segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Cadernos de viagem - Carlos Herculano Lopes

Estado de Minas: 30/09/2013 



Márcio Godinho e Sérgio Aspahan registraram os quatro meses de aventura pelo Brasil afora (Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Márcio Godinho e Sérgio Aspahan registraram os quatro meses de aventura pelo Brasil afora

Uma viagem no tempo. Em poucas palavras, assim pode ser definido Mochileiros nos anos de chumbo – Diário de viagem de dois estudantes de jornalismo no Brasil da ditadura militar (Editora Duplo Ofício, 341 páginas), que Sérgio Aspahan e Márcio Godinho lançam hoje, às 19h30, na Livraria Leitura do Pátio Savassi, em Belo Horizonte. Em 1976, embalados pelo romantismo da juventude, estes dois amigos, com apenas 19 anos, realizaram uma inesquecível jornada de quatro meses pelo Norte e Nordeste do Brasil, usando todos os meios de transportes possíveis. Além da vontade de conhecer o país, o objetivo desta aventura era divulgar o Movimento, jornal alternativo de esquerda, que fazia oposição ao regime militar.

Hoje com os cabelos grisalhos como os de todos da sua geração, Sérgio Aspahan, mineiro de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, conta que os diários, depois de escritos, eram enviados pelo correio aos seus preocupados pais, que haviam ficado em Minas. “Tínhamos muito respeito por eles, e queríamos informá-los sobre tudo o que estava acontecendo nas nossas andanças por aquele país desconhecido para nós”, lembra. Com o passar dos anos, sem perderem o contato, Aspahan e Godinho começaram a perceber também que as histórias, que nunca deixaram de contar aos filhos e amigos, despertavam muito interesse. Foi daí que surgiu a ideia de transformar aquelas centenas de páginas de diário num livro.

Emoção Nascido em Belo Horizonte, onde ainda vive, Márcio Godinho conta que em todos os lugares por onde passavam acontecia um fato marcante. Queriam aprender tudo e, principalmente, estreitar o contato com o povo em todas as suas manifestações e vivências sociais e culturais. “Tudo era novidade, tudo era espanto”, explica Godinho. “Na primeira noite, assim que saímos de Belo Horizonte, dormimos escondidos em uma garagem em Curvelo, longe da segurança e do conforto de nossas casas”, continua. Alguns dias depois, já em Pirapora, ele e o amigo embarcaram no vapor Benjamim Guimarães com destino a Juazeiro e Petrolina, na divisa de Bahia e Pernambuco. Uma semana de viagem. Daí em diante, com as mochilas nas costas, caneta e cadernos nas mãos, enveredaram pelo Nordeste.

Falar de tudo o que viveram é impossível. Só mesmo lendo o livro. Mas Aspanhan se recorda que, ainda dentro do vapor, uma coisa lhe causou forte impressão: a divisão de classes sociais. Os pobres – aqueles dois jovens de classe média entre eles – iam embolados no convés, junto às cargas, enquanto os que tinham dinheiro viajavam no deque superior, usufruindo de todas as regalias, “com boas comidas e bebida à vontade”, diz o jornalista. Mas ainda não era nada perto do que veriam à medida que foram cruzando o sertão, onde a miséria fazia fartura.

De uma coisa Aspahan e Godinho nunca se esqueceram: a forma como o povo os recebeu, com uma generosidade que até então nunca haviam visto. “Todos acolheram aqueles dois rapazes com caras de hippies”, emociona-se Godinho. “Nos alimentaram, nos hospedaram, nos ciceronearam, sempre com um sorriso e espontaneidade verdadeira, sem pedir nada em troca.”

E, com os olhos e a experiência de hoje, o que ficou daquilo tudo? Aspahan pensa um pouco, passa as mãos nos cabelos e responde que aquela viagem marcou para sempre sua vida e a do amigo. “Desde então, ficaram mais claros os caminhos e o lado que iríamos tomar: o lado da justiça, da ética, da solidariedade, da defesa dos oprimidos e dos desvalidos da sociedade”, conclui.

MOCHILEIROS NOS ANOS DE CHUMBO
Lançamento do livro, hoje, às19h30, na Livraria Leitura do Pátio Savassi (Av. do Contorno, 6.161, Savassi). Informações: (31) 8417-4403 ou pelo e-mail mochileirosnosanosdechumbo@gmail.com

SEMPRE UM PAPO 

 (Edson Kumasada/Divulgação)

A série “Nova literatura brasileira”, realizada pelo projeto Sempre um Papo e que até dezembro vai trazer a Belo Horizonte nomes expressivos da literatura brasileira contemporânea, tem sequência hoje com a contista e romancista Ivana Arruda Leite (foto), às 19h30, na Sala João Cheschiatti do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). Paulista de Araçatuba, formada em sociologia pela USP, a escritora vai conversar com o público e autografar alguns dos seus livros. Uma das autoras mais importantes de sua geração (ela nasceu em 1951), Ivana foi finalista do Prêmio Jabuti em 2005, com Ao homem que não quis me amar. Escreveu muitos outros livros, entre eles Alameda Santos, Hotel Novo Mundo, Falo de mulher e História da mulher do fim do século, além de ter participado de várias antologias. 

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