Com Jesus, faça-se hoje menino
Frei Betto
Estado de Minas: 25/12/2013
Frei Betto
Estado de Minas: 25/12/2013
Natal é festa de
infância, ainda que tenhamos 90 ou 100 anos. A criança que fomos jamais
morre em nós. Ao longo do tempo, ela inclusive nos salva da aridez da
vida quando, na memória, a evocamos. São inesquecíveis as pessoas que
cobriram nossa infância de carinho e cuidados. Falo por mim em meados do
século 20, criança na Belo Horizonte com menos de 1 milhão de
habitantes, toda arborizada e adornada de pulseiras de prata: os trilhos
dos bondes. O tempo espreguiçava, e com tantas ladeiras e sem tantos
prédios os olhos podiam admirar a policromia do crepúsculo que faz jus
ao nome da cidade.
Na Serra do Curral, escalávamos o pico, ponteado pela cruz que a mineração predatória decepou. No Parque Municipal, alugávamos canoas e aprendíamos a remar. No quintal dos Dolabella, nos fartávamos de mangas. No canteiro gramado que dividia as pistas da Avenida do Contorno, jogávamos peladas. No Minas Tênis Clube, seu Macedo nos ensinava a nadar e a dominar cavaletes, barras e argolas de exercícios físicos. No Cine Pathé, as matinês de domingo protegiam no escurinho os primeiros namoricos. Ao fim da tarde, o incomparável sorvete de seu Domingos (que perdura e deveria ser tombado pelo patrimônio gastronômico mineiro).
O Natal se revestia de caráter religioso. Eram audíveis os sinos das igrejas, destacando-se o carrilhão da Igreja do Carmo. Escrevíamos cartas a Papai Noel, para garantir os presentes, mas tínhamos plena convicção de que se tratava da festa de nascimento de Jesus. Na sala de casa, o presépio à luz da árvore toda enfeitada. No Centro da cidade, a exposição do magnífico Presépio do Pipiripau (hoje no Museu de História Natural da UFMG), que encanta crianças e adultos. À noite, Missa do Galo, seguida da ceia em família, na qual jamais faltava rabanada.
Viramos adultos, e muitos de nós ficaram indiferentes à religião e insensíveis à liturgia. Deixamos que a “papainoelização” da data obscurecesse sua origem cristã. Filhos e netos já nem sabem recitar de cor uma oração. O que era alegria de uma festa virou ânsia consumista para, inclusive, tentar encobrir nosso débito com outrem: já que não me faço presente, dou-lhe presente. O que era expectativa, advento, agora é preocupação de não esquecer ninguém a quem nos sentimos na obrigação de presentear. O que deveria ser gratuidade torna-se compulsório. E somos tomados pela fissura de, seis dias depois, celebrar o réveillon, empanturrando-nos de comidas, bebidas e novos propósitos. Há que aproveitar o verão e as férias das crianças para sair de casa, viajar, descansar do trabalho, em busca de lazer na praia, no campo ou em algum recanto turístico, enfrentando estradas perigosas e preços abusivos.
Que tal uma viagem à criança que fomos? Se ousássemos, tudo ficaria mais simples. Livres de preconceitos, seríamos e faríamos os outros mais felizes. Talvez aquele amigo prefira uma boa conversa ao presente embalado com selo de grife. Despojados de agressividade, ciúme e inveja, não haveríamos de discriminar ninguém. Prestaríamos inclusive atenção naqueles que se privam das boas festas para garantir as nossas: garçons, cozinheiras, camareiras, faxineiras, guardas rodoviários, porteiros e seguranças. Então, sim, nossos corações, quais presépios, estariam abertos e prontos a acolher Deus que se fez um de nós no Menino de Belém.
Na Serra do Curral, escalávamos o pico, ponteado pela cruz que a mineração predatória decepou. No Parque Municipal, alugávamos canoas e aprendíamos a remar. No quintal dos Dolabella, nos fartávamos de mangas. No canteiro gramado que dividia as pistas da Avenida do Contorno, jogávamos peladas. No Minas Tênis Clube, seu Macedo nos ensinava a nadar e a dominar cavaletes, barras e argolas de exercícios físicos. No Cine Pathé, as matinês de domingo protegiam no escurinho os primeiros namoricos. Ao fim da tarde, o incomparável sorvete de seu Domingos (que perdura e deveria ser tombado pelo patrimônio gastronômico mineiro).
O Natal se revestia de caráter religioso. Eram audíveis os sinos das igrejas, destacando-se o carrilhão da Igreja do Carmo. Escrevíamos cartas a Papai Noel, para garantir os presentes, mas tínhamos plena convicção de que se tratava da festa de nascimento de Jesus. Na sala de casa, o presépio à luz da árvore toda enfeitada. No Centro da cidade, a exposição do magnífico Presépio do Pipiripau (hoje no Museu de História Natural da UFMG), que encanta crianças e adultos. À noite, Missa do Galo, seguida da ceia em família, na qual jamais faltava rabanada.
Viramos adultos, e muitos de nós ficaram indiferentes à religião e insensíveis à liturgia. Deixamos que a “papainoelização” da data obscurecesse sua origem cristã. Filhos e netos já nem sabem recitar de cor uma oração. O que era alegria de uma festa virou ânsia consumista para, inclusive, tentar encobrir nosso débito com outrem: já que não me faço presente, dou-lhe presente. O que era expectativa, advento, agora é preocupação de não esquecer ninguém a quem nos sentimos na obrigação de presentear. O que deveria ser gratuidade torna-se compulsório. E somos tomados pela fissura de, seis dias depois, celebrar o réveillon, empanturrando-nos de comidas, bebidas e novos propósitos. Há que aproveitar o verão e as férias das crianças para sair de casa, viajar, descansar do trabalho, em busca de lazer na praia, no campo ou em algum recanto turístico, enfrentando estradas perigosas e preços abusivos.
Que tal uma viagem à criança que fomos? Se ousássemos, tudo ficaria mais simples. Livres de preconceitos, seríamos e faríamos os outros mais felizes. Talvez aquele amigo prefira uma boa conversa ao presente embalado com selo de grife. Despojados de agressividade, ciúme e inveja, não haveríamos de discriminar ninguém. Prestaríamos inclusive atenção naqueles que se privam das boas festas para garantir as nossas: garçons, cozinheiras, camareiras, faxineiras, guardas rodoviários, porteiros e seguranças. Então, sim, nossos corações, quais presépios, estariam abertos e prontos a acolher Deus que se fez um de nós no Menino de Belém.
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