destacados pra uma tarefa específica, de falar com a imprensa", disse Martins, que acusou os meios de comunicação de tachar o MPL de "vândalos" no início da realização dos protestos.
De organização "horizontal", o MPL não tem líderes. Os porta-vozes foram escolhidos pelo grupo, de cerca de 80 integrantes. Outras tarefas incluem a interlocução com a polícia e a redação de documentos e panfletos.
CRÍTICAS POLÍTICAS
Os dois integrantes do MPL foram duros tanto com as reações de Calheiros quanto a da presidente Dilma Rousseff (PT), com quem o movimento se reuniu, em Brasília, na última segunda-feira.
"A gente vê o projeto do Renan de passe livre estudantil como algo ligeiramente oportunista, cuja tentativa é menos enxergar o transporte como direito e mais uma tentativa de desmobilizar os estudantes", afirmou Mariana.
TARIFA ZERO
O MPL defendia o passe livre estudantil quando foi organizado nacionalmente, em 2005. Com o tempo, porém, passou a defender a tarifa zero, com base no projeto criado, mas não implantado em São Paulo em 1990, na gestão da então prefeita Luiza Erundina, na época no PT.
"A Dilma [Rousseff] disse que não existe tarifa zero: ou paga o usuário ou paga o contribuinte, mas isso é óbvio. O que a gente quer, justamente, é que o contribuinte pague", defendeu Martins.
Ele citou o aumento no IPTU como uma das fontes de financiamento possíveis e disse que o transporte público deveria estar no mesmo patamar de serviços públicos, como saúde e educação, fornecidos gratuitamente pelos governos.
"A reunião foi frustrante, pró-forma, do tipo vocês estão na rua, então vou chamar pra conversar'", disse Mariana, após a sabatina, sobre o encontro com Dilma.
O MPL negou que deixará de convocar mais protestos, mas disse que o foco agora será em outras atividades, como a aula pública realizada ontem, em frente à Prefeitura de São Paulo.
O movimento também promoverá o projeto de lei que prevê a implantação do transporte gratuito em São Paulo.
ESTÉTICA
Uma das perguntas do público que mais empolgaram o MPL foi sobre a "estética" dos protestos, questão classificada de "muito séria".
O movimento define o roteiro da marcha durante a manifestação e, ao invés de usar carro de som, faz jograis durante a passeata --prática em que um integrante grita um recado e os outros manifestantes repetem, juntos, em voz alta, para que todos no protesto possam escutar.
O grupo também tem uma fanfarra durante os atos. Outro recurso é a queima de catracas, compradas em ferros-velhos. "A catraca como símbolo, é a marca do apartheid urbano, por isso a destruição da catraca", disse Martins.
Os ativistas disseram que as redes sociais, principalmente o Facebook foram "fundamentais para a massificação da luta contra o aumento", mas lembram que várias cidades já haviam feito protestos grandes antes da existência desse recurso.