Zero Hora - 11/12/2013
Em 1994, Nelson Mandela tornou-se presidente de uma ainda problemática
África do Sul. No ano seguinte, 1995, o país sediaria pela primeira vez a
Copa Mundial de Rúgbi, conhecido como um esporte de brancos – tanto que
a população negra sul-africana torcia contra sua própria seleção.
Mandela percebeu que o evento poderia se tornar um importante aliado no
processo de fim do apartheid e consequente pacificação da nação.
Dedicou-se de corpo e alma a fazer com que a fraca seleção de seu país
conquistasse o título, empurrada por negros e brancos unidos por
patriotismo – uma utopia, na época.
O diretor de cinema Clint Eastwood contou essa história no filme
Invictus, com Morgan Freeman no papel de Mandela. A epopeia teve um
final feliz, bem ao gosto de Hollywood, com a vantagem de ter sido real:
a seleção da África do Sul, pela primeira vez, sagrou-se campeã mundial
de rúgbi, e a sabedoria de Mandela tornou-se ainda mais evidente ao
conseguir unificar o país através do grito de uma torcida finalmente
coesa.
Quando o filme estreou no Brasil, em 2009, Bernardo Buarque de
Holanda escreveu uma resenha em que disse: “Estádios funcionam como uma
caixa de ressonância por intermédio dos quais se exprimem, de alguma
maneira ou em algum grau, as tensões constitutivas da sociedade a que
pertencem”. Isso porque o esporte e a política sempre mantiveram laços.
Muitos ditadores usaram o esporte para impor a soberania de um povo
sobre o outro, de uma raça sobre a outra, porém Mandela entendeu que o
poder do esporte estava justamente em eliminar diferenças, agregando a
população em torno de um único e salutar propósito. Fundou uma nova
identidade nacional, minimizando as tensões advindas de brigas sem
sentido e trocando-as por vidas com sentido.
No momento em que estamos de luto pela morte desse que foi um dos
maiores humanistas do planeta, lamento que sua mensagem de paz não tenha
se expandido até aqui. A julgar pelas cenas de demência vistas nas
arquibancadas do jogo entre Vasco e Atlético-PR, seria preciso três
dúzias de líderes com o poder de persuasão de Mandela para inibir
brutamontes que chegaram a um nível de estupidez e ignorância alarmante,
lesando nossa autoestima.
O que os leva a agir de forma tão extremada diante de um inimigo
imaginário? A que ponto chega a provocação de uma torcida a outra para
que o senso crítico seja totalmente banido e a selvageria se imponha? E,
em termos menos filosóficos e mais práticos: por que não se resolve de
vez a questão do policiamento nos estádios e não se punem rigorosamente
esses animais?
Dias atrás o tabloide britânico Daily Mail publicou uma reportagem
boba em que demonstrava preocupação com a possibilidade de a seleção
inglesa ter que deparar com jacarés circulando pelas ruas de Manaus.
Jacaré não é nada, gringos.
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