Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 09/12/2013
Contei-lhes que só recentemente travei conhecimento com os quadros de miséria que se multiplicam por aí. Morando na roça a vida inteira, nossos empregados tinham salário, luz elétrica, água de mina, galinhas nos terreiros e um porquinho de ceva. Morto o porquinho, sempre sobrava uma quarta parte de presente para o patrão constrangido.
E tinham leite diário, oficialmente dois litros que enchiam galões de cinco litros. E todas as frutas do pomar da sede. Não me lembro de ter perdido filho de empregado e hoje tenho notícia de muitos fazendo bodas de prata, casados entre eles.
Tomando conhecimento dos tais quadros de miséria urbana, desandei a comentá-los com pessoas amigas e tenho tido notícia de casos espantosos, como os que me foram contados por jovem senhora, ex-funcionária graduada de duas multinacionais.
Ambas as empresas forneciam almoço para os seus empregados. Na indústria automobilística, tudo bem: os funcionários almoçavam normalmente, mas numa outra multinacional, fabricante de instrumentos de alta precisão, que servia pratos feitos, a esmagadora maioria dos empregados guardava os bifes em copos de plástico, sem refrigeração, para o jantar dos filhos em casa – e isso numa indústria que você conhece. Melhor que isso: garanto que usa ou já usou instrumentos fabricados por ela. A partir daí, dizer o quê? Note que não me refiro aos moradores de rua, mas a uma parcela expressiva de funcionários de conhecida multinacional.
Brasil
Martenson, em sueco, tem uma bolinha em cima do “a” que não consigo reproduzir aqui no computador. Portanto, vai mesmo sem bolinha para lhes dizer que o embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, nascido no Rio em 1935, escreveu artigo muito divertido para a Revista Piauí em que fala do seu colega Jan Martenson, grande diplomata sueco que começou sua vida profissional no Brasil.
Muitos anos mais tarde, Jan disse ao colega Azambuja da falta que sentia da palavra “sumiu”, muito do aprazimento nhambiquara. Em sua casa no Rio, quando sentia falta de alguma coisa, a explicação da empregada era sempre a mesma: “Sumiu”.
O sueco dizia que a palavra explica o inexplicável, encerra o assunto e não o leva a nenhuma consequência policial ou administrativa: “Estava nas coisas a faculdade de sumir e, aceita essa premissa, não se falava mais no assunto. As coisas tinham também a faculdade de reaparecer mais tarde sem maiores explicações. Sumiu. Apareceu.”
Realmente, Martenson, com a bolinha em cima do “a”, foi perfeito em sua análise: neste país grande e bobo, além das coisas, as pessoas também são danadas para sumir. Num dia, Carlinhos Cachoeira é o centro das atenções da mídia; uma semana depois, sumiu. Assim como ele, o empreiteiro que jantava em Paris com um guardanapo de pano branco amarrado na cabeça. E outros mais, mais outros, enfim milhares de brasileiros, talqualmente as pombas de Raimundo Correia, com uma diferença: as aves columbiformes voltam aos pombais à tarde, enquanto os brasileiros somem e demoram para aparecer, quando aparecem.
Números
A bela morena encarou o teleprompter e continuou: “Em cerca de dois anos e meio, a guerra civil da Síria já deixou mais de 120 mil mortos”. Anotei no bloquinho e me lembrei do programa Painel, que assisti na véspera, com os filósofos Eduardo Gianetti, Luiz Felipe Pondé e o tenente-coronel Adilson, da PM-SP, versado em filosofia, que vem de publicar um livro sobre violência, mediados pelo William Waack, um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros.
De início, assustou-me o fato de Pondé calçar tênis. Filosofia e tênis não combinam. É o tipo do calçado incompatível com os maiores de 18 anos e Luiz Felipe de Cerqueira e Silva Pondé nasceu no Recife no ano de 1959, passando portanto dos 54 aninhos. Apesar do par de tênis, Pondé fuma cachimbo e pensa, virtudes só menores do que aquelas dos cavalheiros que não usam tênis, pensam e fumam charutos.
Pois muito bem: o Painel discutiu o número anual de homicídios no Brasil, qualquer coisa em torno de 50 mil. Os mortos em acidentes no trânsito orçam também pelos 50 mil. Donde se conclui que em dois anos e meio, enquanto na guerra civil Síria morreram 120 mil, o Brasil matou 250 mil pessoas.
O mundo é uma bola
9 de dezembro de 1898: o coronel John Patterson consegue caçar o primeiro dos dois leões assassinos que mataram cerca de 140 pessoas na região de Tsavo, Quênia. Não fosse o coronel Patterson, os leões talvez comessem o pai do presidente Barack Obama, poupando a presidente Dilma da espionagem dos seus telefonemas para o ministro Mantega.
Em 1987, eclosão da Intifada, rebelião palestina nos territórios ocupados e no setor árabe de Jerusalém. Em 1992, Lady Diana separa-se do príncipe Charles, que preferia Camilla, ótima para fazer uma canja: dá bom caldo.
Em 2002, implosão do Carandiru, codinome da Casa de Detenção de São Paulo. Hoje é o Dia do Fonoaudiólogo.
Ruminanças
“Ouso, não urdo” (Gabriele D’Annunzio, 1863-1938).
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